SAMARA DREVEK (coautora): Acadêmica do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), campus Balneário Camboriú/SC
RESUMO: Este trabalho discorre sobre a possibilidade de os loteamentos fechados transitarem diretamente de irregulares para regulares à luz da lei 13.465/17. Para tanto, tratar-se-á do que se entende por condomínio e suas modalidades anteriores e posteriores à nova lei, bem como a relevância da regulamentação trazida como remédio para regulamentar tal situação. Os efeitos da transformação dos espaços públicos em privativos pelos loteamentos e condomínios fechados impactam na coletividade, no entanto deve ser analisado, o que leva a crescente progressão dessa modalidade de moradia. Será explanado acerca da eficiência dos novos dispositivos de regulamentação quanto à ilegalidade do fechamento dos espaços públicos, apresentando um comparativo da realidade e o direito, e sua harmonização.
Palavras-chave: Condomínio fechado. Loteamento fechado. Lei 13.465/17. Ilegalidade nos condomínios. Uso coletivo.
ABSTRACT: This paper discusses about the possibility of closed subdivisions passing directly from irregular to regular in the light of law 13.465/17. In order to do so, it will be understood what is meant by condominium and its modalities before and after the new law, as well as the relevance of the regulation brought as a remedy to regulate this situation. The effects of the transformation of the public spaces into private ones by the subdivisions and closed condominiums impact on the community, however it must be analyzed, which leads to the increasing progression of this modality of dwelling. It will be explained about the efficiency of the new regulatory mechanisms regarding the illegality of the closure of public spaces, presenting a comparative of reality and the law and their harmonization.
Keywords: Gated community. Allotment closed. Law 13.465/17. Illegality in condominiums. Collective use.
SUMÁRIO: Introdução; 1. O que se entende por condomínio/loteamento e quais modalidades existentes anteriores e posteriores à Lei 13.465/17; 2. Inovações da Lei 13.465/17; 3. A relevância da legalidade e ilegalidade do condomínio fechado inerente ao uso coletivo pela sociedade; 4. A regularização dos condomínios irregularmente fechados até o advento da Lei 13.465/17 se torna automático? 5. Da legalidade dessas modalidades de moradia pautada na lição de Hely Lopes Meirelles; Considerações finais; Referências.
Introdução
O objetivo do presente artigo é analisar a questão da legalidade e ilegalidade dos condomínios fechados, posto que eles representam grupos de pessoas que se unem ou compram unidades (imóveis) em loteamentos ou condomínios a fim de terem mais proteção, segurança, conforto e privacidade.
Sendo assim, serão abordadas as novidades trazidas pela Lei 13.465/17 acerca da regulamentação dos loteamentos fechados, tratando da nova modalidade de “loteamento de acesso controlado” e seus efeitos diante do debate da sua (i) legalidade.
Esta forma de moradia ocupa um espaço além dos lotes ou casas individuais, considerado público, que está disciplinado pela Lei 6.766/79 de parcelamento do solo urbano, e por isso se fala em privatização ilegal dos espaços públicos internos dos loteamentos e condomínios fechados.
Ademais será discorrido se essa modalidade de moradia que progride conjuntamente com a evolução das cidades, é realmente necessária tratar como circunstancia ilegal, uma vez que a maioria dos municípios não elaboram planejamento de urbanização adequados, capaz de acompanhar o crescimento da cidade. Nesse sentido, podemos afirmar que a busca de um direito pode violar outro, ou seja, a segurança almejada por uns, pode lesionar o direito de ir e vir de toda a coletividade, porém a realidade não harmoniza mais com as normas, tampouco é suficiente como os remédios legais trazidos pela nova Lei.
1. O QUE SE ENTENDE POR CONDOMÍNIO/LOTEAMENTO E QUAIS MODALIDADES EXISTENTES ANTERIORES E POSTERIORES À LEI 13.465/17
Inicialmente vamos diferenciar condomínio de loteamento como produtos imobiliários, é preciso seguir o que dispõe a legislação sobre o parcelamento do solo urbano, para se entender quanto a sua (i) legalidade.
