DAVID ALVES MOREIRA
(Orientador)
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo mostrar que o Regime Disciplinar Diferenciado não está em consonância com os princípios norteadores da execução penal que estão insculpidos na Constituição da República Federativa do Brasil, bem como os decorrentes de Tratados Internacionais de Direitos Humanos, em especial: o Princípio da Legalidade, o Princípio da Individualização da Pena, o Princípio da Humanidade das Penas e o Princípio da Proporcionalidade. Para consecução desse fim, utilizou-se o método de abordagem dedutivo de pesquisa, já que se analisou o Regime Disciplinar Diferenciado frente aos referidos princípios, para se concluir que se encontra em desacordo com a Constituição Federal de 1988. Foram usadas doutrinas de Direito Penal e Direito Constitucional, bem como colhidos diversos artigos em sítios especializados no assunto. Dessa forma, para a evolução da pesquisa, estudou-se o Regime Disciplinar Diferenciado na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), demonstrando o contexto histórico de criação, características e hipóteses de incidência. Após, analisou-se o Regime Disciplinar Diferenciado frente os Princípios Penais norteadores da execução penal. Por último, foi realizada a ponderação dos interesses que devem prevalecer na aplicação do RDD. Com base nesses elementos, chegou-se a conclusão de que o referido regime é inconstitucional, devendo prevalecer a dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Regime Disciplinar Diferenciado. Lei n. 10.792/2003. Execução Penal. Lei n. 7.210/84. Inconstitucionalidade. Tratamento desumano. Dignidade da pessoa humana.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I - O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. 1.1. Origem e evolução do instituto do Regime Disciplinar Diferenciado. 1.2. Natureza Jurídica do Regime Disciplinar Diferenciado. 1.3. Regime Disciplinar Diferenciado e a Lei de Execução Penal: Características e Hipóteses de Cabimento. 1.4. Procedimento. CAPÍTULO II - REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO FRENTE AOS PRINCÍPIOS DE DIREITOS HUMANOS NORTEIAM A LEI DE EXECUÇÃO PENAL INSCULPIDOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, BEM COMO OS DECORRENTES DE TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. 2.1. Conceito de princípios. 2.2. Princípio da Legalidade. 2.3. Princípio da Individualização da Pena. 2.4. Princípio da Proporcionalidade ou Razoabilidade. 2.5. Princípio da Humanidade das penas. CAPÍTULO III - RDD FRENTE OS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA SOCIAL/JURÍDICA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A PONDERAÇÃO DOS INTERESSES EM CONFLITO. 3.1. Princípio da Segurança Social/Jurídica. 3.2. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 3.3. Ponderação dos interesses na aplicação do RDD. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
O presente estudo tem por escopo aferir a (in) adequação do instituto jurídico denominado Regime Disciplinar Diferenciado perante o ordenamento jurídico brasileiro, especialmente os princípios de direitos humanos que norteiam a execução penal insculpidos na Constituição da República Federativa do Brasil, bem como decorrentes de tratados internacionais.
Não se trata de uma análise legalista de tal regime, mas sim de uma análise deste ante os princípios jurídicos de direitos humanos expostos na Constituição da República Federativa do Brasil e os que orientam a Lei de Execução penal, em cotejo com os diplomas internacionais em Direitos Humanos.
Trata-se de assunto de grande relevância, pois evidencia o conflito entre a supremacia do interesse público e os direitos humanos, haja vista que a conjuntura política em que foi criado tal instituto revela a ineficiência do estado perante o crime organizado, tornando questionáveis as medidas para sanar tais problemas, principalmente o isolamento celular.
O Regime Disciplinar Diferenciado foi criado sob a designação de sanção disciplinar, introduzido no corpo da Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84), através da Lei n. 10.792/03, a fim de coibir a atuação do crime organizado no interior dos estabelecimentos prisionais brasileiros, bem como a influência dos reeducandos fora dos presídios.
O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a (in) constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado fece os princípios de direitos humanos que norteiam a execução penal, através da análise criminológica acerca tal medida taxada de disciplinar, mas, por alguns, tida como novo regime de cumprimento de pena mascarado.
Para isso, é necessário, primeiramente, traçar o histórico do surgimento de tal regime. Após, é imprescindível um confronto deste com os princípios que norteiam a Lei de Execução Penal insculpidos na Constituição da República Federativa do Brasil e, por fim, através da Teoria da Ponderação de Interesses, demonstrar quais interesses em conflitos devem prevalecer.
CAPÍTULO I - O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO
1.1. Origem e evolução do instituto do Regime Disciplinar Diferenciado
A origem do regime de prisão, nos moldes do Regime Disciplinar Diferenciado, remonta a Antiguidade, mais especificamente à Grécia Antiga, no entanto, com outra denominação. No Brasil, há notícias de que tal regime tenha sido implantado durante o império, sob a designação de “cárcere duro”, para aqueles que desobedecessem ao Imperador[1].
Atualmente, no Brasil, o instituto jurídico denominado Regime Disciplinar Diferenciado teve origem em decorrência de uma série de rebeliões ocorridas no sudeste do Brasil, mais especificamente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.
No dia 18 de fevereiro de 2001, no Estado de São Paulo, ocorreu a maior rebelião carcerária da história brasileira. Em poucas horas, 29 (vinte e nove) unidades prisionais paulistas rebelaram-se tornando reféns funcionários e familiares de presos, tendo como principal palco a Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru).
O movimento sistemático foi idealizado e executado pela organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital (PCC), que tinha como fim o retorno para a referida casa de detenção dos líderes do grupo que haviam sido transferidos desta para o Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, estabelecimento de Segurança Máxima. Acerca do tema, Fernando Salla escreveu:
Dia 18 de fevereiro de 2001, início de uma tarde de domingo. O sistema penitenciário do Estado de São Paulo foi sacudido pela maior rebelião já registrada na história do Brasil. Em algumas horas, 29 unidades prisionais da cidade de São Paulo, da Região Metropolitana e do Interior do Estado rebelaram-se e fizeram reféns funcionários e familiares de presos. A maior parte das prisões rebeladas integrava a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). Outras pertenciam ao sistema policial. Algumas unidades prisionais estavam previamente articuladas para este movimento e outras simplesmente foram aderindo, à medida que circulavam as informações, pela mídia, sobre a revolta. Esse impressionante movimento sincronizado de rebeldia foi liderado por indivíduos presos pertencentes a uma organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital (PCC). Milhares de espectadores acompanharam pela televisão, imagens das rebeliões que se espalharam pelos presídios do Estado. Um dos centros de comando do movimento foi a Casa de Detenção de São Paulo, com mais de sete mil presos. Essas rebeliões simultâneas tinham um motivo muito claro, ligado a esse grupo criminoso: pressionar a administração penitenciária para a volta para a Casa de Detenção de São Paulo dos líderes do grupo que haviam sido removidos dali, dias antes, para o Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, uma espécie de supermax do sistema penitenciário do Estado de São Paulo. Pediam os rebelados, ao mesmo tempo, a desativação do Anexo, onde as regras disciplinares eram extremamente severas, permanecendo os presos, durante 23 horas por dia, isolados na cela, sem qualquer atividade e com severas restrições de visitas. Para a opinião pública, naquele momento não foram apresentadas pelos presos denúncias de más condições das prisões, alimentação ruim, falta de assistência médica ou judiciária, arbitrariedades praticadas pelas autoridades, maus tratos, etc. Só depois de permanecerem rebeladas algumas unidades prisionais, no dia seguinte, é que as lideranças chamaram a atenção para os problemas e as deficiências do serviço penitenciário. O dia escolhido pelos rebelados foi estratégico para conter uma reação violenta das autoridades: domingo, dia de visitas de familiares e amigos de presos. A presença de milhares de familiares no interior das prisões tornava aflitiva a situação e colocava um desafio para as autoridades, no sentido de uma solução sem violência. Em alguns lugares, as rebeliões foram controladas ainda no domingo e, em outros, estenderam-se pela segunda-feira. O saldo de todo o movimento foi a morte de 20 presos, a maior parte provocada pelos próprios presos, em decorrência de conflitos entre grupos criminosos rivais.[2]
Em decorrência da deflagração da referida rebelião, a solução tomada pelo Estado para apaziguar a crise no sistema penitenciário foi a edição, pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária de São Paulo, da Resolução nº 26/2001, com a finalidade de regulamentar tratamento diferenciado a líderes do crime organizado. A referida resolução previa em seu corpo o isolamento por 180 (cento e oitenta) dias para o infringente primário e 360 (trezentos e sessenta) dias nas reincidências, bem como banho de sol de, no mínimo, 01 (uma) hora por dia e visitas semanais com no máximo 02 (duas) horas, conforme o art. 5º, incisos II e VI da Resolução 26/2001[3].
Sobre o tema, Salo de Carvalho e Christiane Russomano asseveraram:
Na tentativa dos administradores em assegurar a disciplina e a ordem do sistema prisional, foram editadas duas resoluções pela Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP/SP). Em maio de 2001, a Resolução SAP/SP 26 estréia a experiência do RDD no Brasil, inicialmente restringido a 05 unidades prisionais: Casa de Custódia de Taubaté, Penitenciárias I e II de Presidente Venceslau, Penitenciária de Iaras e Penitenciária I de Avaré. Durante o ano de 2001, as Penitenciárias I e II de Presidente Venceslau e a Penitenciária de Iaras deixaram de aplicar o RDD, pois o Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, inaugurado em 02.04.2002, fora adaptado exclusivamente para este fim. A Resolução 26 dispunha no seu artigo 1º que o RDD seria aplicável, apenas nas unidades penitenciárias referidas, aos líderes e integrantes de facções criminosas e aos presos cujo comportamento exigisse tratamento contenção. O tempo máximo de permanência no RDD era de 180 dias, podendo, porém, ser ampliado para 360 dias (art. 4º). Caberia ao Diretor Técnico das Unidades, através de petição fundamentada direcionada ao Coordenador Regional das Unidades Prisionais, solicitar a remoção do preso ao RDD. Em estando o Coordenador Geral de acordo, o pedido seria encaminhado ao Secretário de Administração Penitenciária Adjunto, o qual decidiria sobre o ingresso ou não do apenado no regime de exceção (art. 2º). Em continuidade ao processo de normatização de restrições aos direitos dos presos por atos administrativos estaduais, em julho de 2002 é editada a Resolução 49, cujo objetivo era de restringir o direito de visita e as entrevistas dos presos em RDD com seus advogados. A resolução limita o número de visitantes por dia de visita (art. 2º) e estabelece que as entrevistas com advogados deveriam ser previamente agendadas, mediante requerimento oral ou escrito à Direção do estabelecimento, que designaria data e horário para atendimento reservado nos 10 dias subsequentes (art. 5º). Em agosto de 2002 é editada a Resolução SAP/SP 59, que institui o RDD no Complexo Penitenciário de Campinas (Hortolândia). A Resolução previa o regime especial não somente para os condenados, mas ampliada aos presos provisórios acusado de prática de crime doloso ou que representassem alto risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal. O tempo máximo de permanência no regime foi fixado em 360 dias. Outrossim elencava um rol de condutas que implicariam na submissão ao regime: (a) incitamento ou participação em movimento para subverter a ordem ou disciplina; (b) tentativa de fuga; (c) participação em facções criminosas; (d) posse de instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem ou de estabelecer comunicação proibida com organização criminosa; e (e) prática de fato previsto como crime doloso que perturbe a ordem do estabelecimento (art. 2º).[4]
No Estado do Rio de Janeiro, a primeira experiência nos moldes do regime Disciplinar Diferenciado ocorreu em dezembro de 2002, após a rebelião no Presídio de Bangu I, liderado por Fernandinho Beira-Mar, que após o motim, juntamente com os demais líderes, foi colocado em Regime Disciplinar Especial de Segurança (RDES). Em julho de 2003, tal sistema foi reformulado, sendo difundido para outras unidades prisionais. Sobre o episódio, dissertou André Luiz Alves:
Caso semelhante ocorreu no Estado do Rio de Janeiro no ano de 2002, quando o presídio de segurança máxima Bangu I foi palco de uma disputa entre as facções rivais. Além de várias mortes e destruições patrimoniais, os líderes das mencionadas facções comandaram várias ações criminosas por toda a cidade. Nove bairros foram atingidos, 800 mil passageiros ficaram sem ônibus e parte do comércio fechou as portas. Esses fatos trouxeram à tona o debate acerca do poder estatal de controlar ações criminosas comandadas de dentro do cárcere, pois, como observou Christiane Russomano Freire, o motim extrapolou “os muros das penitenciárias, externando seu controle de influência para o conjunto da sociedade”. Em contrapartida, a Secretaria de Administração Penitenciária instituiu o Regime Disciplinar Especial.[5]
Tal regime foi assim caracterizado pelo então Secretário de Estado de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro Astério Pereira dos Santos:
No que pertine ao Regime Disciplinar Especial de Segurança ora implantado, tanto aqui no Rio de Janeiro, quanto em São Paulo, está ele em consonância com o que se acabou de expor, deixando certo que se trata de um imperativo de disciplina, mas muito mais do que isto, de uma medida destinada a afastar líderes violentos e sanguinários, de exacerbada periculosidade, do convívio com os demais presos, que eles subjugam e usam como massa de manobra em suas rebeldias, obrigando-os a fazer rebeliões, motins e, até mesmo, greve de fome, como se pode comprovar na semana passada. Na verdade, a greve de fome arquitetada pelas lideranças do Comando Vermelho não era bem quista pela grande maioria dos que a ela aderiu, mas que assim agiram por medo das retaliações que poderiam sofrer por insubordinação. Afastar essa liderança de opressores dos demais presos, quase sempre criminosos ocasionais e eventuais, de escassa ou nenhuma periculosidade é, sobretudo, em ato de humanidade. O RDES foi instituído em prol da massa carcerária, dos oprimidos do sistema, num momento de hiato de legalidade, em vias de ser suprido, conforme projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional.[6]
A partir da implantação da referida disciplina carcerária nos aludidos estados da federação, difundiu-se a ideia de que tais medidas seriam a solução mais plausível e eficaz contra a ingerência do crime organizado dentro das penitenciárias.
Em razão disso, o Governo Federal editou a Medida Provisória n. 28/2002, que tinha por escopo a inclusão do Regime Disciplinar Diferenciado do na Lei de Execução Penal, no entanto tal diploma legal não foi convertido em lei, ante a desobediência a norma constitucional insculpida na alínea b do inciso I do §1º do art. 62 da Constituição da República Federativa do Brasil, que estabelece a vedação a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a direito penal e processual penal.
É notório que a ideia tomou mais impulso com os assassinatos de dois juízes corregedores da Vara de Execuções: Antônio José Machado Dias, de Presidente Prudente e Alexandre Martins de Castro Filho, do Espírito Santo.
Diante de tais fatos, o Poder Executivo, mediante seu poder de iniciativa legislativa, enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 5.073[7], que em 1º de dezembro de 2.003, deu origem a Lei n. 10.792, que instituiu no ordenamento jurídico brasileiro o Regime Disciplinar Diferenciado.
1.2. Natureza Jurídica do Regime Disciplinar Diferenciado
Sobre o conceito de natureza jurídica, as lições dos doutrinadores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona:
Indagado a respeito da natureza jurídica de determinada figura, deve o estudioso do direito cuidar de apontar em que categoria se enquadra, ressaltando as teorias explicativas de sua existência [...] Afirmar a natureza jurídica de algo é, em linguagem simples, responder á pergunta: “que é isso para o direito”?.[8]
Assim sendo, sobre a natureza jurídica do Regime Disciplinar Diferenciado, temos que se trata, conforme aduz Damásio de Jesus, de “sanção disciplinar”[9]. Para Mirabete, trata-se de “novo regime de disciplina carcerária especial, caracterizado por maior grau de isolamento do preso e de restrições ao contato com o mundo exterior”[10].
Ao menos provisoriamente, estes conceitos nos servem, já que existe corrente doutrinária que não entende o RDD como simples sanção disciplinar, mas como verdadeiro regime de cumprimento de pena mascarado, tal como denota Salo de Carvalho, ao afirmar que o RDD “sob a aparência de recrudescimento da disciplina carcerária, inaugura uma nova modalidade de cumprimento de pena”[11].
A dicção da Lei de Execução Penal é no sentido de que o RDD é uma modalidade de sanção disciplinar. Assim dispõe a literalidade da Lei:
Art. 53. Constituem sanções disciplinares:
[...]
V - inclusão no regime disciplinar diferenciado. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)[12]
Assim, em tese, o Regime Disciplinar Diferenciado não constitui regime de cumprimento de pena, mas sim uma mera sanção disciplinar. No entanto, em sentido contrário se manifestou o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, através da Comissão instituída pela Resolução n.º 01, de 25/03/2003, visando o estudo dos aspectos legais relacionados ao Regime Disciplinar Diferenciado, composta pelos Conselheiros Maurício Kuehne, Laertes de Macedo Torrens e Carlos Weis, que assim relataram:
Desta feita, embora esteja encartado no Capítulo IV da LEP (Dos Deveres, dos Direitos e da Disciplina), o RDD, em princípio, não tem natureza jurídica de sanção, uma vez que não se destina a punir alguém por uma conduta específica, mas afastar certos presos do meio carcerário comum. [...]Diante do quadro examinado, do confronto das regras instituídas pela Lei n. 10.792/03 atinentes ao Regime Disciplinar Diferenciado, com aquelas da Constituição Federal, dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Prisioneiros, ressalta a incompatibilidade da nova sistemática em diversos e centrais aspectos, como a falta de garantia para a sanidade do encarcerado e duração excessiva, implicando violação à proibição do estabelecimento de penas, medidas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, prevista nos instrumentos citados. Ademais, a falta de tipificação clara das condutas e a ausência de correspondência entre a suposta falta disciplinar praticada e a punição decorrente, revelam que o RDD não possui natureza jurídica de sanção administrativa, sendo, antes, uma tentativa de segregar presos do restante da população carcerária, em condições não permitidas pela legislação.[13]
O assunto é deveras mais complexo. Os doutrinadores Salo de Carvalho e Christiane Russomano assim aduziram:
Do ponto de vista dos efeitos concretos produzidos na execução da pena privativa de liberdade, vale ressaltar que, se a Lei dos Crimes Hediondos significou o golpe inicial na perspectiva reabilitadora, a criação do RDD aparece como golpe de misericórdia. O isolamento celular de até 360 dias, sob a aparência de recrudescimento da disciplina carcerária, inaugura uma nova modalidade de cumprimento de pena – com ênfase na inabilitação e na exclusão – que não apenas redefine o significado do controle disciplinar no interior da execução penal, mas rompe a lógica do sistema progressivo e, sobretudo, viola o núcleo duro da Constituição que são os direitos e garantias individuais.[14]
No mesma linha de raciocínio, Maurício Kuehne em obra individual:
Sob a aparência de mera aplicação de sanção disciplinar mais rígida, na verdade se está criando uma nova modalidade de cumprimento de pena, a que se poderia chamar de “regime fechadíssimo”, no qual não há possibilidade de trabalho, educação ou qualquer forma de terapia.[15]
Para o insigne doutrinador a essência do RDD o torna uma modalidade de cumprimento de pena, eivada do vício de inconstitucionalidade. No entanto, o Supremo Tribunal Federal se manifestou no seguinte sentido:
AÇÃO PENAL. Condenação. Execução. Prisão. Regime disciplinar diferenciado. Sanção disciplinar. Imposição. Repercussão no alcance dos benefícios de execução penal. Indispensabilidade de procedimento administrativo prévio. Não instauração. Violação ao devido processo legal. Ordem concedida de ofício para que a sanção já cumprida não produza efeitos na apreciação de benefícios na execução penal. O regime disciplinar diferenciado é sanção disciplinar, e sua aplicação depende de prévia instauração de procedimento administrativo para apuração dos fatos imputados ao custodiado.[16]
A Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1.984), com redação incluída pela Lei n. 10.972/2.003, disciplina o Regime Disciplinar Diferenciado da seguinte forma:
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:
I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;
II - recolhimento em cela individual;
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.
