RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar a evolução legislativa no que diz respeito ao instituto da família. Fez-se uma análise histórica a partir do Código Civil de 1916 até o Código Civil de 2002. Assim, buscou-se analisar como era tratado este instituto e o seu decorrer na legislação constitucional e infraconstitucional. Realizou-se, para tanto, uma pesquisa bibliográfica e se expôs as visões teóricas de Eduardo Silva, Maria Helena Diniz, Jeferson Daibert, entre outros, sobre o assunto. Conclui-se que houve significativa mudança no conceito de família no contexto social, bem como no seu respectivo tratamento legal, visto que, em determinados momentos históricos, fez-se necessário adequar o amparo legal à realidade social, eis que a sociedade está em constante evolução.
Palavras-chave: Família. Patriarcal. Código Civil. 1916. 2002. Evolução.
Introdução
O presente trabalho tem como tema a família na legislação brasileira, com o enfoque na análise do que era considerado família e também como era o tratamento destinado à mulher e aos filhos no contexto da sociedade conjugal e familiar.
Nesse seguimento, será demonstrado como era tratado tal instituto no direito nacional e repassado como foi abordado o tema nas legislações constitucionais e infraconstitucionais, sobretudo no Código Civil de 1916, Constituição Federal de 1988 e Código Civil de 2002.
Neste contexto, o principal objetivo deste estudo é demonstrar, de forma breve, como o instituto da família era e é tratado pela legislação brasileira, como também que a sociedade está em constante evolução, o que demanda atenção do legislador, a fim de proporcionar o devido amparo legal aos novos arranjos familiares.
Para chegar ao objetivo proposto, utilizou-se como recurso metodológico a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise das opiniões dos doutrinadores sobre o tema já publicadas na literatura nacional e artigos científicos divulgados por meio eletrônico.
No mais, escorou-se nos embasamentos teóricos de Eduardo Silva, Maria Helena Diniz, Jeferson Daibert, entre outros.
Desenvolvimento
De todos os ramos do Direito Civil, o Direito de Família é um dos que mais evoluem com o passar dos tempos, tendo em vista que, por tratar das relações diretas entre as pessoas, tende a acompanhar as evoluções sociais e, com isso, carece de inúmeras inovações legislativas a fim de adequar o amparo legal da família à sociedade moderna.
No século passado, o antigo Código Civil (Lei nº. 3.071 de 1916), conhecido por ser em sua essência patrimonialista, trazia a família com características totalmente patriarcais. Nas palavras de Silva (2002, p. 450-451, apud DRESCH, 2016) “a família do Código Civil de 1916 era uma família transpessoal, hierarquizada e patriarcal.”
Em que pese o citado Código não especificasse o que era o instituto da família, dizia que a sua legitimidade viria com o casamento civil, o qual, inclusive, era indissolúvel.
Explanava o artigo 229 do Código de Civil de 1916:
Art. 229. Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos (arts. 352 a 354). (BRASIL, 1916).
Legitimada a família, o marido passava a desempenhar a função de chefe, o que lhe competia, dentre outras incumbências, a representação e a manutenção da unidade familiar.
Inicialmente, o artigo 233 previa:
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal.
Compete-lhe:
I. A representação legal da família.
II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou do pacto antenupcial (arts. 178, § 9º, nº I, c, 274, 289, nº I, e 311).
III. direito de fixar e mudar o domicílio da família (arts. 46 e 233, nº IV). (Vide Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 1919).
IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto conjugal (arts. 231, nº II, 242, nº VII, 243 a 245, nº II, e 247, nº III).
V. Prover à manutenção da família, guardada a disposição do art. 277. (BRASIL, 1916).
À mulher restava uma função meramente auxiliar ao marido. Previa o artigo 240:
Art. 240. A mulher assume, pelo casamento, com os apelidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família (art. 324). (BRASIL, 1916).
A legislação da época amparava somente a família formada pelo casamento civil, de modo que considerava ilegítimo qualquer outro arranjo familiar, mesmo que marcado por laços afetivos.
Sobre o amparo destinado à família legitimada pelo casamento, Maria Helena Diniz (apud RIBEIRO, 2002), dizia que "a família legítima é o esteio da sociedade, por ser moral, social e espiritualmente mais sólida do que a ilegítima, dado não existir no concubinato compromisso entre o homem e a mulher (...)".
Assim, muitos juristas consideravam o concubinato como uma afronta à família, eis que era algo ilegítimo e clandestino.
Jeferson Daibert (1980, apud RIBEIRO, 2002) dizia:
É o concumbinato uma das formas de desagregação da família moderna, já afetada pela sua desorganização interna e desarmonia que nascem nesse período de transição para a paridade conjugal.
Outro ponto que realçava a característica patriarcal da família é o fato de que para o menor de 21 anos se casar era necessário o consentimento dos genitores e, caso houvesse discordância entre eles, prevalecia a vontade do pai (artigos 185 e 186 do Código Civil de 1916).
No que tange à filiação, vários artigos traziam diversas diferenças entre os filhos legítimos, que eram os gerados dentro do casamento, os legitimados, que eram os filhos naturais que, em certas situações, poderiam ser reconhecidos por um dos genitores, os ilegítimos, que nasceram de pessoas não ligadas pelo casamento, e os adotivos.
A título de exemplo, o artigo 358 do Código de 1916 estabelecia que os filhos incestuosos e os adulterinos (subespécies dos filhos ilegítimos) não poderiam ser reconhecidos.
