WÂNIA JAGUARACY DE SENA MEDRADO[1]
RESUMO: A presente pesquisa trata da inação de afeto dos filhos para com os pais idosos, acarretando em abandono afetivo inverso e a possibilidade de reparação civil dos danos sofridos pelos idosos abandonados. O objetivo principal é justamente demonstrar que, para que o número de idosos abandonados pela sua família, sem amparo nenhum, diminua, seria necessário à criação de uma legislação específica que puna tal conduta, causando, assim, um sentimento de receio nos filhos apto a inibir futuros abandonos. Apesar da lacuna dessa legislação, alguns direitos dos idosos podem ser encontrados no Estatuto do Idoso, na Constituição Federal de 1988 (que estabelece o dever de atenção e cuidado), como também no Código Civil. Contudo, sabe-se que mesmo com essa lacuna, há a possibilidade dos filhos serem responsabilizado civilmente, através da indenização. Não é o dever de amar ou de sentir carinho que será discutido, mas sim o dever de cuidar, de amparar os pais, como forma de reciprocidade, pois como há uma presunção de que os pais cuidaram dos seus filhos quando pequenos, nada seria mais justo que o contrário também fosse feito, diante da vulnerabilidade dos seus pais na velhice.
Palavras-chave: Afeto. Abandono. Inverso. Idoso.
Abstract: The present research deals with the inaction of affection of the children towards the elderly parents, leading to a reverse affective abandonment and the possibility of civil reparation of the damages suffered by the abandoned elderly. The main objective is precisely to demonstrate that, in order for the number of elderly people abandoned by their family, without protection, to be reduced, it would be necessary to create specific legislation that would lead to such behavior, thus causing a fear of children to be able to inhibit future dropouts. Despite the lack of such legislation, some rights of the elderly can be found in the Elderly Statute, the Federal Constitution of 1988 (which establishes the duty to care and care), as well as in the Civil Code. However, it is known that even with this gap, there is the possibility of children being civilly liable, through indemnity. It is not the duty to love or to feel affection that will be discussed, but rather the duty to take care of, to support the parents as a form of reciprocity, because as there is a presumption that the parents took care of their children when small, nothing would be more just as the opposite was also done, given the vulnerability of their parents in old age
Keywords: Affection. Abandonment. Inverse. Old man.
SUMÁRIO: Introdução; 1. O idoso; 2. A evolução Histórica dos direitos dos idosos no ordenamento jurídico Brasileiro; 3. Abandono Afetivo; 4. Abandono Afetivo inverso; 5. Princípios que norteiam o Abandono Afetivo Inverso; 5.1 Dignidade da Pessoa Humana; 5.2 Afetividade; 5.3 Solidariedade; 6. Responsabilidade Civil; Considerações finais; Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O presente tema abordado é de suma importância, pois, há, atualmente, um grande envelhecimento populacional, o que é preocupante, pois juntamente com esse envelhecimento, cresce também os números de idosos abandonados em abrigos, sem amparo familiar, seja no aspecto material ou no aspecto afetivo.Então, o presente trabalho disserta justamente sobre a necessidade dos pais idosos serem observados juridicamente com maior atenção, principalmente no que tange a indenização devida decorrente desse abandono, com intuito de inibir e punir tal conduta, reparação essa, fruto de uma interpretação da Constituição Federal de 1988, juntamente com o Estatuto do Idoso, e outras leis que serão discutidas a seguir.
Disserta também sobre a necessidade da criação de uma lei específica que aborde o tema, ou que as legislações que o preveem sejam dotadas de uma maior eficácia.
Ao longo do artigo é possível observar que com o passar do tempo os idosos foram obtendo mais direitos, principalmente com a Constituição de 1988, porém, no que tange à punição para os familiares que os abandonam, deixando-os sem amparo, não possui uma lei específica, se tornando, assim, uma lacuna legislativa, mas lacuna essa que precisa ser sanada, pois tem que haver uma legislação especifica para tal conduta, para que a punição seja mais observada, e a inibição da mesma, mais efetiva.