§ 1º O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.
§ 2º Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.[17]
Uma vez definido que, segundo a Lei de Execução Penal, o regime disciplinar diferenciado é uma sanção disciplinar, é necessário fazer um estudo acerca de suas características e hipóteses de cabimento.
Primeiramente, é imprescindível que se enumere as possibilidades de inclusão do reeducando no Regime Disciplinar Diferenciado. A letra da lei traz três casos em que se aplica tal sanção, quais sejam:
a) prática de fato previsto como crime doloso que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas (caput do art. 52 da LEP);
b) presos que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade (§1º do art. 52 da LEP);
c) recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando (§2º do art. 52 da LEP).
O primeiro caso (quando se tratar de prática de fato previsto como crime doloso que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas) é o único em que é possível vislumbrar uma ação, concreta e específica, capaz de ser provada e individualizada, através de uma conduta caracterizadora de falta disciplinar grave.
Desta forma, como o caput do art. 52 da LEP preceitua, a prática do ato definido como crime doloso, deve ser cumulado com causar subversão da ordem ou disciplina da instituição penitenciária. Caso contrário, ou seja, se praticado fato que embora configure crime doloso, mas não ocasione a subversão da ordem ou da disciplina, ou que é previsto somente como uma falta e não como crime doloso, mesmo que ocasione a subversão de mesma natureza, aplica-se as sanções previstas nos incisos III e IV do art. 53 da Lei de Execução Penal, que estabelecem a suspensão ou restrição de direitos e isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo.
O caput do art. 52 da LEP ainda faz referência ao “preso provisório, ou condenado”. Assim, estão sujeitos ao regime disciplinar diferenciado o condenado que cumpre pena privativa de liberdade e o preso provisório, esta decorrente das prisões cautelares.
Ademais, por se tratar de sanção de natureza disciplinar, portanto de cunho administrativo, tal penalidade é infligida, sem prejuízo da sanção criminal correspondente, ou seja, em tese, não haveria non bis in idem. Nesse sentido, a lição do ilustre Mirabete:
É expressa a lei no sentido de que, havendo a prática de crime, devem ser instaurados os dois processos (penal e administrativo) de que resultarão as sacões de duas espécies. Não se trata, evidentemente, de violar o princípio non bis in idem, pois, de acordo com a melhor doutrina, constituem-se infrações a ordenamentos jurídicos diversos (de direito penal e de execução penal), como aliás ocorre também com a aplicação de sanções penais e civis quando da prática de crime de que resulta prejuízo. O condenado, aliás, em decorrência do mesmo princípio, pode também se sujeitado à sanção civil pelos eventuais danos em decorrência da falta disciplinar.[18]
A segunda hipótese prevê a inclusão do preso no Regime Disciplinar Diferenciado são dos reintegrandos que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade (§1º do art. 52 da LEP).
Por fim, temos a última possibilidade de inclusão no Regime Disciplinar Diferenciado, que consta no §1º do art. 52 da LEP, qual seja, quando recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.
Nesses dois últimos casos, existem conceitos jurídicos indeterminados, abrindo uma grande margem de interpretação ao operador do Direito.
Sobre conceito jurídico indeterminado, Barbosa Moreira leciona:
Nem sempre convém, e às vezes é impossível, que lei delimite com traço de absoluta nitidez o campo de incidência de uma regra jurídica, isto é, que descreva em termos pormenorizados e exaustivos todas as situações fáticas a que há de ligar-se este ou aquele efeito no mundo jurídico. Recorre então o legislador ao expediente de fornecer simples indicações de ordem genérica, dizendo o bastante para tornar claro o que lhe parece essencial, e deixando ao aplicador da norma, no momento da subsunção – quer dizer, quando lhe caiba determinar se o fato singular e concreto com que se defronta corresponde ou não ao modelo abstrato, o cuidado de “preencher os claros”, de cobrir os “espaços em branco”. A doutrina costuma falar, ao propósito, em “conceitos juridicamente indeterminados” (unbestimmte Rechsbegriffe)”.[19]
Eis um dos motivos de controvérsia na doutrina acerca da constitucionalidade do RDD, o fato da abrangência e subjetividade das hipóteses de inclusão do reeducando no Regime Disciplinar Diferenciado. De um lado, os que afirmam ser inconstitucional, dentre eles Salo de Carvalho, Luís Flávio Gomes, Alberto Silva Franco e Maurício Kuehne. De outro, estão os que defendem sua constitucionalidade, tais como Guilherme de Souza Nucci e Fernando Capez. Nas lições de Mirabete:
A inclusão no Regime Disciplinar Diferenciado com fundamento nos §§ 1º e 2º do art. 52 da Lei de Execução Penal constitui medida preventiva, de natureza cautelar, que tem por finalidade garantir as condições necessárias para que a pena privativa de liberdade ou a prisão provisória seja cumprida em condições que garantam a segurança do estabelecimento penal e a ordem pública, que continuaria ameaçada se, embora custodiado, permanecesse preso em regime comum. Exige-se, portanto, que o preso apresente alto risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal, no sentido de que sua permanência no regime comum possa ensejar montins, rebeliões, lutas entre facções, subversão coletiva da ordem ou a prática de crimes no interior do estabelecimento em que se encontre ou no sistema prisional, ou, então, que, mesmo preso, possa liderar ou concorrer para a prática de infrações penais no mundo exterior, por integrar quadrilha, bando ou organização criminosa. Por coerência, dada a natureza cautelar da medida, o alto risco mencionado no § 1º deve estar presente também na hipótese regulada no § 2º do art. 52.[20]
Uma vez definidas as hipóteses de cabimento, deve-se demonstrar as características do Regime Disciplinar Diferenciado, ou seja, em que medidas consiste o RDD. Os incisos I a IV do art. 52 da LEP estabelece as seguintes características:
a) Duração de, no máximo, 360 dias, podendo ser prorrogado até o limite de 1/6 da pena aplicada, caso haja o cometimento de nova falta grave de mesma espécie. Nesse caso, na hipótese de preso provisório, leva-se em consideração a pena mínima cominada;
b) Recolhimento em cela individual;
c) Visitas semanais de 2 (duas) pessoas, sem contar crianças, com duração de 2 (duas) horas;
d) Banho de sol por 2 (duas) horas diárias.
Por se tratar de sanção e, por consequência, de privação de um direito, a inclusão no Regime Disciplinar Diferenciado depende de procedimento específico que permita o contraditório, bem como a intervenção jurisdicional. Mirabete assim descreve o referido regime:
A inclusão do preso no Regime Disciplinar Diferenciado, diversamente das demais sanções disciplinares, somente pode ser aplicada por decisão do juiz competente, ouvidos previamente o Ministério Público e a defesa. Prevê a lei a possibilidade de inclusão preventiva do preso faltoso no regime disciplinar no interesse da disciplina e da averiguação do fato, exigindo, porém, igualmente, prévia autorização judicial, nos termos do art. 60. O tempo de inclusão provisória será computado no período de cumprimento da sanção disciplinar que vier a ser aplicada [...] pode ocorrer também como medida cautelar, nas hipóteses de recaírem sobre o preso fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas ou de representar ele alto risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal ou para sociedade.[21]
Dessa forma, é permitida a inclusão preventiva ou cautelar no RDD, por meio de decisão administrativa, com fundamento no art. 60 da Lei de Execução Penal, no interesse da disciplina e para a apuração do fato, dependendo do despacho da autoridade judiciária competente.
O lapso temporal de inclusão preventiva é de até 10 (dez) dias, não podendo ser prorrogado ou decretado novamente pelo mesmo fundamento. Nesse sentido Renato Marcão aduz que “escoado o prazo, ou se determina a inclusão no regime disciplinar diferenciado, conforme regulado no art. 52, observadas as hipóteses autorizadoras (caput, §§ 1º e 2º), ou se restitui ao preso sua normal condição de encarcerado”[22].
Existem, portando, duas espécies de RDD, quais sejam, o Regime Disciplinar Diferenciado Repressivo e o Regime Disciplinar Diferenciado Preventivo ou Cautelar.
Exposta origem, evolução, características e hipóteses de cabimento do RDD, para atender os fins a que se destina este trabalho, é necessário passar a analisar o referido instituto perante os princípios de direitos humanos que norteiam a execução previstos na CRFB, bem como aqueles decorrentes de tratados internacionais sobre direitos humanos.
Para o estudo acerca da constitucionalidade material do RDD, é necessário analisá-lo face aos princípios constitucionais penais que norteiam a execução penal. A Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal traz em seu bojo princípios que serviram de base para sua edição. Apesar de não ter o caráter normativo, a Exposição de Motivos demonstra a vontade do legislador ao trazer ao ordenamento jurídico novas normas.
Ora, se tais princípios disciplinam a execução penal, de outro modo não seria em relação ao Regime Disciplinar Diferenciado, uma vez que este foi inserido no corpo da Lei n. 7.210/84, através da Lei n. 10.792/03, a fim de coibir a atuação do crime organizado no interior dos estabelecimentos prisionais brasileiros.
Note-se que o art. 1º da Lei de execução penal dispõe que o objetivo da execução penal é “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Assim, nas lições de Renato Marcão, temos que:
A execução penal deve objetivar a integração do condenado ou internado, já que adotada a teoria mista ou eclética, segundo a qual a natureza retributiva da pena não busca apenas a prevenção, mas também a humanização. Objetiva-se, por meio da execução, punir e humanizar.[23]
Diante disso, surgem as indagações se tal sanção disciplinar[24] obedece aos princípios constitucionais da execução penal, mais especificamente os princípios da humanidade das penas, da legalidade, da ressocialização ou reintegração social do condenado, da individualização da pena, da proporcionalidade, dentre outros.
Não se pode olvidar que os princípios fundamentais insculpidos na Lei de Execução Penal foram recepcionados pela Constituição da República Federativa do Brasil que segundo Gilmar Mendes “é o local adequado para positivar normas asseguradoras dessas pretensões” (MENDES, p. 221). Portanto, a desobediência a tais princípios seria uma afronta a própria Constituição da República.
Mas antes de se falar nos princípios em espécie, é necessário analisar o conceito de tal instituto jurídico. Sobre os princípios constitucionais, Luis Roberto Barroso ensina:
São o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui.[25]
Malgrado posicionamento em sentido diverso, tal como a de Humberto Ávila[26], é necessário ressaltar que princípio é espécie do gênero norma. A norma tem como espécie não só o princípio, mas também as regras. Sobre o conceito de princípios, Élcio Arruda:
No constitucionalismo moderno, princípios e regras são espécies do gênero norma. Daí se falar em norma-princípio e norma-regra. Os princípios fundamentam as regras, entendidas como as leis propriamente ditas, constituem as leis das leis, isto é, estruturam o sistema jurídico. São forjados sob o influxo do conceito de justiça e da ideia de direito. Enfeixam um grau de abstração elevado e reclamam intermediação para se concretizarem.[27]
Ainda sobre a diferença entre regras e princípios prossegue:
Há, ocasionalmente, pontos de tensão ou arestas. Nestas situações, opera-se a acomodação entre os princípios aparentemente colidentes. Não se opta por um em detrimento dos demais, mas, sim, todos são aplicáveis, em maior ou menos extensão, conforme a preponderância ou peso dos valores envolvidos. Estabelece-se um ponto de equilíbrio entre os interesses conflituosos [...]. Diferentemente, no tocante às regras (leis), pode suceder verdadeira antinomia. Indagar-se-á qual delas será aplicável. A discussão se situa no campo da validade, sem espaço para perquirição quanto ao peso ou ao valor de cada uma. Aí, então, o caminho é se arredar uma e se aplicar a outra, a mais consentânea aos princípios. Obedece-se à lógica do tudo ou nada.[28]
Ainda sobre o conceito de princípios dissertou Robert Alexy:
Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são satisfeitos em graus variados que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes.[29]
Os princípios não tratam apenas de um enunciado axiológico, mas de verdadeira normatividade, conforme leciona Paulo Bonavides afirmado que “os princípios, uma vez constitucionalizados, se fazem chave de todo o sistema normativo”[30].
Assim a desobediência a tais princípios eiva a norma jurídica do vício da inconstitucionalidade. A seguir, analisar-se-á o instituto do RDD perante princípios constitucionais.
Por outro lado, quando falamos em direitos humanos não devemos apenas considerar os princípios positivados na Carta Magna de 1988, ante o caráter global de tais institutos.
O art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil traz regras mínimas, fora das quais a privação da liberdade deve ser tida como inconstitucional. Tais normas estão insculpidas nos incisos II, III, XXXV, XXXIX, XLVI, XLVII, “e” e XLIX, entre outros:
Art. 5º. [...]
II- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III- ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante;
XXXV- a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
XXXIX- não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
XLVI- a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: [...];
XLVII- não haverá penas: [...];
e) cruéis; e
XLIX- é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
§1º- As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§2º- Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.[31]
Observe-se que nos parágrafos 1º e 2º, do referido dispositivo, nosso ordenamento conferiu a eficácia imediata dos direitos e garantias fundamentais e possibilitou o acréscimo de normas internacionais garantidoras dos direitos humanos fundamentais.
Assim, a referida cláusula aberta possibilitou se buscar, fora do texto constitucional, formalmente considerado, outras normas de direitos humanos. Sobre o tema, Gilmar Mendes:
O parágrafo em questão dá ensejo a que se afirme que se adotou um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil, não se podendo considerar taxativa a enumeração dos direitos fundamentais no Título II da Constituição. Essa interpretação é sancionada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar a ação direta de inconstitucionalidade envolvendo a criação do IPMF, afirmou que o princípio da anterioridade (art. 150, III, b, da CF) constitui um direito ou garantia individual fundamental. É legítimo, portanto, cogitar de direitos fundamentais que estão fora da lista. Direitos não rotulados expressamente como fundamentais no título próprio da Constituição podem ser tidos como tal, a depender da análise do seu objeto e dos princípios adotados pela Constituição. A sua fundamentalidade decorre da referência a posições jurídicas ligadas ao valor da dignidade humana; em vista da sua importância, não podem ser deixados à disponibilidade do legislador ordinário.[32]
Assim, o art. 5º, §2º da Carta Magna, no momento em que reconhece, como fonte de normas de direitos humanos os princípios constitucionais, os tratados internacionais, levando a crer que estes, apesar de não integrarem o texto constitucional formalmente considerado, materialmente devem ser tratados como equivalentes às previsões constitucionais e hierarquicamente superiores às leis ordinárias.
Dessa forma, pode-se concluir que os direitos humanos são princípios superiores à ordem jurídico-positiva, mesmo que não expressos no texto constitucional, integrando a própria essência da Constituição.
Ante o exposto, além das normas formalmente constitucionais, pode-se utilizar na aferição da constitucionalidade os tratados internacionais de direitos humanos integrados ao ordenamento jurídico brasileiro. Da mesma forma, em relação às incoerências do RDD, o qual pode ter seus preceitos em antagonismo com as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros da Organização das Nações Unidas, que vêm sendo reconhecidas pela hermenêutica de tratados internacionais; as Regras Mínimas para Tratamento dos Presos no Brasil, as quais são uma adaptação à realidade nacional e a Convenção Americana dos Direitos Humanos.
Assim sendo, é oportuno apontar a inconstitucionalidade existente entre o RDD, os princípios de direitos humanos que norteiam a execução penal constantes na CRFB, bem como aqueles decorrentes de tratados internacionais.
O princípio da legalidade é um dos direitos fundamentais essenciais a garantia do cidadão face ao poder punitivo do estado. Trata-se de um direito fundamental negativo, que protege o cidadão da arbitrariedade do Estado no exercício do ius puniendi. De forma a evitar ao arbítrio no uso deste pelo Estado. Nas palavras de Álvaro Mayrink da Costa:
O princípio da legalidade toma nova dimensão diante do Direito Penal do varejo, o mandato de certeza, em razão da exigibilidade de clareza e de uma pena entre bandas-limites não exageradas e desproporcionais da resposta penal cominada. Repete-se que a norma penal a despeito de seu caráter generalizador deve descrever de maneira precisa, clara e exaustiva, de forma certa, tanto a conduta que reprova quanto a pena que comina por sua realização. Diante de um Estado Democrático de Direito não é admissível o caráter vago incerto, da descrição, impedindo a certeza do alcance da proibição. A lex certa é o corolário do princípio da legalidade.[33]
Assim, trata-se de um princípio basilar do Estado de Direito que tem, dentre outras, as seguintes funções: i) proibir a retroatividade da lei penal; ii) proibir a criação de delitos e penas pelo costume; iii) proibir a analogia para criar delitos, fundamentar ou agravar penas; iv) proibir incriminações vagas e indeterminadas.
