KARINE ALVES GONÇALVES MOTA[1]
(Orientadora)
RESUMO: Trata-se de pesquisa de abordagem dedutiva e qualitativa que se propõe a efetuar um estudo sobre a família, a afetividade nas relações parentais e o surgimento da multiparentalidade com o advento da Constituição Federal de 1988. Diante do novo texto constitucional, foi possível verificar uma transformação na forma de interpretar e aplicar as leis vigentes quanto ao ramo do Direito de Família, em resposta aos anseios sócio-jurídicos presentes na sociedade no tocante à necessidade de relativização da ideia de consanguinidade ante a formação da família, bem como em razão da ampliação do conceito de parentalidade, com o surgimento dos vínculos multiparentais. Desta forma, para uma compreensão geral acerca do assunto, buscou-se demonstrar o posicionamento jurisprudencial do STF e STJ sobre o núcleo familiar multiparental, bem como explanar sobre os princípios norteadores das relações pluriparentais e os principais efeitos jurídicos decorrentes da incorporação de um novo modelo de parentesco no ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, procedeu-se a uma análise de demandas no Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins referente à temática, e, posteriormente, abordou-se a necessidade de criação de normas específicas para regulamentar o instituto da multiparentalide e, assim, proporcionar a proteção e garantia efetiva deste novo modelo familiar.
PALAVRAS-CHAVE: Direito de Família; Multiparentalidade; Efeitos jurídicos; Posicionamento jurisprudencial.
ABSTRACT: It is a research of a deductive and qualitative approach that proposes to make a study about the family, the affectivity in the parental relations and the emergence of multiparentality with the advent of the Federal Constitution of 1988. Facing the new constitutional text, it was possible to verify a transformation in the way of interpreting and applying the laws in force regarding the branch of Family Law, in response to the socio-legal aspirations present in society regarding the need to relativize the idea of consanguinity before the formation of the family, as well as due to the expansion of the concept of parenting, with the emergence of multi-parent links. Thus, for a general understanding about the subject, it was tried to demonstrate the jurisprudential position of the STF and STJ on the multiparental family nucleus, as well as to explain about the guiding principles of multi-parent relations and the main legal effects resulting from the incorporation of a new model of kinship in the Brazilian legal system. Subsequently, an analysis of demands was made in the Court of Justice of the State of Tocantins on the subject, and, later on, the need to create specific norms to regulate the institute of multiparentalide was addressed, and thus to provide protection and effective guarantee of this new family model.
KEYWORDS: Family right; Multiparentality; Legal effects; Positioning jurisprudencial.
SÚMARIO: 1. Introdução, 2. A família no direito brasileiro: passado e presente, 2.1 Conceito de família, 2.2 Aspectos históricos, 2.3 A evolução jurídica da família nos Códigos Civis de 1916 e 2002, 3. Da multiparentalidade e o papel do Poder Judiciário na sua aplicação, 3.1 A multiparentalidade no Direito de Família, 3.2 Dos princípios que regem a relação multiparental, 3.3 O reconhecimento da multiparentalidade e sua aplicação perante o STF e STJ, 4. Dos efeitos da multiparentalidade e da jurisprudência do STF e STJ, 4.1 Análise das jurisprudências sobre multiparentalidade no Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins no período de 2016 a 2018, 4.1.1 Sentença da Comarca de Paraíso do Tocantins-TO – Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, 4.1.2 Sentença da Comarca de Araguaína-TO –Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, 5. Considerações Finais, Referências.
1. INTRODUÇÃO
Com a instauração de uma nova ordem jurídica por meio da promulgação da Constituição Federal de 1988, observou-se que o conceito de família foi ampliado, dando ensejo ao reconhecimento do pluralismo familiar e ao estabelecimento de princípios fundados na dignidade da pessoa humana, o que fez surgir a ideia de um novo conceito de família.