O que deve ser cobrado aos familiares desses idosos, é o dever de cuidar e não o de amar. Apesar disso, é importante destacar que o afeto é basilar para uma boa estrutura familiar, pois por essa razão é tão importante também para o direito de família, e a falta daquele pode acarretar aos idosos danos, sejam eles psicológicos ou a sua saúde.
Contudo, para melhor compreensão será discutido o conceito de idoso, a evolução histórica dos seus direitos no Brasil até os dias atuais, o abandono afetivo em si, o abandono afetivo inverso, os princípios que o norteiam, como também a responsabilidade civil para quem comete tal conduta.
O presente estudo foi feito através de revisão bibliográfica, onde foram coletadas informações através de artigos científicos, doutrinas e jurisprudências. Foram utilizados os métodos de abordagem e de procedimento, o dedutivo e o histórico, respectivamente.
1. O IDOSO
Antes de qualquer abordagem é necessário destacar o conceito de idoso, para poder assim, demonstrar como ele se encontra amparado pela legislação Brasileira.
Segundo a OMS[2], idoso, é aquela pessoa com 60 anos ou mais em países em desenvolvimento, como no caso do Brasil, e 65 anos ou mais em países desenvolvidos. Em consonância com o Estatuto do Idoso, Lei n°10.741, de 1° de outubro de 2003, a Política Nacional do Idoso (PNI), Lei n°8.842, de 4 de janeiro de 1994, também define idoso como pessoas com 60 anos ou mais.
O envelhecimento, assim como a infância, são fases da vida que todos, ou quase todos estão submetidos, sendo que nessa fase, por possuir uma idade mais avançada, na maioria das vezes, os idosos não gozam da capacidade de fazer determinadas coisas sozinhos, merecendo dessa forma, alguns tipos de cuidados pelos seus familiares, e principalmente pelos seus filhos maiores.
Em decorrência do envelhecimento contínuo que ocasiona desigualdades sociais e econômicas, gera um desafio para a sociedade ao adotar e trazer a efetivação de políticas públicas de proteção, que visem, o respeito dos idosos e as suas necessidades. Buscando dessa forma, oferecer igualdade social a todos, principalmente, aos menos favorecidos. Mas, a tríade que sustenta o idoso e seus direitos e deveres, além do Estado, é composta, ainda, pela sociedade e pela família.
Por esse motivo, o idoso deve ser objeto de atenção não só por parte do Estado, mas, também pela sociedade, onde todos devem estar atentos aos cuidados ou tratos que o idoso recebe e, principalmente pela família, pois eles foram peças fundamentais na construção e identidade dos filhos, não sendo mais que justo então, que agora, em sua fragilidade, seja devidamente amparado.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DOS IDOSOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O Brasil, ao longo da história, obteve sete Constituições, a primeira, foi outorgada em 1824, na qual se estabeleceram vários direitos e obrigações, porém, não estabeleceu nenhuma previsão no que tange ao direito dos idosos. A segunda Constituição foi a de 1891, também estabeleceu mais direitos que não foram previstos na anterior, entretanto, também foi omissa em relação aos direitos dos idosos.
A terceira foi promulgada em 1934, na qual foi a primeira a falar do idoso, em relação à previdência na velhice, a quarta constituição foi a de 1937, onde continuou com o déficit de previsão da tutela jurídica do idoso, pois apenas estipulou seguros de velhice, a quinta, de 1946, também se limitou a questão de previdência social, da mesma forma aconteceu com a sexta, de 1967.
Observa-se que até então todas as constituições brasileiras aduziram apenas sobre direitos trabalhistas e previdenciários, em relação ao idoso, sendo omissas em relação aos direitos e garantias fundamentais dos idosos. Entretanto, a Constituição Federal de 1988, trouxe alguns direitos e garantias que são consideradas fundamentais para eles, buscando atender as necessidades básicas que todo idoso tem, com a finalidade de melhorar sua condição de vida, e garantir a sua dignidade.