Sobre a evolução história do princípio da legalidade:
Constitui um dos pilares do Direito Penal Moderno, embora esteja diretamente vinculado aos movimentos revolucionários franceses que pregavam a igualdade dos Homens. Entretanto, pode ser encontrado de forma tênue na Magna Charta , de 1215, onde o Rei João Sem Terra, temendo perder os benefícios da Coroa em razão da revolta dos burgueses, concedeu-lhes alguns direitos, dentre eles o da anterioridade de crimes e penas. Entretanto o princípio do nulla poena sine lege somente foi sistematizado com os iluministas e filósofos franceses, como Beccaria e Feuerbach, significando um princípio político, pois representa um anteparo da liberdade individual em face da expansiva autoridade do Estado. Representa uma reação a estatolatria medieval, adotou-o a Revolução Francesa, incluindo-o em fórmula explícita, entre os direitos fundamentais do homem.[34]
A Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal menciona tal princípio no item 19 ao aduzir que “o princípio da legalidade domina o corpo e o espírito do Projeto, de forma a impedir que o excesso ou o desvio da execução comprometam a dignidade e a humanidade do Direito Penal”.[35]
Da mesma forma, tal princípio está insculpido na Constituição da República Federativa do Brasil (art. 5º, inciso XXXIX), “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, com redação semelhante a disposta no Código Penal (art. 1º): “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Sobre o tema, César Roberto Bitencourt leciona:
O princípio da reserva legal é um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista jurídica que obedece a exigências de justiça, que somente os regimes totalitários têm negado. Em termos bem esquemáticos, pode-se dizer que, pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibida.[36]
Ao se analisar o Regime Disciplinar Diferenciado sob o prisma da formalidade, ou seja, se considerarmos o princípio da legalidade como a mera previsão do da norma em lei, chega-se a conclusão de que tal instituto não possui vício. No entanto, há que se analisar se este atende aos direitos e garantias individuais expostos na Constituição da República Federativa do Brasil. Nesse sentido se manifestou o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, quando da edição da lei que instituiu o RDD:
Do ponto de vista formal, portanto, o novo instituto não parece padecer de vício, cabendo verificar, porém, se suas previsões esbarram nos direitos e garantias individuais consagrados pela Constituição Federal e por tratados que compõem o Direito Internacional dos Direitos Humanos.[37]
O art. 52 da Lei de Execução Penal ao disciplinar o RDD traz consigo conceitos jurídicos indeterminados, abrindo um leque para interpretação que desvincula a norma da obediência ao princípio da legalidade, no que concerne ao seu caráter taxativo. Sobre o tema dissertou Sallo de Carvalho e Christiane Russomano:
Em sentido diametralmente oposto à concretização do princípio da legalidade, que imporia pela taxatividade o fechamento destes tipos abertos, a Lei 10.792/03 incluiu categorias altamente dúbias, gerando duplo efeito. Em primeiro lugar, deflagra efeito normativo no que tange à interpretação das faltas, sobretudo as graves. Assim, se anteriormente a falta de precisão decorrente da ambiguidade terminológica favorecia o arbítrio administrativo, com o novo texto a tendência é sua potencialização. Por outro lado, produz efeito na gestão da política penitenciária, visto que a importância auferida à ordem, à disciplina e à segurança não apenas reforça a ideologia defensivista, mas ressignifica o sentido da execução, voltada na contemporaneidade à contenção dos “socialmente indesejáveis”, dos “corpos excedentes”. Abdica-se, pois, vez por todas, do ilusório e romântico fim ressocializador pregado no Estado Social em prol de uma administração das “massas inconvenientes”.[38]
Conforme se depreende do texto acima, o legislador não se utilizou da boa técnica ao não especificar as condutas que levariam o reintegrando ao cumprimento de tal sanção disciplinar, de forma que se utilizou de conceitos vagos, imprecisos e genéricos, não precisando inequivocamente tais condutas. Sobre o tema, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária se manifestou:
Quanto ao primeiro, já incorporado ao Direito Penal desde as revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII, parece evidente faltar elementos precisos na nova redação da LEP para caracterizar uma dada conduta como de extrema gravidade, a justificar o extremo castigo. Das três hipóteses de aplicação do RDD, a primeira (prática de fato previsto como crime doloso que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas) é a única em que, talvez se fizesse possível vislumbrar uma ação, concreta e específica, capaz de ser provada e individualizada, caracterizadora de falta disciplinar grave, tudo de modo a permitir a aplicação da punição. Os demais casos (presos que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade ou sobre os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando) são de uma imprecisão tal que configuram autêntica carta branca à Administração para aplicar sanções ao arrepio do Estado Democrático de Direito. Na hipótese atinente a presos que “apresentem alto risco para a segurança do estabelecimento ou da sociedade” há evidente retorno ao Direito Penal de Autor (ou de Periculosidade), hoje inadmissível, na medida em que a aplicação da sanção decorre, não da realização de uma conduta típica e antijurídica, mas pela presumível ameaça que a pessoa representa, pelo simples fato de existir.[39]
Maurício Kuehne assim se manifestou acerca do tema:
Note-se, ainda, que a textura aberta das hipóteses para aplicação do RDD viola o princípio constitucional da legalidade penal – expressamente encampada pelo artigo 45 da LEP no tocante à aplicação de sanção disciplinar -, o que não pode ser tratado de maneira meramente formal. A tipicidade legal exige que a norma contenha uma previsão hipotética de comportamento de razoável precisão, sem o que se deixa ao aplicador (em geral funcionário do sistema carcerário) o poder indiscriminado de atribuir a alguém uma dada conduta. Somente um sistema criminal que primasse pelo arbítrio poderia admitir tipos tão imprecisos quanto o “alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal”, sem que se explicite qual ou quais condutas implicariam o referido “alto risco". [40]
Tal imprecisão pode ser notada nas expressões “ocasione subversão da ordem ou disciplina internas”, “alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade” e “fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando”. Nesta última, além da incerteza, o legislador peca pela generalidade da expressão “a qualquer título”.
As normas atinentes ao RDD não são apenas de índole processual, mas pelo contrário, são mistas, pois por agravarem o regime de cumprimento da pena, trazem consigo uma carga de direito material, uma vez que se trata de limitação ainda maior a liberdade de ir e vir, tais como o recolhimento em cela individual; a redução das visitas semanais de 2 (duas) pessoas, sem contar crianças, com duração de 2 (duas) horas; banho de sol por 2 (duas) horas diárias.
Ademais, conforme supramencionado, a natureza jurídica de regime disciplinar diferenciado é de sanção disciplinar. No entanto, alguns doutrinadores ,, dentre estes, Salo de Carvalho e Maurício Kuehne, asseveram a possibilidade de o RDD configurar um verdadeiro novo regime de cumprimento de pena, reconfigurando a ideia de progressão que norteia a lei de execução penal. Acerca do assunto, Sallo de Carvalho e Christiane Russomano:
Não obstante a ressignificação da ideia de disciplina, o RDD reconfigurou o sistema progressivo de execução da pena. Na contramão da noção de reintegração social gradual que inspirou a LEP, a nova medida disciplinar modula um regime integralmente fechado plus regido por disposições singulares de cunho inabilitador.
Dessa forma, tal regime ofenderia a coisa julgada, uma vez que na individualização da pena na sentença penal é estabelecido o regime de cumprimento da pena. A partir disso, temos uma progressão ou regressão para atender as finalidades de ressocialização e reinserção do condenado na sociedade.
O modo mais gravoso de tal cumprimento é o regime fechado. Ao se estabelecer a hipótese de regime mais gravosos, estar-se-á inaugurando uma nova modalidade de cumprimento de pena além das dispostas no art. 33 do Código Penal (fechado, semi-aberto, aberto).
Ademais, há a possibilidade de, no período em que faz jus o condenado a progressão de regime, se encontrar do Regime Disciplinar Diferenciado. Como acima dito, está sujeito ao RDD o preso provisório ou condenado definitivo que praticar falta grave.
Os requisitos para progressão estão dispostos no art. 112 da Lei de Execução Penal:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
Conforme se pode observar, temos o requisito objetivo para progressão, qual seja, “quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena do regime anterior”, bem como temos o requisito subjetivo, qual seja, “ostentar bom comportamento carcerário, a ser aferido pelo diretor do estabelecimento prisional. Uma vez satisfeito tais requisitos, o preso está em condições de assegurar as benesses da progressão para regime mais brando.
No entanto, surge a dúvida quando a possibilidade de progressão do condenado estar cumprindo RDD. Quanto ao requisito objetivo, não há problema para se aferir, pois trata-se de fração da pena, razão pela qual basta aplicá-lo sobre o quantum da condenação. Todavia, aparece um obstáculo quando se coloca este instituto diante do requisito subjetivo, ante o seguinte paradoxo: se o preso está cumprindo RDD, é porque sua conduta não obedece aos requisitos intrínsecos da “boa conduta”.
Malgrado a referida conclusão lógica, tem-se que considerar que mesmo que inserido no regime fechadíssimo, após alguns meses o preso passe a apresentar uma boa conduta no cárcere. Até porque a própria dinâmica desse sistema de certa forma não possibilita a pratica de atos que não coadunem coma boa conduta carcerária, ante o seu caráter rigoroso.
O óbice a tal progressão é o fato de a Lei de Execução Penal não estabelecer prazo para os efeitos decorrentes das faltas disciplinares. Sobre o tema, se pronunciou Renato Marcão:
Sabemos que as faltas não podem ser eternizadas, que seus efeitos não podem se alongar indefinidamente, não podemos negar que diante de determinadas hipóteses será possível a progressão de regime prisional, estando o preso sob Regime Disciplinar Diferenciado, desde que atendidos os requisitos do art. 112 da Lei de Execução Penal. o fato é que a Lei de Execução Penal não estabelece prazo para os efeitos das faltas disciplinares que regula, e na ausência de regulamentação geral é de se levar em conta o estabelecimento nas regras previstas nos estatutos e regulamentos penitenciários, e sabemos que em relação ao tema em questão (duração dos efeitos das faltas disciplinares) tais normas particulares não são uniformes, não há prazo único. É urgente a necessidade de se regulamentar por lei a matéria.[41]
Como podemos observar, há mais um caso de desobediência à taxatividade que se impõe no princípio da legalidade material, uma vez que a natureza dos direitos que estão em jogo, diga-se a liberdade, não comporta a ampla interpretação do seu aplicador, qual seja, os sujeitos da execução penal, diretor do estabelecimento prisional, Juiz, Ministério Público.
Nesse sentido foi a já citada manifestação do Conselho Nacional de Política Penitenciária, que através de parecer evidenciou a “falta de tipificação claras” da lei que instituiu o RDD.
Assim, a instituição do Regime Disciplinar Diferenciado não coaduna com princípios da legalidade, tendo em vista o aspecto material deste, ou seja, a efetiva proteção da liberdade do cidadão perante o poder punitivo do Estado, principalmente no que concerne ao seu caráter taxativo de suas normas.
O Princípio da Individualização da Pena está disposto no inciso XLVI do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como no caput do art. 5º da Lei de Execução Penal.
Além disso, o Legislador expôs sua vontade quando da edição da desta Lei acerca de tal princípio, conforme pode se observar na Exposição de motivos da Lei de Execução Penal:
26. A classificação dos condenados é requisito fundamental para demarcar o início da execução científica das penas privativas da liberdade e da medida de segurança detentiva. Além de constituir a efetivação de antiga norma geral do regime penitenciário, a classificação é o desdobramento lógico do princípio da personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucionais. A exigência dogmática da proporcionalidade da pena está igualmente atendida no processo de classificação, de modo que a cada sentenciado, conhecida a sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda o tratamento penitenciário adequado.
27. Reduzir-se-á a mera falácia o princípio da individualização da pena, com todas as proclamações otimistas sobre a recuperação social, se não for efetuado o exame de personalidade no início da execução, como fator determinante do tipo de tratamento penal, e se não forem registradas as mutações de comportamento ocorridas no itinerário da execução.
28. O Projeto cria a Comissão Técnica de Classificação com atribuições específicas para elaborar o programa de individualização e acompanhar a execução das penas privativas da liberdade e restritivas de direitos. Cabe-lhe propor as progressões e as regressões dos regimes, bem como as conversões que constituem incidentes de execução resolvidos pela autoridade judiciária competente.[42]
Acerca do tema, aborda, ainda, a exposição de motivos nos itens de 31 a 37.
Doutrinariamente, o processo de individualização da pena é dividido em três fases: legislativa, judicial e executivo.
No primeiro, o legislador abstratamente atribui um lapso temporal da pena a se infligir, através de critérios valorativos, considerando o valor do bem que se almeja proteger.
No segundo, o órgão judicial, ao analisar critérios objetivos e subjetivos na fase de dosimetria da pena atribui pena mediante caso concreto.
Por fim, na execução haverá a classificação do preso de maneira que possibilite a este oportunidades e elementos necessários para a conquista da reintegração social.
Acerca das fases da individualização da pena, o STF se manifestou:
O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinquente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória. [...] Ordem parcialmente concedida tão somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga ‘vedada a conversão em penas restritivas de direitos’, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.[43]
Conforme acima dito, a garantia constitucional de individualização da pena na execução penal deverá se pautar pela finalidade principal que é a reinserção social. Para isso, a Lei de execução penal estabeleceu uma dinâmica própria para adequar o cumprimento da pena pelo condenado, num sistema de classificação, progressão e regressão de acordo com critérios subjetivos e objetivos a serem avaliados pelo Juízo da execução penal.
O princípio da individualização da pena é um desdobramento do princípio da legalidade, que pode ser dividido em: princípio da individualização da penal; da responsabilidade pessoal ou da personalidade da pena; da limitação da pena e da sua humanização.
Tal princípio é de grande importância para a adequada classificação e cumprimento da finalidade ressocializadora da pena, sendo que visa assegurar os a personalidade e da proporcionalidade da pena, na medida em que adéqua a pena ao pessoa do condenado.
Não se trata apenas de um critério quantitativo, mas envolve um aspecto qualitativo, já que os regimes são divididos em aberto, semi-aberto e fechado. No entanto, o RDD surge, apesar da máscara de sanção disciplinar, como um quarto regime, mais gravoso, como alguns autores chamam, regime fechadíssimo ou regime fechado plus.
Nesse sentido, Erneida Orbage:
Há violação do principio da individualização da pena no estabelecimento do regime disciplinar diferenciado, porque não está incluído entre os regimes de cumprimento de pena e logo é sanção administrativa e não de caráter penal, decorrente da condenação do réu. A individualização da pena pressupõe respeito à identidade do preso, no tocante às suas peculiaridades como ser humano, que deve ser responsabilizado pelos seus atos, mas na proporção do que é condizente com a natureza social do homem, enquanto sujeito de direitos e obrigações. A aplicação do regime disciplinar diferenciado fundamenta-se estritamente na natureza do crime e não na personalidade do agente ou em outras condições de caráter personalíssimo, não perceptíveis aos olhos, mas alcançáveis mediante perícia psiquiátrica ou psicológica. As sanções administrativas de caráter disciplinar devem ser reguladas por meio de lei, disciplinadas na Lei de Execuções Penais para garantir o comportamento do preso e ainda a consolidação de princípios dentro do sistema prisional, de forma a provocar a reflexão e a mudança de comportamento humano daquele que delinquiu e não reafirmar condutas criminosas, por intermédio de tratamento desumano. Os meios regulatórios disponíveis na Lei de Execução Penal são avançados e suficientes para se tratar diferentemente presos considerados perigosos, por meio do trabalho ou de atividades que possibilitem descobrir aptidões.[44]
Sintetizando ao acima explicitado, temos que o regime disciplinar diferenciado não se mostra conforme os preceitos do princípio da individualização da pena, haja vista que leva em consideração a natureza da infração, ao invés de levar em consideração as condições subjetivas do infrator. De forma que o infrator independente da gravidade da falta vai estar sujeito ao mesmo regime de segregação.
Além disso, o princípio da individualização da pena está em sintonia com o objetivo da execução penal que é a reinserção do condenado da sociedade. Ora, as próprias características do RDD, quais sejam o isolamento celular, por uma análise lógica não condiz com o objetivo de ressocialização, uma vez que priva o preso do convívio no meio social prisional.
O Princípio da Proporcionalidade é um princípio implícito, visto que a Constituição da República Federativa do Brasil não houve menção expressa. Nas palavras de Gilmar Mendes:
O princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente de ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a de nível constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento para todo o ordenamento jurídico.[45]
Além disso, os princípios da proporcionalidade e o da razoabilidade podem ser considerados sinônimos. Nesse sentido, Daniel Sarmento:
Pode-se dizer ainda que, em linhas gerais, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, conquanto decorrentes de matrizes históricas diferentes, na prática são fungíveis, pois almejam o mesmo resultado: coibir o arbítrio do Poder Público, invalidando leis e atos administrativos caprichosos, contrários à pauta de valores abrigada pela Constituição.[46]
O princípio da proporcionalidade tem duas principais funções no ordenamento jurídico: i) limitação ao poder do Estado sobre os princípios fundamentais de forma a evitar abuso de direito e ii) como técnica para solução de conflitos de interesse entre direitos fundamentais.
Sobre a primeira função desse princípio, o Supremo Tribunal Federal se manifestou:
Execução penal. Remição de dias trabalhados. Falta grave. Limites. Precedentes. A perda dos dias remidos pelo trabalho de que trata o art. 127 da Lei de Execuções Penais não afronta os princípios da proporcionalidade, da isonomia, da individualização da pena ou do direito adquirido. Não é possível afirmar que a subtração em referência deva ser limitada à mesma quantidade de dias estabelecida para a duração máxima da sanção disciplinar de isolamento, suspensão e restrição de direitos prevista no art. 58 do mesmo diploma legal.[47]
Embora a legislação acerca da remissão penal tenha sofrido recente alteração (Lei nº 12.433, de 2011), atendo-se apenas ao princípio em epígrafe, pode-se observar que tal postulado visa a proteção dos direitos fundamentais, evitando o abuso do poder público.