Como consequência dessas mudanças, houve uma flexibilização do significado de paternidade, com a observância do vínculo afetivo como fator determinante nas relações entre pais e filhos, dando origem a uma nova modalidade de paternidade, qual seja: a parentalidade socioafetiva.
Nesse ínterim, com a aceitação cada vez maior da parentalidade socioafetiva, colocou-se em pauta o questionamento acerca da preponderância da paternidade biológica sobre a socioafetiva, e, posteriormente, com a aplicação da tese fixada na Repercussão Geral nº 622 do Supremo Tribunal Federal (STF), veio a lume uma resposta à celeuma até então existente, com o reconhecimento em âmbito jurisprudencial, pela Suprema Corte brasileira, da multiparentalidade.
O entendimento do STF trouxe à tona uma série de questionamentos quanto à possibilidade de coexistência da paternidade biológica e da socioafetiva no Brasil, sobretudo acerca da inexistência de legislação em relação ao tema no ordenamento jurídico brasileiro.
Assim, empreendendo-se uma visão estritamente legalista acerca do tema, questionou-se a possibilidade de reconhecimento de tal direito em razão da lacuna legislativa existente.
Dessa forma, tendo em vista a ausência de regulamentação legislativa quanto ao tema, o presente artigo se propõe a discutir a multiparentalidade e seus efeitos no ordenamento jurídico brasileiro, mormente diante da falta de fôlego do Direito em acompanhar um fato social há muito tempo vivenciado no Brasil.
A pesquisa possui como finalidades específicas a realização de um estudo analítico sobre as possíveis omissões jurídicas no direito brasileiro em relação à multiparentalidade, os efeitos jurídicos da tese fixada na Repercussão Geral nº 622 do STF, bem como compreender as principais demandas no judiciário relativas ao instituto em comento no período de 2016 a 2018.
A análise da multiparentalidade constitui estudo de grande relevância no contexto social vivenciado atualmente no Brasil, com o surgimento de um novo conceito de família, propiciando a discussão acerca da aplicação deste instituto no ordenamento jurídico brasileiro e a sua sistematização como mecanismo hábil para a validação do princípio da dignidade da pessoa humana, primando pela prevalência do afeto como requisito indissociável das relações familiares em suas multiformas.
Para o desenvolvimento da pesquisa utilizou-se do método dedutivo com abordagem qualitativa, fazendo-se uso do estudo bibliográfico aplicado à análise de obras doutrinárias, revistas jurídicas, leis, teses, dissertações e artigos científicos pertinentes ao Direito de Família, com enfoque no instituto da multiparentalidade. Analisou-se, ainda, o entendimento jurisprudencial dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins acerca do tema.
Quanto à estrutura, o presente artigo se divide em três capítulos. No primeiro capítulo, de caráter introdutório, serão abordados os aspectos conceituais, históricos e jurídicos quanto à evolução da família no ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, no segundo capítulo será apresentada a definição de multiparentalidade, explanando-se sobre os princípios norteadores do vínculo multiparental, bem como será empreendida uma análise do caso concreto que deu ensejo à fixação da tese de Repercussão Geral nº 622 do STF e os seus desdobramentos no ordenamento jurídico brasileiro.
Por fim, no terceiro capítulo serão abordados os principais efeitos do reconhecimento da multiparentalidade na sistemática jurídica brasileira, com enfoque nos principais institutos jurídicos afetos às relações parentais. Para tanto, haverá uma compilação de jurisprudências do ano de 2016 a 2018 com a finalidade de averiguar os impactos do reconhecimento da multiparentalidade no Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins e a sua eficácia quanto ao princípio da dignidade da pessoa humana.
2. A FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO: PASSADO E PRESENTE
De início, cumpre realizar um estudo acerca da evolução do conceito de família no sistema jurídico brasileiro, a fim de verificar-se a adaptação dos conceitos normativos aos fatos sociais vivenciados no decorrer do processo histórico do Brasil.
