RESUMO: Embora seja um instituto amplamente debatido pela doutrina, o dano moral sempre careceu de um entendimento consensual com relação aos critérios a serem utilizados para sua quantificação, sendo assim é de fundamental importância se estudar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça como suporte lógico para sua aplicação, a fim de se tentar unificar o entendimento sobre este tema tão polêmico.
Palavras-chaves: Dano moral. Quantificação. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência.
ABSTRACT: Although it is an institute widely debated by the doctrine, moral damage has always lacked a consensual understanding with regard to the criteria to be used for its quantification, so it is of fundamental importance if we study the position of the Superior Court of Justice as a software for its application , in order to try to unify the understanding on this controversial subject.
Keywords: Moral damage. Quantification. Superior Justice Tribunal. Jurisprudence.SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A Prova do Dano Moral – 3. Titularidade do Direito à Reparação – 4. Caráter Compensatório e Punitivo do Dano Moral – 5. Critérios para Avaliação do Dano Moral – 6. Critérios para a Quatificação do Valor do Dano Moral – 6.1 Extensão do Dano – 6.2 Grau de Culpa do Lesante – 6.3 Punição do Ofensor e Exemplaridade – 6.4 Culpa concorrente da vítima – 6.5 Situação Econômica do Ofensor e do Ofendido – 6.6 Proporcionalidade - 7. Conclusão – 8. Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
Para que o dano moral seja indenizável deve ser anormal e de intensidade relevante, excluindo-se assim a possibilidade de reparação dos meros aborrecimentos da vida cotidiana, pois são inerentes a vida humana em sociedade.
Sérgio Cavalieri (2001, p.78), argumenta que “só deve ser reputado como dano moral, a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar”. Adverte ainda que “o mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo” (CAVALIERE, 2001, p. 78).
Percebe-se grande esforço da jurisprudência em caracterizar o dano moral, conforme consta na ementa do acórdão unânime da lavra do Min. Barros de Monteiro, que resultou do julgamento, em 18 de fevereiro de 1992, do REsp 8.768/SP[1], “sobrevindo, em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização”. Verifica-se assim que a reparação do dano moral pressupõe a prova de sua ocorrência.
A questão da prova do dano moral traz polêmicas, entretanto é nítida a tendência, na doutrina e na jurisprudência, de se mitigar o ônus da prova da lesão, admitindo-se que o dano moral decorre da própria conduta ofensiva. Sérgio Cavalieri (2001), sustenta que o dano moral existe in re ipsa:
Neste ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum. Assim, por exemplo, provada a perda de um filho, do cônjuge, ou de outro ente querido, não há que se exigir a prova do sofrimento, porque isso decorre do próprio fato de acordo com as regras de experiência comum; provado que a vítima teve o seu nome aviltado, ou sua imagem vilipendiada, nada mais ser-lhe-á exigido provar, por isso que o dano moral está in re ipsa; decorre inexoravelmente da gravidade do próprio fato ofensivo, de sorte que, provado o fato, provado está o dano moral” (CAVALIERE, 2001, p. 80)
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 389.879/MG[2], adotou o entendimento no sentido de que “protesto indevido de duplicata enseja indenização por danos morais, sendo dispensável a prova do prejuízo” conforme decisão em 16/04/2002, da Quarta Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.
A posição do Min. Barros Monteiro, no REsp 8.768/SP[3], ao amparar-se nas lições de Yussef Said Cahali, Teresa Ancona Lopez, Caio Mário da Silva Pereira e Irineu Antônio Pedrotti, é de que “a sensação dolorosa de que padeceu o autor, resultante do protesto indevido, não carece de uma demonstração específica, porquanto ela é inerente ao próprio evento retratado na lide”.
Observa-se assim que para o STJ o que há é tão somente a necessidade da comprovação da existência do fato ofensivo, sendo desnecessária a existência de prova para a imputação do dano moral.
Não existe qualquer dificuldade em se reconhecer a legitimidade quando o próprio ofendido comparece em juízo para demandar a reparação de dano moral decorrente de lesão que atingiu bens inerentes à sua pessoa, o problema surge quando terceiros decidem postular a reparação de danos morais acarretados, reflexamente, por lesão que atingiu outra pessoa.
Neste sentido preleciona Carlos Alberto Bittar que “por dano direto, ou mesmo por dano indireto, é possível haver titulação jurídica para demandas reparatórias” (BITTAR, 1999, p. 155). Segundo o autor, titulares diretos “são, portanto, aqueles atingidos de frente pelos reflexos danosos, enquanto indiretos os que sofrem, por consequência, esses efeitos (assim, por exemplo, a morte do pai provoca dano moral ao filho, mas o ataque lesivo à mulher pode ofender o marido, o filho ou a própria família, suscitando-se então, ações fundadas em interessas indiretos)[4]”.
Wilson Melo da Silva (1999), sistematiza muito bem o tema, ao externar sua posição, afirmando que “todos aqueles que em tese, sofreram os danos morais têm direito de reclamá-lo”. Existindo dentre os lesados, a existência de duas classes: “a dos membros da família do ofendido (além do próprio ofendido) e a dos que fossem a ele ligados por laços de parentesco ou simplesmente afetivos”.Assevera ainda o ilustre autor que as pessoas da família “no restrito sentido do lar, é composta apenas dos cônjuges, dos filhos e dos irmãos”. Em favor desses “haveria, sempre, uma presunção de dano moral, presunção juris tantum, em caso de ofensas a seus membros” (SILVA,1999, p.674-675).