Acerca do princípio da proporcionalidade e sua função de interpretação, Paulo Bonavides dissertou:
Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da proporcionalidade é aquela que faz o instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos fundamentais e se busca desde aí solução conciliadora, para a qual o princípio é indubitavelmente apropriado. As Cortes constitucionais européias, nomeadamente o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, já fizeram uso frequente do princípio para diminuir ou eliminar a colisão entre tais direitos.[48]
Em relação ao conteúdo do princípio da proporcionalidade, a doutrina geralmente o divide em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Sobre a proporcionalidade, Alexy:
A natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, e esta implica aquela. Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade significa que a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível dessa natureza.[49]
Essa configuração atribuída ao princípio da proporcionalidade foi idealizada pela doutrina alemã conforme assevera Daniel Sarmento:
O subprincípio da adequação preconiza que a medida administrativa ou legislativa emanada do Poder Público deve ser apta para o atingimento dos fins que a inspiraram. Trata-se, em síntese, da aferição da idoneidade do ato para a consecução da finalidade perseguida pelo Estado. A análise cinge-se, assim, à existência de uma relação congruente entre o meio e o fim da medida examinada [...] O princípio da necessidade ou exigibilidade, por sua vez, impõe que o Poder Público adote sempre a medida menos gravosa possível para atingir determinado objetivo. Assim, se há várias formas possíveis de se chegar ao resultado pretendido, o legislador ou administrador tem de optar por aquela que afete com menos intensidade os direito e interesses da coletividade em geral. Nessa linha, o Tribunal Constitucional alemão acentuou que uma lei será inconstitucional se se puder constatar, inequivocadamente, a existência de outras medidas menos lesivas [...] o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito convida o intérprete à realização de autêntica ponderação. Em um outro lado da balança devem ser postos os interesses protegidos com a medida, e no outro, os bens jurídicos que serão restringidos ou sacrificados por ela. Se a balança pender para o lado dos interesses tutelados, a norma será válida, mas se ocorrer o contrário, patente será sua inconstitucionalidade.[50]
A norma para se conformar ao princípio da proporcionalidade, deverá, concomitantemente, ser adequada aos fins a que se destina, ser a alternativa menos gravosa possível, bem como o número de benefícios deve ser maior do que as desvantagens de sua aplicação.
A análise da proporcionalidade como ponderação dos interesses em jogo quando da aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado será analisada em capítulo próprio. Por ora, nos limitaremos ao estudo do princípio da proporcionalidade sob o prisma da limitação do poder punitivo do estado, ou seja, o princípio da proporcionalidade como garantia de sanção proporcional a gravidade do delito, ou seja, o princípio da proporcionalidade sob a ótica penal.
A origem do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade remonta à antiguidade, no entanto, esta somente conseguiu se estabelecer durante o período Iluminista, notadamente com a obra-prima de Marquês de Beccaria, a Dos Delitos e das Penas. Este autor se manifestou acerca da pena afirmando que “para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicável nas referidas circunstâncias, proporcionada ao delito e determinada por lei.[51]
A sanção penal na visão do pensador acima mencionado deve ser proporcional ao dano causado ao bem jurídico, de forma que dependendo da natureza jurídica de tal infração, deve ser infligida pena de acordo com a lesão.
O postulado da proporcionalidade, da mesma forma como ocorre no referido princípio da individualização da pena, ocorre em três fases distintas.
Primeiramente, a fase legislativa, em que abstratamente o legislador comina pena proporcional ao bem jurídico tutelado. Após, judicialmente, ou seja, em concreto, o juiz aplica a pena ao condenado de acordo com a gravidade objetiva do dano causado, levando em consideração a conduta do agente efetivamente praticada, bem como o efetivo dano causado ao bem jurídico tutelado. Nesse sentido, Alberto da Silva Franco:
O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do pena). Toda vez que, em relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em consequência, inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição (proporcionalidade em concreto) que carecem de relação valorativa com o fato cometido considerando em seu significado global. Tem, em consequência, um duplo destinatário: o poder legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionadas, em abstrato, à gravidade do delito) e juiz (as penas que os juízes impõem ao autor do delito têm de ser proporcionadas à sua concreta gravidade).[52]
Por fim, apesar da pena já estar individualizada e determinada na sentença judicial, a proporcionalidade deve ser levada como norte durante todo o período da execução. Sobre o assunto, Élcio Arruda assevera que “na imposição e execução da pena, há de se respeitar a individualidade de cada infrator: a reprovabilidade com que se houve, sua vita ante acta, sua personalidade, os motivos determinantes”[53].
O princípio da proporcionalidade se aproxima da individualização da pena, uma vez que para a adequada execução penal, a fim de atingir os objetivos de reintegração e reinserção do condenado a sociedade, tal pena deverá ser adequada de acordo com a culpabilidade. Acerca do tema dispõe a Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, que demonstra a vontade do legislador no sentido de classificar bem como individualizar a pena de acordo com os critérios de periculosidade, conduta do executando, de forma que a execução penal não seja estática:
20. É comum, no cumprimento das penas privativas da liberdade, a privação ou a limitação de direitos inerentes ao patrimônio jurídico do homem e não alcançados pela sentença condenatória. Essa hipertrofia da punição não só viola a medida da proporcionalidade como se transforma em poderoso fator de reincidência, pela formação de focos criminógenos que propicia.
26. A classificação dos condenados é requisito fundamental para demarcar o início da execução científica das penas privativas da liberdade e da medida de segurança detentiva. Além de constituir a efetivação de antiga norma geral do regime penitenciário, a classificação é o desdobramento lógico do princípio da personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucionais. A exigência dogmática da proporcionalidade da pena está igualmente atendida no processo de classificação, de modo que a cada sentenciado, conhecida a sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda o tratamento penitenciário adequado.[54]
Sobre a proporcionalidade da pena e os momentos de sua formação, dissertou Rogério Greco:
Inicialmente, e no plano abstrato, deve o legislador, atento a tal princípio, procurar a tão almejada proporcionalidade. Sabemos que a tarefa não é fácil, pois que, em virtude do grande número de infrações penais existentes em nosso ordenamento jurídico penal, cada vez fica mais complicado o raciocínio da proporcionalidade. A quase-proporção, é inegável, encontra-se no talião, isto é, olho por olho, dente por dente. Contudo, embora aparentemente proporcional, o talião ofende ao princípio da humanidade, pilar indispensável. Em uma sociedade na qual se tem em mira a dignidade da pessoa humana. Por esta razão é que o legislador constituinte preocupou-se em consignar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado Social e Democrático de Direito (inciso III do art. 1º da CRFB). Embora não tenha sido adotado expressamente, o princípio da proporcionalidade se desume de outros que passaram a integrar o texto de nossa Constituição, a exemplo do princípio da individualização da pena, seja no plano concreto, com a aplicação pelo juiz, visualiza-se, com clareza, a obediência ou mesmo a ofensa ao princípio em estudo, mesmo que, como já dissemos anteriormente, não seja um mecanismo de verificação tão simples. No que diz respeito especificamente ao proporcionaldade em concreto, ou seja aquela levada a efeito pelo juiz, sua aferição não é tão tormentosa quanto aquela que deve ser realizada no plano abstrato. Isto porque o art. 68 do Código Penal, ao implementar o critério trifásico de aplicação da pena, forneceu ao julgador meios para que pudesse no caso concreto, individualizar a pena do agente, encontrando, com isso, aquela proporcional ao fato cometido. Assim, por exemplo, se depois analisar, isoladamente, as circunstâncias judiciais, o juiz concluir que todas são favoráveis ao agente, jamais poderá determinar a pena-base na quantidade máxima cominada ao delito por ele cometido, o que levaria, ao final de todas as três fases, a aplicar uma pena desproporcional ao fato praticado.[55]
Conclui-se do exposto que a norma para atender ao princípio da proporcionalidade deve guardar íntima relação entre o fato cometido e a sanção aplicada. Voltando-se para o tema execução, mais precisamente ao Regime Disciplinar Diferenciado, é pertinente indagar se este observa tal postulado.
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária se manifestou:
Pode-se inferir, pois, que a necessidade e a proporcionalidade da aplicação do isolamento constituem o divisor de águas entre o permitido e o proibido. Assim é que a questão fundamental deste aspecto é saber se a aplicação do RDD é a única saída possível, ou se há outras formas menos gravosas e prejudiciais ao preso de lidar com a questão. [56]
Como já explicitado acima, o RDD foi instituído, a fim de coibir a infiltração do crime organizado nos presídios, seja em relação à comunicação com o mundo exterior, seja para evitar a própria criação de poderes paralelos dentro do cárcere. Tal situação de descontrole que se disseminou em virtude do estado de abandono carcerário no Brasil, permitiu o desenvolvimento desses grupos dentro dos presídios.
Para evitar tal inconveniente, a solução encontrada pelo estado foi interromper essa cadeia de comando e desarticular o referido movimento de modo a segregar o condenado em um regime fechadíssimo. O CNPCP assim se manifestou acerca da proporcionalidade da medida:
Além da violação à tipicidade, as previsões genéricas ora incorporadas ao artigo 52, caput e parágrafos 1º e 2º, da Lei de Execução Penal, colidem com a necessária proporção entre crime e castigo, na medida me que não há, na pseudo-sanção disciplinar ora criada, proporção entre a suposta falta disciplinar e a “punição” daí advinda. [...] Significa ter em mente que, para as Regras Mínimas, a sanção não deve exceder o estrito limite da necessidade que a administração do presídio tenha de restabelecer ou garantir a ordem e segurança, jamais permitindo que a punição se desvie do objetivo de reintegração social do condenado. No caso do RDD, a desproporção já referida e o desvio de finalidade do isolamento celular, o afasta da natureza jurídica de punição por comportamento irregular. [...] Tendo em vista que a caracterização legal do RDD não estabeleceu elementos capazes de indicar uma proporção entre a violação da disciplina e a sanção decorrente, nem tampouco entre a ameaça e o período de isolamento, há o permanente risco dele ser sempre fixado pelo tempo máximo, rompendo com o comedimento indicado pelos artigos 27 e 34 das Regras Mínimas. Neste contexto, a aplicação do RDD viola as previsões de tratados internacionais, especialmente os artigos 5º da Convenção Americana de Direitos Humanos e 10 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que expressamente declaram ser o objetivo do cumprimento da pena a reabilitação social do condenado.[57]
As sanções disciplinares, como é definido o RDD da Lei de Execução Penal, tem por escopo simplesmente promover o restabelecimento da segurança e da boa organização da vida comunitária, sendo aplicáveis pelo tempo estritamente necessário para tanto. No entanto, não é o que se observa nesse regime fechadíssimo, pois este nada tem a ver com o caráter individual e limitado a uma conduta específica que tem as sanções, mas sim de um verdadeiro regime de cumprimento de pena.
Assim sendo, o Regime disciplinar diferenciado não atende aos anseios do princípio da proporcionalidade.
O princípio da humanidade das penas é espécie do supra-princípio dignidade da pessoa humana. Para tratarmos desse tema, é necessário um breve esboço acerca da origem, evolução e conceito de pena. Acerca das origens da penas, as lições de Beccaria:
As leis são condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de sua conservação. Parte dessa liberdade foi por eles sacrificada para poderem gozar o restante com segurança e tranqüilidade. A soma dessas porções de liberdade sacrificada ao bem comum forma a soberania de uma nação e o soberano é o seu legítimo depositário e administrador. Mas não bastava constituir esse depósito, havia que defendê-lo das usurpações privadas de cada homem em particular, o qual sempre tenta não apenas retirar do depósito a porção que lhe cabe, mas também apoderar-se daquela dos outros. Faziam-se necessários motivos sensíveis suficientes para dissuadir o espírito despótico de cada homem de novamente mergulhar as leis da sociedade no antigo caos. Esses motivos sensíveis são as penas estabelecidas contra os infratores das leis.[58]
Como se pode observar, o homem, em busca da paz social, decidiu outorgar a um terceiro imparcial a possibilidade de infligir pena. A partir desse momento, a pena passou por diversos estágios de evolução, conforme aduz Sérgio William:
É certo que não existe uma evolução linear do Direito Penal, mesmo porque a história não se adapta a esquemas simplificados, contudo, conforme leciona Nancy Aragão “o direito penal, tendo a pena como destaque, pode ser dividido em três fases distintas: fase primitiva, fase humanitária e fase científica contemporânea.” A fase primitiva foi dividida em dois períodos: o primeiro, denominado Consuetudinário ou de Reparação, caracterizou-se pela vingança privada, divina e pública. O segundo, conhecido por Direito Penal Comum, resultou da combinação do Direito grego, romano, germânico e canônico, com ênfase na intimidação e expiação. A fase humanitária, também chamada Clássica, caracterizou-se pela reação às atrocidades dos castigos aplicados e pela transformação do direito punitivo, humanizando as penas e evidenciando o respeito à dignidade humana. A fase científica contemporânea, ou Escola Positiva, foi subdividida em três períodos: primeiro, o Antropológico, no qual se dava especial valor a fatores biológicos, físicos e psíquicos do criminoso; o segundo, Sociológico, onde se procurou dar especial destaque às influências externas que atuavam sobre o criminoso e o crime como fenômeno social; e o terceiro, o Jurídico, em que, por meio dos estudos já desenvolvidos, deu-se estrutura aos princípios já estabelecidos.[59]
Assim sendo, a pena passou por constantes evoluções ao longo da história. De forma que, ao longo do tempo, foi perdendo o caráter de castigo, passando a exercer um papel de corrigir ou ressocializar o apenado. O direito de punir passou da autotutela, em que havia a vingança privada, para conceder ao Estado esse poder.
Como se pode observar, o caráter humano é inerente a uma das finalidades da pena, qual seja, a ressocialização. Sobre o tema, dissertou Alberto da Silva Franco:
O princípio da humanidade da pena permite detectar, sob a ótica da dimensão histórica, uma gradativa propensão na humanização das penas que tornaram-se, no transcorrer dos tempos, menos rígidas no seu tempo de duração e tiveram reduzidas, sobremaneira, sua carga aflitiva. O confronto entre o momento atual e o passado não muito distante basta para comprovar a realidade desse progressivo abrandamento. Nos atuais modelos jurídicos de Estado, máxime nos de contextura democrática, o princípio da humanidade da pena encontra ampla ressonância, em nível constitucional, com a proibição expressa de pena de morte, das penas de caráter perpétuo, das penas corporais, das penas desumanas, das penas degradantes e das penas exemplificadoras. Assim, o princípio da humanidade da pena, na Constituição brasileira de 1988, encontrou formas de expressão em normas proibitivas tendentes a obstar a formação de um ordenamento penal de terror e em normas asseguradoras de direitos de presos ou de condenados, objetivando tornar as penas compatíveis com a condição humana.[60]
A Constituição da República Federativa do Brasil trouxe como objetivo do Estado a dignidade da pessoa humana, além de explicitar diversas normas referentes a tal princípio:
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - [...];
II - prevalência dos direitos humanos.
Note-se ainda na Constituição Federal a consagração do princípio da humanidade da pena dentre os direitos fundamentais, em disposições do artigo 5° nos incisos III, XLV, XLVI, XLVII, XLVIII e XLIX:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...] III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
[...] XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.
Ressalte-se que o respeito ao princípio da dignidade da pena não se trata apenas de uma norma negativa do poder do estado, mas também de uma norma de cunho positivo, que impõe a adoção de ações e medidas em favor dos condenados. Exige-se por parte do poder público a promoção e defesa contra qualquer espécie de violação, especialmente aquelas advindas do Poder Estatal. No caso do RDD, as limitações advindas do isolamento celular. Sobre o tema, Alberto da Silva Franco:
Assim, de um lado, o princípio da humanidade da pena está introjetado na proibição da tortura e do tratamento cruel ou degradante (art. 5º, III), e na proibição de pena de morte, da pena de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento ou cruéis (art. 5º, XLVII); de outro lado, está refletido no processo individualizador da pena, na fase executória (art. 5º, XLVI), no asseguramento aos presos do respeito à integridade física ou moral (art. 5º, XLXIX), no direito ao preso de cumprir a pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (art. 5º, XLVIII); no asseguramento às presidiárias de condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (art. 5º, L). O princípio da humanidade da pena implica, portanto, não apenas na proposta negativa caracterizadora de proibições, mas também, e principalmente, na proposta positiva, de respeito à dignidade da pessoa humana, embora presa ou condenada.[61]
Dessa forma, na execução penal, o princípio da humanidade da pena tem íntima ligação com o objetivo ressocializador da execução.
A exposição de motivos da LEP demonstra a vontade do legislador nesse sentido em seu item 56: “O Projeto conceitua o trabalho dos condenados presos como dever social e condição de dignidade humana – tal como dispõe a Constituição, no art. 160, inc. II –, assentando-o em dupla finalidade: educativa e produtiva”. Acerca do exposto, Danielle Christine Barros Nogueira:
O princípio da humanidade da pena encontra aplicação em um dos objetivos da execução penal que é a ressocialização. A presença de tal princípio no ideal ressocializador se apresenta na aplicação dos princípios da atenuação ou compensação e no princípio do nihil nocere. O princípio da atenuação ou compensação caracteriza-se pela impossibilidade da pena privativa de liberdade resumir-se ao isolamento total do preso, devendo ser proporcionado a este medidas compensatórias ao encarceramento como forma de estimular a sua efetiva ressocialização. Já o princípio do nihil nocere compreende a ideia de que os riscos da dessocialização deverão ser evitados através de um sistema prisional que não contribua para a produção de tais efeitos.[62]
Em reforço ao acima exposto, não se deve ater somente a legislação pátria, uma vez que há um plexo de normas internacionais de Direitos Humanos que dispões acerca da aplicação do referido princípio.
Inicialmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (celebrada pela Resolução nº 217 na 3ª Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em Paris, França, em 10/12/1948) prevê que "ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante".
Ademais, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 16/12/1966), que traz em seu corpo a previsão do princípio da humanidade da pena, dispondo que:
Art. 7º Ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
1. Toda pessoa privada da sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana;
[...]
3. O regime penitenciário consistirá em um tratamento cujo objetivo principal seja a reabilitação moral dos prisioneiros.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica (aprovada em 22/11/1969, ratificada pela República Federativa do Brasil através do Decreto Legislativo n° 27 de 25/09/1992 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 678 de 06/11/1992), refere conteúdo similar a acima referida:
"Art. 5° Direito à integridade pessoal.
1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano."[63]
Tem-se, ainda, a Resolução 45/110 da Assembléia Geral das Nações Unidas (Regras de Tóquio), que prevê na regra 6.2 o dever de respeito à humanidade quando da aplicação de prisão cautelar.
A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (adotada em 09/12/1985, na Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em Cartagena das Índias na Colômbia, ratificada pelo Brasil em 20/07/1989), a par desses diplomas internacionais, estabelece que:
Artigo 2º - Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por tortura todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica.