2.1 CONCEITO DE FAMÍLIA
A família, enquanto conceito jurídico, ainda apresenta, conforme entendimento doutrinário, algumas divergências em sua definição conceitual, principalmente no que tange aos estudos dogmáticos no ramo do Direito Civil, tendo em vista a inexistência de definição legal do seu conceito no Código Civil brasileiro e na Constituição Federal. Sobre o assunto, extrai-se do escólio de Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 01) um conceito proficiente acerca da terminologia família, analisada, pelo referenciado Autor, sob um aspecto amplo e tendo como base fundamentadora o parentesco e a consanguinidade, ao se esclarecer que
[...] o vocábulo família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como unidas pela afinidade e pela adoção. Compreende os cônjuges e companheiros, os parentes e os afins.
Acrescenta-se à linha intelectiva mencionada acima o entendimento de Maria Helena Diniz (2007, p. 9), a qual defende o conceito de família pautado em um contexto contemporâneo, ao incorporar em sua definição o vínculo afetivo que independe da ligação consanguínea, vez que no entender da Autora a família compreende
[...] todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos. No sentido restrito é o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole.
No tocante à característica gregária do ser humano, o Filósofo grego Aristóteles defende em sua obra que o ser humano é um animal social, ou seja, a necessidade de união entre os seres humanos é involuntária à sua condição de ser. Dito isso, compreende-se que a formação da família decorre da vontade inerente ao homem de se socializar, isto é, de sentir-se acolhido e pertencente a um grupo social.
Nesse contexto, tendo em vista a formação involuntária de agrupamentos humanos, o surgimento da família decorreu do estreitamento das interações humanas, posto que a família é o primeiro grupo social do qual o ser humano faz parte e, por ser um reflexo da evolução da sociedade, também sofreu modificações de paradigmas no transcorrer da história.
2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS
Diante das constantes transformações históricas da família, faz-se necessário compreender de forma mais abrangente quais foram as principais fases históricas da evolução desse instituto, que pode ser dividida em três momentos históricos: família no Direito Romano; Direito Canônico; e pós-modernidade.
Na primeira fase, no Direito Romano, a família possuía como fato predominante o patriarcalismo. Nesse modelo de agrupamento humano, as decisões centralizavam-se apenas na figura do homem, por intermédio do que é denominado pela doutrina como pátrio poder.
Nesse contexto, imperava a ausência de direitos fundamentais aos integrantes da relação familiar, através do autoritarismo masculino, o qual obstaculizava às mulheres e filhos o exercício do poder decisório na família. Todavia, com o passar dos anos, a imposição da vontade arbitrária por parte da figura masculina foi ponderada, sendo que
[...] Aos poucos foi então a família romana evoluindo no sentido de se restringir progressivamente a autoridade do pater, dando-se maior autonomia à mulher e aos filhos, passando estes a administrar os pecúlios castrenses (vencimentos militares) [...] (GONÇALVES, 2017, p. 28).
Na segunda fase, em que prevalecia o Direito Canônico, com a criação e dispersão do Cristianismo, preconizava-se o casamento religioso como o marco para que as pessoas pudessem adquirir o direito a constituir uma família, consolidando, assim, a manifestação de vontade espontânea dos cônjuges para o casamento e, consequentemente, para a constituição da família.
Por outro lado, na terceira fase, denominada família pós-moderna ou família contemporânea, diferentemente do período Romano e Canônico, o marco histórico é o reconhecimento da diversidade e supremacia da afetividade frente à consanguinidade. Surge, assim, um novo conceito de família, tendo como fundamento a garantia da dignidade da pessoa humana.
Nesta senda, a constituição da família, na concepção contemporânea, não estaria mais restrita à união de pai, mãe e filhos. Isto é, o conceito de família passou a englobar novos paradigmas, incluindo no mundo jurídico uma ideologia humanitária de família, resultante das transformações sociais vivenciadas e da evolução dos direitos fundamentais.