Para os componentes da segunda classe, ou seja, demais parentes, amigos, companheiros, a legitimidade para postular indenização por dano moral estaria a depender de prova, conforme leciona Wilson Melo da Silva:
Perfeitamente delimitados, em dois grupos distintos, estariam aqueles que tivessem direito ao ressarcimento do dano moral: o ordinário, do entourage doméstico da vítima, em favor de cujos membros militaria sempre a presunção juris tantum do dano, e o extraordinário, envolvendo todas as demais pessoas com direito a essa mesma ressarcibilidade e às quais caberia provar, convicentemente, em cada caso, o dano moral porventura sofrido e alegado. (SILVA, 1999, p. 675)
O Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, em voto proferido por ocasião do julgamento do REsp 239.009/RJ[5], argumentou que “não há razão para impedir, em princípio, que qualquer parente, seja ele ascendente, descendente ou colateral, postule a indenização por danos morais, independentemente de haver ou não dependência econômica com a vítima”. O que se interessa, afirma, “para o recebimento da indenização, é a demonstração de que a parte veio a sofrer intimamente com o acontecimento, sendo certo, de outro lado, que se poderá provar que o convívio familiar entre os parentes não era de muita proximidade, cabendo ainda ao julgador sopesar todos os elementos dos autos para os fins de quantificação indenizatória”.
Os aspectos relativos ao caso concreto sob análise foram assim sintetizados pelo relator:
Na espécie, consoante assentado no acórdão que julgou a apelação, a vítima era o filho mais velho e residia em companhia dos pais, irmãos e sobrinhos. Tais fatos, a meu ver, seriam suficientes por si só para caracterizar a dor sofrida pelos autores, sendo ainda de notar-se que essa demonstração estava afeta às instâncias ordinárias.
No julgamento, por maioria, destaca-se o voto vencido do Min. Cesar Asfor Rocha, em sentido mais restritivo a respeito da legitimidade, por sugerir a adoção, em linhas gerais, dos parâmetros da lei para a disciplina da vocação hereditária, com a exclusão dos parentes mais distantes pelos mais próximos:
...concordo com a afirmação do Sr. Ministro Relator de que a legitimidade para se postular pela reparação por dano moral não tem nenhuma vinculação com relação à dependência econômica que poderia ter existido entre quem postula a reparação e a vítima quando este pedido decorre de falecimento de alguém. Admito até, em tese, que pessoas que não guardam nenhuma relação de parentesco possam, em excepcionais situações, postular pela reparação por danos morais. Mas também não é o só fato de alguém ser parente de quem morre que confere àquele o direito de postular reparação por dano moral.
Até entendo que poderíamos, em um labor construtivo, conceder a parentes mais distantes a possibilidade de postularem reparação por dano moral, decorrente de morte. Seria, talvez, o caso, de seguir, mais ou menos, os parâmetros que são postos na lei quando cuida da vocação hereditária. Assim, os parentes mais próximos, afastariam os mais distantes. Caso contrário, os mais próximos, que são aqueles que – no comum das vezes – mais sofrem, seriam prejudicados pela pretensão daqueles mais distantes. Isso porque o valor da indenização por dano moral não será fixado em razão do número de pessoas a serem contempladas.
No caso, considerando as peculiaridades da hipótese, vou divergir, com a devida vênia, dos eminentes ministros que me antecederam. Como entraram conjuntamente os pais, os irmãos e os sobrinhos, ainda que tendo como absolutamente certa a palavra do eminente advogado de que eles viviam sob o mesmo teto, mesmo assim entendo que a presença dos pais afasta, no mínimo, os sobrinhos...
O Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, em voto proferido no REsp 403.940/TO, entendeu que “os danos morais, no caso de perda de parente, traduz-se em abrandamento da dor emocional sofrida pela parte”.
A doutrina e a jurisprudência reconhecem a função compensatória da indenização do dano moral, entretanto existe divergência entre os que aceitam ou desaprovam a função punitiva.
Entre os que defendem o dúplice caráter da reparação do dano moral, encontra-se Caio Mário da Silva Pereira (2002), o qual ressalta que, quando “se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: caráter punitivo, para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o caráter compensatório, para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido” (PEREIRA, 2002, p. 55).
Humberto Theodoro Júnior (2001, p. 63), ao explicitar seu posicionamento, acrescenta que com “equidade haverá de ser arbitrada a indenização, que tem institucionalmente o propósito de compensar a lesão e nunca de castigar o causador do dano e de premiar o ofendido com enriquecimento sem causa”. Argumenta ainda o ilustre autor:
Tem-se, é claro, que levar em conta na estimativa da reparação do dano moral, as condições sócio-econômicas da vítima e do ofensor. Nunca, porém, para isolar a situação do agente e, por causa de seu mais avantajado patrimônio, transformar a indenização num prêmio lotérico capaz de mudar a sorte econômica do ofendido. Não é possível imaginar que, pela dor moral, alguém tenha condição de transformar-se de pessoa humilde em potentado, somente porque o agente da ofensa foi uma pessoa de recursos.
Não cabe ao juiz civil transmudar o julgamento da ação de responsabilidade civil num instrumento de aplicação de pena ao infrator, se nenhuma lei expressamente o autorizou a tanto. (THEODORO JÚNIOR, 2001, p. 65)
Observa ainda o renomado autor que, no sistema constitucional brasileiro. “só a lei pode instituir pena aplicável ao agente de ato dito ilícito”, sendo assim, se “nenhuma norma legal cogita de instituir ou cominar pena para determinado ato lesivo, ao juiz civil somente toca impor ao agente o dever de indenizar o prejuízo acarretado à vítima". Por fim, argumenta que não se pode “deixar de atentar para o fato de que o enriquecimento sem causa é repudiado por todos os tipos de ordenamento jurídico e, mais do que simples regra positiva, ostenta a natureza de princípio geral do direito[6]”.
O Min. Costa Leite, do Superior Tribunal de Justiça, reforça a corrente doutrinária que aceita a dúplice função, asseverando que não se pode perder de vista “que à satisfação compensatória soma-se também o sentido punitivo da indenização, de maneira que assume especial relevo na fixação do quantum indenizatório a situação econômica do causador do dano[7]”. Observamos no REsp, 332.589/MS o entendimento que a indenização “por dano moral sofrida pela vítima, visa punir o ofensor e desestimular este e a sociedade a cometerem atos dessa natureza[8]”. Idêntico teor encontra-se na decisão do REsp 337.739/SP[9] de relatoria do mesmo ministro.