Por fim, em relação às Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, Resolução nº 14 de 11/11/1994, preceitua:
"31. Serão absolutamente proibidos como punições por faltas disciplinares os castigos corporais, a detenção em cela escura, e todas as penas cruéis, desumanas ou degradantes.
32. 1) As penas de isolamento e de redução de alimentação não deverão nunca ser aplicadas, a menos que o médico tenha examinado o preso e certificado por escrito que ele está apto para as suportar.
2) O mesmo se aplicará a outra qualquer punição que possa ser prejudicial à saúde física ou mental de um preso. Em nenhum caso deverá tal punição contrariar ou divergir do princípio estabelecido na regra 31.
3) O médico visitará diariamente presos sujeitos a tais punições e aconselhará o diretor, se considerar necessário terminar ou alterar a punição por razões de saúde física ou mental."
No âmbito interno, a LEP estabelece em diversos artigos prescrições que remetem ao princípio da humanidade, verbis:
Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. [...]
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Art. 11. A assistência será:
I - material;
II - à saúde;
III -jurídica;
IV - educacional;
V - social;
VI - religiosa.
[...]
Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.
[...]
Art. 45. Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar.
§ 1º As sanções não poderão colocar em perigo a integridade física e moral do condenado.
§ 2º É vedado o emprego de cela escura.
[...]
Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva.
[...]
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m (seis metros quadrados).[64]
Como se pode inferir dos referidos artigos, a Lei de Execução Penal em seus dispositivos assegura aos presos o respeito a sua integridade física e moral. O art. 40 da Lei de Execução Penal apresenta-se em consonância com o art. 5°, inciso XLIX da Constituição Federal.
Assim, o tratamento dado à pessoa presa, seja provisoriamente ou em definitivo, deve ser condizente com a sua condição de pessoa humana em todos os aspectos, devendo o cumprimento da prisão se dar com o mínimo de condições de salubridade, higiene física e mental, respeitando-se todos os direitos não atingidos pela condenação.
Portanto, há intima ligação entre a preservação da dignidade da pessoa presa e a finalidade ressocializadora da pena. O emprego de sanções disciplinares cruéis, desumanas ou degradantes, ao emprego de tortura, ao mesmo tempo que viola o direito individual do preso, também o faz em relação ao direito de toda a coletividade de ver reintegrado o preso à sociedade.
Para Michel Foucault a prisão deve ter por função essencial a modificação da conduta social do indivíduo, exercendo a função de reeducar e ressocializar o apenado. Todavia, na maioria das vezes, o sentimento de justiça social, bem como o inconformismo diante de determinada situações leva a sociedade a aclamar por medidas mais enérgicas e extremas, tais como a prisão perpétua, pena de morte e outras restrições a direitos fundamentais do reintegrando, não autorizados pela CRFB. Entretanto, tais medidas fogem a vontade do constituinte originário. Nesse sentido, dissertou:
O essencial da pena que nós, juízes, infligimos não creiais que consista em punir; o essencial é procurar corrigir, reeducar, "curar"; uma técnica de aperfeiçoamento recalca, na pena, a estrita expiação do mal, e liberta os magistrados do vil ofício de castigadores. Existe na justiça moderna e entre aqueles que a distribuem uma vergonha de punir, que nem sempre exclui o zelo; ela aumenta constantemente: sobre esta chaga pululam os psicólogos e o pequeno funcionário da ortopedia moral.[65]
Acerca desse tema é lição de lição de Cesare Beccaria, aduzindo que “as penas não podem ainda assim ultrapassar aquela força última a que estão limitadas a organização e a sensibilidade humana”.[66]
Ainda sobre o tema, Michel Foucault disserta que na execução da pena deve ser respeitada a humanidade, ou seja, a condição de ser humano:
Essa necessidade de um castigo sem suplício é formulada primeiro como um grito do coração ou da natureza indignada: no pior dos assassinos, uma coisa pelo menos deve ser respeitada quando punimos: sua "humanidade".
Chegará o dia, no século XIX, em que esse "homem", descoberto no criminoso, se tornará o alvo da intervenção penal, o objeto que ela pretende corrigir e transformar, o domínio de uma série de ciências e de práticas estranhas -"penitenciárias", "criminológicas".[67]
No que concerne ao RDD, temos que analisá-lo sob a ótica de tal princípio.
Primeiramente, há que se considerar que embora não seja totalmente vedado, o isolamento celular como forma de castigo, é medida última e sua aplicação submete-se a acompanhamento médico. Ora, se o direito penal é norteado pelo princípio da fragmentariedade, ou seja, a ultima ratio, o mesmo se pode dizer de suas medidas excepcionais, nesse caso, o isolamento celular do preso.
Neste ponto há entrave à adoção do RDD, uma vez que as Regras Mínimas restringem sobremaneira o emprego do isolamento como forma de castigo e, mesmo que se obedeça à previsão de acompanhamento integral do estado de saúde do preso, permanece vigente a regra geral de vedação da aplicação de castigo cruel, desumano ou degradante, como destacado no art. 32 das Regras Mínimas.
Confirmando os argumentos acima expendidos, foi a manifestação do Conselho Nacional de Políticas criminais e Penitenciárias sobre o RDD, já referidas no decorrer deste trabalho
Mas para analisar a obediência ou não do RDD a tal princípio, é necessário conceituar o que se entende por tratamento desumano, bem como os demais proibições relacionadas a humanidade das penas, não só trazidas pela Constituição, mas também pelos tratados internacionais.
Conforme mencionado, a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a entende a tortura como todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro fim. O mesmo diploma denota que a tortura é a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica.
Como podemos perceber, é evidente o caráter não só físico da violação da humanidade do condenado, mas também o prisma psicológico. É nesse ponto que o Regime Disciplinar Diferenciado contrasta com o princípio em epígrafe.
A sanidade mental e física do preso mostra-se de grande relevância, ainda mais considerando que a Lei n. 10.792/03 não previu assistência médica ao preso submetido ao RDD. Dessa forma, restaram violadas as Regras Mínimas de tratamento, especialmente as normas atinentes a saúde psíquica do preso, haja vista que a aplicação da segregação individual pode resultar em crueldade, desumanidade e degradação moral/psicológica da pessoa encarcerada. Sobre o tema à época do processo legislativo que culminou com a lei que instituiu o RDD, se manifestou o CNPCP:
A posição da Comissão Européia de Direitos Humanos a respeito do controle médico de isolamento celular, já manifestada em casos anteriores, segundo a qual “total isolamento sensorial somado a total isolamento social pode destruir a personalidade e constitui uma forma de tratamento que não pode ser justificada por necessidades de segurança ou qualquer outra razão.” Conclui destacando que, para o Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura, o isolamento pode, em certas circunstâncias, tornar-se um tratamento desumano ou degradante, devendo ser o mais breve possível. Reconheceu-se que prisioneiros de segurança máxima, presos na Espanha por períodos de um ano ou mais em regime de isolamento em “condições austeras de detenção, com pouco ou nada com que se ocupar, estiveram sujeitos a tratamento desumano.” Em conclusão preliminar, a falta de previsão legal que garanta ao preso em RDD constante amparo médico, seja quanto a aspectos clínicos, seja quanto aos de ordem psiquiátrica, configura grave incongruência com as prescrições do Direito Internacional dos Direitos Humanos e, portanto, com a própria vedação constitucional ao emprego de tratamento desumano ou degradante.[68]
Acerca da violação dos direitos humanos pelo RDD, se manifestou um dos principais personagens do crime organizado, conhecido com Fernandinho Beira-Mar, mencionado por Luiz Flávio Gomes. Trata-se de uma entrevista concedida ao programa da rede de Televisão Globo "Fantástico", levado ao ar no dia 09/11/2003, Beira-Mar revela como é a vida sob o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD):
Aqui o lugar é horrível, é horrível. É o pior lugar que eu já tive na minha vida. Eu estou bem fisicamente. Psicologicamente é que eu estou um bagaço. Esta é a verdade. Toda semana eu estou saindo uma hora para conversar com a psicóloga. A assistente social tem me dado uma assistência aí comum remédio, mas eu não quero me viciar. Mas está complicado. Isso aqui é horrível. Nada se compara com isso aqui. É um fábrica de fazer maluco, sinceramente. Eu já estou chamando formiga de meu louro. Olha o ponto que eu cheguei. Sinceramente, são sete meses numa situação completamente [...] Eu não desejo para o meu pior inimigo passar pelo que estou passando.[69]
Como se pode extrair do relato acima, não se trata de providências de caráter material que faltam aos inclusos no Regime Disciplinar Diferenciado, mas sim de providências de caráter psicológico.
A integridade psicológica deve ser amplamente considerada para que a pena alcance os seus fins. Aliás, a ressocialização está intimamente ligada ao caráter psicológico do apenado, haja vista que a reintegração social do indivíduo estará completa com o fato deste não reincidir e retornar ao convívio social conforme o status quo ante.
O próprio conceito de dignidade da pessoa humana trata do ser em sua essência. Ingo Wolfgang Sarlet, fazendo um apanhado entre diversos autores, dissertou:
É precisamente com base nesta linha argumentativa, visceralmente vinculada à dimensão intersubjetiva (e, portanto, sempre relacional) da dignidade da pessoa humana, que tem podido sustentar, como alternativa ou mesmo (se assim preferir) como tese complementar à tese ontológico-biológica, a noção de dignidade como produto do reconhecimento da essencial unicidade de cada pessoa humana e do fato de esta ser credora de um dever de igual respeito e proteção no âmbito da comunidade humana. Nesse sentido, há como afirmar que a dignidade (numa acepção também ontológica, embora definitivamente não biológica) é a qualidade reconhecida como intrínseca à pessoa humana, ou dignidade como reconhecimento, a teor de uma já expressiva e influente doutrina, que, contudo, aqui não mais poderá ser inventariada ou analisada.[70]
Note-se que a humanidade é intrínseca ao homem, caracterizando uma identidade. A preservação disso é uma limitação no aspecto quantitativo e qualitativo da pena, de forma que, deve ser proporcionada ao Homem condições mínimas para uma existência digna. O modelo de isolamento que norteia o RDD fere tal princípio. Nesse sentido, Salo de Carvalho e Christiane Russomano:
A conclusão é possível, se se analisar o objetivo do RDD, é notória: reduzir ao máximo as possibilidades de saída do sistema carcerário – restrição do output. Logo, se o sistema progressivo da pena, ao menos no aspecto ideal, foi edificado em nome da perspectiva da reabilitação, o sistema que se inaugura com o RDD fixa claramente a noção de inabilitação. A propósito, não há nada mais inabilitador do que a rigorosa submissão às técnicas de deterioração físico-psíquica engendradas pelo modelo previsto no RDD, no qual a cela do isolamento celular assume a nítida feição de sepulcro.[71]
Essa característica inerente ao Homem deve ser preservada, caso contrário estar-se-á violando a dignidade. No entanto não é o que ocorre no RDD. Há amplo desrespeito a dignidade da pessoa humana, na medida em que há isolamento celular, por 22 (vinte e duas) horas, em que se priva o preso do convívio social, mesmo que seja o convívio social com os demais detidos.
Sobre o sofrimento psíquico como forma de tratamento desumano, dissertou Maurício Kuehne:
E a Lei Maior mostra-se violada pelo Substitutivo em questão em diversos aspectos, a começar no tocante ao artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”, que veda a aplicação de pena de natureza cruel. O cumprimento de pena em que apenas é exercido o castigo, sem que o isolamento social contribua, de alguma forma, para que o sentenciado retorne à sociedade de forma produtiva e harmônica, é o exercício puro e simples da vingança social, o qual não mais é admitido pelo ordenamento jurídico, revelando a crueldade da aplicação da pena. No mesmo sentido, as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, aprovadas pela Resolução do CNPCP n. 14, de 11 de novembro de 1994, proíbem toda punição de natureza cruel, desumana ou degradante. Indo além, a Constituição Federal assegura aos presos “o respeito à integridade física e moral” (artigo 5o, inciso XLIX), justamente o ponto em que o RDD mostra-se cruel, desumano e, portanto, inaplicável no Brasil. Este tipo de regime, conforme diversos estudos relatam, promove a destruição emocional, física e psicológica do preso que, submetido ao isolamento prolongado, pode apresentar depressão, desespero, ansiedade, raiva, alucinações, claustrofobia, e a médio prazo, psicoses e distúrbios afetivos graves. O projeto, ao prever isolamento de trezentos e sessenta dias, certamente causará nas pessoas a ele submetidas a deterioração de suas faculdades mentais, podendo-se dizer que o RDD, não contribui para o objetivo da recuperação social do condenado e, na prática, importa a produção deliberada de alienados mentais. [72]
Conforme referido trecho, pode-se evidenciar que o cumprimento de pena nos moldes em que o regime disciplinar foi proposto, ou seja, isolamento celular, traz consigo a hipótese de diversos tipos de sofrimentos que não coadunam com o fins a que se propõe a execução penal, tampouco os princípios constitucionais já referidos.
Por outro lado, há notícias de que tal recrudescimento do sistema punitivo trás consigo, além do sofrimento do preso, o agravamento dos aspectos psicológicos negativos, gerando revolta. Nesse sentido, as lições de Maurício Kuehne:
No caso brasileiro, é notório o exemplo do surgimento do Primeiro Comando da Capital (PCC), ocorrido, não por acaso, no Centro de Readaptação Penitenciária de Taubaté, presídio paulista de segurança máxima em que os presos permanecem em isolamento celular. Em tais locais, ao contrário das intenções preconizadas, o recrudescimento do regime carcerário exacerba os aspectos psicológicos negativos do sentenciado e sua revolta contra os valores sociais. Assim, tão logo seja possível, tais presos passam a arquitetar meios de subverter a disciplina, organizando-se em estruturas hierarquizadas que acabam por envolver toda a população carcerária. Ao fim e ao cabo, todo o sistema penitenciário mostra-se mais e mais inseguro. Deve-se reconhecer que o sistema de justiça criminal tem limites, seja quanto ao surgimento de pessoas que atentem contra as regras elementares de convivência, seja quanto ao cuidado que se deve ter para não realimentar a violência que se pretende combater.[73]
Mesmo que seja privado do convívio dentro do ambiente prisional, essas relações são importantes para a saúde mental do preso dada a condição do homem de ser social e a consecução da reintegração do apenado à sociedade. Sobre a saúde mental do preso sujeito ao RDD se manifestou a Médica psiquiatra Guanaíra Rodrigues do Amaral:
Desde o século XVIII, iniciou-se um processo de revolta contra a prática da tortura: os intelectuais, filósofos e homens de letras entendiam-na como uma relíquia do passado, bárbara e hedionda, e com a Revolução Francesa, a tortura começa a ser considerada como uma ameaça contra os direitos da pessoa. Ao menos teoricamente a humanidade viu-se livre da tortura, por dois séculos, embora na prática ela continuasse a ser aplicada nos regimes escravocratas, bem como na Europa e na América Latina, no século passado, contra os opositores políticos. Mesmo hoje, essa prática continua, de forma direta, em quase todas as unidades prisionais do Brasil, ou indiretamente, quase apenas como uma tortura mental, causando danos à mente e ao corpo de vários presos; é o caso do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), aprovado como lei federal pelo atual governo (Lei nº 10.792, 01/12/2003), e aplicado no Estado de São Paulo em várias unidades prisionais. Portanto, o dano psíquico causado àqueles, hoje e sempre, “torturáveis” - os presos, negros, pobres, sem escolaridade, jovens da periferia - através da tortura sistemática, mental e psicológica que acontece no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) no Estado de São Paulo vêm servindo como prática de controle social e, por que não dizer, “limpeza social”. [...] A tortura continua sendo usada como sempre, desde tempos memoráveis, como um instrumento de controle sobre muitos por alguns, que detêm o poder. A tortura continua sendo usada e justificada através do medo e da insegurança que a violência urbana cria no coletivo de nossa sociedade. E enquanto não houver um controle da violência, da tortura, através de um sistema prisional transparente, rápido, humano e pleno, não teremos o respeito pela dignidade humana nem uma cultura de paz. Nos resta, enquanto cidadãos brasileiros, lutar para que haja punição dos culpados de tortura e políticas públicas voltadas para uma cultura de paz.[74]
Na medida em que há possibilidade de degradação psicológica, há violação dos direitos do preso. Não se pode olvidar que, apesar de perder alguns direitos que decorrem da própria natureza do cumprimento de pena, os presos conservam os direitos inerentes a sua dignidade e estes devem ser conservados. Nesse sentido, o Manual de Administração Judiciária, explicita que:
As pessoas detidas ou presas mantêm todos os seus direitos como seres humanos, à exceção daqueles que foram perdidos como conseqüência específica da privação da liberdade. A autoridade penitenciária e os servidores precisam ter um perfeito entendimento das implicações desse princípio. Certas questões são muito claras. Existe, por exemplo, uma proibição total contra a tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante imposto deliberadamente. É preciso haver o entendimento de que a proibição não se aplica unicamente a casos de abuso físico ou mental. Ela se aplica, igualmente, a todas as condições em que as pessoas presas são mantidas. [...] Os homens, as mulheres e os adolescentes em conflito com a lei que se encontram sob custódia continuam sendo seres humanos. Sua humanidade se estende muito além do fato de estarem presos. De igual modo, os servidores penitenciários também são seres humanos. Quanto mais esses dois grupos reconhecem e observam sua humanidade em comum, tanto mais digna e humana é uma prisão. Essa é a medida mais importante da humanidade e da dignidade de um estabelecimento prisional. Onde não existir esse reconhecimento, haverá um perigo real de os direitos humanos serem violados.[75]
O isolamento celular se aparta totalmente dos fins da execução penal, podendo trazer uma série de conseqüências prejudiciais a saúde mental do apenado. Não se trata da melhor técnica de lidar com os problemas inerentes ao crescimento do crime organizado dentro dos presídios. Sobre o tema, o Manual editado pelo Ministério da Justiça:
Esse método de lidar com os presos, por mais perigosos que sejam, não constitui boa prática e muitas vezes decorre da ausência de técnicas de administração penitenciária apropriadas. Um modelo de gestão muito mais positivo é o de abrigar os presos problemáticos em pequenas unidades de até dez presos, com base na premissa de que é possível proporcionar um regime positivo para presos que causam transtorno confinando-os ao “isolamento em grupos”, em vez da segregação individual. O princípio com base no qual essas unidades funcionam é o de que deveria ser possível – para servidores penitenciários profissionalmente capacitados – desenvolver um regime positivo e ativo até mesmo para os presos mais perigosos. A intenção é que, dentro de um perímetro seguro, os presos possam se movimentar com relativa liberdade dentro das unidades e ter uma rotina prisional normal. Nesse tipo de ambiente, as pessoas presas somente serão colocadas em isolamento quando tudo mais fracassar e, nesse caso, somente por um curto período de tempo.[76]
Dessa forma, tem-se que o Regime Disciplinar Diferenciado não atende aos ditames do princípio da humanidade das penas, devendo ser considerado inconstitucional materialmente, ante os indícios de degradação moral e psíquica do reintegrando. Todavia, ante a controvérsia entres os princípios que devem prevalecer, faz-se necessária a ponderação dos interesses em jogo, o será feito no capítulo seguinte.