Para elucidar a motivação dessas transformações, pode-se citar o pensamento de Rodrigo da Cunha Pereira (2005, p. 4), o qual afirma que
[...] somente após a passagem do homem da natureza para a cultura que se torna possível estruturar a família. Esta, como já se demonstrou, é uma estrutura psíquica e que possibilita ao ser humano estabelecer-se como sujeito e desenvolver relações na polis.
Dessa forma, depreende-se que a constituição da família é vinculada à formação social do ser humano e através da família este se estabelece como sujeito apto a desenvolver seu papel de cidadão e, diante dessas transformações, surgiu a necessidade de se criar mecanismos hábeis para a garantia de direitos fundamentais dentro do núcleo familiar.
2.3 A EVOLUÇÃO JURÍDICA DA FAMÍLIA NOS CÓDIGOS CIVIS DE 1916 E 2002
O fomento de novas normas jurídicas no ramo do Direito de Família está diretamente relacionado com a evolução histórica do instituto ao qual se denomina família. Diante disso, é importante mencionar que o ápice das mudanças no âmbito legislativo, para tutelar as relações familiares, foi a partir da metade do século XX e, principalmente, após a promulgação da Carta Magna.
No contexto familiar anterior à pós-modernidade, as leis vigentes acompanhavam a ideia do poder do homem sobre a vida e a morte dos filhos, ou, ainda, a possibilidade de vendê-los ou impor castigos corporais severos, de forma arbitrária.
A título de exemplo, pode ser destacado o Código Civil de 1916 que, em seus dispositivos sobre o instituto família, relacionava-o a um modelo patriarcal em que só era reconhecida a família diante da vigência do casamento.
Em contraposição ao Código Civil de 1916, surge a Constituição Federal de 1988 e, logo após, o Código Civil de 2002, os quais possibilitaram uma nova conjuntura para o instituto família, sendo de extrema valia destacar a ideia do Autor Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 30), no sentido de que “a nova Carta abriu ainda outros horizontes ao instituto jurídico da família, dedicando especial atenção ao planejamento familiar e à assistência direta à família”. Sobre o Código Civil de 2002, o Autor em comento assevera que
[...] o novo diploma amplia, ainda, o conceito de família, com a regulamentação da união estável como entidade familiar; revê os preceitos pertinentes à contestação, pelo marido, da legitimidade do filho nascido de sua mulher, ajustando-se à jurisprudência dominante; reafirma a igualdade entre os filhos em direitos e qualificações, como consignado na Constituição Federal. (GONÇALVES, 2017, p.31)
Diante das exposições efetuadas acima, pode ser constatada a grande relevância das mudanças no ordenamento jurídico brasileiro, notadamente quanto à ampla e efetiva aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana para aqueles que compõem uma família, bem como no que se refere à garantia de um conceito de família amplo e humanitário, solidificando-se, dessa maneira, a primazia da função social da família no ordenamento pátrio.
3. DA MULTIPARENTALIDADE E O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA SUA APLICAÇÃO
Em razão da ausência de legislação específica tratando acerca da multiparentalidade no ordenamento jurídico brasileiro, fez-se necessária a atuação do Poder Judiciário para a implementação e reconhecimento do referido instituto, ante o anseio de adequar-se as mudanças nas relações sociais à legislação pátria, sobretudo fazendo uso dos princípios constitucionais.
3.1 A MULTIPARENTALIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA
Em razão das grandes transformações vivenciadas no núcleo familiar e o aprimoramento do Código Civil brasileiro, bem como dos novos preceitos constitucionais, fundados na dignidade da pessoa humana, houve o surgimento de um novo instituto familiar que pode ser denominado como multiparentalidade ou pluriparentalidade.
Tratando-se de uma novidade para o âmbito do Direito de Família, e por ainda não possuir normas específicas ou reconhecimento pacificado na jurisprudência, inexiste uma definição una sobre o conceito de multiparentalidade. Todavia, dentre as formas de conceituação do instituto em comento, destaca-se o pensamento da autora Maria Goreth Macedo Valadares (2016, p. 55) ao revelar que
A multiparentalidade pode ser conceituada como a existência de mais de um vínculo na linha ascendente de primeiro grau, do lado materno ou paterno, desde que acompanhado de um terceiro elo. Assim, para que ocorra tal fenômeno, necessário pelo menos três pessoas no registro de nascimento de um filho [...]