O condomínio é regido pela Lei 4.591/64, e quem adquire um imóvel em condomínio fechado, adquire também frações das áreas comuns, como as vias internas e demais áreas de lazer, ou seja, o condomínio fechado num todo é privativo dos condôminos, que o mantém e o conservam na sua qualidade, podem ser de casas ou de prédios em termos imobiliários. Portanto, na qualidade de condomínio fechado, o acesso a não moradores é restrito, pois além do cercamento, pode implantar câmeras de segurança, portaria e contratar pessoal para tanto, sendo legal essa prática, conforme dispõe o parágrafo 2°, do artigo 1°, da Lei 4.591/64
§ 2º A cada unidade caberá, como parte inseparável, uma fração ideal do terreno e coisas comuns, expressa sob forma decimal ou ordinária. (Grifamos)
Nesses termos, os proprietários, promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários das unidades autônomas do condomínio devem formar uma convenção de condomínio, que por assembleia elaborada será votado um regimento interno, para administração do condomínio fechado.
O loteamento ou loteamento tradicional é regido pela Lei 6.766/79, que diferente do condomínio fechado, são lotes de uma gleba, individualizados e com matricula própria no registro de imóveis, desaparecendo a gleba original[1] quando se der o seu registro junto ao município, constará a subdivisão dessa gleba em lotes e em consequência dessa subdivisão se formara novas vias, praças e espaços livres, que legalmente passam a ser de domínio do município. Portanto o loteamento não pode ser fechado, eis que, por conterem espaços públicos, não pode ser restringido o acesso da coletividade, ainda que não moradores do loteamento.
De modo que a principal diferença do loteamento tradicional (Lei 6.766/1979) do condomínio fechado (4.591/1964), é exatamente esse fator, que exceto os lotes da gleba, o restante passa a ser domínio do município.
Posto isso, se faz necessário segregar as modalidades de condomínio existentes anterior a Lei 13.465/17, conforme leciona Carlos Eduardo Elias de Oliveira[2], existiam duas modalidades de condomínio, o “tradicional ou geral”, que está disposto no art. 1.314 e seguintes do Código Civil, e o condomínio “edilício”, que está disposto no art. 1.331 e seguintes do mesmo código, desde que observado o que não for contrário a Lei 4.591/64.
A primeira modalidade existente foi o condomínio tradicional/geral, disposto a partir do artigo 1.314 do Código Civil. Nesta modalidade, há a possibilidade de ser condômino tanto de bem móvel quanto imóvel, na qual cada condômino possui a fração/porcentagem ideal da coisa. Essa fração ideal tem poder econômico, podendo ser vendida, desde que dê a preferência aos outros condôminos, como estabelece a lei.
O condomínio edilício, por sua vez, só pode ser de bens imóveis, está disciplinado a partir do artigo 1.331 do Código Civil, no que não for contraditório ao disposto pela Lei nº 4.591/64. Nesta modalidade podemos citar os prédios, no qual cada condômino possui uma área privativa apenas de sua propriedade que são os apartamentos e as áreas que todos possuem ao mesmo tempo, conhecidas como áreas comuns, tal como o hall de entrada, corredores e espaços de lazer. Conforme disposto no Código Civil, a fração correspondente da área comum e do solo de cada condômino irá depender de quantos metros de área privativa exclusiva possui. Podemos dizer que há nessa modalidade uma situação propter rem[3], haja vista que quem adquirir a propriedade privativa também estará adquirindo as áreas comuns e a fração correspondente do solo, com elas também vem o dever de contribuir para as despesas de manutenção do condomínio, obrigação disposta no art. 1.336, inciso I, do Código Civil.