Os artigos 229 e 230 da referida Constituição Federal, atribui ao Estado, a família e a sociedade a assistência e proteção dos idosos, ao aduzir que:
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Art.230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.
§ 2º aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
O texto constitucional reconhece a fragilidade e a necessidade de concretizar seus direitos, principalmente a igualdade e a dignidade. Apesar de, a constituição ter trazido em seu texto esses amparos aos idosos, como direito fundamental, ela por si só não é suficiente para a efetivação, como salienta Antônio Rulli Neto[3]:
A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu texto, expressamente, direitos e garantias fundamentais, mas, apesar disso, há a necessidade de vontade política para o implemento da norma-direcionamento das políticas públicas para a proteção do ser humano, sempre que não for autoaplicável o dispositivo constitucional ou no caso de depender de implementação de políticas públicas.
E por justamente precisar de amparo familiar, algumas leis protegem os direitos dos mesmos. Além da constituição em artigos já aduzidos anteriormente, tem-se também, no Código Civil (lei 10.406/2002) no artigo 1.696 que prevê o seguinte: “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. Nesse diapasão, o CC, traz aos pais, idosos, o direito receber a pensão alimentícia dos seus filhos, na mesma linha de raciocínio em que é devida aos filhos, menores.
O Estatuto do Idoso (lei 10.741/2003), no seu artigo 3º, CAPUT, fala que:
Art. 3. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito a vida, a saúde, a alimentação, a educação, a cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, a cidadania, a liberdade, a dignidade, ao respeito e a convivência familiar e comunitária.
Pode-se observar que o Estatuto do Idoso, além de resguardar também o direito a pensão alimentícia, resguarda uma série de direitos ao idoso, inclusive “a dignidade, ao respeito e a convivência familiar”. Dispõe também a mesma legislação, a cerca de integridade e a saúde, tanto física como psíquica do idoso, no artigo 99, trazendo dessa forma, uma penalidade para quem expor a perigo e submete-los a condições desumanas.
Além de essas legislações já esplanadas, pode-se observar por fim, que o idoso tem resguardo também no Código Penal, no artigo 244, onde trás de forma clara que:
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: (Alterado pela L-010.741-2003) Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País (BRASIL, 1941).
O Código Penal, assim como todas as outras leis citadas anteriormente prevê a obrigação dos filhos, de pagar uma pensão para seus pais, considerados idosos, segundo o Estatuto do Idoso, por possuírem uma idade igual ou superior a 60 anos, e caso não seja obedecido a tal norma penal, fixa uma pena de detenção de 1 a 4 anos juntamente com a pena de multa.
Dessa forma, vale ressaltar que além da Constituição Federal que prevê a obrigação dos filhos de ajudar ou amparar seus pais na velhice, como também defendendo a sua dignidade, o Estatuto do Idoso, também contribui para demonstrar a fragilidade dos idosos no cenário atual, com isso, é necessário ressaltar as responsabilidades civis e criminais alcançadas por essa inação de afeto, tão comum na sociedade atual, como prevê no Código Civil e no Código Penal.
3. ABANDONO AFETIVO
O abandono afetivo é um problema muito recorrente na sociedade, pois como constam em dados, a quantidade de crianças/adolescentes abandonadas pelos seus familiares, principalmente pelos pais, é significativa, porém, não é um problema atual, é um problema que vem se estendendo ao longo do tempo, e tal conduta, possui amparo na legislação. O menor tem o direito de ser assistido, criado e educado pelos pais.
No mundo jurídico, o abandono em questão seria quando os genitores deixam de exercer justamente esse dever de cuidado, agindo com indiferença afetiva.
Essa nomenclatura, dada ao abandono afetivo surgiu logo após um julgado onde a Ministra Nancy Andrigh[4], julgou um caso em que o pai não queria nenhum contato com sua filha, e é justamente casos como esse que ferem o dever de cuidado que os pais devem ter para com seus filhos, inclusive a Constituição e o Código Civil, preveem esses deveres expressamente.