É válido mencionar, neste contexto, o ensinamento de Welter Belmiro, que em seu livro sobre a Teoria Tridimensional do Direito de Família revela que “o ser humano não é apenas genético, ou tão só afetivo, e nem genético e afetivo, mas, sim, uma condição humana genética e afetiva e ontológica, ao mesmo tempo” (BELMIRO, 2009, p. 129).
O referido Autor, por meio da sua teoria, possui um papel relevante quanto à definição de multiparentalidade, tendo em vista que se propõe a demonstrar a importância da construção da afetividade nas relações familiares, surgindo, a partir daí, a discussão sobre o reconhecimento do vínculo multiparental.
Com efeito, as relações multiparentais legitimam os laços socioafetivos como vínculo parental, e não somente isso, mas também se propõe a validar a socioafetividade de forma igualitária ao vínculo genético, ou seja, a multiparentalidade trouxe à tona a união das paternidades ou maternidades socioafetivas e biológicas.
Logo, é possível observar que através da multiparentalidade o vínculo socioafetivo consolidou-se como forma de constituir o núcleo parental, deixando de lado os conceitos ultrapassados que defendiam que a filiação dependia única e exclusivamente do critério biológico.
3.2 DOS PRINCÍPIOS QUE REGEM A RELAÇÃO MULTIPARENTAL
De início, essencial destacar que o reconhecimento da multiparentalidade sem sombra de dúvidas foi motivado pelos princípios e fundamentos do Direito de Família e do Direito Constitucional, podendo ser destacados os seguintes princípios: dignidade da pessoa humana, solidariedade familiar, afetividade e da proteção do melhor interesse da criança e do adolescente.
No tocante ao princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1°, inciso III, da Constituição Federal de 1988, é oportuno destacar o que preleciona Maria Berenice Dias (2016, p.74) ao defender que
O direito das famílias está umbilicalmente ligado aos direitos humanos, que têm por base o princípio da dignidade da pessoa humana, versão axiológica da natureza humana. O princípio da dignidade humana significa, em última análise, igual dignidade para todas as entidades familiares. Assim, é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição [...].
Desta forma, este princípio, quando correlacionado à multiparentalidade, foi responsável por garantir aos que fazem parte da relação multiparental a segurança de efetivação dos seus direitos civis e sociais, além do poder autônomo de constituir o seu próprio núcleo familiar e, por meio disso, proporcionar aos pais, mães e filhos condições mínimas para validar as suas adaptações sociais e suas necessidades pessoais ao fazer surgir um novo modelo de núcleo familiar através da coexistência de duas ou mais parentalidades.
Quanto ao princípio da solidariedade familiar, cumpre ressaltar que ele está disposto no artigo 1.511 do Código Civil, o qual estabelece que o casamento trata-se da “comunhão plena de vida” e no artigo 227 da Constituição Federal, que determina como dever da família, da sociedade e Estado a capacidade de garantir os direitos fundamentais às crianças, aos adolescentes e aos jovens. Desta feita, o princípio em comento traduz-se na exigência dentro do núcleo familiar de um comportamento solidário de uns com os outros, através da assistência mútua ou reciprocidade de deveres, de forma a assegurar a plenitude de vida daqueles que são parte de determinado grupo familiar, seja no âmbito social, psicológico ou financeiro.
Sobre o princípio da afetividade, disposto no artigo 226, § 4°, c/c artigo 227, caput, §§ 5° e 6°, todos da Constituição Federal, é possível colocá-lo como o fundamento basilar para o reconhecimento da multiparentalidade, posto que este princípio traz o apontamento do afeto como base existencial nas relações familiares. Como se nota, na evolução histórica e jurídica da família, como demonstrado anteriormente, a efetividade foi equiparada aos laços consanguíneos.
