THALITA TOFFOLI PÁEZ
(Orientadora)
RESUMO: Tendo em vista o grande progresso do direito de família e seus novos paradigmas, pesquisa-se sobre a filiação socioafetiva e a admissão da multiparentalidade, a fim de mostrar que com essa evolução, a família não mais se prende ao seu modelo patriarcal, e destacando a relação de afeto presente nesse meio. Para tanto, é necessário iniciar o estudo acerca do contexto de família e sua evolução histórica, a grande importância do afeto dentro das relações familiares e a efetivação da multiparentalidade. Realiza-se, então, uma pesquisa bibliográfica. Diante disso, verifica-se que atualmente o afeto é a base do relacionamento familiar, que pais socioafetivos muitas vezes dão mais apoio e atenção aos filhos do que próprios os pais biológicos e também a possibilidade do menor ter mais de um pai ou mãe no registro de nascimento, sendo um biológico e outro socioafetivo, denominando-se a multiparentalidade, o que impõe a constatação de que os laços constituídos pelo afeto devem ser valorizados da mesma forma que os laços sanguíneos, gerando também direitos e deveres jurídicos equivalentes.
Palavras-chaves: Direito Civil. Multiparentalidade. Afeto.
ABSTRACT: In view of the great progress of family law and its new paradigms, research on socio-affective affiliation and the admission of multiparentality, in order to show that with this evolution, the family no longer clings to its patriarchal model, and highlighting the relationship of affection present in this environment. To do so, it is necessary to start the study about the family contexto and its historical evolution, the great importance of affection within family relations and the realization of multiparentality. A bibliographic search is carried out. Given this, it is verified that affection is currently the basis of family relationships, that socio-affective parents often give more support and attention to the children than the biological parents themselves and also the possibility of the minor having more than one parente in the birth record, being one biological and another socioaffective, denominating the multiparentality, which establishes that the bonds formed by affection should be valued in the same way as blood ties, also generating equivalent rights and legal duties.
Keywords: Civil Right. Multiparentality. Affection
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONCEITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO. 2.1. Novos paradigmas da família. 3. A AFETIVIDADE E O VÍNCULO SANGUÍNEO. 4. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. 5. MULTIPARENTALIDADE. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
Uma grande evolução incidiu no direito de família, habituando-se assim com as mudanças que ocorrem constantemente na sociedade. Com toda essa evolução das relações sociais, o padrão familiar não mais se sobrepõe à realidade contemporânea. Deste modo, faz-se necessária a observação desses novos modelos familiares, com destaque nas famílias reconstituídas ou recompostas, que é formada por um dos pais biológicos que se relacionam com outra pessoa e consequentemente levam seus filhos para esse outro relacionamento, onde é criado um novo laço afetivo.
Levando em consideração esse contexto, o presente trabalho aborda o relacionamento entre pais e filhos socioafetivos, a multiparentalidade e a possibilidade de constituir novos tipos de família, não ficando preso ao paradigma de que família precisa necessariamente possuir vínculo biológico. Dito isso, o presente estudo traz a seguinte questão do problema: o que é realmente importante para uma boa convivência familiar, laço sanguíneo ou o afeto? É possível ter dois pais ou duas mães no registro de nascimento?
O estudo trabalha com a possibilidade de possuir o estado de filiação decorrente da socioafetividade, o que é estabelecido entre o filho e quem assume os deveres de paternidade, e tem intuito de mostrar que a filiação socioafetiva é tão importante quanto à biológica, e merece proteção e ter todos seus direitos resguardados, inclusive a impossibilidade de ser desconstituída. Juntamente com a admissão da multiparentalidade.
Muitos ainda não tem o conhecimento de que podem formar uma família que foge do comum, do tradicional, e ter a noção sobre isso é de grande importância, pois muitas vezes, grande parte da sociedade, mantém um relacionamento familiar não saudável por falta de conhecimento. A maioria acredita que o vínculo familiar só depende da relação consanguínea, o que não é verdade, pois a fórmula para um bom convívio é encontrada no afeto. O afeto une as pessoas, tornam as relações mais duradouras e ainda garante a felicidade de todos pertencentes àquele meio. O laço sanguíneo acaba sendo um mero detalhe. E além de tudo isso, há a possibilidade de ter um pai ou mãe socioafetivo, sem precisar tirar o nome do pai ou mãe biológico do registro.
A metodologia utilizada foi através de doutrinas, artigos bibliográficos, casos concretos para que as informações sobre o tema discutido ficassem mais precisas.