A mera pensão alimentícia não supre os deveres dos familiares, nem tão pouco os isenta da condenação de tal conduta, pois além do valor em dinheiro para a manutenção do menor, resta comprovado que para o desenvolvimento do mesmo, é necessário também a assistência moral, como também a convivência e o afeto, e isso não pode ser substituído por uma mera quantia em dinheiro.
Porém, apesar do afeto não ser substituído por dinheiro, caso haja o abandono, os filhos podem requerer a condenação dos pais, através de dano moral, mas isso não significa que estaria dessa forma vendendo ou trocando o afeto por uma quantia, mas sim reparando os danos sofridos pelo filho, que foi abandonado, não somente os danos físicos, como também os psíquicos supostamente sofridos.
De acordo com alguns julgados recentes, que concederam indenização por abandono, teve como fundamento que o afeto e o carinho são deveres inerentes aos pais, que o seu cumprimento deve ser compensado, com a indenização proporcional com o dano que foi causado em decorrência da omissão do dever emanado pela lei, pois todo pai tem que manter a convivência familiar com seus filhos, como também sustentar, guarda-los e educa-los.
Com base no artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, aduz que: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.”. Contudo, essa omissão do dever de cuidado não é somente dos pais para com seus filhos menores, mas também os filhos adultos que abandonam seus próprios pais, geralmente, idosos.
4. ABANDONO AFETIVO INVERSO
O abandono afetivo inverso é o abandono dos filhos para com os pais, geralmente, idosos, e os que mais precisam de cuidados, de acordo com a sua fragilidade.
O desembargador Jones Figueiredo Alves[5] (PE) define o abandono afetivo inverso como: “A inação de afeto ou, mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos”.
Para as autoras Viegas e Barros (2016)[6]: “A palavra “inverso” inserida no contexto do abandono se relaciona com a equação às avessas do binômio da relação paterno-filial, ou seja, os filhos devem cuidar dos pais idosos, assim como, os pais devem cuidar dos filhos na infância”. (Viegas e Barros, 2016, p.21).
Como o abandono afetivo em questão se trata de ausência de vínculo afetivo entre os filhos para com os pais, há uma inação e essa conduta, do abandono, fere os artigos 229 e 230 da Constituição Federal, pois aduzem que:
Art. 229. “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”
Art. 230. “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.”
Dessa forma, como podem ser observados nos artigos anteriores, os filhos, maiores, também tem o dever de ajudar e amparar os seus pais quando chegam a certa idade e não possuem condições de se manterem sozinhos, seja por conta da idade, por doença ou até mesmo carência.
5. PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O ABANDONO AFETIVO INVERSO
No que concerne aos princípios constitucionais que norteiam o presente assunto, merecem destaque: o Princípio da dignidade da Pessoa Humana, Afetividade e Solidariedade.
5.1. Dignidade da Pessoa Humana
Esse presente princípio está expresso na Constituição Federal, no artigo 1º, III, é fundamental, pois garante ao indivíduo que tenha seus direitos respeitados, uma vida digna, que compreende o direito a saúde, moradia, alimentação e tantos outros. E é justamente de acordo com esse princípio que a constituição prevê no artigo 229 e principalmente, no artigo 230, que as famílias, a sociedade e o Estado tem o dever, de amparar as pessoas idosas, defendendo a sua dignidade e bem estar, inclusive garantindo-lhes o direito à vida.
Esse amparo resguardado nos artigos da constituição, não pode obrigar os filhos a terem afeto, a amarem seus pais idosos, mas tem o objetivo de educa-los, pois assim como é obrigação/dever dos pais darem auxilio tanto material quanto moral para seus filhos, também é dever dos filhos auxiliar seus pais na sua velhice, reciprocidade.