A esse respeito é relevante acentuar o pensamento de Maria Berenice Dias (2016, p. 84) ao asseverar que
O direito ao afeto está muito ligado ao direito fundamental à felicidade. Também há a necessidade de o Estado atuar de modo a ajudar as pessoas a realizarem seus projetos de realização de preferências ou desejos legítimos. Não basta a ausência de interferências estatais. O Estado precisa criar instrumentos - políticas públicas - que contribuam para as aspirações de felicidade das pessoas, municiado por elementos informacionais a respeito do que é importante para a comunidade e para o indivíduo.
Noutro giro, quanto ao princípio da proteção do melhor interesse da criança e do adolescente com previsão nos artigos 227 e 229 da Constituição Federal, verifica-se que o mencionado princípio revela-se como mecanismo de garantia em que a família, o Estado e a sociedade serão responsáveis por proporcionar à criança e ao adolescente uma proteção integral, seja através da assistência financeira, educação, desenvolvimento físico e mental ou por outras condições de existência que estejam em conformidade com a dignidade da pessoa humana.
Por fim, mas não menos relevante, observa-se que o principio da proteção do melhor interesse da criança e do adolescente, quando aplicado nas relações multiparentais, traduz-se na ideia de que o vínculo multiparental deverá atender à necessidade da criança ou do adolescente, ou seja, para que seja reconhecida juridicamente a coexistência da parentalidade biológica e socioafetiva é necessária a prévia análise social dos interesses do filho e de como os efeitos dessa multiplicidade de vínculos podem interferir em sua vida social.
3.3. O RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE E SUA APLICAÇÃO PERANTE O STF E STJ
Ainda que reconhecido e conceituado pela doutrina, o instituto da multiparentalidade não encontra respaldo jurídico específico no ordenamento jurídico pátrio. Em que pese esse fato, em 21 de setembro de 2016 a justiça brasileira se posicionou reconhecendo a multiparentalidade através da tese de Repercussão Geral nº 622 do STF.
No caso em questão, objeto de análise pelo STF, a discussão foi pautada na investigação de paternidade e necessidade de retificação do registro do filho. No caso concreto, o menor foi fruto de uma relação extraconjugal, o que ocasionou um impasse entre a paternidade biológica e a socioafetiva, havendo, em razão disso, a necessidade de reconhecer-se a multiplicidade de vínculos parentais e a coexistência destes.
Diante do conflito existente, houve o julgamento do Recurso Extraordinário nº 898060-SC, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, fixando-se a tese de Repercussão Geral nº 622, a qual dispõe que: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
No referido leading case, o caso versava sobre requerimento de anulação do registro civil de nascimento em que constava o nome dos avós paternos como pais do menor, bem como sobre a retificação do registro de nascimento após o reconhecimento da paternidade do pai biológico. A decisão em primeira instância foi de procedência da ação proposta e, posteriormente, foi interposto recurso de apelação ao Tribunal de Justiça da Paraíba e, logo após, Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), entretanto, a sentença ainda foi mantida pelos órgãos julgadores de 2ª instância.
Em sede de Agravo Regimental em Recurso Especial, interposto pelos réus, objetivou-se a sobreposição do vínculo parental socioafetivo sobre o biológico. Novamente foi mantido o que restou decidido na sentença, sob o fundamento de que, quanto à adoção à brasileira, o direito ao requerimento da nulidade do registro, em detrimento da busca da paternidade biológica, deve ser garantido, independentemente do lapso temporal transcorrido.
Diante da negação ao provimento do recurso, os agravantes interpuseram Recurso Extraordinário sob a alegação de inobservância do disposto no artigo 226, caput, da Constituição Federal, alegando, para tanto, que no caso em tela o princípio da afetividade estava sendo violado quando se fez presente a priorização da paternidade biológica sobre a socioafetiva. No Recurso Extraordinário nº 898.060, o relator do caso, Ministro Luiz Fux, em seu voto, negou provimento ao recurso e fixou a tese supramencionada.