O condomínio edilício pode ser classificado em dois tipos, um deles é o condomínio horizontal, disposto no art. 8°, alínea “b”, da Lei 4.591/64, como exemplo já mencionado, os prédios/edifícios, que são divididos virtualmente por andares. E o outro é o condomínio vertical, disposto no art. 8°, alínea “a”, da Lei 4.591/64, em que ocorre a divisão verticalmente, ocorrendo essa modalidade nos condomínios de casas, ilustrados da seguinte forma:
Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário dêste ou o promitente cessionário sôbre êle desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte:
a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades;
b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação, aquela que eventualmente fôr reservada como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício, e ainda a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá a cada uma das unidades;
Com o advento da Lei 13.465/17, somou-se, duas novas modalidades com as mencionadas acima, o “condomínio de lotes” que está disposto no artigo 1358-A, do Código Civil (que foi incluído pela Lei 13.465/17, como nova Seção IV), e o “condomínio urbano simples”, disposto nos artigos 61 a 63, da Lei 13.465/17.
Contudo é válido ressaltar que loteamento não se confunde com condomínio como explanado inicialmente. A modalidade tratada simplesmente como “loteamento”, é a subdivisão de uma gleba não edificável em lotes edificáveis, conhecido como desmembramento, seguindo os termos da Lei 6.766/79, na qual, cria-se a abertura de vias internas, que anterior a Lei 13.465/17, outorgavam como públicas, contrário ao “loteamento fechado”, que há o cercamento dessas vias, daí a questão que desperta o debate acerca da (i) legalidade deste cercamento em detrimento sobre quem pode acessá-las, pois em determinado momento eram públicas e em outro passaram a ser privadas.
Com relação ao condomínio urbano simples, é a divisão de um mesmo imóvel em unidades autônomas de determinado lote, contudo as vias internas de acesso desse empreendimento já são de propriedade dos particulares, que de certo modo há também um debate em torno dessa modalidade, entretanto é sobre quais são os rigores urbanísticos e ambientais para a autorização de um empreendimento como condomínio urbanístico e a sua regularização com o advento da Lei 13.465/17.
2. INOVAÇÕES DA LEI 13.465/17
Conforme exposto acima, com o advento da Lei 13.465/17, há duas novas modalidades de condomínio, o de lotes e o condomínio urbano simples. O condomínio de lotes que na realidade não é uma inovação, uma vez que tal modalidade já progredia mesmo sem o amparo legal e despertando insegurança jurídica, pois até então apenas tinha-se a Lei 6.766/79, que trata do parcelamento do solo urbano, portando essa modalidade carecia de regulamentação ao que é praticado, eis que ignorava o disposto na legislação, cabendo destacar a frase lembrada por José Vicente Santos de Mendonça[4] do jurista francês George Ripert, “quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito”, ao passo que a realidade não mais harmonizava com o direito e daí a necessidade da regulamentação trazida pela nova lei, para regulamentar o desordenado crescimento dos condomínios fechados que até então não tinha respaldo legal, a não ser o disposto na Lei 6.766/79.
Uma das inovações é o que dispõe a nova seção IV do capitulo VII, do Código Civil, incluído pela nova lei, o artigo 1.358-A:
Art. 1.358-A. Pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos.
§ 1º A fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição.
§ 2º Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes o disposto sobre condomínio edilício neste Capítulo, respeitada a legislação urbanística. (Grifamos)
§ 3º Para fins de incorporação imobiliária, a implantação de toda a infraestrutura ficará a cargo do empreendedor. (Grifamos)
Observa-se que o dispositivo legal regulamenta subsidiariamente o “condomínio de lotes” tendo como parâmetro as normas que regem o condomínio edilício. Outra observação que vale evidenciar é o destacado no § 3º do artigo acima citado, onde dispõe que toda implantação de infraestrutura é de encargo do empreendedor, podemos dizer que essa obrigação imposta pela Lei desarma a defendida “ilegalidade” dos condomínios fechados, em suma se ao empreendedor lhe é pertinente arcar com a implantação de toda infraestrutura, é natural que a manutenção posteriormente seja transferida a encargo dos compradores desses lotes, desta feita o condomínio fechado entende-se vestido de legalidade, sendo implantado, mantido e conservado com recursos particulares.
Não obstante, essa nova regulamentação é apenas o aval do que já se praticava no cenário imobiliário, que certa forma era ignorada a Lei 6.766/79, precisamente o artigo 22. E as manobras para vestir de legalidade os loteamentos fechados de lotes ou de casas, são o reflexo da falta de planejamento urbano das cidades, abrindo espaço para que a iniciativa.