Parte da doutrina considera que o Regime Disciplinar Diferenciado atende aos princípios constitucionais, sendo compatível com o ordenamento jurídico vigente.
O principal argumento, em suma, é encarar o RDD como uma medida necessário, em que o interesse público estaria prevalecendo sobre o interesse individual, na medida em que o isolamento dos líderes de organizações criminosas evitaria prejuízos maiores, tais como a idealização e coordenação de crimes, dentre outras barbáries. Nesse sentido, dissertou Fernando Capez:
Entendemos não existir nenhuma inconstitucionalidade em implementar regime penitenciário mais rigoroso para membros de organizações criminosas ou de alta periculosidade, os quais, de dentro dos presídios arquitetam ações delituosas e até terroristas. É dever constitucional do Estado proteger a sociedade e tutelar com um mínimo de eficiência o bem jurídico. É o princípio da proteção do bem jurídico, pelo qual os interesses relevantes devem ser protegidos de modo eficiente. O cidadão tem o direito constitucional a uma administração eficiente (CF, art. 37, caput).[77]
No mesmo sentido, Nucci:
Ademais, não há direito absoluto, como vimos defendendo em todos os nossos estudos, razão pela qual a harmonia entre direitos e garantias é fundamental. Se o preso deveria estar inserido em um regime fechado ajustado à lei, o que não é a regra, mas exceção, a sociedade também tem direito à segurança pública. Por isso, o RDD tornou-se uma alternativa viável para conter o avanço da criminalidade incontrolada, constituindo meio adequado para o momento vivido pela sociedade brasileira.[78]
A jurisprudência do STJ, também tem decidido nesse sentido, conforme se pode evidenciar no seguinte julgado:
HABEAS CORPUS. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. ART. 52 DA LEP. CONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. IMPROPRIEDADE DO WRIT. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NÃO RECONHECIDA. 1. Considerando-se que os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princípio da proporcionalidade. 2. Legitima a atuação estatal, tendo em vista que a Lei n.º 10.792/2003, que alterou a redação do art. 52 da LEP, busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional – liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos – e, também, no meio social. 3. Aferir a nulidade do procedimento especial, em razão dos vícios apontados, demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório apurado, o que, como cediço, é inviável na estreita via do habeas corpus. Precedentes. 4. A sentença monocrática encontra-se devidamente fundamentada, visto que o magistrado, ainda que sucintamente, apreciou todas as teses da defesa, bem como motivou adequadamente, pelo exame percuciente das provas produzidas no procedimento disciplinar, a inclusão do paciente no Regime Disciplinar Diferenciado, atendendo, assim, ao comando do art. 54 da Lei de Execução Penal. 5. Ordem denegada.[79]
Como vimos, O RDD tem como fim garantir a ordem e a disciplina da unidade prisional e, com isso, em tese, oferecer segurança para os apenados, funcionários do sistema penitenciário e, por conseguinte, para a sociedade.
Diante disso, surge o conflito existente entre o interesse individual e o interesse coletivo (segurança social), devendo se priorizar, segundo os defensores de tal regime, ou seja, deve prevalecer o interesse coletivo com base no princípio da supremacia do interesse público.
Todavia, faz-se necessário um estudo acerca da real possibilidade ou necessidade de os direitos dos presos serem subjugados em respeito ou obediência ao interesse público.
Primeiramente, a alegada segurança pública invocada para defesa do Regime Disciplinar Diferenciado é derivada do Princípio da Supremacia do Interesse Público, por se tratar de um interesse indisponível.
Sobre o conceito do princípio da Supremacia do interesse público dissertou Celso Antônio Bandeira de Melo:
O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele, como, por exemplo, os princípios da função social da propriedade, da defesa do consumidor ou do meio ambiente art. 170, III, V e VI), ou outros. Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social. [...] O princípio cogitado, evidentemente, tem, de direito, apenas a extensão e compostura que a ordem jurídica lhe houver atribuído na Constituição e nas leis com ela consonantes. Donde, jamais caberia invocá-lo abstratamente, com prescindência do perfil constitucional que lhe havia sido irrogado, e, com é óbvio, muito menos caberia recorrer a ele contra a Constituição ou as leis. Juridicamente, sua dimensão, intensidade e tônica são fornecidas pelo Direito posto, e só por este ângulo é que pode ser considerado e invocado.[80]
Apesar da ótica administrativista, o conceito serve para denotar o fato de o invocado princípio em voga ser um dos pressupostos o para a garantia do estado. O interesse público é a própria essência do estado.
Como antes dito, o homem abdicou de seu direito a vingança privada em favor das estabilidades das relações, concedendo a um terceiro (estado) o direito de punir, ou seja, o monopólio da violência legítima.
É em nome desta referida estabilidade social ou nas relações sociais e da segurança da sociedade é que o Regime Disciplinar Diferenciado busca legitimação.
Conforme foi aduzido no primeiro capítulo desta monografia, o RDD tem suas origens na administração penitenciária dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Após o propagado sucesso de tal medida, o Congresso Nacional foi acionado trazer par ao âmbito nacional regime da mesma natureza.
A partir disso, através da propagação de tal regime pelos meios de comunicação, criou-se o ambiente favorável para a eclosão do agravamento da sanção disciplinar em epígrafe. Nesse sentido, Salo de Carvalho e Christiane Russomano Freire:
A partir das iniciativas das administrações penitenciárias dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, densificadas pelo forte apoio da imprensa, o Parlamento foi instigado a universalizar o regime diferenciado através de alteração na Legislação Federal. O projeto de generalizar o novo regime penitenciário atingiu seu ápice quando os veículos do mass media passaram a difundir e vincular a imagem do advogado, e subliminarmente a ideia de direitos e garantias, com a do réu/condenado preso – principalmente nos casos de crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e de armas –, comunicando a falsa associação entre direito de defesa e conivência com o crime. Assim, o elo do advogado com o criminoso passou a reforçar, no senso comum teórico do homem da rua (every day theories), a obrigação de restringir os “exorbitantes” direitos do preso (provisório ou condenado) possibilitados pela “frágil” e “condescendente” legislação penal e processual penal em vigor.[81]
O contexto formado era de grave instabilidade. O estado perante a sociedade estava se mostrando totalmente impotente, haja vista que a instituição que demonstra um dos fundamentos do estado que é o ius puniend, não estava servindo de empecilho ao crime organizado. A situação se agravou com a associação do nome de Fernandinho Beira-Mar ao assassinato de dois juízes da vara de execução penal. Conforme aduzem Salo de Carvalho e Christiane Russomano Freire:
A medida de recrudescimento disciplinar esteve igualmente relacionada com a necessidade do Poder Público reafirmar seu controle sobre os estabelecimentos prisionais. O exemplo mais nítido do “pânico” estatal em demonstrar à sociedade sua incapacidade ocorreu no episódio Fernandinho Beira-Mar. Naquele momento, a construção do anti-herói nacional personificado na figura do líder da facção Comando Vermelho, associada ao homicídio de dois Magistrados de Varas de Execuções Criminais – 14 de março de 2003 em São Paulo (SP) e 24 de março em Vitória (ES) –, agregou o elemento que faltava para a implantação definitiva das medidas de maximização dos métodos de contenção e neutralização. O fértil solo discursivo, propício para irromper a legislação de pânico, estava cultivado: cultura de emergência fundada no aumento da violência e a vinculação da impunidade ao “excesso de direitos e garantias” dos presos (provisórios e condenados). A resposta contingente seria conseqüência natural. Em 02 de dezembro de 2003 foi publicada a Lei 10.792, alterando a LEP e o Código de Processo Penal (CPP).[82]
Como se pode observar, o contexto em que surge a referida legislação é de urgência, dada a crise na segurança pública. O isolamento do preso pareceu a solução mais viável para evitar a comunicação com o mundo exterior, a fim de comandar operações criminosas de dentro do presídio.
As normas atinentes ao RDD surgem como uma resposta para dar tranquilidade a sociedade, de forma a demonstrar a eficiência do Legislativo legitimado a tomar atitudes extremas como forma de preservar a segurança social.
Nesse caso, o legislador retomou a prática recorrente da legislação paliativa. Nesse sentido, as lições de Dotti, que chama o referido regime de Regime da Desesperança:
[...] a tendência do Congresso Nacional em editar uma legislação de pânico para enfrentar o surto da violência e a criminalidade organizada caracterizada pelo arbitrário aumento de pena de prisão e o isolamento diuturno de alguns condenados perigos durante dois anos – além de outras propostas fundadas na artimética do cárcere – revela a ilusão de combater a gravidade do delito com a exasperação das penas. [83]
As medidas decorrentes da inclusão do preso no RDD são de natureza e legitimidade duvidosa, haja vista que tem como fim o isolamento e neutralização dos presos.
Ademais, é notável a ineficiência do Estado ante o crime organizado dessa natureza. O sucateamento e o falimento dos métodos e mecanismos de segurança pública, culminou com o agravamento da punição disciplinar como objetivo de imobilizar a prática desses crimes, no entanto, para isso, suprime uma série de direitos individuais, bem como rompe a lógica do sistema ressocializador e progressivo da execução penal. Sobre o tema, David Garland, citado por Salo de Carvalho e Christiane Russomano Freire:
Emprega-se uma demonstração de força punitiva contra o indivíduo condenado para recalcar toda confissão da incapacidade do Estado de controlar o crime. A pressa em condenar a penas pesadas alguns indivíduos esconde, na verdade, o fracasso da busca da segurança do conjunto da população.[84]
Além do fato da violação dos principio da humanidade da pena, a instituição do RDD está cheia de expressões vagas, abrindo possibilidade da prática arbitrariedades, conforme afirma Salo de Carvalho sobre a possibilidade de “permitir ao agente penitenciário o uso de meta-regras em sua significação – v.g. incitar ou participar de movimento para subverter a ordem e a disciplina; descumprir obediência ao servidor ou o respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se”.[85]
O arbítrio outorgado aos agentes carcerários não é de boa técnica, nesse sentido, conforme preceitua Salo de Carvalho e Christiane Russomano Freire:
A técnica legislativa utilizada serviu historicamente para o uso arbitrário dos poderes pelos agentes prisionais, os quais utiliza(va)m-se da imprecisão terminológica para adjetivar condutas banais de presos incômodos. Tal volatilidade produziu a minimização dos direitos dos apenados nos procedimentos de averiguação das faltas disciplinares. Talvez um dos exemplos mais notórios de condutas reivindicatórias pacíficas (movimentos paredistas) que acaba(va)m sendo definidas como atos de “subversão da ordem e da disciplina”, passíveis, pois, de sanção disciplinar por falta grave, é a prática da greve de fome.[86]
Note-se que a sanção do RDD está dirigida à um grupo de criminosos suspeitos de participação em organizações criminosas, não sendo segregados pelo fato de terem cometido um delito.
Assim, o legislador criou uma nova classe de presos, e para esses legitimou o tratamento diferenciado, inclusive suprimindo alguns direitos fundamentais. Assim, aduz Paulo César Busato:
Todas estas restrições não estão dirigidas a fatos e sim a determinada classe de autores. Busca-se claramente dificultar a vida destes condenados no interior do cárcere, mas não porque cometeram um delito, e sim porque segundo o julgamento dos responsáveis pelas instâncias de controle penitenciário, representam um risco social e/ou administrativo ou são “suspeitas” de participação em bandos ou organizações criminosas. Esta iniciativa conduz, portanto, a um perigoso Direito penal de autor, onde “não importa o que se faz ou omite (o fato) e sim quem – personalidade, registros e características do autor – faz ou omite (a pessoa do autor).[87]
Dessa forma, a referida lei insurgiu em meio à revolta social e com discurso paliativo. O estado, ante a falência das instituições de segurança pública, procurou uma forma de segregar os eventuais malfeitores. No entanto, se olvidou que o problema da violência e do crime organizado é estrutural no Brasil.
O isolamento celular por um longo período, conforme anteriormente falado, traz consigo efeitos nocivos a saúde física e mental do preso, tornando-se uma modalidade de pena simplesmente retributiva. Trata-se de um problema ligado a política criminal, conforme Salo de Carvalho e Christiane Russomano Freire:
Nesse sentido, não parece precipitado afirmar que a normativização do RDD nas prisões brasileiras, como aposta na aniquilação dos condenados da sua condição de seres humanos, equivale à opção por um modelo ultrapassado e bárbaro de punição. O sistema penitenciário nacional depara-se, pois, tragicamente, com uma opção política de eliminação dos seus excluídos que cometeram desvios. Coerente com a tendência contemporânea de conferir sentido inabilitador à pena de prisão, o RDD surge como técnica penitenciária eficaz que visa ao mesmo tempo conter e eliminar os sujeitos indesejáveis. Para além da privação da liberdade, se agrega um castigo que remonta os suplícios medievais. Lembrar Foucault, neste quadro, é mais que necessário: “o suplício repousa na arte quantitativa do sofrimento.[88]
É notório que a prática do RDD foge a concepção garantista e ao Estado Social e garantidor dos direitos fundamentais, para voltar à figura de um estado punitivista e policialesco, ouvidando que os problemas sociais que frutificam o que se quer dirimir. A ausência do estado em alguns setores da sociedade, nesse caso o presídio e as camadas mais baixas, onde predominam as favelas, fazem surgir estruturas paralelas que visam substituir a ausência deste, a fim de suprir as necessidades não sanadas pelo Estado.
Ocorre que o Estado não pode suprimir os direitos fundamentais ao seu alvedrio. Note-se que os problemas que, em tese, a instituição do regime Disciplinar Diferenciado visa sanar são decorrência da própria incompetência do Estado em gerir questões sociais.
Dessa forma, o Estado tem que se aparelhar para evitar a comunicação do preso com o ambiente externo, evitar rebeliões, combater o crime organizado, não simplesmente isolar os líderes a todo custo, inclusive suprimindo direitos fundamentais, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana, considerando, especialmente, o âmbito da humanidade das penas, já estudado no capítulo anterior.
A existência do antagonismo entre os interesses coletivos e o individuais constantes na aplicação do RDD, mais especificamente entre os princípios segurança social e o princípio da dignidade da pessoa humana, leva a necessidade de estabelecer qual interesse deve prevalecer, o que será feito no seguinte tópico.
O advento da norma que instituiu o RDD trouxe consigo uma série de conflitos entre bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro. Conforme antes dito, os direitos individuais do preso entram em choque direto com o interesse coletivo, pautado na segurança e embasado na supremacia do interesse público.
Com efeito, um dos postulados básicos do Direito Contemporâneo é a unidade do ordenamento jurídico. Nesse sentido, Daniel Sarmento:
Um dos postulados essenciais em que se funda o Direito Moderno é o da unidade do ordenamento jurídico. Segundo ele, há, dentro do mesmo espaço territorial, uma única ordem jurídica, cujos elementos devem guardar coerência interna. Por isto, muito embora componha-se de uma infinidade de normas, o ordenamento jurídico é considerado como um sistema, no qual parte-se da premissa de que as partes encontram-se devidamente coordenadas, devendo-se compreender cada uma delas à luz das demais. Por outro lado, nos países dotados de constituição rígida, este ordenamento acha-se hierarquicamente escalonado em forma de pirâmide, tendo, no vértice superior, a Lei Fundamental, que condiciona a validade e permeia a interpretação de todas as demais normas jurídicas. Por tal razão, é a Constituição, como fonte comum de validade de todas as normas, que confere a necessária coesão ao ordenamento jurídico.[89]
Dessa forma, o conflito entre normas é recorrente no ordenamento jurídico, no entanto, o interprete utilizando de diversas técnicas de hermenêutica, irá definir qual regra deve prevalecer, tais como o critério cronológico, hierárquico e da especialidade.
Quando se trata de normas de hierarquia diferentes ou normas de caráter infraconstitucional a tarefa de estabelecer qual deve prevalecer não se mostra tão árdua. Um impasse surge quando as normas são de caráter constitucional, mais especificamente os princípios, pois a unidade também deve se espelhar sobre todo ordenamento jurídico, inclusive no âmbito dos princípios.
Canotilho, citado por Sarmento, aduz que o princípio da unidade da Constituição “obriga o intérprete a considerar a constituição da sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços existentes entre as normas constitucionais a concretizar”.
Os conflitos entre as normas tem solução na dimensão da validade, ao passo que a colisão entre princípios se dá na dimensão do valor. Sobre a colisão entre regras, Paulo Bonavides, ao citar Alexy, aduz que “segundo ele, uma norma vale ou não vale, e é aplicável a um caso, isto significa que suas consequências jurídicas também valem”. De outro lado, acerca da colisão entre princípios, Bonavides disserta:
Com a colisão de princípios, tudo se passa de modo inteiramente diferentes, conforme adverte Alexy. A colisão ocorre, p. ex., se algo é vedado por um princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar. Isto, porém, não significa que o princípio do qual se abdica seja declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção nele se introduza. Antes, quer dizer – elucida Alexy – que, em determinadas circunstâncias, um princípio cede ao outro ou que, em situações distintas, a questão de prevalência se pode resolver de forma contrária. Com isso – afirma Alexy, cujos conceitos estamos literalmente produzindo – se quer dizer que os princípios têm um peso diferente nos casos concretos, e o princípio de maior peso é o que prepondera. Já, os conflitos de regras – assevera o eminente jurista – se desenrolam na dimensão da validade, ao passo que os princípios, visto que somente princípios válidos podem colidir, transcorre fora da dimensão da validade, ou seja, na dimensão do peso, isto é, do valor.[90]
O que importa nesse momento, dentro dos objetivos desse estudo, é analisar quando há o conflito aparente entre os princípios constitucionais.