Inicialmente o trabalho irá analisar a evolução do conceito de família dentro do direito brasileiro. Logo após entrando na questão dos novos paradigmas de família, levando em consideração seus diversos tipos. Em seguida irá abordar o vínculo sanguíneo e a importância da afetividade nas relações familiares. E por fim, nas duas últimas seções, irá tratar sobre o relacionamento socioafetivo, como ele é caracterizado, a impossibilidade de desconstituir ele após o registro e posteriormente entrando na questão da multiparentalidade.
A família sempre foi vista como uma base de sustentação da sociedade, onde a religião e a moral estão sempre presentes. O que tem evoluído com o tempo é a forma em que ela é constituída e seu conceito.
Pela doutrina de Maria Berenice Dias:
Em uma sociedade conservadora, para merecer aceitação social e reconhecimento jurídico, o núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal. Necessitava ser chancelado pelo que se convencionou chamar de matrimônio. A família tinha formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Tratava-se de uma entidade patrimonializada, cujos membros representavam força de trabalho. O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. (DIAS, 2015, p. 48)
O Código Civil de 1916 conduzia a família do início do século passado, a qual era formada apenas pelo matrimônio. Não era permitido a dissolução e havia uma grande distinção entre seus membros. Casais, que se uniam sem celebrar o casamento, e seus filhos, sofriam discriminação. Vínculos extramatrimoniais e filhos ilegítimos eram privados de seus direitos, como leciona Maria Berenice Dias (2015, p. 51): “As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos, na vã tentativa da preservação da família constituída pelo casamento”.
Carlos Roberto Gonçalves (2018) também leciona que, anteriormente, os filhos extramatrimoniais eram considerados como ilegítimos e não tinham sua filiação assegurada pela lei, podendo estes serem naturais ou espúrios. Naturais quando os pais não tinham impedimentos parar contraírem as núpcias, podendo estes serem reconhecidos e legitimados apenas depois do casamento dos pais. Já os espúrios, eram filhos de pais que possuíam impedimento matrimonial, por razão de parentesco, afinidade ou casamento anterior. Hoje não mais existe distinção entre filhos, sejam eles legítimos ou não, todos devem ser tratados da mesma forma, não importando se foram concebidos dentro ou fora do casamento, ou se foram adotados, todos são filhos genuínos.
Conforme consta da doutrina de Maria Berenice Dias:
A mudança da sociedade e a evolução dos costumes levaram a uma verdadeira reconfiguração, quer da conjugalidade, quer da parentalidade. Assim, expressões como família marginal, ilegítima, espúria, impura, adulterina, informal, não mais servem, pois trazem um ranço discriminatório e estão banidas do vocabulário jurídico. Não podem ser utilizadas, nem com referência às relações afetivas, nem aos vínculos parentais. Seja em relação à família, seja no que diz respeito aos filhos, não mais se admite qualquer adjetivação. (DIAS, 2015, p. 132)
O conceito de família, no geral, é bem restrito, denominando que ela é composta pelos pais e seus filhos, embora nem sempre seja especialmente dessa maneira. Nesse conceito, Carlos Roberto Gonçalves:
Trata-se de instituição jurídica e social, resultante de casamento ou união estável, formada por duas pessoas de sexo diferente com a intenção de estabelecerem uma comunhão de vidas e, via de regra, de terem filhos a quem possam transmitir o seu nome e seu patrimônio. (GONÇALVES, 2018, p. 15)
Segundo o artigo 226, § 5º da Constituição Federal “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”, entretanto, nem sempre foi assim, anteriormente o modelo de família era denominado como patriarcal, o que significa que havia como uma figura principal o “pater”, que era sempre ocupado pela figura masculina e que comandava toda a família, tanto na questão econômica, quanto na questão social. Disposto também no art. 5º, inciso I, da Constituição Federal, “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.” Os dois artigos foram de extrema importância, pois consagraram o princípio da igualdade entre homens e mulheres, deixando pra trás o patriarcalismo e qualquer forma de submissão.
O Código Civil de 2002 moldou-se à evolução social e aos bons costumes, trazendo uma regulamentação atualizada focando nos aspectos essenciais do direito de família com base nos princípios e normas constitucionais. Essas alterações procuram se adaptar às famílias modernas, fazendo com que tenham um tratamento adequado à realidade social e consequentemente suas necessidades atendidas.
O novo direito de família é conduzido por alguns princípios, tais como o princípio do respeito à dignidade humana, da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, da igualdade jurídica de todos os filhos, da paternidade responsável e planejamento familiar, da comunhão plena de vida baseada na afeição entre cônjuges ou conviventes e por fim o princípio da liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar.