Ainda no âmbito do STJ, também o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira já decidiu no sentido de admitir o caráter punitivo. Consta da ementa do acórdão relativo ao REsp 389.879/MG[10] que: “A indenização pelo protesto indevido de título cambiariforme deve representar punição a quem indevidamente promoveu o ato e eficácia ressarcitória à parte atingida”.
No REsp 173.366/SP[11] o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira adotou o mesmo entendimento, em caso de recurso interposto pelo lesado que, alegando dissídio jurisprudencial, não se conformou com a indenização por dano moral fixada em valor correspondente ao dobro do valor atualizado do título indevidamente protestado, pois tal valor, de acordo com o entendimento do relator não tinha “o recomendável caráter punitivo à empresa que indevidamente protestou o título, nem terá eficácia ressarcitória à parte atingida ato ofensor, sequer cobrindo as despesas que certamente teve a parte recorrente, e que ainda poderá ter”.
Ao julgar o REsp 427.560/TO[12] a Primeira Turma do STJ deliberou que a “fixação dos danos morais deve obedecer aos critérios da solidariedade e exemplaridade, que implica na valoração da proporcionalidade do quantum e na capacidade econômica do sucumbente”.
A da avaliação do dano é uma fase das mais difíceis, e deve ser realizada após ser configurada a obrigatoriedade de indenizar, conforme demonstra Humberto Theodoro Júnior (2001, p. 29), ao afirmar que “cabe ao prudente arbítrio dos juízes e à força criativa da doutrina e da jurisprudência, a instituição de critérios e parâmetros que haverão de presidir às indenizações por dano moral, a fim de evitar que o ressarcimento, na espécie, não se torne expressão de puro arbítrio, já que tal se transformaria numa quebra total de princípios básicos do Estado Democrático de Direito, tais como, por exemplo, o princípio da legalidade e o princípio da isonomia”.
Bittar (1999, p. 279), classifica os sistemas em tarifados e abertos, defendendo que a doutrina e algumas leis do exterior têm: “delineado parâmetros para a efetiva determinação do quantum, nos sistemas a que denominamos de abertos, ou seja, que deixam ao juiz a atribuição”.
Nos sistemas tarifados, os valores são predeterminados em lei ou na jurisprudência, o qual foi adotado em raras hipóteses, tais como o Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei de Imprensa e Código Eleitoral. Verifica-se ainda que a jurisprudência do STJ é farta em decisões que consideram não recepcionadas pela Constituição Federal de 1988 as normas que disciplinam, de forma pré-estabelecida, a avaliação do dano moral.
Entretanto, Guilherme Couto de Castro (2000, p. 26-27) argumenta que “devem ser adotadas, como ponto de partida, normas legais que estabeleçam algum critério”, sendo “válido e recomendável o recurso analógico à Lei de Imprensa ou ao já revogado Código Brasileiro de Telecomunicações, que trabalham com piso e teto para fixar, apuradas as circunstâncias, o dano moral em casos específicos de lesão à honra”.
Em contrapartida, como já observado, o STJ tem repudiado a aplicação do sistema tarifado, tanto nos próprios casos específicos disciplinados na legislação, previstos em leis promulgadas antes do advento da Constituição Federal de 1988, bem como nas hipóteses de aplicação analógica adotada pelas instâncias inferiores.
Em relação ao sistema aberto, Carlos Bittar (1999), afirma que a denominação é utilizada para se referir à opção, pelo legislador ou pela jurisprudência, de se atribuir ao Magistrado a atividade discricionária de fixar, de acordo com as características do caso concreto, o valor da indenização. Sendo este o critério preferido pela doutrina e jurisprudência, especialmente do STJ.
O Min. Eduardo Ribeiro assevera que “a fixação de critérios objetivos, conducentes a uma importância preestabelecida, não propicia bons resultados[13]”, tal a variedade de ofensas que podem ser objeto de apreciação judicial.
Atualmente a questão mais difícil no âmbito do estudo da responsabilidade civil por dano extrapatrimonial, se encontra justamente na identificação dos critérios para o arbitramento do dano moral.
O Código Civil de 2002 deixa integralmente a cargo do juiz o arbitramento do valor da indenização, no mesmo sentido entende o STJ, rejeitando reiteradamente o sistema tarifado por considerá-lo em desacordo com a Constituição Federal de 1988. A jurisprudência do STJ se inclina no sentido da consolidação de alguns critérios que servem de parâmetros para que a decisão judicial não seja arbitrária. A partir do julgamento do REsp 135.202/SP, sob relatoria do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, a jurisprudência do STJ tem adotado, com variações pouco significativas, o entendimento segundo o qual, na indenização por danos morais, é “recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico dos autores, e, ainda, ao porte da empresa recorrida, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso[14]”.
Encontra-se no direito positivo, na doutrina e na jurisprudência do STJ, parâmetros para a avaliação do dano moral, os quais não podem ser considerados definitivos, haja vista que a avaliação do dano moral é um tema que se encontra em constante evolução no direito pátrio.
A extensão do dano é, atualmente, o critério fundamental previsto no Código Civil de 2002, conforme disposto no caput do art. 944, ao estabelecer que “a indenização mede-se pela extensão do dano”, trata-se de critério principal, mas não único, pois o próprio texto legal o adota com moderações, ao prever, no parágrafo único do art. 944, a possibilidade de que, diante de excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, o juiz venha a reduzir, equitativamente a indenização.