Ocorre que a nova lei também incluiu o parágrafo 8°, no art. 2º da Lei 6.776/79, que regulamenta expressamente o “loteamento de acesso controlado”, modalidade específica a ser regulamentada por cada município[5]. Assim, o controle de acesso passa a ser permitido, mas o acesso a não moradores não pode ser impedido, desde que estes sejam devidamente cadastrados e identificados.
Convém mencionar que essas importantes inovações devem ser regulamentadas por cada município, pois cabe ao poder público municipal tratar do planejamento urbano das cidades.
Já o condomínio urbano simples é uma nova modalidade que regulamenta os núcleos informais urbanos, disposto nos arts. 61 a 63, da Lei 13.465/17, paralelo ao condomínio edilício, porém é isento de algumas formalidades, pois esses núcleos urbanos em geral são simples e pequenos, ou seja, são terrenos individuais em que há mais de uma construção, e em cada construção mora um núcleo familiar, de maneira simples e sem um planejamento ideal de condomínio, por esse motivo, para sua regularização, é dispensável uma convenção de condomínio.
Para a regularização do condomínio urbano simples, devem ser observados alguns requisitos, sendo um deles a necessidade de que as unidades devam ter acesso autônomo, não podendo uma mesma casa ou apartamento terem o mesmo acesso e no interior serem divididos os quartos por exemplo, e também só se enquadra nessa modalidade os imóveis edificados em mais de uma unidade autônoma, popularmente conhecido como “casa nos fundos” ou “puxadinho”. Destaca-se que deve haver entre essas unidades autônomas o acesso individual, pois assim tem-se a funcionalidade somado à necessidade de regularização dos núcleos informais urbanos.
3. a relevÂncia da legalidade e ilegalidade do condomínio fechado inerente ao uso coletivo pela sociedade
Os loteamentos fechados, também conhecidos como condomínios atípicos, são considerados como irregulares pelo fato De serem cercamento, impedindo que pessoas que não residam no condomínio possam acessar o local, pois geralmente é implantando portaria e contratado funcionários para realizar tal impedimento, o que causa controvérsias a respeito da (i)legalidade desses condomínios fechados, eis que esse controle impede os não moradores de utilizar os espaços internos que são públicos e que em determinado momento se fizeram privativos, ostentados como irregulares, ignorando o disposto pela Lei 6.766/79:
Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo. (Grifamos)
Portanto, as áreas comuns de determinado condomínio fechado, mesmo que consideradas pelos moradores como privativas inerentes ao cercamento do condomínio, na realidade são públicas, porque no momento do registro do loteamento são estipuladas as “áreas comuns”, que legalmente passam a ser públicas, ou seja, de domínio do município, conforme estabelecido no artigo 22, da Lei 6.766/79.
No Brasil, as pessoas têm o direito de ir e vir e o direito à propriedade, ambos os direitos tem ampla relação com o condomínio fechado, visto que ao garantir o direito à propriedade está ferindo o direito de ir e vir a toda a sociedade que não faz parte do condomínio fechado.
Os que acreditam que ocorre a violação ao direito de ir e vir nos condomínios fechados defendiam a sua ilegalidade, pois entendia-se que as vias e praças localizadas no seu interior devem ser de acesso a todos por serem de domínio público.
Todavia, se para conservar e manter essas vias e praças fossem utilizados unicamente do dinheiro dos condôminos, seria justo que os apenas os condôminos pudessem decidir, à sua maneira, como utilizar o espaço. Ocorre que, se para a construção ou manutenção dessas áreas comuns derivassem de verba pública, nada mais justo do que deixar todas as pessoas circularem livremente.
Desta forma, de acordo com a legislação à época, era inegável que as vias internas, praças e áreas de lazer dos condomínios fechados são de domínio do município, compreendendo ser áreas públicas que afetam o interesse público, sendo ilegal a apropriação desses espaços pelos moradores do condomínio, violando o direito de mobilidade da coletividade.