Conforme dito anteriormente, todo o ordenamento jurídico está assentado sobre esses mandamentos. Quando ocorre o choque por se tratar de valores que devem coexistir, pois ambos devem concordar e estarem em harmonia, o operador do direito deve diante da situação de concorrência entre os bens protegidos constitucionalmente, adotar uma postura que possibilite a aplicação de todos eles, de forma a não negar qualquer um.
Trata-se do princípio da concordância prática ou harmonização da Constituição, que decorre do princípio da unidade da Constituição. Dessa forma não é o princípio extirpado da Constituição. Nesse sentido, Gilmar Mendes:
O princípio da harmonização ou da concordância prática consiste, essencialmente, numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, em se deparando com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum. Como a consistência dessa recomendação não se avalia a priori, o cânone interpretativo em referência é conhecido também como princípio da concordância prática, o que significa dizer que é somente no momento da aplicação do texto, e no contexto dessa aplicação, que se pode coordenar, ponderar e, afinal, conciliar os bens ou valores constitucionais em “conflito”, dando a cada um o que for seu.[91]
Assim, o aplicador das normas em conflito deve dar a cada um dos princípios a máxima efetividade no caso concreto. Para isso, ante a necessidade da conservação dos princípios em conflito, utiliza-se a técnica da ponderação de interesses. Sobre essa teoria, Daniel Sarmento:
O método da ponderação de interesses não representa uma técnica puramente procedimental para a solução dos conflitos entre princípios constitucionais. Pelo contrário, a ponderação incorpora uma irredutível dimensão substantiva, na medida em que seus resultados devem se orientar para a promoção dos valores humanísticos superiores, subjacentes à ordem constitucional. Estes valores estão sintetizados no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que confere unidade teleológica a todos os demais princípios e regras que compõem o ordenamento constitucional e infraconstitucional.[92]
Note-se que a ponderação não se trata de mera técnica que visa estabelecer qual norma deve se aplicar, mas tem o condão de otimizar a aplicação dos interesses em conflito, de forma que o princípio deve ser aplicado no seu grau máximo possível. Dessa forma, tem caráter altamente substancial, visando promover os valores humanos.
Os valores a que alude o referido autor são os insculpidos no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que trata o homem como um fim em si mesmo, sendo tarefa principal do Estado Democrático de Direito a defesa e a promoção dessa dignidade. Como tratado no capítulo anterior, não se trata apenas de um limite à atuação do estado, que tem não só o dever de se abster de praticar atos que violem a dignidade humana, mas também deve promovê-la, através da garantia das mínimas condições de existência do Homem.
No que concerne a esse princípio frente a ponderação de interesses, consiste em um critério substantivo na direção da ponderação de interesses, de forma que, diante da colisão entre princípios, deve-se adotar a solução que mais atenda aos valores humanitários, conforme aduz Sarmento:
Assim a dignidade da pessoa humana afirma-se como o principal critério substantivo da direção da ponderação dos interesses constitucionais. Ao deparar-se como uma colisão concreta entre os princípios constitucionais, tem o operador do direito de, observada a proporcionalidade, adotar a solução mais consentânea com os valores humanitários que este princípio promove. [...] Nesta ponderação, porém, a liberdade do operador do direito tem como norte a constelação de valores subjacentes à ordem constitucional, dentre os quais cintila com maior destaque o da dignidade da pessoa humana. Nenhuma ponderação poderá importar em desprestígio à dignidade do homem, já que a garantia e promoção desta dignidade representa o objetivo magno colimado pela Constituição e pelo Direito”.[93]
O Princípio da Proporcionalidade a que alude a teoria da ponderação de interesses se trata de outra dimensão de tal princípio. Conforme vimos no capítulo anterior, uma das facetas de tal princípio é que a sanção criminal seja proporcional à gravidade dos delitos praticados.
No entanto, para fins de aplicação da teoria da ponderação de interesses utiliza-se a tríplice dimensão do Princípio da Proporcionalidade. Sobre o tema, Luis Roberto Barroso:
O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, termos aqui considerados de modo fungível, não está expresso na constituição, mas tem seu fundamento na ideia de devido processo legal substantivo e na justiça. Trata-se de um valioso instrumento de proteção dos direitos fundamentais e do interesse público, por permitir o controle da discricionariedade dos atos do Poder Público e por funcionar como a medida com que uma norma deve ser interpretada no caso concreto para a melhor realização do fim constitucional nela embutido ou decorrente do sistema.[94]
Tal conceito foi desenvolvido pela doutrina alemã, que determinou a decomposição em três sub princípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Nesse sentido, Robert Alexy:
A natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, e essa implica aquela. Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade significa que a natureza da proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível dessa natureza. O Tribunal Constitucional Federal afirmou, em formulação um pouco obscura, que a máxima da proporcionalidade decorre “no fundo, já da própria essência dos direitos fundamentais”. A seguir se pretende demonstrar que isso é válido de forma estrita quando as normas de direitos fundamentais têm o caráter de princípios.[95]
No mesmo sentido, Gilmar Mendes:
No âmbito do direito constitucional, que o acolheu e reforçou, a ponto de impô-lo à obediência não apenas das autoridades administrativas, mas também juízes e legisladores, esse princípio acabou se tornando consubstancial à própria ideia de Estado de Direito pela sua íntima ligação com os direitos fundamentais, que lhe dão suporte e, ao mesmo tempo, dele dependem para se realizar. Essa interdependência se manifesta especialmente nas colisões entre bens ou valores igualmente protegidos pela Constituição, conflitos que só se resolvem de modo justo ou equilibrado fazendo-se apelo ao subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, o qual é indissociável da ponderação de bens e, ao lado da adequação e da necessidade, compõe a proporcionalidade em sentido amplo.[96]
Primeiramente, em relação ao subprincípio da adequação, tem-se que a conduta, administrativa ou legislativa, advinda do Poder Público deve ser apta para atingir os fins a que se propõe.
Segundo Sarmento, “trata-se, em síntese, da aferição da idoneidade do ato para a consecução da finalidade perseguida pelo Estado. A análise cinge-se, assim, à existência de uma relação congruente entre meio e fim da medida examinada”. [97]
Dessa forma, deve o intérprete, ao analisar tal requisito, se questionar qual o fim que pretendia o legislador pretendia ao editar a norma.
Após, deve analisar se a norma atende aos resultados almejados pelo legislador, quando a edição da norma. Caso negativo, tal norma será considerada inconstitucional.
Em relação ao princípio da necessidade ou exigibilidade, dissertou Sarmento:
O princípio da necessidade ou exigibilidade, por sua vez, impõe que o Poder Público adote sempre a medida menos gravosa possível para atingir determinado objetivo. Assim, se há várias formas possíveis de chegar ao resultado pretendido, o legislador ou administrador tem de optar por aquela que afete com menos intensidade os direitos e interesses da coletividade em geral nessa linha, o Tribunal Constitucional Alemão acentuou que uma lei será inconstitucional se se poder constatar, inequivocadamente, a existência de outras medidas menos lesivas. Em outras palavras, atônica deste subprincípio recai sobre a ideia de que se deve perseguir, na promoção dos interesses coletivos, a menor ingerência possível na esfera dos direitos fundamentais do cidadão.[98]
Assim, o meio não será necessário ou exigível se houver outra medida que possa ser tomada que se mostre menos onerosa e adequada. Note-se que para a análise da exigibilidade, houve a avaliação quanto ao critério da adequabilidade.
Dessa forma, como denota Gilmar Mendes, “adequação e necessidade não têm o mesmo peso ou relevância no juízo da ponderação. Assim, apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado”[99].
A necessidade possui extensões, tais como a temporal, espacial e subjetiva, conforme aduz Sarmento, citando Canotilho:
a) a necessidade material, pois o meio deve ser o mais “poupado” possível quanto à limitação dos direitos fundamentais; b) a exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; c) a exigibilidade temporal, que pressupões a rigorosa delimitação no tempo da medida coactiva pelo poder público; d) a exigibilidade pessoal que significa que a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas, cujos interesses devem ser sacrificados.[100]
Por último, tem-se o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, que trata do binômio custo-benefício na avaliação da norma. Nesse sentido, Robert Alexy:
Princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, exigência de sopesamento, decorre da relativização e, face das possibilidades jurídicas. Quando a norma de direito fundamental com caráter de princípio colide com um princípio antagônico, a possibilidade jurídica para a realização dessa norma depende do princípio antagônico. Para se chegar a uma decisão é necessário um sopesamento dos termos da lei em colisão. Visto que a aplicação de princípios válidos – caso sejam aplicáveis – é obrigatória, e visto que para essa aplicação, no caso de colisão, é necessário um sopesamento, o caráter principiológico das normas de direito fundamental implica a necessidade de um sopesamento quando elas colidem com princípios antagônicos. Isso significa que a máxima da proporcionalidade em sentido estrito é deduzível do caráter principiológico das normas de direitos fundamentais.[101]
Veja-se que o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito é inerente ao caráter axiológico e principiológico dos interesses em conflito. Ao contrário dos subprincípios da necessidade e da adequação que decorrem dos mandamentos de otimização nas possibilidades fáticas em jogo.
Nas lições de Sarmento:
Na verdade, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito convida o intérprete à realização de autêntica ponderação. Em um lado da balança devem ser postos os interesses protegidos com a medida, e no outro, os bens jurídicos que serão restringidos ou sacrificados por ela. Se a balança pender para o lado dos interesses tutelados, a norma será válida, mas se ocorrer o contrário, patente será a sua inconstitucionalidade. É bem verdade que esta metáfora da balança simplifica o processo de aplicação do subprincípio em análise, pois, como não estão em jogo valores aritméticos, mas interesses díspares, será difícil comparar os respectivos “pesos”, esta tarefa envolverá, necessariamente, certa dose de subjetivismo, razão pela qual se recomenda ao juiz uma especial prudência no exercício do controle de constitucionalidade fundado neste subprincípio, evitando-se a substituição da ponderação feita pelo legislador pela do órgão judicial.[102]
Conforme explicitado linhas acima, a pluralidade de ideias consignadas em nossa Lei Fundamental são demonstradas por inúmeros de princípios que nela estão alinhavados. Ocorre que o leque de princípios, valores e interesses podem gerar certas tensões.
Há colisão quando um direito quando um direito fundamental afeta o âmbito de proteção de outro direito fundamental. A ponderação de interesses consiste no método hábil para solucionar tais impasses.
Esse método é caracterizado pela análise do caso concreto em que há a tensão, haja vista que pela teoria da ponderação de interesses se verifica na situação fática o peso dos interesses (princípios) envolvidos. Isso não quer dizer que deve se olvidar do caráter normativo, imprimindo mais importância aos fatos. Pelo contrário, a própria Constituição se trata de valor.
Ademais, conforme anteriormente estudado, a ponderação de interesses não se trata de mera técnica de interpretação sem caráter substancial. Os valores constitucionais, tais como a dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade, segurança, norteiam o processo de ponderação, contendendo-lhe dimensão substancial.
Posto essas considerações iniciais a acerca da ponderação de interesses, é necessário analisarmos o conflito aparente de interesses diretamente ligado a instituição do Regime Disciplinar Diferenciado. Para isso, é imprescindível um estudo fase a fase frente à técnica da ponderação de interesses.
Primeiramente, torna-se essencial a identificação do conflito principiológico. Nesse sentido, Daniel Sarmento:
A ponderação de interesses só se torna necessária quando, de fato, estiver caracterizada a colisão entre pelo menos dois princípios constitucionais incidentes sobre um caso concreto. Assim, a primeira tarefa que se impõe ao intérprete, diante de uma possível ponderação, é a de proceder à interpretação dos cânones envolvidos, para verificar se eles efetivamente se confrontam na resolução do caso, ou se, ao contrário, é possível harmonizá-los.[103]
Nesse momento o intérprete estará obedecendo aos já referido princípio da unidade da Constituição, de forma que é de interesse a solução do referido conflito, a fim de evitar antinomias e colisões de normas constitucionais.
O intérprete deverá verificar os limites dos direitos envolvidos. Sobre o tema, Gilmar Mendes:
Tem-se, pois, autêntica, colisão apenas quando um direito individual afeta diretamente o âmbito de proteção de outro direito individual. Em se tratando de direitos submetidos a reserva legal expressa, compete ao legislador traçar os limites adequados, de modo a assegurar o exercício pacífico de faculdades eventualmente conflitantes.
É necessário estabelecer os limites de cada princípio em jogo, de forma que os extremando se possa compatibilizar seus efeitos. A atividade de interpretação e solução de conflitos entre princípios pode acabar antes mesmo de realizar a técnica da ponderação propriamente dita. Se, encontrados os limites de exercício de cada princípio, eles não forem incompatíveis entre si, não haverá tensão principiológica.
Para isso, é necessário se estabelecer o peso que a ordem jurídica atribui aos valores em conflito, tendo-se como norte os valores insculpidos na Constituição da república.
No caso do Regime Disciplinar Diferenciado, é nítido o conflito entre normas. Como acima explicitado, temos o princípio da dignidade da pessoa humana em choque com a segurança jurídica, bem como a colisão de interesses constitucionais.
Ademais, é truísmo se afirmar que o legislador optou pela supremacia do interesse público ante a dignidade do preso.
É bem verdade que a própria estrutura do Estado leva a crer que se deve dar grande ênfase ao direito coletivo, face o individual. No entanto, o conflito desse com o princípio da dignidade da pessoa humana deve levar em conta o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, Sarmento:
Nos Estados Unidos, por exemplo, a jurisprudência consolidou a doutrina das preferred freedoms ou preferred rights, que atribui um peso superior às liberdades individuais (liberdade de expressão, de religião, privacidade etc.), em relação às liberdades econômicas (propriedade, liberdade de contratar etc.), mas, sem embargo, admite ponderação entre elas. Também no direito brasileiro parece induvidoso, por exemplo, que a liberdade individual ostenta, sob o prisma constitucional, um peso genérico superior ao da segurança pública, o que se evidencia diante da leitura dos princípios fundamentais inscritos no art. 1º do texto magno. Isto, no entanto, não significa que em toda e qualquer ponderação entre estes dois interesses, a liberdade deve prevalecer. Pelo contrário, em certas hipóteses em que o grau de comprometimento da segurança da coletividade for bastante elevado, esta poderá se impor em face da liberdade individual, mediante uma ponderação de interesses.[104]
A ponderação deve ter como foco a proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana, a qual engloba os valores fundamentais que esteiam a ordem jurídica vigente, de forma que o aplicador do direito deve respeito ao núcleo essencial dos direitos fundamentais. Assim, tanto o legislador, quanto o operador do direito devem utilizar a ponderação de interesses.
Diante disso, deve-se verificar o conflito ante a tríade de subprincípios da proporcionalidade.
Primeiramente, a adequação, como acima referenciado, trata-se da habilidade que a medida legislativa ou judicial tem para atingir os seus fins. O regime disciplinar diferenciado foi criado com a finalidade de coibir a neutralizar e incapacitar a articulação do crime organizado no interior, bem como fora dos presídios.
Sabe-se que o modo de operação de tais grupos é a facilidade de comunicação com o mundo exterior, agravado pelas condições de superpopulação carcerária no Brasil. Isolar tais sujeitos pareceu a solução mais natural e eficaz, a fim de desarticular o movimento e sanar a permeabilidade das informações nos estabelecimentos prisionais. No entanto, bem se sabe que o problema do crime organizado no Brasil é estrutural. O isolamento de criminosos, por si só, não solucionará a crise na segurança pública.
De outro lado, há que se considerar que, ao menos dentro da prisão, o RDD será uma solução paliativa e temporária. No entanto, na medida em que deixa de existir uma liderança do crime organizada, se insurgirá outra.
Portanto, o regime disciplinar diferenciado não está apto ao fim que se destina, qual seja, extirpar o crime organizado. Conforme dito o problema é muito maior. Trata-se de uma questão de política social.
Demais disso, o RDD mostra-se incongruente com o subprincípio da necessidade ou da exigibilidade, de forma que não é a medida menos gravosa para atingir o objetivo de combate às organizações criminosas.
Se há várias formas de se chegar a um resultado, o legislador ou o operador do direito deverá utilizar a que fira com menos intensidade os direitos e interesses individuais. Não o caso do RDD. Nesse sentido, se manifestou o CNPCP:
No entanto, o modo pelo qual isso foi feito, dadas as regras do RDD, seja pela sua longa duração (até um ano), seja pela forma de execução (isolamento celular com interrupção quase absoluta do contato com o mundo exterior), foi além do necessário e do permitido para contornar a situação.[...] O modus operandi de tais grupos se funda na facilidade de comunicação com o mundo exterior, seja para comandar operações criminosas de dentro do presídio, seja para criar uma rede de poder paralela dentro do próprio sistema carcerário.. A isso se soma a disseminação das organizações entre a população carcerária, seja pela coação e extorsão, seja pela sensação de pertencimento e proteção que o preso passa a vivenciar, fator relevante no ambiente penitenciário hostil, em que muitas vezes o Estado se mostra incapaz de proteger a vida do encarcerado.[...] Neste contexto, isolar os presos que lideravam tais facções parecia a solução mais natural e plausível, de modo a interromper a cadeia de comando e desarticular o movimento. No entanto, o modo pelo qual isso foi feito, dadas as regras do RDD, seja pela sua longa duração (até um ano), seja pela forma de execução (isolamento celular com interrupção quase absoluta do contato com o mundo exterior), foi além do necessário e do permitido para contornar a situação.[105]
Conforme se infere da conclusão do Conselho, o legislador foi além do necessário para consecução de seu fim. Há outras medidas que poderiam ser tomadas a fim de desarticular o crime organizado nas cadeias.
Mostrar possíveis soluções às mazelas da sociedade brasileira foge ao escopo desse trabalho, no entanto, existem medidas que atingiriam com menos violência os direitos fundamentais ou mesmo nem chegariam a colidir com estes, tais como, ao invés de isolamento total, a segregação em pequenos grupos, de forma a quebrar a cadeia de comando em tais organizações.
Para se evitar a utilização de meios de comunicação, tais como celulares, o Estado poderia se aparelhar para bloquear sinais, através de tecnologia adequada para tal fim. Enfim, tais medidas são de ordem estrutural.
Ademais, existem as medidas de ordem sócio-política que poderiam ser tomadas, a fim de evitar a proliferação do crime organizado em camadas da sociedade em que há ausência do estado, facilitando o surgimento desses estados paralelos.