Regina Beatriz Tavares da Silva (2002) entende que o dispositivo previsto no art. 944, caput do Código Civil de 2002 é insuficiente, aplicando-se apenas no caso de reparação do dano material, o qual possui caráter ressarcitório, já que na reparação do dano moral não há ressarcimento, por ser praticamente impossível a restauração do bem lesado. Defende a doutrinadora, com base nas lições de Carlos Alberto Bittar, a adoção dos critérios da compensação do lesado e o desestímulo ao lesante, inserindo-se “nesse contexto fatores subjetivos e objetivos, relacionados às pessoas envolvidas, como a análise do grau da culpa do lesante, de eventual participação do lesado no evento danoso, da situação econômica das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido com o ilícito[15]”.
Contudo, parece perfeitamente possível superar a apontada dificuldade em se aplicar ao dano moral o dispositivo conforme se encontra redigido, sendo perfeitamente aceitável a idéia de que a extensão do dano varia conforme a dimensão da lesão perpetrada.
Observamos no AgRg no Ag: 1240404/SP, sob relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, a redução do valor da indenização haja vista não existir motivos que justifiquem o valor exorbitante aplicado anteriormente, de acordo com a extensão do dano sofrido pela vítima, conforme se segue:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO RESCISÓRIA. INCLUSÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM 100 VEZES O VALOR DO APONTAMENTO INDEVIDO, QUE ALCANÇA A CIFRA DE MAIS DE MEIO MILHÃO DE REAIS. VALOR DESPROPORCIONAL COM A EXTENSÃO DO DANO. ACÓRDÃO RESCINDIDO. FIXAÇÃO DE VALOR INDENIZATÓRIO CONSONANTE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. 1. A ação rescisória é o instrumento processual hábil à desconstituição da coisa julgada quando a decisão rescindenda violar literal disposição de lei. 2. Na espécie, houve a condenação em danos morais por indevida inscrição da ora agravante em cadastros de devedores inadimplentes em valor que alcança R$ 575.400,06, sem que tenha sido apontada qualquer excepcionalidade que justifique uma quantia tão elevada e desproporcional. 3. Assim, rescindido o julgado, a fixação da indenização por danos morais em R$ 25.500,00, à luz dos contornos fáticos da lide, guarda consonância com a jurisprudência desta Corte Superior em hipóteses semelhantes. 4. Agravo regimental não provido[16].
Guilherme Calmon Nogueira da Gama demonstra a importância de se considerar à escala de valores quanto aos bens jurídicos tutelados, a exemplo do que ocorre na atribuição de responsabilidade penal:
Um primeiro passo na tarefa da fixação de parâmetros é exatamente observar a escala de valores quanto aos bens jurídicos tutelados no âmbito constitucional em perfeita coerência com as normas penais incriminadoras existentes. Não é sem razão, por exemplo, que a maior cominação de sanção penal se refira à prática delituosa consistente na violação do direito à vida, ou seja, ao crime de homicídio[17].
No que se refere a gravidade da lesão, parece que em tese, a lesão mais grave é a que atinge a própria vida, sendo o evento morte correspondente ao dano de maior magnitude, e portanto, ensejador das indenizações mais elevadas.
No caso da ocorrência da indenização por morte de irmã menor, o STJ “considerando as suas peculiaridades e o quantum já arbitrado em relação à autora-mãe”, arbitrou “a indenização por dano moral em igual valor (duzentos salários mínimos), a ser dividido entre os dois irmãos” gerando uma condenação total a ré de quatrocentos salários mínimos, a título de reparação do dano moral dos integrantes da família, conforme REsp 160.125/DF[18].
Observa-se ainda a aplicação de idêntico valor por ocasião do REsp 418.502/SP[19] nos autos de ação de indenização ajuizada em face do Estado de São Paulo, “em virtude de circunstâncias que envolveram o óbito do filho da autora, nas dependências do pronto socorro do Hospital Geral de Taipas”. Conforme consta do relatório do recurso especial, o de cujus “sofria de infecção urinária, motivo pelo qual foi levado ao hospital com febre alta e crise hepática”. Sendo assim, em razão de estar o de cujus debilitado e impossibilitado de medir as consequências de seus atos “passou pela janela para o lado de fora do prédio e não conseguindo equilibrar-se, caiu da altura de dois andares até a laje do 3º andar”. Ao fixar o quantum debeatur, argumentou o relator que “o valor da indenização a ser fixada na ação de indenização por danos morais deve assegurar a justa reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa do autor, além de levar em conta a capacidade econômica fática do réu, pois a condenação a título de danos morais fixados no acórdão recorrido no importe de 400 salários mínimos”.
Em um segundo degrau decrescente de gravidade, a lesão de maior magnitude corresponde ao dano na saúde física, haja vista que vem sempre acompanhado de sofrimento, razão que faz existir um dano mais amplo e complexo, em grau inferior somente a irreversível lesão à vida, com consequente evento morte.
Observamos que lesões à honra, à liberdade pessoal e à imagem estarão presentes apenas em um terceiro degrau decrescente em relação às lesões à vida e à saúde física.
Deve-se considerar o grau de culpa do causador do dano na avaliação do dano moral, conforme entendimento majoritário da doutrina, tratando-se de um parâmetro previsto no parágrafo único do art. 944 do Código Civil[20].
O ilustre Guilherme Couto de Castro (2000, p. 26-27), ensina que, “em face do seu caráter punitivo, a verba deve levar em conta a intensidade do dolo e o grau de culpa do responsável, bem como sua situação econômica”.
A culpa exerce papel fundamental quando se tratar de responsabilidade subjetiva, sendo dispensada a sua existência quando estivermos diante de uma responsabilidade objetiva.
No REsp 135.202/SP, de relatoria do Min. Sálvio de Figueiredo, defende-se ser recomendável que “na fixação da indenização por danos morais, o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa recorrida, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso[21]”
O grau de culpa do causador do dano e o nível do sofrimento do lesado foram considerados no julgamento do recurso especial nos autos de ação ajuizada para postular indenização pela falecimento de filho recém-nascido, tendo o STJ decidido no REsp 402.874/SP que “a quantia encontrada pelas instâncias ordinárias não se mostra abusiva”, ao contrário, segundo o argumento do relator, “mostra-se moderada, a contar sobretudo a negligência dos réus e o sofrimento pela perda de um filho recém-nascido em decorrência do parto[22]”.