O princípio do respeito a? dignidade da pessoa humana está disposto na Constituição Federal:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Conforme leciona Maria Berenice Dias:
Talvez possa ser identificado como sendo o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções. É impossível uma compreensão totalmente intelectual e, em face dos outros princípios, também é sentido e experimentado no plano dos afetos. (DIAS, 2015, p. 44)
Esse princípio constitui a base do ambiente familiar, garantindo assim o pleno desenvolvimento de todos seus membros, e foi a partir dele que surgiram os demais princípios do Direito de Família.
Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, presente no artigo 5, inciso I, da Constituição Federal:
Art. 5 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I- homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta ;
E também no artigo 226, § 5º, da Constituição Federal:
Art. 226 A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§5ºOs direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
Nesse sentido, expõe Carlos Roberto Gonçalves:
A regulamentação instituída no aludido dispositivo acaba com o poder marital e com o sistema de encapsulamento da mulher, restrita a tarefas domésticas e à procriação. O patriarcalismo não mais se coaduna, efetivamente, com a época atual, em que grande parte dos avanços tecnológicos e sociais está diretamente vinculada às funções da mulher na família e referenda a evolução moderna, confirmando verdadeira revolução no campo social. (GONÇALVES, 2018, p. 18)
A mulher deixa de ser submissa ao esposo e passa a ter os mesmos direitos e deveres, deixando de lado os serviços domésticos e tendo a opção de buscar um emprego.
Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, conforme disposto no artigo 227, §6º da Constituição Federal:
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
É proibido qualquer tipo de discriminação entre os filhos, sejam eles havidos ou não do casamento. Todos eles tem os mesmo direitos e devem ser respeitados, sendo proporcionado à eles uma vida digna, um crescimento saudável e com uma boa educação, pois são elementos básicos e de extrema importância para que a criança tenha um bom desenvolvimento.
Pela doutrina de Carlos Roberto Gonçalves:
O princípio ora em estudo não admite distinção entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão; permite o reconhecimento, a qualquer tempo, de filhos havidos fora do casamento; proíbe que conste no assento do nascimento qualquer referência à filiação ilegítima; e veda designações discriminatórias relativas à filiação. (GONÇALVES, 2018, p. 18)
Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar, disposto no artigo 226, § 7º, da Constituição Federal:
Art. 226 A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
E também mencionado no artigo 1565, §2º do Código Civil:
Art. 1565 Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.
§2º O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas.
Princípio da comunhão plena de vida baseada na afeição entre cônjuges ou conviventes, com base no Artigo 1.511 do Código Civil “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.” É apontado que a convivência familiar deve ser priorizada, não importando a forma com que a família foi constituída, todas tem os mesmos direitos e deveres.
Por fim, o princípio da liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar, mencionado no Artigo 1.513 do Código Civil “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.” Ele traz a liberdade de constituir a família da forma que almejarem, pois tem total liberdade para isso, sem qualquer restrição. Essa liberdade se estende à família homoafetiva, monoparental, entre outras.
Com o decorrer dos anos, a família foi o tema dentro da importância jurídica, que mais passou por alterações, devido à grande e constante evolução do homem.
Conforme mencionado na seção anterior, no Código Civil de 1916, só era considerado família quando havia o casamento, e a qual era de modelo patriarcal, totalmente diferente do que se trata atualmente nas novas doutrinas e jurisprudências, onde a família socioafetiva tem grande importância e o afeto é o principal pilar para se constituir uma família.
A mudança é muito evidente, família não se prende mais ao clássico: pai, mãe e filhos, existem diversos tipos de família, as quais mencionou Carlos Roberto Gonçalves:
a) Família matrimonial: decorrente do casamento.
b) Família informal: constituída através da união estável.
c) Família monoparental: formada apenas por um dos genitores e seus filhos.
d) Família anaparental: constituída somente pelos filhos.
e) Família homoafetiva: constituída por pessoas do mesmo sexo.
f) Família eudemonista: qualificada pelo vínculo afetivo. (GONÇALVES, 2018, p. 23)
Conforme doutrina Maria Berenice Dias:
A busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejam o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. São as relações afetivas o elemento constitutivo dos vínculos interpessoais. A possibilidade de buscar formas de realização pessoal e gratificação profissional é a maneira de as pessoas se converterem em seres socialmente úteis. (DIAS, 2015, p. 143, grifo do autor)
Com essa grande evolução, a família passou a ter um modelo igualitário. Conforme a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves:
As alterações introduzidas visam preservar a coesão familiar e os valores culturais, conferindo-se à família moderna um tratamento mais consentâneo à realidade social, atendendo-se às necessidades da prole e de afeição entre os cônjuges ou companheiros e aos elevados interesses da sociedade. (GONÇALVES, 2018, p. 17)
Todos precisam ter suas necessidade atendidas e ter um ambiente familiar saudável, que traga felicidade, pois isso é essencial, não importando a forma com que ele se constituiu.
