RESUMO: O Sistema Tributário Brasileiro arrola as taxas dentre as espécies tributárias, as quais visam remunerar a prestação de um determinado serviço público divisível ou custear a atividade de polícia administrativa. Dentre as taxas, o Estado do Rio de Janeiro instituiu a denominada Taxa de Incêndio, a qual não atende os requisitos legais para se manter hígida dentro do Sistema Tributário à luz da matriz constitucional e legal.
PALAVRAS-CHAVE: Taxa de Incêndio. Inconstitucionalidade. Posição atual do Supremo Tribunal Federal.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Inconstitucionalidade da Taxa de Incêndio do Estado do Rio de Janeiro. 3. Conclusão. 4. Referências bibliográficas.
1. Introdução:
A Taxa de Prevenção e Extinção de Incêndio, exigida pelo Estado do Rio de Janeiro, tem como fato gerador o serviço de prevenção e extinção de incêndio, prestado ou colocado à disposição de unidades imobiliárias de utilização residencial ou não-residencial, ocupadas ou não, consoante expressa disposição do art. 1° do Decreto n. 3.856/80, in verbis:
Art. 1º - Constituem fato gerador da taxa de serviços de prevenção e extinção de incêndio, prestados ou colocados à disposição de unidades imobiliárias de utilização residencial ou não-residencial, ocupadas ou não.
Parágrafo único – Considera-se unidade imobiliária qualquer espécie de construção de utilização residencial ou destinada ao exercício de atividade comercial, produtora, industrial e prestadora de serviço.
Consoante a disposição regulamentar acima transcrita, trata-se de uma taxa instituída em razão da prestação de serviço público efetivo ou potencial prestado à população fluminense, lastreado, em tese, na regra do artigo 77 do Código Tributário Nacional e no artigo 145 da Constituição Federal de 1988.
Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas.
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
Como se demonstrará abaixo, a Taxa em comento não preenche os requisitos legais e constitucionais para ser exigida, à luz do Sistema Tributário Brasileiro.
2. Inconstitucionalidade da Taxa de Incêndio do Estado do Rio de Janeiro.
A taxa de incêndio foi instituída para custear o serviço público prestado ou colocado à disposição pelo Estado do Rio de Janeiro, através do Corpo de Bombeiros, dirigido à extinção e à prevenção de incêndios, em unidades imobiliárias residenciais ou não, ocupadas ou não.
Definido o fato gerador desta taxa (art. 1° do Decreto n. 3.856/80), passa-se à identificação dos contribuintes, cuja definição está descrita no art. 3º do Decreto n. 3.856/80, sendo que, no referido dispositivo legal, considera-se contribuinte da taxa: o proprietário, o titular do domínio útil ou o possuidor, a qualquer título.
No que tange ao seu aspecto temporal, vale dizer que a taxa é exigida, anualmente, pelo Estado do Rio de Janeiro, na forma do art. 7º do Decreto n. 3.856/80.
Em que pese a presunção de legalidade desta exação, a qual vem sendo exigida pelo Estado do Rio de Janeiro, por décadas, afigura-se importante destacar a possibilidade de questionamento judicial deste tributo, como consectário da sua inconstitucionalidade.
A Jurisprudência do Eg. Supremo Tribunal Federal oscilou, no curso dos anos, sobre a constitucionalidade das denominadas Taxas de Incêndio instituídas pelos Estados da Federação, sendo exemplo dessa instabilidade a edição e a revogação da Súmula 274 (STF), abaixo transcrita:
“É inconstitucional a taxa de serviço contra fogo cobrada pelo Estado de Pernambuco”.
Com efeito, a discussão sobre a constitucionalidade destas taxas estaduais girava em torno de dois aspectos: (i) divisibilidade do serviço; (ii) possibilidade de se custear atividade de segurança pública mediante taxa.
Essa instabilidade na compreensão sobre a validade desse tributo, notadamente no Estado do Rio de Janeiro, também não passou ao largo da análise do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Esse Tribunal de Justiça Fluminense, em diversas oportunidade, chancelou a constitucionalidade desta taxa, contudo, sob a perspectiva da disponibilidade do serviço custeado pela exação.
A propósito, esse foi o entendimento defendido na Apelação n. 0097951-74.2009.8.19.0001, relatada pelo Exmo. Des. Edson Aguiar de Vasconcelos, julgada em 04/10/2017 pela 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
“É legítima a cobrança da referida taxa, em razão da prevenção, combate e extinção de incêndios, disponibilizados à população pelo Estado, independente do seu uso efetivo”.
No âmbito da Corte Fluminense, esta posição também foi perfilhada pela 12ª Câmara Cível, consoante se verifica da apelação n. 0003716-02.2007.8.19.0029, relatada pelo Exmo. Des. Jaime Dias Pinheiro Filho:
“É legítima a cobrança da referida taxa, em razão da prevenção, combate e extinção de incêndios, disponibilizados à população pelo estado, independente do seu uso efetivo”.
Em que pese a estabilização da temática na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, vale realçar a tendência de alteração desse cenário, como consectário da projeção do recente entendimento do Eg. Supremo Tribunal Federal sob a matéria.
Isso porque, em dezembro de 2017, o Eg. Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n. 643.247/SP, com repercussão geral reconhecida, de relatoria do Exmo. Ministro Marco Aurélio.
Na ocasião do julgamento deste Recurso Extraordinário, cuja ementa segue abaixo transcrita, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese em repercussão geral: "A segurança pública, presentes a prevenção e o combate a incêndios, faz-se, no campo da atividade precípua, pela unidade da Federação, e, porque serviço essencial, tem como a viabilizá-la a arrecadação de impostos, não cabendo ao Município a criação de taxa para tal fim".