Anterior à Lei 13.465/17, não havia regulamentação capaz de legitimar tanto os interesses como os efeitos dos condomínios fechados. Conforme lecionou Hely Lopes Meirelles[6], 17 anos antes da Lei 13.465/17:
‘Loteamentos especiais’ estão surgindo, principalmente nos arredores das grandes cidades, visando a descongestionar as metrópoles. Para esses loteamentos não há, ainda, legislação superior específica que oriente a sua formação, mas nada impede que os Municípios editem normas urbanísticas locais adequadas a essas urbanizações. E tais são os denominados ‘loteamentos fechados’, ‘loteamentos integrados’, ‘loteamentos em condomínio’, com ingresso só permitido aos moradores e pessoas por eles autorizadas e com equipamentos e serviços urbanos próprios, para auto-suficiência da comunidade. Essas modalidades merecem prosperar. Todavia, impõe-se um regramento legal prévio para disciplinar o sistema de vias internas (que em tais casos não são bens públicos de uso comum do povo) e os encargos de segurança, higiene e conservação das áreas comuns e dos equipamentos de uso coletivo dos moradores, que tanto podem ficar com a Prefeitura como com os dirigentes do núcleo, mediante convenção contratual e remuneração dos serviços por preço ou taxa, conforme o caso. (grifamos)
No excerto, Meirelles aborda o constante crescimento dos condomínios fechados como modalidade de moradia diante da evolução das cidades, como também simpatiza com essa modalidade e destaca que ela merece prosperar, porém com a devida regulamentação em lei.
E com a novel Lei 13.465/17, ocorreu a almejada regulamentação, trazendo alterações relevantes para essa matéria, tal como o “loteamento de acesso controlado”, modalidade nova que carecia de normas especificas para se adequar à nova realidade. Pode-se dizer que foi uma novidade a fim de “corrigir” a situação de irregularidade dos condomínios fechados.
Outro ponto relevante do texto de Meirelles que merece destaque, é “que em tais casos não são bens públicos de uso comum do povo”, nota-se que autor entende não ser bens públicos as vias internas do condomínio, porém entende ser a cargo do município ou dos moradores do condomínio as desepesas de manutenção das mesmas. Contudo não se tem como justo que as despesas sejam facultativas, para um ou para outro, visto que, se é entendido que tais vias internas não são públicas, mas englobam todo o empreendimento e são portanto privadas, devem então seguir o principal em relação as despesas de manutenção do condomínio fechado, observando-se nessa situção a obrigação propter rem, restando a responsabilidade aos condôminos de conservação as vias internas do condomínio em qualquer modalidade que seja.
A legalidade garante o direito à propriedade, em detrimento do direito de ir e vir. Essa prática de se cercar cada vez mais casas e lotes, é o reflexo da sociedade atual em que vivemos, onde há insegurança e criminalidade, o que de certa forma acaba violando o direito de segurança e livre circulação, em razão do condomínio fechado trazer uma segurança maior para os condôminos que optaram por adquirir um imóvel nessas configurações.
Por todas estas razões, se pode dizer que é de grande relevância a legalidade e ilegalidade do condomínio fechado, sendo que, tanto tornando legal quanto tornando ilegal se estará violando um direito para garantir outro.
4. A REGULARIZAÇÃO DOS CONDOMINIOS IRREGULARMENTE FECHADOS ATÉ O ADVENTO DA LEI 13.465/17 SE TORNA AUTOMATICO?
É importante esclarecer que se os inúmeros loteamentos fechados que estão irregulares podem ser alterados para condomínios de lotes com base na inovação trazida pela Lei 13.465/17, na modalidade de acesso controlado.
Os loteamentos fechados em situação irregular anteriores à nova lei, não estão automaticamente legalizados conforme o disposto no § 8° do artigo 2°, da Lei 6.766/79, incluído pela Lei 13.465/17, a saber:
Art. 2º. [...]