De acordo com Maria Berenice Dias:
A afetividade é o princípio que fundamenta o direito das famílias na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia em face de considerações de caráter patrimonial ou biológico. [...] O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Também tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família. (DIAS, 2015, p. 52)
O afeto não é propriamente abordado no Código Civil, mas é brevemente mencionado no Artigo 1.584, §5º:
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
Entende-se que o afeto é de suma importância para a relação familiar, pois é um dos requisitos para que a pessoa fique com a guarda da criança.
Com tanta mudança e evolução, a família passou a ter novas funções, inclusive a ser um ambiente de respeito, onde todos possam desenvolver sua própria personalidade, com dignidade e individualidade.
No artigo 226 caput, e parágrafos 3º e 4º, da Constituição Federal, constam algumas dessas mudanças:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
O ordenamento jurídico atribui ao sujeito a opção de escolha de qual modelo familiar ele quer formar de acordo com sua realidade ou necessidade. É aí que a questão do afeto predomina, juntamente com a possibilidade da livre escolha. A grande inovação é que agora o sistema é aberto e hábil para operar com liberdade.
Diante o exposto, as relações familiares devem ser baseadas principalmente no afeto, não importando a forma com que elas se construíram, mas sim como as pessoas ali presentes se relacionam entre si.
Afetividade é um vínculo que se desenvolve entre pessoas que tem um determinado tipo de relacionamento, seja ele amoroso ou familiar, e que faz com que elas se mantenham ligadas emocionalmente.
O vínculo sanguíneo é quando as pessoas são ligadas pelo vínculo de sangue, é denominado vínculo biológico.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2018, p. 148, grifo do autor) “As pessoas unem-se em uma família em razão de vínculo conjugal ou união estável, de parentesco por consanguinidade ou outra origem, e da afinidade.”
As relações familiares podem se desenvolver derivando de diversos fatores, e não só do vínculo biológico, como muitos acreditam. Também consta da doutrina de Carlos Roberto Gonçalves:
O Código Civil de 1916 e as leis posteriores, vigentes no século passado, regulavam a família constituída unicamente pelo casamento, de modelo patriarcal e hierarquizada, como foi dito, ao passo que o moderno enfoque pelo qual é identificada tem indicado novos elementos que compõem as relações familiares, destacando-se os vínculos afetivos que norteiam a sua formação. Nessa linha, a família socioafetiva vem sendo priorizada em nossa doutrina e jurisprudência. (GONÇALVES, 2018, p. 22)
Sérgio Resende de Barros enfatiza que:
O que define a família é uma espécie de afeto que – enquanto existe – conjuga intimamente duas ou mais pessoas para uma vida em comum. É o afeto que define a entidade familiar. Mas não um afeto qualquer. Se fosse qualquer afeto, uma simples amizade seria família, ainda que sem convívio. O conceito de família seria estendido com inadmissível elasticidade. (BARROS, 2010)
A afetividade não está prevista expressamente na legislação brasileira, entretanto, percebe-se que os juristas veem ela como o pilar mais importante para a convivência familiar, até mais que o vínculo biológico.
De acordo com Maria Berenice Dias:
Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Assim, é invocada a relação de afetividade e afinidade como elemento indicativo para a definição da guarda a favor de terceira pessoa (CC 1.584 § 5.º). A posse de estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado. (DIAS, 2015, p. 85)
Família não é exclusivamente ligada por laços sanguíneos, além disso possui o amor e o afeto, que é de extrema importância para um bom convívio entre os familiares, e que deveriam ser mais valorizados em questões jurídicas, principalmente quando se trata de relacionamentos homoafetivos ou reconhecimento de filhos socioafetivos. São questões pouco conhecidas pela população, e por conta disso possui uma maior dificuldade de aceitação.
O afeto é de suma importância, pois somente com ele é possível manter a estabilidade de uma família.