Sendo observado ainda tal fato no REsp 401.592/DF, quando o STJ arbitrou em cinco mil reais o valor da indenização por dano moral em decorrência de exame laboratorial equivocado em que constou resultado positivo de HIV, sendo considerado neste caso “ o ambiente de sofrimento e angústia que surgiu na família e no círculo de suas amizades e também a ressalva constante do laudo apresentado, que é fator de redução de responsabilidade[23]”.
Miguel Reale (1992, p. 25-26), argumenta que “a fixação do valor da indenização, por dano moral, não pode deixar de atender à situação econômica do agente do dano, sob pena de ser apenas aparentemente ou ilusória a sanção penal que integra também a reparação exigível”.
Entende ainda Guilherme Couto Castro (2000, p. 69), que “a verba não deve ser fixada em valor vil, inexpressivo, não atendendo sequer a seu fim compensatório, mas também não deve ser transformada em fonte de enriquecimento, descaracterizando sua finalidade”, afirmando ainda o renomado doutrinador que “o montante, também em razão do caráter punitivo, deve ser fixado de modo a não admitir que o agente saia lucrando ou plenamente satisfeito com a ilegal conduta”.
Verificamos que o caráter punitivo pode ser substituído pelo princípio da exemplaridade adotado pela jurisprudência do STJ, pois o caráter punitivo, por ser próprio do direito penal, é recepcionado com muita cautela pela doutrina, sendo menos controverso o princípio da exemplaridade, haja vista não existir dificuldade em se admitir a reparação do dano moral com um caráter dissuasório de práticas semelhantes, por todos aqueles que tomem conhecimento da decisão.
O dicionário Aurélio (Ferreira, 2006) entende exemplaridade como algo com “qualidade ou caráter exemplar”, e exemplar como aquilo “que serve ou pode servir de exemplo, de modelo”. Sendo assim, o critério de exemplaridade oferece a vantagem de se moldar com maior grau de adequação ao ordenamento jurídico pátrio sem o inconveniente de ensejar uma pena sem prévia cominação legal.
No REsp 776732/RJ, de relatoria do Min. Humberto Martins, observamos de maneira brilhante a aplicação da exemplaridade, conforme se segue:
ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - DECISÃO CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO - LIQUIDAÇÃO - EXTENSÃO DOS DANOS - PRETENSÃO DE REVISÃO DAS PROVAS - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 07/STJ - CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE DA INDENIZAÇÃO. 1. Hipótese em que o cidadão (vítima) em 7.7.1984 foi arbitrariamente detido por oficiais da Marinha do Brasil em razão de simples colisão de seu veículo com outro conduzido por aspirante daquela Arma. Após colidir, a vítima sofreu agressão física e verbal e foi ilegalmente preso por seis dias em cela da Marinha. Ficou incomunicável e sem cuidados médicos, comprovadamente diante do acórdão transitado em julgado no processo de cognição plena. O fato resultou em danos físicos e morais, e causou-lhe a deterioração da saúde. Devido o desenvolvimento de isquemia e diabetes, teve, inclusive os dedos dos pés amputados. 2. Ato ilícito, nexo direto e imediato, bem como danos comprovados e ratificados na instância ordinária. Liquidação de sentença que reconheceu pormenorizada e fundamentadamente a extensão dos abalos psíquicos sofridos pela vítima. Valor arbitrado de forma fundamentada, incluindo-se juros de 0,5% ao mês a partir da sentença de liquidação, no montante de R$ 72.600,00 (setenta e dois mil e seiscentos reais), mais honorários advocatícios no montante de R$ 3.630,00 (três mil, seiscentos e trinta reais). 3 Em casos excepcionais, a jurisprudência do STJ tem entendido, diante da abstração das teses, ser possível a revisão do montante arbitrado a título de danos morais, quanto teratológica a fundamentação da decisão condenatória ou absolutamente desarrazoado o valor, desde que não implique revisão do acervo fático-probatório. 4. No caso dos autos, ao revés, a peculiaridade é justamente a dor, a tristeza e o sofrimento vividos pela vítima, não havendo razão para tachar a condenação de desarrazoada, também não se pode ir além para revolver, como pretende a União, o substrato fático dos autos, por óbvio óbice da Súmula 07/STJ. 5. Razoável o quantum indenizatório devido a título de danos morais, que assegura a justa reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa do autor, além de levar em conta a capacidade econômica do réu, devendo ser arbitrado pelo juiz de maneira que a composição do dano seja proporcional à ofensa, calcada nos critérios da exemplaridade e da solidariedade. Recurso especial improvido[24].
Em acórdão[25] de relatoria do Min. Luiz Fux, o STJ adotou expressamente o princípio da exemplaridade, ao estipular que “a fixação dos danos morais deve obedecer aos critérios da solidariedade e exemplaridade, que implica na valoração da proporcionalidade do quantum e na capacidade econômica do sucumbente”.
O Código Civil em seu art. 945 estipula que “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor”.