§ 8° Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do § 1o deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados. (Grifamos)
A legalidade dos loteamentos fechados irregulares anteriores à modalidade de que trata o referido parágrafo devem passar pelo procedimento administrativo junto ao município, a fim de se obter a expressa autorização e regulamentação do poder público, mediante análise das condições desses loteamentos fechados.
E neste panorama, ocorre duas situações, e para ambas o caminho para a legalidade é distinto, sendo uma o loteamento formalmente constituído e a outra o loteamento fechado irregular.
O loteamento formalmente constituído[7] poderá ser convertido em condomínio de acesso controlado somente pela concordância de todos os titulares dos lotes e o município deve conceder a propriedade das áreas públicas ao loteamento (ressaltando-se que no momento em que foi constituído o loteamento, as vias, praças e demais áreas de lazer passaram a ser bens públicos, conforme o art. 22, da Lei 6.766/79), só então os titulares desses lotes podem requerer ao poder público a autorização para o controle de acesso de qualquer pessoa e veículo que não sejam moradores ou titulares de lotes, passando de loteamento tradicional para a modalidade de condomínio de acesso controlado, ou seja, passa a ser um loteamento fechado, revestido de legalidade.
Entretanto, conforme abordou Carlos Eduardo Elias de Oliveira[8]:
A grande desvantagem, porém, desse arranjo imobiliário é que nenhum titular de lote é obrigado a contribuir financeiramente com as despesas havidas por eventual associação de moradores em proveito da coletividade, conforme decisão do STJ (que, a nosso sentir, é acertada).
O loteamento fechado irregular, são os loteamentos em que o empreendedor não providenciou, em primeiro lugar, a aprovação administrativa do projeto de loteamento[9], visto que o projeto deve atender à legislação federal e municipal, cabendo ao município em que se localiza o loteamento verificar e aprovar tal projeto, que posteriormente, no registro de imóveis, verificada a regularidade imobiliária do loteamento, é averbado na matrícula, com a discriminação de cada lote, bem como, a abertura de vias, praças e demais áreas livres.
No caso, é perfeitamente possível os loteamentos fechados irregulares serem legalizados pela constituição de um loteamento de acesso controlado, dependendo apenas do município, contudo, para a legalização, se os lotes não estiverem em nome dos titulares, será preciso que lhes seja transmitido, o que poderá ocorrer pela legitimação fundiária de acordo com art. 23, da Lei 13.465/2017, usucapião ou negócio jurídico de transferência de imóvel.
5. DA LEGALIDADE DESSAS MODALIDADES DE MORADIA PAUTADA NA LIÇÃO DE HELY LOPES MEIRELLES
No decorrer no presente trabalho, citou-se da obra de Hely Lopes Meirelles, que, antes mesmo da edição da Lei 13.465/2017, manifestava-se acerca da legalidade desses empreendimentos e incorporações imobiliárias, cuja posição merece destaque, ainda que destoante com o entendimento legal à época.
A Lei 6.766/79, disciplina que ao promover um loteamento fechado, as vias internas e demais espaços (comuns) são automaticamente de titularidade do município onde se localiza o empreendimento. No entanto, não parece adequado e justo que, em que pese o empreendedor e, posteriormente, os próprios condomínios tenham a obrigação de pavimentar, edificar e conservar referidos espaços “livres”, tidos pela lei como públicos, seja de propriedade do ente público, que a qualquer momento e ao seu próprio arbítrio poder cessar a concessão, gozar e dispor do bem.
Fere-se sobremaneira direito constitucional da propriedade, previsto no art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal, bem como a propriedade propter rem, pois se a propriedade é de todos, a todos cabe zelar por ela.
Se a busca dos promitentes compradores por esses imóveis dá-se justamente pela maior segurança, conforto e liberdade, é porque o próprio poder público deixa a desejar nessas áreas, refletindo a evolução desenfreada das cidades, do não planejamento urbano e do sentimento de cárcere da população em geral, diante da violência que assola o pais.
No mais, vale lembrar que a legislação que trata da matéria é arcaica, dos tempos do ultranacionalismo do regime militar, que na época até poderia justificar esse tipo de iniciativa legislativa, mas que hoje não subsiste.