Conforme dispõe Paulo Roberto Iotti Vecchiatti:
A evolução social quanto à compreensão da família elevou o afeto à condição de princípio jurídico oriundo da dignidade da pessoa humana no que tange às relações familiares, visto que estas, para garantirem o direito à felicidade e a uma vida digna (inerentes à dignidade humana), precisam ser pautadas pelo afeto e não por meras formalidades como a do casamento civil. Assim, o princípio do afeto é um princípio constitucional implícito, decorrente da dignidade da pessoa humana e, ainda, da própria união estável, que tem nele o principal elemento para o reconhecimento do status jurídico-familiar de uniões não-matrimonializadas. (VECCHIATTI, 2008, p. 221)
O afeto além de unir as pessoas pertencentes àquele meio, ainda tornam as relações humanas mais duradouras e tem o intuito de garantir a felicidade de todos.
A filiação socioafetiva foi influenciada por meios sociais e comportamentais e significa o reconhecimento de um filho, que independe de imposição legal ou vínculo biológico, levando em consideração apenas o afeto e o amor.
Qualquer tipo de relacionamento entre pais e filhos é considerado socioafetivo, podendo ser ele biológico ou não.
A filiação socioafetiva é aquela que surge do vínculo afetivo, ou seja, a relação que é construída através do amor, respeito, afeto, independentemente do vínculo sanguíneo.
Conforme o Artigo 1.593 do Código Civil “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.”, entende-se que qualquer pessoa que se associe à família é parente, independente da relação sanguínea, abrindo assim um caminho para o reconhecimento da filiação socioafetiva.
Já no Artigo 1.596, também do Código Civil, extinguiu a distinção entre os filhos, “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
O princípio da igualdade entre os filhos está constitucionalmente assegurado, no artigo 227, § 6º da Constituição Federal, já mencionado no começo desse trabalho.
A paternidade é muito mais que gerar um filho, envolve nesse conceito todo o processo de criação da criança, é quando irá formar seu caráter e isso produzirá efeitos nela por toda vida, consequentemente o afeto, a atenção, o amor, são de extrema importância durante a fase da infância e adolescência.
Conforme leciona Maria Berenice Dias (2015, p.53) “a posse de estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado.”
O estado de filiação se encontra em todas as relações de pais e filhos, é quando os pais assumem seus deveres de paternidade. Os direitos dos filhos estão presentes no artigo 227 da Constituição Federal.
Quando a relação de pais e filhos socioafetivos é definitivamente caracterizada e registrada, não é possível que ela seja desconstituída sem nenhum vício, pois leva em consideração todo o afeto originado pela convivência. Estará constituído o vínculo socioafetivo, e a não desconstituição desse vínculo é primordial para o desenvolvimento da criança ou do adolescente, principalmente em relação a formação de sua personalidade.
Se o registro foi realizado com a ciência de que o filho não é biológico e sim socioafetivo, houve um comprometimento para com a criança e o seu bem-estar, portanto estará configurada a filiação socioafetiva e o registro deve permanecer.
Conforme consta do artigo 1.604 do Código Civil “Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.”, ou seja, uma vez que o reconhecimento tenha sido feito com total ciência de que é socioafetivo, não constitui um erro e não há como ser desfeito.
Conclui-se então que não é possível desconstituir a filiação socioafetiva, uma vez que influencia no processo de formação do menor, e mesmo que há a ausência do vínculo biológico, não é possível ser desfeito o registro, pois a criança tem o direito de ter seu estado de filiação preservado.
A multiparentalidade decorreu da filiação socioafetiva, nada mais é do que a possibilidade de ter mais de um pai ou mais de uma mãe em seu registro de nascimento. É levado em consideração o afeto que foi criado naquela relação familiar e não o fator biológico.
Nesse sentido, preleciona Carlos Roberto Gonçalves:
Destaca-se a aceitação, na doutrina, da possibilidade de reconhecimento da dupla parentalidade ou multiparentalidade, baseada na socioafetividade. Por outro lado, têm surgido decisões afastando a escolha entre o vínculo biológico e o socioafetivo, e admitindo a hipótese de a pessoa ter dois pais ou duas mães em seu registro civil. (GONÇALVES, 2018, p. 150, grifo do autor)
Geralmente esse tipo de relação surge quando os pais biológicos são divorciados ou não tiveram um relacionamento sólido, e passam a viver com outros parceiros, decorrente dessa convivência, acabam construindo uma relação de afeto entre os filhos pré-concebidos e os novos parceiros, gerando assim uma nova relação de paternidade ou maternidade.