Verificamos que mesmo diante da culpa concorrente da vítima, não se pode eximir o autor, nos casos em que houver a culpa concorrente entre concessionária do transporte ferroviário e a vítima, pois diante destes casos no entendimento do STJ, a empresa, para que ocorra o acidente deve agir de maneira negligente, se tornando também responsável pelo sinistro, observamos tal posicionamento no REsp 1139997/RJ, sob a relatoria na Min. Nancy Andrighi, abaixo exposto:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE FERROVIÁRIO. VÍTIMA FATAL. CULPA CONCORRENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. 1. O STJ firmou entendimento no sentido de que há culpa concorrente entre a concessionária do transporte ferroviário e a vítima, seja pelo atropelamento desta por composição ferroviária, hipótese em que a primeira tem o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais de adensamento populacional, seja pela queda da vítima que, adotando um comportamento de elevado risco, viaja como "pingente". Em ambas as circunstâncias, concomitantemente à conduta imprudente da vítima, está presente a negligência da concessionária de transporte ferroviário, que não se cerca das práticas de cuidado necessário para evitar a ocorrência de sinistros. 2. Por não se enquadrar como excludente de responsabilidade, a concorrência de culpas não é suficiente para afastar o dever da concessionária de transporte ferroviário de indenizar pelos danos morais e materiais configurados. 3. A fixação do valor da compensação pelos danos morais deve balizar-se entre a justa composição e a vedação do enriquecimento ilícito, levando-se em consideração o critério da proporcionalidade, bem como as peculiaridades de cada espécie. Precedentes. 4. A pensão mensal fixada, a título de danos materiais, à luz do disposto no art. 945 do CC/02, é devida a partir da data do evento danoso em se tratando de responsabilidade extracontratual, até a data em que o beneficiário - filho da vítima - completar 25 anos, quando se presume ter concluído sua formação. Precedentes. 5. A incidência do 13º salário e das férias remuneradas acrescidas de 1/3 na indenização pelos danos materiais somente é viável ante a comprovação de que a vítima fazia jus a esses benefícios na época do sinistro. Precedentes. 6. Sendo a União sucessora da recorrida, é desnecessária a constituição de capital para garantir o pagamento das prestações vincendas do pensionamento, desde que incluído o beneficiário em folha de pagamento. 7. Os juros moratórios de 6% ao ano são devidos a partir da data do evento danoso, na forma da Súmula 54 do STJ, observando-se o limite disposto nos arts. 1.062 e 1.063 do CC/16, até janeiro de 2003, momento a partir do qual passa a vigorar a disposição contida no art. 406 do CC/02, nos moldes do precedente da Corte Especial, que aplica a taxa SELIC. 8. A correção monetária, também incidente a partir do evento danoso e que deve ser alcançada mediante a aplicação de índice que reflita a variação de preços ao consumidor, terá sua incidência cessada a partir do momento em que iniciada a da taxa SELIC, sob pena de bis in idem. Precedente. 9. Recurso especial parcialmente provido, com o afastamento da incidência da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC[26].
Observamos com tal preceito que a culpa concorrente da vítima não afasta o dever de indenizar, mas terá influência no arbitramento do valor da indenização, que deverá ser proporcional à participação do lesante no evento.
O poder econômico do ofendido e do ofensor tem sido considerado como critério orientador do arbitramento judicial do valor da reparação por dano moral, especialmente nas lesões à honra, onde constantemente para a avaliação do dano extrapatrimonial, observa-se a posição social do lesado.
Carlos Edison Monteiro Filho (2000), aceita apenas a consideração da capacidade econômica do ofensor, por considerar que o princípio da isonomia leva à rejeição do critério segundo o qual se deve investigar a situação em que vive a vítima:
Faz-se mister separar a capacidade econômica do ofensor, que evidentemente deve ser tomada em consideração pelo juiz, a fim de evitar uma indenização impraticável ou irrisória em face do caso concreto, da situação em que vive a vítima, que por si só não determina uma diferenciação de grau na apuração do valor do ressarcimento, vale dizer, não possui o condão de apontar um valor maior ou menor da reparação. Procedendo-se assim se atende não somente a razões mais objetivas, como também de justiça, já que como todos são iguais perante a lei, não há que se falar em reparação maior para o mais rico e menor para o mais pobre, em tema de dano moral. (MONTEIRO FILHO, 2000, p. 150).
Contudo, observamos no AgRg no AREsp 442471/GO processo que versava sobre prisão por estupro e atentado violento ao pudor, que o STJ, para deferir sua decisão, levou em consideração a condição econômica do ofensor e do ofendido, conforme exposto abaixo:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO POR ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ABSOLVIÇÃO DIANTE DE COMPROVAÇÃO DA NÃO AUTORIA POR EXAME DE DNA. RECOLHIMENTO AO CÁRCERE POR 6 MESES. DANOS MORAIS. VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA COM RAZOABILIDADE (R$ 60.000,00). IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A revisão do valor fixado a título de danos morais em razão de prisão indevida por estupro e atentado violento ao pudor encontra óbice na Súmula 07/STJ, uma vez que fora estipulado em razão das peculiaridades do caso concreto, a exemplo, da capacidade econômica do ofensor e do ofendido, a extensão do dano, o caráter pedagógico da indenização. 2. Somente é possível rever o valor a ser indenizado quando exorbitante ou irrisória a importância arbitrada, em violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não se observa no presente caso. 3. Agravo Regimental do Estado de Goiás desprovido[27].
Verificamos ainda que a posição social do ofensor e do ofendido foi critério considerado com destaque no AgRg no AREsp 459026/AC, sob relatoria do Min. Napoleão Nunes Maia Filho, na decisão da Terceira Turma do STJ, que acompanhou o voto do ilustre ministro por unanimidade, conforme se segue:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TROCA DE BEBÊS EM MATERNIDADE PÚBLICA. DANO MORAL. REVISÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. VERBA FIXADA COM RAZOABILIDADE (R$ 15.000,00 PARA O MENOR E R$ 50.000,00 PARA A GENITORA). IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A revisão do valor fixado a título de danos morais em razão da troca de bebês em maternidade pública encontra óbice na Súmula 7/STJ, uma vez que fora estipulado em razão das peculiaridades do caso concreto, a exemplo, da capacidade econômica do ofensor e do ofendido, a extensão do dano, o caráter pedagógico da indenização. 2. Somente é possível rever o valor a ser indenizado quando exorbitante ou irrisória a importância arbitrada, em violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não se observa no presente caso. 3. Agravo Regimental do Estado do Acre desprovido[28].