Sendo assim, vê-se que a Lei 13.465/2017, com grande acerto, veio dizimar essa interpretação equivocada do instituto condominial, conferindo, de forma justa, a propriedade do bem a quem realmente lhe pertence.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É visível o crescimento dos loteamentos/condomínios fechados como um fenômeno social, à medida que as cidades evoluem e tudo que há em torno dela também se desenvolve.
No presente artigo foi abordado a questão dos condomínios fechados e da sua (i) ilegalidade, importando mencionar que a legislação é por vezes confusa e com lacunas que propiciam a ladinagem de alguns empreendedores para burlar a lei ou nesse caso, a falta dela.
Em razão disso, anterior a Lei 13.465/17, buscavam-se meios na Lei 4.591/64, a fim de disfarçar a ilegalidade dos loteamentos fechados.
A Lei 13.465/17 trouxe a regulamentação para os loteamentos fechados, com objetivo de regularizar os lotes ou imóveis em condomínios fechados comercializados sobre a propaganda de garantia da privacidade ostentando conforto e segurança aos condôminos mediante portaria, área de lazer, entre outras infraestruturas e comodidades, que configuram em privatização de espaços de domínio público, que seriam de uso da coletividade.
Todavia pelo presente artigo notou-se que ainda é insuficiente as inovações trazidas pela referida lei, eis que a nova modalidade, o loteamento de acesso controlado, continua sujeito aos termos da legislação, os condomínios e loteamentos fechados anterior a lei devem ser regularizados, ou seja, não mudará, continuaram a ser o que são, a nova lei é o que podemos chamar de um remédio para tal ilegalidade, e novos empreendimentos terão apenas que se adequar conforme o disposto novel legislação, pois já serão constituídos pela nova modalidade de loteamento de acesso controlado.
Imaginamos a ideia de que as cidades são de certa forma um grande condomínio, onde os imóveis individualizados representam condôminos e as fronteiras com as demais cidades são os limites desse condomínio, toda a coletividade tem obrigação de pagar taxas e impostos para manter, conservar e melhorar a cidade onde vivem, bem como, tem o dever de zelar por ela e o direito de usufruir dos espaços livres, as vias, logradouros e áreas de lazer, porém pessoas de “fora” de outras cidades também podem circular livremente pela cidade, como também desfrutar dos espaços livres.
Bem nessa situação hipotética, as pessoas da cidade ou desse “grande condomínio” poderiam desejar que fosse controlado o acesso de qualquer pessoa de fora da cidade, almejando maior segurança e conforto na mobilidade urbana, o que nos leva ao ponto de discussão do presente artigo, é ilegal esse cercamento em detrimento de toda a coletividade? Com os espaços públicos passando a ser privatizados sim, esse fechamento se torna ilegal, porém se houvesse uma lei que regulamentasse tal fechamento, poder-se-ia controlar o acesso das pessoas de fora.
Foi exatamente o que ocorreu com os loteamentos e condomínios fechados, o advento da Lei 13.465/17, regulamenta o acesso controlado de pessoas não moradoras dos lotes ou casas de determinado condomínio, mas como mencionado, tal dispositivo legal nos parece ainda ser insuficiente para encerrar o debate em torno da legalidade dos condomínios fechados, há muitos remédios em forma de leis, mas sem o devido planejamento a longo prazo, pois é notório a falta de planejamento urbano nas cidades, causando incerteza de como estará a mobilidade urbana no futuro.
Referências
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[6] in Direito Municipal Brasileiro. 11 ed. São Paulo: PC Editora, 2000. pp.
[7] OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Novidades da Lei nº 13.465/2017: o condomínio de lotes, o condomínio urbano simples e o loteamento de acesso controlado. Jusbrasil, 17 de julho de 2017. Disponível em . Acessado em 17nov2018.
[8] in Novidades da Lei nº 13.465/2017: o condomínio de lotes, o condomínio urbano simples e o loteamento de acesso controlado. Jusbrasil, 17 de julho de 2017. Disponível em . Acessado em 17nov2018.
[9] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 4. v. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 101.
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