5.2. Afetividade
O afeto se tornou um princípio preconizado pela Constituição Federal de 1988 é o princípio que baseia e fundamenta o Direito da Família, pois traz consigo o comprometimento com os deveres de proteção e cuidado. A falta do afeto, do dever de cuidar determina a responsabilidade por omissão ou negligência, caracterizando-se como ato ilícito.
A partir disso, é necessário destacar que a ausência do afeto, pode gerar danos psicológicos, como salienta Rodrigues (2005, p.4[7]):
O convívio e relacionamento entre as pessoas, além de ser intrínseco a sua formação, ao seu desenvolvimento e, portanto, ao próprio envelhecimento, são fatores imprescindíveis a maturação física e psíquica do ser humano, ao falar-se em convívio e relacionamento, há que se realçar que eles se apresentam em diversos setores da vida, tais como na família, na comunidade, no trabalho, enfim, na sociedade em geral.
A maioria das famílias tem como base familiar, o afeto, base essa mais importante que um vínculo biológico, pois por diversas vezes, o afeto é muito mais importante e possui um peso maior. O afeto pode se traduzir no respeito que os membros da família têm um para com os outros, ajudando no que for necessário. Por isso, foi sob a luz desse princípio que se encontrou fundamentação para o Abandono Afetivo, o dever de cuidado dos pais para com seus filhos e dos filhos maiores, para com seus respectivos pais.
No caso dos idosos, o afeto familiar traz certa estabilidade, uma vez que nessa fase da vida há maior fragilidade e maior dependência. Esse presente princípio tem como finalidade uma maior fiscalização para com os direitos dos idosos, com o intuito de responsabilizar quem causar o abandono.
5.3 Solidariedade
Para definir esse princípio e demonstrar o motivo dele estar entre os princípios que norteiam o abandono afetivo inverso, se faz necessário mencionar que ele está diretamente ligado aos valores éticos do nosso ordenamento jurídico, compreendendo dessa forma a oferta de ajuda ao outro e a todos, o que é necessário em uma relação familiar, um sentimento recíproco, onde umas podem amparar as outras, principalmente nos momentos de carência e necessidade.
Para o mundo jurídico, o sentimento de solidariedade não é muito observado, mas o que é realmente relevante são as condutas que os indivíduos têm baseando-se nesse princípio. E foi justamente nesse princípio em que o Estatuto do idoso se amparou, tornando dessa forma, o amparo e o cuidado aos idosos, como dever.
Contudo, pode-se concluir que esses três princípios são basilares para sustentar o abandono afetivo inverso, pois trazem consigo o dever de respeitar a dignidade do idoso, não é apenas porque eles chegaram a uma idade avançada, fase essa em que todos poderão chegar um dia, que eles merecem viver sua vida sem a devida dignidade.
O princípio da afetividade, justamente traz a ideia de que é necessário o dever de cuidado para com aquelas pessoas que em tese temos afeto, dependendo ou não do vínculo biológico, além do que pressupõe que na maioria das vezes foi aquela pessoa que hoje se encontra com a idade avançada, que deu educação, afeto, uma vida digna para seus filhos quando crianças, e seria uma forma de retribuição, na velhice ampará-los, e não abandoná-los. E por fim, mas, não menos importante, a solidariedade para com os idosos, principalmente quando há a necessidade.
6. RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil é um instituto que obriga o indivíduo a reparar o dano por ele causado, a outrem, podendo ser moral ou material.