É legitimar o padrasto ou madrasta que cria e cuida de seu enteado como se fosse seu filho, como pai ou mãe socioafetivo, sem extinguir os pais biológicos. Só é incluso no registro de nascimento o pai ou mãe socioafetivo, permanecendo os nomes dos pais biológicos sem comprometer a esfera de direitos dos mesmos, e ainda materializando a proteção integral ao interesse do menor, conforme texto constitucional e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Segue a Jurisprudência em que foi reconhecida a filiação socioafetiva:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA CUMULADA COM ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIAFETIVA E, VIA DE CONSEQUÊNCIA, DA MULTIPARENTALIDADE. CABIMENTO. DETERMINAÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL, NOS TERMOS DO REQUERIDO. Embora a existência de entendimento no sentido da possibilidade de conversão do parentesco por afinidade em parentesco socioafetivo somente quando, em virtude de abandono de pai ou mãe biológicos e registrais, ficar caracteriza a posse de estado da filiação consolidada no tempo, a vivência dos vínculos familiares nessa seara pode construir a socioafetividade apta a converter a relação de afinidade em paternidade propriamente dita. Sob essa ótica, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no artigo 227, § 6º, da Constituição Federal, realiza a própria dignidade da pessoa humana, constitucionalmente prevista, porquanto possibilita que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social vivenciada, enaltecendo a verdade real dos fatos. Multiparentalidade que consiste no reconhecimento simultâneo, para uma mesma pessoa, de mais de um pai ou mais de uma mãe, estando fundada no conceito pluralista da família contemporânea. Caso dos autos em que a prova documental... acostada aos autos e o termo de audiência de ratificação evidenciam que ambas as partes, maiores e capazes, desejam o reconhecimento da filiação socioafetiva e da multiparentalidade, o que, ao que tudo indica, não traria qualquer prejuízo a elas e a terceiros. Genitor biológico da apelante que está de acordo com o pleito, sendo que o simples ajuizamento de ação de alimentos contra ele em 2008, com a respectiva condenação, não descaracteriza, por si só, a existência de parentalidade sociafetiva entre os apelantes. Apelação provida. (Apelação Cível Nº 70077198737, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em 22/11/2018). (TJ, 2018, p. n.p)
Na relação de filiação socioafetiva o vínculo com os direitos e deveres são os mesmos presentes na relação consanguínea, assim os pais socioafetivos podem exercer o poder familiar normalmente e os filhos tem tutelados todos seus direitos, inclusive seus futuros direitos sucessórios.
Uma outra jurisprudência onde é notável que não há problema algum no reconhecimento socioafetivo, quando já possui o registro em nome dos pais biológicos, basta possuir o vínculo afetivo.
CONSTITUCIONAL E FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA COM REGISTRO DE MULTIPARENTALIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO PREEXISTENTE. RECONHECIMENTO SIMULTÂNEO DO VÍNCULO SOCIOAFETIVO. DUPLA MATERNIDADE. POSSIBILIDADE. TESE FIXADA PELO STF COM REPERCUSSÃO GERAL. SENTENÇA REFORMADA. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao conceder repercussão geral ao tema n. 622, no leading case do RE 898060/SC, entendeu que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com efeitos jurídicos próprios. 2. Consoante se infere do referido julgado, houve uma mudança no entendimento sobre o tema da multiparentalidade, em virtude da constante evolução do conceito de família, que reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade. 3. In casu, constatada a coexistência de dois vínculos afetivos; quais sejam, com os pais socioafetivos e com a mãe biológica, não havendo qualquer oposição de nenhuma das partes sobre o reconhecimento da multiparentalidade, o seu reconhecimento é medida que se impõe. 4. Recurso provido. Sentença reformada. (TJ, 2017, p. n.p)
Esse tipo de filiação, anteriormente e por um longo tempo, não era aceito, por conta da falta de previsão legal expressa, porém foi ultrapassado pela doutrina e jurisprudência, passando a acolher a filiação socioafetiva nos últimos anos.
Ainda que o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva fosse voluntário, os pais interessados tinham que ingressar com uma ação judicial e comprovar o vínculo familiar com o filho a ser reconhecido, sob pena de indeferimento da pretensão. Porém, isso fazia com que as pessoas desistissem de buscar a tutela estatal.
Por outro lado, era possível o reconhecimento da paternidade biológica por meio extrajudicial, apenas mediante uma declaração simples e com a presunção de boa-fé do declarante, fazendo com que houvesse uma grande distinção indevida entre a paternidade biológica e a afetiva.