Observamos a importância da avaliação da capacidade econômica das partes em inúmeros julgados do STJ, objetivando assim a aplicação de um valor justo à indenização, que nem seja irrisório, a fim de se evitar novas ocorrências, bem como que também não seja exorbitante o que poderia ocasionar o enriquecimento sem causa do ofendido.
O princípio da proporcionalidade, também conhecido como princípio da vedação de excesso, tem forte presença no Direito Constitucional, estando presente também no Direito Administrativo, com o intuito de vedar o excesso por parte do administrador, é um princípio que ilumina o exercício de qualquer função pública, sendo aplicável também na função jurisdicional como princípio orientador da atividade de interpretar e aplicar o direito.
A utilização do princípio da proporcionalidade é empregado reiteradamente pelo STJ, no campo da responsabilidade civil, busca fazer com que a indenização não seja ínfima, mas também não cause enriquecimento sem causa para a vítima nem gravame excessivo para o causador do dano.
Observamos a utilização do princípio da proporcionalidade no REsp 1042208/RJ, sob relatoria da Min. Nancy Andrighi, conforme abaixo exposto:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. FALSA IMPUTAÇÃO DE FURTO. CONSTRANGIMENTO E HUMILHAÇÃO A QUE É SUBMETIDO O CONSUMIDOR, EM VIA PÚBLICA, PARA RETORNAR AO ESTABELECIMENTO COMERCIAL E SER REVISTADO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E PREQUESTIONAMENTO AUSENTES. VEDAÇÃO DO REVOLVIMENTO DO SUBSTRATO FÁTICO E PROBATÓRIO EM RECURSO ESPECIAL. VALOR DOS DANOS MORAIS. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. - Não padece de omissão o acórdão recorrido se o Tribunal de origem decide fundamentadamente todas as questões pertinentes à resolução da controvérsia, embora sem adentrar expressamente na análise de dispositivos de lei invocados pelo recorrente, notadamente porque o julgador não está adstrito a decidir com base em teses jurídicas predeterminadas pela parte, bastando que fundamente suas conclusões como entender de Direito. - Se o Tribunal de origem atesta a presença dos pressupostos para a configuração da responsabilidade civil: (i) o fato, consubstanciado no comportamento do preposto da recorrente; (ii) o dano, caracterizado pela humilhação e situação vexatória a que foi submetido o recorrido, ao ser instado, em via pública a retornar ao estabelecimento comercial para ser revistado por falsa imputação de furto; (iii) o nexo de causalidade entre a conduta da recorrente e o constrangimento experimentado pelo consumidor, não há como revolver, na via especial, o substrato fático e probatório colhido no processo e delineado no acórdão recorrido. - O valor dos danos morais, indiscutivelmente sofridos pelo consumidor, fixado em R$ 7.000,00, não destoa da jurisprudência do STJ, em julgamentos de situações similares, que manteve a condenação em patamares inclusive superiores ao estabelecido no acórdão impugnado. Houve, portanto, razoabilidade e proporcionalidade no arbitramento da condenação, consideradas as peculiaridades do processo. - A não demonstração da similitude fática entre os julgados confrontados, afasta a apreciação do recurso especial pela alínea “c” do permissivo constitucional. Recurso especial não conhecido[29].
O art. 127 do Código de Processo Civil que diz “o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”, entendendo o STJ no REsp 48.176-7/SP, de relatoria do Min. Eduardo Ribeiro, que:
A proibição de que o juiz decida por equidade, salvo quando autorizado por lei, significa que não haverá de substituir a aplicação do direito objetivo por seus critérios pessoais de justiça. Não há de ser entendida, entretanto, como vedando se busque alcançar a justiça no caso concreto, com atenção ao disposto no artigo 5º da Lei de Introdução.
No julgamento do REsp 50.940/SP, a Quarta Turma do STJ acolheu o entendimento do relator, Min. Barros Monteiro, no sentido de que, inexistindo “um parâmetro próprio, há o Juiz de lançar mão dos princípios de equidade, do bom senso, recorrer, em suma, ao arbitrium boni viri”.
Tendo em vista a ausência de critérios objetivos definidos em lei para a avaliação do dano moral, tem-se campo fértil para o julgamento por equidade. Trata-se de tarefa desafiadora e difícil, que constitui valorosa oportunidade para que o magistrado exercite sua habilidade de descortinar o Direito sem solução pré-fabricada pelo legislador.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a admissibilidade do dano moral deixou de ser tema controverso, não gerando desde então maiores discussões na doutrina e na jurisprudência. Surgindo sob a égide da atual Constituição leis infraconstitucionais que prevêem a reparação do dano moral sem estabelecer critérios objetivos ou limites para a fixação da indenização, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor, da Lei de Direitos Autorais e do Código Civil de 2002. Sendo assim, a polêmica atual se concentra nos aspectos relativos à configuração, à prova, à titularidade do direito à reparação, e em especial à avaliação do dano moral.
Em contraste com a operação mental utilizada para se aferir o valor do dano material, o raciocínio necessário para se alcançar o quantum debeatur na indenização do dano moral é mais difícil e sofisticado, lidando nesse aspecto o operador do direito com uma margem de discricionariedade, a qual, contudo não pode servir de pretexto para se negar a ampla tutela dos direitos da personalidade.
O direito positivo brasileiro estabelece em raras hipóteses parâmetros objetivos para a aferição do valor da indenização, paralelamente, a jurisprudência do STJ tem considerado não recepcionados pela Constituição Federal os limites estabelecidos na legislação infraconstitucional, a exemplo do que ocorre com a lei de imprensa.
Observa-se que em raras oportunidades o ordenamento jurídico confere aos magistrados poderes tão amplos, como ocorre na apreciação do dano moral, o que aumenta a sua responsabilidade social e institucional, reforçando assim o papel da jurisprudência como fonte de direito. Sem amparo em limites objetivos e impessoais da lei, o Poder Judiciário fica mais exposto às críticas da mídia, da sociedade e das instituições essenciais à função jurisdicional do Estado. Nessa seara, o Superior Tribunal de Justiça desempenha papel destacado, por ser o órgão jurisdicional com vocação constitucional para zelar pela uniformidade da interpretação do direito objetivo federal.