Por fim, temos o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que, na verdade, trata-se da ponderação propriamente dita, em que se analisa o custo-benefício. De um lado coloca-se os bens protegidos pela medida e do outro os bens jurídicos que estão sendo restringidos ou sacrificados pela norma.
Se a “balança” pender para o lado dos interesses tutelados, a norma será constitucional, mas, do contrário, evidente será sua inconstitucionalidade.
No caso em tela, temos uma norma que instituiu o Regime Disciplinar Diferenciado, sob o fundamento de proteger o interesse público da segurança social, ante a afronta que a esta faz o crime organizado. No entanto, para a consecução de seus fins, subjugou o princípio da dignidade da pessoa humana, ante suas normas rígidas de segregação.
Assim, de um lado da balança coloca-se a supremacia do interesse público, representado pelo interesse da segurança social e, de outro lado, coloca-se o princípio da dignidade da pessoa humana. Apesar de parecer simplório o método, não o é, conforme aduz Sarmento:
É bem verdade que a medida da balança simplifica o processo de aplicação do subprincípio em análise, pois, como não estão em jogo valores aritméticos, mas interesses díspares, será difícil comparar os respectivos “pesos”. Esta tarefa envolverá, necessariamente, certa dose de subjetivismo, razão pela qual se recomenda ao juiz uma especial prudência no exercício do controle de constitucionalidade fundado neste subprincípio, evitando-se a substituição da ponderação feita pelo legislador pela do órgão judicial.[106]
Dessa forma, não se trata de uma regra geral, em que o a dignidade da pessoa humana sempre prevalecerá sobre os demais valores. Mas no caso concreto em análise, a balança deve pender para o lado da dignidade da pessoa humana, e a norma que instituiu o RDD ser considerada inconstitucional. Nesse sentido aduz Rômulo Andrade Moreira:
Cotejando-se, portanto, o texto legal e a Constituição Federal, concluímos com absoluta tranqüilidade ser tais dispositivos flagrantemente inconstitucionais, pois no Brasil não poderão ser instituídas penas cruéis (art. 5º, XLVII, “e”, CF/88), assegurando-se aos presos (sem qualquer distinção, frise-se) o respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX) e garantindo-se, ainda, que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III).[107]
Ainda nesse sentido, Marcondes:
O respeito à dignidade da pessoa humana baliza toda política pública, concebendo o preso – antes da condição de criminoso – como pessoa humana, que como tal deve ser tratado. Esse enfoque exige que sejam humanizados os cárceres e dado um sentido positivo ao cumprimento da pena privativa de liberdade. O Estado tem o indeclinável dever de elaborar e executar políticas públicas que diminuam o sofrimento das pessoas condenadas, reduzindo os efeitos criminógenos das prisões e oportunizando os recursos necessários para que, ao obter a liberdade, estejam motivadas e em condições de viver como cidadãos.[108]
Assim, tem-se que o regime disciplinar não resiste a um regime de sopesamento dos interesses fundamentais, de forma que há de ser considerado inconstitucional.
O presente escrito teve por escopo a análise do instituto do Regime Disciplinar Diferenciado face os princípios de direitos humanos que norteiam a execução penal, a fim de se aferir se tal instituto atende ou não os preceitos deste.
Foi realizado um breve histórico acerca da origem e evolução do Regime Disciplinar Diferenciado, traçando o contexto que levou a promulgação da Lei 10.792/03, que instituiu o RDD no ordenamento jurídico, alterando a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84). Além disso, denotou-se a natureza jurídica do referido instituto, bem como suas características, hipóteses de cabimento e espécies.
Após, adentrou-se a problemática do trabalho, em que se analisou o RDD perante os princípios que norteiam a execução penal, insculpidos na Constituição da República Federativa do Brasil.
Primeiramente, confrontou-se o referido instituto face ao princípio da legalidade, restando evidenciado que tal princípio trata-se de uma proteção que o cidadão possui perante o Estado, de forma que toda imposição de sanção de natureza criminal deve antes estar exposta em lei. Demonstrou-se que não basta apenas estar consignada em um diploma normativo a sanção, mas esta deve ser clara e taxativa. Diante disso, constatou-se que o RDD não atente aos preceitos de tal princípio, uma vez que o legislador, nas hipóteses de cabimento utilizou-se de expressões vagas e imprecisas.
Após, buscou-se analisar o referido regime frente o princípio da individualização da pena nas suas fases legislativa, judicial e executiva, bem como ficou consignado não só o seu aspecto quantitativo, mas também o aspecto qualitativo desse postulado. Igual sorte mereceu o instituto do RDD, restando demonstrado que tal não atende aos anseios do princípio individualizador, haja vista que independente da natureza da infração que enseja a inserção neste, a natureza da sanção será a mesma, isolamento celular, não atendendo os fins da execução penal que é a reinserção na sociedade.
Em seguida, analisou-se o Regime Disciplinar Diferenciado frente o Princípio da Proporcionalidade ou Razoabilidade, levando em consideração o aspecto criminológico deste, consistente em aferir a congruência entre a punição infligida e o bem jurídico que se pretende proteger. Feito isso, chegou-se a conclusão que o RDD não atende ao princípio da proporcionalidade, haja vista que não se trata da única saída possível para atender aos fins que se propõe, bem como este não estabeleceu mecanismos capazes de mensurar uma proporção entre a violação da disciplina e a sanção decorrente, nem entre a ameaça representada pelo preso e o período de isolamento celular, havendo o risco de ser sempre fixado em seu patamar máximo.
Analisou-se, ainda, o RDD face o princípio da humanidade das penas, sobre o qual se traçou um histórico acerca da origem e evolução, bem como foram descritos os diplomas normativos que prevêem tal princípio, tanto internacionais, como os da legislação pátria.
Aferiu-se que o isolamento celular como forma de castigo também não atende aos princípios da humanidade das penas, tendo em vista que restou evidenciado o caráter não só físico da violação da humanidade do condenado, mas também o viés psíquico, uma vez a referida sanção traz consigo a hipótese de diversos tipos de sofrimentos que não coadunam com o fins a que se propõe a execução penal.
Tal desrespeito ao princípio da humanidade ocorre na medida em que o preso é privado do convívio dentro do ambiente prisional, podendo ocorrer prejuízos a sua saúde mental, dada a condição do homem de ser social, podendo haver de degradação psicológica, desatendendo assim ao fim da execução penal que é a reintegração do apenado à sociedade.
Por fim, depois de constatado o conflito entre os princípios da segurança social e da dignidade, ponderou-se quais destes devem prevalecer. Para isso, utilizou-se a Teoria da Ponderação de interesses.
No caso concreto em análise, concluiu-se que deve prevalecer a dignidade da pessoa humana, e a norma que instituiu o RDD ser considerada inconstitucional.
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[2] SALLA, Fernando. As rebeliões nas prisões: novos significados a partir da experiência brasileira. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez. 2006, p. 274-307. <http://www.scielo.br/pdf/soc/n16/a11n16.pdf>. Acesso em 11 de ago. de 2011.
[3] SÃO PAULO. SECRETARIA DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA. Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Disponível em: < http://www.memorycmj.com.br/cnep/palestras/nagashi_furukawa.pdf>. Acesso em 31 de out. de 2011.
[4] CARVALHO, Salo de; FREIRE, Christiane Russomano. O Regime Disciplinar Diferenciado: Notas críticas à reforma do sistema punitivo brasileiro. Revista Transdisciplinar de Ciências Penitenciárias, 4(1):7-26, Jan.-Dez./2005. Disponível em: <https://www.ucpel.tche.br/ojs/index.php/PENIT/article/viewFile/305/273>. Acesso em 12 de ago. de 2011. p. 14-15.
[5] ALVES, André Luiz. A Imprescindibilidade do Regime Disciplinar Diferenciado no Brasil. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/31245/1/Regime-Disciplinar-Diferenciado/pagina1.html>. Acesso em 12 de ago. de 2011.
[6] SANTOS, Astério Pereira dos. Regime Disciplinar Especial: Legalidade e Legitimidade. Disponível em: . Acesso em 12 de ago. 2011.
[7] BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 5.073/2001. Disponível: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=31767>. Acesso em 12 de ago. de 2011.
[8] GANGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte geral. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, vol. I, 2007. p. 183.
[9] JESUS, Damásio E. de. Código de Processo Penal Comentado. 23. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a reforma do CPP. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 636.
[10] MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 150.
[11] CARVALHO; FREIRE, op. cit., p. 20.
[12] BRASIL. Lei 7.210 de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, 13 de ago. de 1984. Disponível em: <www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Leis/L7210.htm>. Acesso em 12 de ago. de 2011.
[13] BRASIL. Parecer do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária sobre RDD – Regime Disciplinar Diferenciado. Data: 10 de agosto de 2004. Disponível em:< http://portal.mj.gov.br/cnpcp/main.asp?View={923C6532-A970-4208-8BE0-3B1E9F482B3F}>. Acesso em 12 de ago. de 2011.
[14] CARVALHO; FREIRE, op. cit., p. 20.
[15] KUEHNE, Maurício. Lei 10.792/2003: Primeiras Impressões. Disponível em < http://www.bu.ufsc.br/AlteracaoLei.pdf >. Acesso em 25 de ago. de 2011.
[16] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n. 96.328/SP. Relator: Min. Cezar Peluso, julgamento em 02-03-2010, Segunda Turma, pub no DJE de 09-04-2010. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2896328.NUME.+OU+96328.ACMS.%29&base=baseAcordaos>. Acesso em 15 de out. de 2011.
[17] BRASIL. Lei 7.210 de 11 de julho de 1984. Op. cit.
[18] MIRABETE, op. cit., p. 149.
[19] MOREIRA, José Barbosa. Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1980, 2ª série. p. 64.
[20] MIRABETE, op. cit., p. 151.
[21] Ibid., p. 151.
[22] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 78.
[23] Ibid., p. 31-32.
[24] No presente trabalho, é defendida a posição doutrinária de que o RDD tem a natureza jurídica de um novo regime de cumprimento de pena, sob a nomenclatura jurídica de sanção disciplinar, conforme será exposto a frente.
[25] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 155.
[26] O referido autor define princípios como “normas que estabelecem diretamente fins, para cuja concretização estabelecem com menor exatidão qual o comportamento devido (menor grau de determinação da ordem e maior generalidade dos destinatários), e por isso dependem mais intensamente da sua relação com outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretação para a determinação da conduta devida” e normas com sendo “normas que estabelecem indiretamente fins, para cuja concretização estabelecem com maior exatidão qual o comportamento devido (maior grau de determinação da ordem e maior especificação dos destinatários), e por isso dependem menos intensamente da sua relação com outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretação para a determinação da conduta devida” (ÁVILA, 2001, p. 21).
[27] ARRUDA, Élcio. Primeiras linhas de direito penal. Leme: BH Editora e Distribuidora, 2009, p. 191.
[28] Ibid., p. 192.
[29] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2009. p. 89.
[30] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2008. p. 258.
[31] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado, 1988.
[32] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 260.
[33] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal: Parte Geral. 8. ed. cor., amp. e atual. Rio de janeiro: Editora Forense, 2009. p. 418.
[34] TAQUARY, Eneida Orbage. O Regime Disciplinar Diferenciado no Brasil e no direito Norte Americano: violação do princípio da individualização da pena ou medida reguladora estatal de controle do comportamento de presos perigosos em estabelecimentos penitenciários. Univ. JUS, Brasília, n. 21, p. 47-84, jul./dez. 2010. Disponível em: . Acesso em 14 de out. de 2011.
[35] BRASIL. Exposição de Motivos à Lei de Execução Penal: Mensagem 242, de 1983 (Do Poder Executivo). Disponível em <http://portal.mj.gov.br/>. Acesso em 10 de ago. de 2011.
[36] BITENCOURT, César Roberto. Manual de Direito Penal. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, Vol. 1, 2000. p. 10.
[37] BRASIL. Parecer CNPCP sobre RDD, op. cit.
[38] CARVALHO; FREIRE, op. cit.
[39] BRASIL. Parecer CNPCP sobre RDD, op. cit.
[40] KUEHNE, op. cit.
[41] MARCÃO, op. cit., p. 188-189.
[42] BRASIL. Exposição de Motivos à Lei de Execução Penal, op. cit.
[43] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n. 97.256. Relator: Min. Ayres Britto, julgamento em 1º-9-2010, Plenário, DJE de 16-12-2010. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em 15 de out. de 2011.
[44] TAQUARY, op. cit.
[45] MENDES; COELHO; BRANCO, op. cit., p. 113-114.
[46] SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003. p. 87.
[47] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 554.303/AgR. Relator: Min. Menezes Direito, julg. em 20-5-2008, 1ª Turma, DJE de 29-8-2008. Disponível em: . Acesso em 15 de ago. de 2011.
[48] BONAVIDES, op. cit., p. 425.
[49] ALEXY, op. cit., p. 116-117.
[50] SARMENTO, op. cit., p. 87-88.
[51] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.23.
[52] FRANCO, Alberto da Silva. Crimes Hediondos. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 67.
[53] ARRUDA, op. cit., p. 209.
[54] BRASIL. Exposição de Motivos à Lei de Execução Penal, op. cit.
[55] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. ed. 12. São Paulo: Editora Impetus, vol. I, 2010. p. 77-78.
[56] BRASIL. Parecer do CNPCP sobre RDD, op. cit.
[57] Ibid.
[58] BECCARIA, op. cit., p. 41.
[59] TEIXEIRA, Sérgio William Domingues. Estudo Sobre a Evolução da Pena, dos Sistemas Prisionais e da Realidade Brasileira em Execução Penal: Propostas para Melhoria do Desempenho de uma Vara de Execução Penal. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2008. Dissertação (Mestrado Profissional) - FGV Direito Rio/Programa de Capacitação em Poder Judiciário/2008. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/4218/DMPPJ%20-%20SERGIO%20WILLIAM%20TEIXEIRA.pdf?sequence=1. Acesso em 15 de ago. de 2011. p. 22.
[60] FRANCO, op. cit., p. 56-57.
[61] Ibid., p. 67.
[62] NOGUEIRA, Danielle Christine Barros. O princípio da Humanidade da Pena. Disponível em: . Acesso em 10 de ago. de 2011.
[63] BRASIL. Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm >. Acesso em 20 de ago. de 2011.
[64] BRASIL. Lei n. 9.455, de 07 de abril de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9455.htm>. Acesso em 20 de ago. de 2011.
[65] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 13.
[66] BECCARIA, op. cit., p. 92.
[67] FOUCAULT, op. cit., p. 63/64.
[68] BRASIL. Parecer do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária sobre RDD, Op. Cit., p. 11.
[69] PINATTO, Bruna Fernandes. A Individualização da Pena Privativa de Liberdade na Execução Penal. Presidente Prudente/SP: 2008. Tese (Graduação) - Monografia apresentada como requisito parcial de Conclusão de Curso para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Disponível em: . Acesso em 15 de out. de 2011.
[70] SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. 2. ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2009. p. 26-27.
[71] CARVALHO, op. cit., p. 25.
[72] KUEHNE, op. cit., p. 7.
[73] KUEHNE, op. cit., p. 8.
[74] AMARAL, Guanaíra Rodrigues do. A Tortura no RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). Disponível em: < http://www.ovp-sp.org/artg_guanaira.htm>. Acesso em 13 de set. de 2011.
[75] COYLE, Andrew. Administração Penitenciária: Uma abordagem de Direitos Humanos - Manual de Administração Penitenciária. Disponível em: < http://www.dhnet.org.br/dados/manuais/a_pdf/309_manual_adm_penitenciaria.pdf>. Acesso em em de set. de 2011. p. 43.
[76] Ibid., p. 92.
[77] CAPEZ, Fernando. Regime Disciplinar Diferenciado. Disponível em . Acesso em 27 de set. de 2011.
[78] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 1023.
[79] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 40.300/RJ. Relator: Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, julg. em 07-06-2005, DJE de 22-08-2005, p. 312. Disponível em: . Acesso em 19 de out. de 2011.
[80] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21. ed., rev e atual. São Paulo: 2006. Editora Malheiros. p. 93-94.
[81] CARVALHO; FREIRE, op. cit., p. 17.
[82] Ibid., 17-18.
[83] DOTTI, René Ariel. “Carta para Maria Thereza” - Em Movimento Antiterror e a Missão da Magistratura. 2. ed. Curitiba: Editora Juruá, 2005. p. 25.
[84]GARLAND, 2003 apud CARVALHO; FREIRE, op. cit., p. 19-20.
[85] CARVALHO; FREIRE, op. cit., p. 22.
[86] Ibid., p. 22.
[87] BUSATO, Paulo César. Regime Disciplinar Diferenciado como Produto de um Direito Penal de Inimigo. Disponível em: <www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto861.rtf>. Acesso em 28 de set. 2011.
[88] CARVALHO; FREIRE, op. cit., p. 18.
[89] SARMENTO, op. cit., p. 27.
[90] BONAVIDES, op. cit., p. 279-280.
[91] SARMENTO, op. cit., p. 109.
[92] Ibid., p. 57.
[93] Ibid., p. 75.
[94] BARROSO, op. cit., p. 374-375.
[95] ALEXY, op. cit., p. 117.
[96] MENDES; COELHO; BRANCO, op. cit., p. 114.
[97] SARMENTO, op. cit., p. 87.
[98] Ibid., p. 88.
[99] MENDES; COELHO; BRANCO, op. cit., p. 322.
[100] SARMENTO, op. cit., p. 89.
[101] ALEXY, op. cit., p. 118.
[102] SARMENTO, op. cit., p. 90.
[103] Ibid., p. 99.
[104] Ibid., p. 104.
[105] BRASIL. Parecer CNPCP sobre RDD, op. cit., p. 14.
[106] SARMENTO, op. cit., p. 89-90.
[107] MOREIRA, Rômulo de Andrade. O Monstro RDD: É melhor chamar RDD de Regime Diferenciado da Desesperança. Disponível em: . Acesso em 06 de out. de 2011.
[108] MARCONDES, Pedro. Políticas Públicas orientadas à melhoria do sistema penitenciário brasileiro sob o enfoque da função da pena vinculada à função do Estado. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v. 43, ano 11, abril-junho de 2003. p. 248-260.
Analista judiciário do Tribual Regional FEderal da 1ª Região, Especialista em Direito Público (Uniderp Ahanguera), Graduado em Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Franklin Guliver. Regime disciplinar diferenciado à luz direitos humanos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 nov 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52432/regime-disciplinar-diferenciado-a-luz-direitos-humanos. Acesso em: 22 nov 2024.
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