TAXA DE COMBATE A INCÊNDIO – INADEQUAÇÃO CONSTITUCIONAL. Descabe introduzir no cenário tributário, como obrigação do contribuinte, taxa visando a prevenção e o combate a incêndios, sendo imprópria a atuação do Município em tal campo.
Ou seja, prevaleceu na Corte Constitucional o entendimento de que a atividade exercida pelo Corpo de Bombeiros relativa ao combate e à prevenção a incêndios constitui atividade de segurança, à luz do art. 144, inc. V, da Constituição Federal:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
E, por conta disso, o Pretório Excelso interpretou a taxa referida como serviço público geral e indivisível, devendo ser custeada pelo pagamento de impostos, sendo inconstitucional a exigência de taxa para esse fim.
É o que se extrai do voto do Exmo. Ministro Marco Aurélio, relator do Recurso Extraordinário em comento:
“Repita-se à exaustão – atividade precípua do Estado é viabilizada mediante arrecadação decorrente de impostos, pressupondo a taxa o exercício do poder de polícia ou a utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à disposição. Nem mesmo o Estado poderia, no âmbito da segurança pública revelada pela prevenção e combate a incêndios, instituir validamente a taxa, como proclamou o Supremo, embora no campo da tutela de urgência”.
Nota-se que a taxa de incêndio instituída pelo Estado do Rio de Janeiro foi editada, exatamente, para custear serviço de segurança, conforme se depreende, inclusive, do Anexo II do Código Tributário do Estado do Rio de Janeiro (Dec. Lei n. 5/75, Anexo II – Taxas de Segurança e Censura - item 12).
Fixada essa premissa, cabe pontuar que, embora a questão tenha sido decida em Recurso Extraordinário – ainda pendente de trânsito em julgado -, submetido à repercussão geral, com referência específica à taxa de incêndio municipal instituída pela capital do Estado de São Paulo, fato é que a tese fixada se projeta para todas as demais taxas instituídas pelos entes federativos para custear a atividade de prevenção e combate a incêndios.
Afirma-se com fincas na possibilidade de aplicação da transcendência dos motivos determinantes para projetar as razões de decidir e, com isso, questionar a constitucionalidade de todos os demais diplomas normativos que instituem taxas similares.
Essa possibilidade, aliás, ganha contornos de maior relevância pela recente alteração jurisprudencial do STF sobre os efeitos do julgamento realizado em Recurso Extraordinário. No ponto, a Corte Constitucional passou a abraçar a tese, antes minoritária, defendida pelo Exmo. Ministro Gilmar Mendes tocante à mutação constitucional do art. 52, inc. X, da Constituição Federal de 1988.
Explica-se: quando do julgamento da ADI n. 3.406, o STF passou a adotar a teoria da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, outorgando-lhe efeitos vinculantes e erga omnes, objetivando, com isso, a tese fixada em recurso extraordinário submetido à sistemática da repercussão geral, autorizando sua projeção para discussões com o mesmo pano de fundo.
Outrossim, a probabilidade de manutenção do entendimento sobre a inconstitucionalidade da taxa de incêndio é corroborada pela nova disciplina processual que impõe aos Tribunais o dever de uniformizar sua jurisprudência e mantê-la íntegra, estável e coerente (art. 926 do CPC-15).
Embora tal regra não vincule o Supremo Tribunal Federal, esse dispositivo constitui uma diretriz para o órgão julgador e figura como critério de persuasão para a manutenção do entendimento então fixado, notadamente à luz da juridicidade e da legítima expectativa.
3. Conclusão
Destarte, considerando a recente visão do Eg. Supremo Tribunal Federal sobre a matéria – inserção a atividade de combate ao incêndio no âmbito da segurança pública, não sendo passível de cobrança através de taxa -, conclui-se pela inconstitucionalidade da Taxa de Prevenção e Extinção de Incêndio, exigida pelo Estado do Rio de Janeiro, sendo, por essa razão, possível a apresentação de demandas judiciais visando a repetição do indébito tributário e a declaração de inexistência de relação jurídica tributária.
4. Bibliografia
http://www.dgf.rj.gov.br/legislacoes/Decretos_Estaduais/Dec_Est_N_03856.pdf (Decreto n. 3.856/80, acessado em 26/02/2019)
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172.htm (CTN, acessado em 26/02/2019)
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm (Constituição Federal de 1988, acessado em 26/02/2019)
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=1550 (Súmula 274 do STF, acessado em 26/02/2019)
http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=201700154744 (Apelação n. 0097951-74.2009.8.19.0001 – TJRJ, acessado em 26/02/2019)
http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=201700144354 (Apelação n. 0003716-02.2007.8.19.0029 – TJRJ, acessado em 26/02/2019)
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4084500 (Recurso extraordinário n. 643.247/SP - STF, acessado em 26/02/2019)
http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/decest.nsf/c8ea52144c8b5c950325654c00612d63/3997a1158a18789d03256aee00647cd6?OpenDocument (Dec. Lei n. 5/75, acessado em 26/02/2019)
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2272225 (ADI n. 3.406 – STF, acessado em 26/02/2019)
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm (CPC-15, acessado em 26/02/2019)
Advogado de sociedade de economia mista federal, formado na UniverCidade com especialização em Direito Tributário junto à Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VELLAME, Daniel de Souza. Inconstitucionalidade da Taxa de Incêndio do Estado do Rio de Janeiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 fev 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52696/inconstitucionalidade-da-taxa-de-incendio-do-estado-do-rio-de-janeiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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