De forma breve e sucinta destaca Maria Helena Diniz:
A responsabilidade civil introduz a aplicação de medidas que impõem como dever de uma pessoa reparar o dano, seja ele na modalidade moral ou patrimonial, causado a outrem, cujo motivo seja ato o qual ela própria praticou; atos praticados por outra pessoa pela qual ela responda como cuidadora; por coisa que lhe pertença; ou, caso venha a ocorrer, derivada de uma simples imposição ilegal. Tal definição guarda em seu espojo teórico o importante significado de culpa, que cogita da existência do ilícito em um caso, outrora também pode vir a ocorrer a possibilidade de um risco cuja prova da culpa não é necessária para responsabilizar o indivíduo. (DINIZ, 2014, p. 49)
O Código Civil aduz que, aquele que causar dano a outrem, através de ato ilícito, fica obrigado a repará-lo.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p. 23) entendem que constitui elementos da responsabilidade civil: a conduta humana (podendo ser a positiva ou negativa, o fazer ou não fazer); o dano sofrido; e o nexo de causalidade entre a conduta praticada ou não, e o dano/prejuízo causado.
Além desses posicionamentos, é necessário destacar que a responsabilidade civil se divide em: objetiva, que é aquela que não depende da culpa do agente, já a subjetiva exige alguns pressupostos, que traz o Código Civil no artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”.
Portanto, é necessário observar a responsabilidade civil subjetiva dos filhos que abandonam seus pais, idosos, para se definir a indenização pelos danos sofridos por eles.
Em relação ao dano causado, pode-se definir da seguinte forma:
Conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral (CAVALIERI F.º, 2005, p. 95-96[8]).
Existem dois tipos de dano, o material que atinge a esfera patrimonial do indivíduo, e dessa forma, pode-se medir a extensão do dano e o dano moral, que atinge a esfera pessoal do indivíduo, não sendo possível, dessa forma, medir a sua extensão, e para responsabilizar quem causou o dano, será de responsabilidade do juiz, de forma equitativa, analisando o caso concreto.
E no que tange ao abandono afetivo inverso, o idoso pode sofrer muito com a inação do afeto, dano esse que é impossível medir, pois não há como saber o sofrimento do idoso, sem amparo, e tendo que se deparar com a solidão, porém, o juiz deverá analisar o caso concreto, tomando como base a circunstância em que vive o idoso, buscando a reparação devida.
Sendo necessário frisar mais uma vez que os filhos não devem ser responsabilizados por não amar, por não ter afeto pelos seus pais, e sim pela falta do dever de cuidado.
O artigo 229 da Constituição, muito mencionado no presente artigo, aduz que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice. Percebe-se que no descumprimento de tal dispositivo, irá recair sobre os filhos o dever de indenizar.
De acordo com Maria Berenice Dias, a ideia de indenização é muito importante, pois visa evitar o surgimento de novas ações ou omissões que possa restringir a dignidade da pessoa humana, tendo como caráter inibitório.
Outro ponto muito importante que merece destaque é que, apesar de encontrar amparo na Constituição Federal de 1988, no Código Civil, Estatuto do Idoso, Código Penal, conforme já salientado, o abandono afetivo inverso não possui uma lei específica que regulamente esse tema.
Contudo, a responsabilidade civil de quem comete tal conduta, será demonstrada com a efetivação do dano. De acordo com Pablo Stolze, “A responsabilidade Civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária a vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas” (GAGLIANO, 2012, p. 53).
E no que tange ao abandono afetivo inverso, é complicado ou quase impossível “repor in natura” o estado anterior das coisas, por esse motivo, é que se pode falar em pleitear indenização, indenização essa que possui caráter punitivo, pedagógico, além de inibitório como salientado anteriormente.
Não se pode dar preço ao afeto ou a falta dele, na exata medida que o amor é uma celebração permanente de vida, uma realidade espontânea, porém, o abandono moral e material, pode ser definido em níveis de quantia para a devida indenização. Os parâmetros é o caso concreto de acordo com a vida dos envolvidos, sinalizando uma reparação civil adequada e necessária.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo que já foi exposto, percebe-se que o afeto é muito importante para o direito de família, principalmente no que diz respeito ao tema em questão, pois os idosos com idade avançada ou que, além disso, são portadores de alguma doença, ou seja, que são vulneráveis, necessitam de afeto, carinho, atenção, cuidado, enfim, do amparo de sua família, principalmente dos seus filhos, além do amparo material. E, por isso, a inação desse afeto pode causar aos idosos pioras na sua saúde, tristeza profunda, e outros inúmeros danos psicológicos que interferem na saúde dos mesmos, por isso é um assunto de grande importância e deve ser observado com muito cuidado, para que não os deixem desamparados em situações de abandono.