Em 14 de novembro de 2017, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou o Provimento nº 63:
Institui modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, a serem adotadas pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A” e sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida. (BRASIL, 2017)
Ou seja, tornou-se possível o reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva em cartório, conforme consta no artigo 10 do mesmo provimento, “o reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.”
Esse reconhecimento é irrevogável, conforme consta do artigo 1.610 do Código Civil “O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento.” Somente poderá ser desconstituído em casos excepcionais de vício, porém dificilmente acontecerá, já que a relação socioafetiva tem como base o afeto e arduamente conterá vício. Segue uma Jurisprudência negando a anulação do reconhecimento:
DIREITO CIVIL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE REGISTRO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO AUSÊNCIA. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA CARACTERIZADA. I - O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento. II - Não logrando comprovar o alegado vício de consentimento quando do registro de nascimento da criança, tampouco a ausência de vínculo afetivo entre as partes, julga-se improcedente a negatória de paternidade. III - Negou-se provimento ao recurso. (TJ, 2016, p. n.p)
Foi comprovado que não há ausência de vínculo afetivo entre as partes e tampouco vício de consentimento, portanto foi negado o provimento ao recurso.
O artigo 11 do Provimento vem para facilitar ainda mais o reconhecimento da filiação socioafetiva:
Art. 11 O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação.
Sendo assim possível ser feito o reconhecimento em qualquer cidade e não apenas onde foi realizado o registro de nascimento do filho.
Quando o filho for menor, deverá possuir a concordância de seus pais registrais, e quando maior de doze anos, o reconhecimento do vínculo irá depender de seu consentimento, conforme consta do Artigo 11, § 4º do Provimento nº 63/2017.
Já em seu Artigo 14, o Provimento aduz que “O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo filiação no assento de nascimento.”
E por fim, no Artigo 15, estabelece que “O reconhecimento espontâneo da paternidade ou maternidade socioafetiva não obstaculizará a discussão judicial sobre a verdade biológica.” Tratando-se do direito dos filhos ter acesso à sua identidade e vínculo consanguíneo com os pais biológicos, sempre que quiserem.
O conhecimento da filiação socioafetiva e da possibilidade da multiparentalidade é muito importante, pois muitas vezes um pai ou mãe socioafetivo faz muito mais pelo menor do que os próprios pais biológicos. É uma questão pouco conhecida ainda, mas que está se expandindo aos poucos, e traz em questão a importância do afeto, carinho e amor para um bom convívio familiar, a relação sanguínea é apenas um mero detalhe.
Maria Berenice Dias leciona:
Ainda que a falta de afetividade não seja indenizável, o reconhecimento da existência do dano psicológico deve servir, no mínimo, para gerar o comprometimento do pai com o pleno e sadio desenvolvimento do filho. Não se trata de impor um valor ao amor, mas reconhecer que o afeto é um bem que tem valor. (DIAS, 2015, p. 98, grifo do autor)
A falta de afeto dos pais para com os filhos podem causar uma série de problemas na criança, afetando assim o seu desenvolvimento. Portanto, o relacionamento socioafetivo muitas vezes é fundamental para a sua saúde mental, pois como citado acima, às vezes um pai ou mãe socioafetivo tem muito mais paciência, amor e carinho pelo menor do que os próprios pais biológicos, e isso faz toda a diferença.
Anteriormente, o conceito de família era extremamente restrito, considerava-se uma família apenas depois que houvesse o matrimônio. Além disso, havia uma grande submissão da mulher e dos filhos em relação ao homem. Em decorrência da grande evolução da sociedade, esse conceito não mais se prende ao seu modelo tradicional e patriarcal, passou a ser muito mais abrangente.
Embarcando nessa grande evolução, os filhos havidos fora do casamento não podem mais ser considerados como ilegítimos. Todos devem ser tratados com igualdade, não importando se foram concebidos dentro ou fora dele.
Com a alteração do Código Civil no ano de 2002, tudo se transformou, ele finalmente se moldou à sociedade, levando em consideração os principais aspectos do direito de família com base nos seus princípios. Essas alterações se encaixaram com as famílias modernas, fazendo com que todos tenham suas necessidades atendidas.
O novo direito de família é conduzido por princípios, tais como o princípio do respeito à dignidade humana, da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, da igualdade jurídica de todos os filhos, da paternidade responsável e planejamento familiar, da comunhão plena de vida baseada na afeição entre cônjuges ou conviventes e por fim o princípio da liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar. A partir deles que o direito de família desempenhou um grande papel, eles foram de extrema importância para que a desigualdade e submissão dentro do ambiente familiar deixassem de existir, e consequentemente fazendo com que todos possam viver de uma maneira digna, da forma que almejarem.