Na avaliação do dano moral, a extensão do dano, apreciada com base na gravidade da lesão, revela-se como critério preponderante, tratando-se de um parâmetro previsto no art. 944 do Código Civil e respaldado na jurisprudência do STJ, a qual considera relevante o tipo de lesão perpetrada para a fixação do valor da indenização. Posteriormente, para a adequada fixação do quantum debeatur, deve-se considerar a conduta do agente causador do dano, a fim de que o valor da indenização seja compatível com o grau de culpa do lesante e a exemplaridade da condenação. A culpa concorrente da vítima e a situação econômica das partes envolvidas devem também ser observadas e ponderadas à luz da equidade. O princípio que iluminara todo o processo decisório é o da proporcionalidade, buscando a solução mais correta, justa e adequada possível, que deverá ter uma fundamentação que se baseie em razões consistentes, capazes de sustentar a legitimidade que se espera da prestação jurisdicional.
Diante da ausência de disciplina legal sistemática que cuide do arbitramento do dano moral, a fixação da indenização realiza-se mediante a avaliação dos critérios estipulados pela doutrina e pela jurisprudência, buscando-se uma uniformização das decisões judiciais, observando com isto o princípio da igualdade, preservando a boa imagem e a credibilidade do judiciário, e evitando-se proferir decisões discrepantes, as quais distanciem o Poder Judiciário dos ideais de justiça que justificam a sua existência.
ANDRADE, Ronaldo Alves de. Dano moral à pessoa e sua valoração. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000.
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
AUGUSTIN, Sérgio. Dano moral e sua quantificação. Caxias do Sul: Editora Plenum, 2004.
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por dano morais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
CARNEIRO, Maria Francisca. Avaliação do dano moral e discurso jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.
CASTRO, Guilherme Couto de. A responsabilidade objetiva no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, volumes I e II.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2014, v. 7.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2014, v. 1.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o dicionário da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2006.
FONTOURA, Iara P.; SABATOVSKI, Emílio. Dano moral nos tribunais. Curitiba: Juruá, 2004.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Critérios para a fixação da reparação do dano moral. In: LEITE, Eduardo de Oliveira. Grandes temas da atualidade: dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011.
GEORGES, Ripert. A regra moral nas obrigações civis. Campinas: Bookseller, 2002.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1995.
LIMA, Alvino. Culpa e risco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético: responsabilidade civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2014.
MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Elementos de responsabilidade civil por dano moral. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
REALE, Miguel. Temas de Direito Positivo. São Paulo: RT, 1992.
REIS, Clayton. Avaliação do dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
REIS, Clayton. Os novos rumos da indenização do dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 2002, vol. 4.
SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996.
SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
SILVA, Regina Beatriz Tavares da; FIÚZA, Ricardo. Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2002.
SINDON, Maria José Othon. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano Moral. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001.
[1] Publicado no D.J.,em 06 de abril de 1992, p. 4.499.
[2] Publicado no D.J., em 02 de setembro de 2002, p. 196.
[3] RSTJ 34/284.
[4] BITTAR, 1999, Op.cit., p. 155
[5] RDTJRJ 45/89.
[6] THEODORO JÚNIOR, 2001, p. 65
[7] Dano moral no direito brasileiro, in RDR nº 8, p.4.
[8] Acórdão unânime da Terceira Turma, rel. Min. Costa Leite, publicado no D.J. em 15/04/2002, p. 216
[9] Publicado no D.J. 08/04/2002, p. 213.
[10] Acórdão da Quarta Turma, publicado no D.J. em 02/09/2002, p. 196.
[11] Acórdão unânime da Quarta Turma, em 03/12/88. Publicado no D.J. em 03/05/99.
[12] Acórdão da lavara do Min. Luiz Fux, publicado no D.J. em 30/09/2002, p. 204.
[13] Dano moral, RDR, nº 7, p. 10.
[14] Acórdão unânime da Quarta Turma, publicado no D.J. em 03/08/98, p. 244.
[15] SILVA, 2002, Op. cit., 841
[16] STJ - AgRg no Ag: 1240404 SP 2009/0197160-2, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 14/05/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/05/2013
[17] Critérios para a fixação da reparação do dano moral. Grandes temas da atualidade: dano moral, p. 236.
[18] Acórdão sob relatoria do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicado no D.J. em 24/05/99, p. 172.
[19] Acórdão da Primeira Turma, rel Min. Luiz Fux, publicado no D.J. em 30/09/02.
[20] Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
[21] REsp 135.202/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU de 19-5-98
[22] Acórdão da Quarta Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicado no D.J. em 01/07/2002, p. 351.
[23] Acórdão da lavra do Min. Ruy Rosado de Aguiar, publicado no D.J. em 02/09/2002, p. 197.
[24] STJ , Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 08/05/2007, T2 - SEGUNDA TURMA
[25] REsp 427.560/TO, acórdão unânime de Primeira Turma, publicado no D.J. em 30/09/2002.
[26] STJ - REsp: 1139997 RJ 2009/0091125-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/02/2011, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/02/2011
[27] STJ - AgRg no AREsp: 442471 GO 2013/0397303-0, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 24/04/2014, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/05/2014
[28] STJ - AgRg no AREsp: 459026 AC 2014/0001914-9, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 24/04/2014, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/05/2014
[29] STJ - REsp: 1042208 RJ 2008/0063204-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 26/08/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/09/2008.
Bacharel em Direito, e Especialista em Direito Previdenciário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGO QUEIROZ DE ARAúJO, . A aplicação do dano moral de acordo com a jurisprudência do STJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 ago 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52165/a-aplicacao-do-dano-moral-de-acordo-com-a-jurisprudencia-do-stj. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
Precisa estar logado para fazer comentários.