Com o passar do tempo e com o advento de novas leis que adequaram a legislação às mudanças da sociedade, essas distinções deixaram de existir.
Além de suprimir as diferenças entre os filhos, findou-se as desigualdades entre homens e mulheres.
Primeiro, em 1949, a Lei nº. 883 entrou em vigor e trouxe a possibilidade dos filhos ilegítimos serem reconhecidos através de ação própria e também vedou qualquer menção à filiação ilegítima no registro civil. Com isso, passariam a ter igualdade de direitos, inclusive, no que diz respeito a pleitear alimentos e ao direito de herança.
Posteriormente, em 1962, a situação da mulher no âmbito familiar começou a mudar. A Lei nº 4.121 revogou vários artigos do Código Civil e estabeleceu, mesmo que de forma restrita, que a mulher também tinha direito de exercer o poder familiar.
Mais adiante, em 1977, foi editada a Emenda Constitucional nº 9 (EC nº 9), a qual alterou a redação do artigo 175 da Constituição Federal de 1967 e possibilitou o divórcio.
No mesmo ano também foi promulgada a Lei nº. 6.515, que regulou a questão do divórcio trazida pela EC nº 9 e trouxe outras inovações, tais como a possibilidade da mulher voltar a usar o nome de solteira e o regime de comunhão parcial de bens quando não houvesse convenção ou, se houvesse, esta fosse nula, eis que, até então, o regime legal era o da comunhão universal de bens.
Em 1988, a nova Carta Constitucional trouxe novos conceitos de família e passou a reconhecer a união estável como entidade familiar, bem como a família monoparental (formada por um dos pais e seus descendentes). Ainda, estabeleceu igualdade de direitos entre homens e mulheres na constância da sociedade conjugal.
Explana os parágrafos 3º, 4º e 5º do artigo 226:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. (...) (BRASIL, 1988).
No que tange aos filhos, a Lei Maior de 1988 proibiu qualquer distinção aos havidos ou não na relação do casamento, ou por adoção, bem como estabeleceu que eles terão os mesmos direitos e qualificações, não podendo ter quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Outrossim, pouco tempo depois, em 1990, entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual tornou personalíssimo, indisponível e imprescritível o direito de reconhecimento de filiação contra os pais ou herdeiros, sem qualquer restrição (artigo 27 do ECA).
No mesmo caminho, a Lei nº 8.560, de 1992, regulou o procedimento de investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento.
Mais tarde, entrou em vigor o atual Código Civil (2002) e, dentre outras inovações, trouxe a baila o princípio da igualdade jurídica entre os cônjuges e reforçou o entendimento de que marido e mulher têm os mesmos direitos na constância do casamento.
Como exemplo, pode-se mencionar o artigo 1.511 do Código Civil:
Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. (BRASIL, 2002).
Nesse mesmo caminho de igualdade, também foi determinado tratamento isonômico aos filhos e ressaltou que todos devem ser tratados de forma igual no seio familiar, não importando se gerados ou não na constância do casamento, bem como se frutos de adoção.
É a redação do artigo 1.596:
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 2002).
Nos dias atuais, mais de um século após a promulgação do Código Civil de 1916, percebe-se que houve um grande avanço histórico e cultural por parte da sociedade, de modo que surgiram diversos outros arranjos familiares, completamente diferentes da “família legítima” inicialmente prevista no Código de 16, caracterizada pelo casamento civil entre um homem e uma mulher.
A título de exemplo, hoje, há famílias formadas apenas por irmãos (família anaparental), famílias formadas por pessoas separadas que possuem filhos de outros relacionamentos (família reconstituída) e até mesmo famílias formadas por uma pessoa só (família unipessoal).
Também, no que toca ao casamento, hoje não se fala somente do homem e da mulher como figuras da sociedade conjugal. Embora não haja lei específica para tratar sobre o tema, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já editou uma resolução que dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo (resolução nº 175 do CNJ).
Assim, infere-se que a evolução da sociedade em matéria de relações interpessoais é constante, o que demanda atenção do legislador para amparar todos os novos formatos de família, a fim de assegurar total igualdade e segurança jurídica a todos.
Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que houve uma grande evolução legislativa desde a promulgação do Código Civil de 1916.
Viu-se que, inicialmente, no que tange o tratamento legal, somente era reconhecida como família aquela originada do casamento civil. Essa, tinha características patriarcais, na qual o homem exercia, exclusivamente, o posto de “chefe” de família e a mulher, por sua vez, ocupava uma posição de mera auxiliar. Ainda, que havia distinção de tratamento no que dizia respeito aos filhos, mais precisamente entre os filhos havidos na constância do casamento e os havidos fora dessa.
Entretanto, com o passar dos anos e a mudança do cenário social e cultural, mostraram-se serem necessárias alterações legislativas a fim de destinar o devido amparo legal aos demais arranjos familiares até então considerados ilegítimos e conceder às mulheres os mesmos direitos dos homens no que se refere ao poder familiar, bem como garantir a todos os filhos igualdade de tratamento.
REFERÊNCIAS
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Graduada em Direito pela UFMG em 2006. Pós-graduada e Analista em Direito no MPMG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SCHUWARTEN, Elaine Sabrina Moreira. A família na legislação brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52898/a-familia-na-legislacao-brasileira. Acesso em: 21 nov 2024.
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