A partir desse novo código é que surgiram os diversos tipos de família, que são a informal, a monoparental, a anaparental, a homoafetiva e a eudemonista. Nem todas essas famílias são constituídas através do casamento. Muitas não envolvem vínculos biológicos. Contudo, todas são consideradas famílias, todas envolvem um vínculo afetivo, e é somente isso o que importa, terem suas necessidades atendidas, em um ambiente saudável e cheio de felicidade, não tendo importância alguma a maneira que ela se constituiu.
O afeto é o pilar do ambiente familiar, é ele quem sustenta todas as relações, além de unir as pessoas, ainda tornam as relações humanas mais duradouras. Por conta disso ele é tão ressaltado no direito de família.
Decorrente da grande importância do afeto é que surgiu a possibilidade da filiação socioafetiva, que nada mais é que o reconhecimento de um filho, que independe do vínculo biológico, levando em consideração apenas o afeto e o amor.
Conclui-se que a paternidade não é apenas gerar um filho, mas sim todo o contexto que vem após. O processo de crescimento da criança é uma fase de extrema importância e que precisa de cuidados, de amor, atenção, pois seu caráter será definido com base nisso. Muitas vezes os pais biológicos não conseguem suprir todos esses cuidados e a criança tem a sorte de ter outra pessoa, que não seja o pai ou a mãe, mas que atendem as suas necessidades.
Uma vez que o vínculo socioafetivo entre a pessoa e a criança é constituído, ele não deve ser desfeito, pois isso irá interferir no desenvolvimento da criança ou do adolescente. Houve um comprometimento com a criança, portanto a filiação socioafetiva foi configurada e deve permanecer.
Decorrente da filiação socioafetiva, surgiu a multiparentalidade, que é basicamente a possibilidade de ter mais de um pai ou mais de uma mãe, constando inclusive no registro de nascimento. Mais uma vez o que é levado em consideração é apenas o afeto e não o vínculo biológico.
Geralmente, a multiparentalidade entra em questão quando algum dos pais biológicos começam um novo relacionamento, por conta disso acabam construindo uma relação de afeto entre os filhos pré-concebidos e os novos parceiros, principalmente pelo fato de que essa pessoa às vezes oferece atenção, cuidado, amor, que os próprios pais biológicos não conseguem dar.
A grande diferença é que na multiparentalidade pode ser reconhecido o pai ou mãe socioafetivo sem excluir os pais biológicos do registro de nascimento, prevalecendo o vínculo entre eles. Nessa relação socioafetiva o vínculo com os direitos e deveres são os mesmos presentes na relação consanguínea.
O reconhecimento da filiação socioafetiva nem sempre foi de fácil acesso, anteriormente era necessário uma série de requisitos, incluindo o ingresso de uma ação judicial, para que ele fosse efetivado, fazendo assim com que muitos desistissem. Com a alteração do Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tornou-se mais fácil o reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva, pois passou a ser feito em cartório.
Concluindo, o afeto é de extrema importância para todas as relações sociais, ele é como uma base, portanto faz com que tudo se torne mais saudável e duradouro. O vínculo biológico é mero detalhe. A filiação não precisa ficar presa somente ao vínculo sanguíneo, o que importa é a criança ter a atenção e educação necessária para que tenha um bom desenvolvimento, pois isso influenciará muito em sua vida, incluindo a formação de seu caráter. Tudo que é necessário para construir um ambiente familiar saudável se resume no afeto, no amor, no companheirismo, e isso precisa ser mais valorizado e reconhecido.
O conteúdo apresentado neste trabalho não esgota as teses e correntes acerca do assunto. O principal objetivo foi ampliar o conhecimento sobre à possibilidade das relações socioafetivas e da importância do afeto no ambiente familiar, juntamente da admissão da multiparentalidade. Com tanta importância, o afeto merece mais reconhecimento, inclusive sua inclusão na legislação brasileira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VECCHIATTI, P. R. I. Manual da Homoafetividade: possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos. Rio de Janeiro: Método, 2008.
Bacharelanda do curso de Direito da Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BOER, Amanda Gabriela de Plácido. Filiação socioafetiva, a multiparentalidade e o reconhecimento pela via extrajudicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52841/filiacao-socioafetiva-a-multiparentalidade-e-o-reconhecimento-pela-via-extrajudicial. Acesso em: 22 nov 2024.
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