Faz-se necessário destacar que foi a partir da proposta de indenização devida ao abandono afetivo, que se cogitou a possibilidade de indenizar também os casos de abandono afetivo inverso, com a intenção de reparar a dor e o sofrimento dos idosos que se encontram nessa situação, bem como inibir novas condutas, ou seja, da mesma forma que é passível de indenização quando os pais abandonam seus filhos menores, deixando-os sem amparo, devem ser responsabilizados também, os filhos maiores, que abandonam seus pais na velhice, pois deve ser utilizado da interpretação analógica, dependendo do caso concreto.
Como foi salientado diversas vezes no decorrer do presente artigo, o idoso em si, encontra amparo em diversas legislações, mas além de todas essas previsões, há uma ausência de uma legislação específica no que tange ao abandono afetivo inverso, em lei. Porém, sabe-se que mesmo com essa lacuna, há a possibilidade dos filhos serem responsabilizado civilmente, através da indenização.
Entretanto, o número de idosos abandonados em casas geriátricas, asilos, ou até em situações desumanas, ainda é grande, demonstrando assim, que as legislações mencionadas, no que tange a esse assunto, não são tão eficazes como deveriam ser.
Para que essa indenização devida obtenha uma maior eficácia no seu objetivo, que é o caráter punitivo, pedagógico e inibitório, seria necessário, assim como em todos ou quase todos os casos do ordenamento jurídico Brasileiro, a melhora na fiscalização para que as mencionadas legislações conseguisse levar às pessoas, principalmente a tríade, a sensação de temor, causando assim a inibição do abandono.
Para os idosos, essa dor de ser abandonado, rejeitados pelos seus filhos, que em tese, no passado deu muito amor, e fez de tudo por eles, é irreparável, gerando um sentimento de tristeza, desgosto da própria vida, muitas vezes. Essa dor sentida pelos idosos não possui valor econômico, mas é necessária a responsabilização dos filhos, para que tal conduta gere uma reparação como forma de punição, e servindo como inibição de novos casos na sociedade.
Diante de todo o exposto, resta afirmar que o presente trabalho teve como finalidade explorar o presente tema, sem esgotá-lo. Demonstrando que quem pratica a conduta do abandono afetivo inverso, deve ser responsabilizado, de acordo com o caso concreto, analisando a dimensão do dano causado ao idoso. Como também salientar que o presente tema já deveria ter mais abrangência, para que dessa forma seja levado mais a sério, e seja observado por mais pessoas.
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[1] Especialista em direito Empresarial. Professora da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina – FACAPE. E-mail:[email protected], endereço: Avenida Sebastião de Almeida Branco, número 100, Quadra D, lote 10-A, Bairro Pedra do Lord, Condomínio Assunção de Maria, Juazeiro-Ba. CEP n. 48.901-340.
[2] OMS: Organização Mundial de Saúde. Disponível em: .
[3] RULLI, Antônio Neto. PROTEÇÃO LEGAL DO IDOSO NO BRASIL. SÃO PAULO. Fiuza Editores.2003.
[4] Ministra Fátima Nancy Andrighi, da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgado de 2012.
[5] Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)
[8]CAVALIERI, Sérgio Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 13ªed. São Paulo. Atlas. 2018.
Graduando em Direito pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - FACAPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARDOSO, Ana Paula Lima. Abandono afetivo inverso: a inação de afeto e a responsabilidade civil dos filhos em relação aos pais idosos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52411/abandono-afetivo-inverso-a-inacao-de-afeto-e-a-responsabilidade-civil-dos-filhos-em-relacao-aos-pais-idosos. Acesso em: 22 nov 2024.
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