Entendeu-se possível o reconhecimento da coexistência da paternidade biológica e socioafetiva e os efeitos derivados dessa relação multiparental, ou seja, firmou-se entendimento no sentido de que, em existindo uma multiplicidade de vínculos parentais na relação familiar, não deverá haver prevalência do vínculo biológico sobre o socioafetivo.
A par disso, em 23 de abril de 2018, em acórdão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp nº 1.674.849, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, aplicou-se o preconizado na tese de Repercussão Geral nº 622 do STF, colocando em destaque o reconhecimento da multiparentalidade, tendo como um dos fundamentos para o reconhecimento do referenciado instituto os princípios do melhor interesse da criança e da paternidade responsável.
O caso responsável pelo julgado do STJ tratava-se de um recurso em que a genitora objetivava assegurar à sua filha a exclusão do pai socioafetivo do registro civil, a fim de fazer constar apenas o nome do pai biológico. A genitora, almejando uma reaproximação entre o pai biológico e sua filha, ingressou com ação de investigação de paternidade cumulada com pedido de retificação do registro civil, entretanto, através do estudo social realizado observou-se que o pai biológico não tinha o real interesse de registrar a filha ou manter laços afetivos.
Neste contexto, o julgado do STJ trouxe à tona a ratificação da tese de Repercussão Geral nº 622 do STF, ao negar provimento ao recurso interposto pela genitora, motivado pela observância do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Nesse ínterim, é importante mencionar que a partir do Provimento 63, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicado em 17 de novembro de 2017, foi disciplinado pela Corregedoria Nacional de Justiça o reconhecimento extrajudicial da parternidade socioafetiva, pois conforme o regulamentado, independentemente de decisão judicial, o registro do pai ou mãe socioafetivos poderá ocorrer diretamente no Cartório de Registro Civil.
Ainda sobre o Provimento 63 do CNJ, pode ser observado através dos artigos 13 e 14 que o reconhecimento extrajudicial da paternidade ou maternidade socioafetiva não será aplicado nas hipóteses em que houver discussão judicial sobre procedimento de adoção e reconhecimento de paternidade ou nos casos de vínculo multiparental que implique no registro de mais de dois pais e de duas mães no campo filiação no assento de nascimento, ou seja, o regramento abarca somente o reconhecimento da relação socioaefetiva unilateral.
Diante do posicionamento jurisprudencial sobre a multiparentalidade, bem como em razão do Provimento 63 do CNJ, faz-se necessário abordar na presente pesquisa os efeitos jurídicos decorrentes das relações multiparentais, tendo em vista que o reconhecimento desta acarreta uma situação em que permanecem os direitos e deveres do pai biológico e amplia-se a extensão destes ao pai socioafetivo.
4. DOS EFEITOS DA MULTIPARENTALIDADE E DA JURISPRUDÊNCIA DO STF E STJ
Como exposto, os casos em concreto que resultaram no posicionamento jurídico tanto do STF quanto do STJ sobre a multiparentalidade pautavam-se apenas no direito ao nome no registro civil do pai biológico e socioafetivo. Contudo, o desdobramento dessa multiplicidade de parentalidade vai muito além do que apenas o direito ao registro civil de mais de dois genitores.
A multiplicidade de vínculos parentais acarreta efeitos jurídicos que poderão futuramente gerar grandes debates sobre os direitos e deveres que já estão codificados pelo Código Civil brasileiro nas relações parentais convencionais.
Dentre os possíveis conflitos da aplicação deste instituto cível, é válido mencionar o posicionamento de Christiano Cassettari (2017, p. 150), o qual aborda os problemas práticos de aplicação da multiparentalidade, tais como na emancipação voluntária, representação e assistência processual para os filhos de até 16 anos, suspensão do poder familiar, nomeação de tutor, direitos alimentícios e sucessórios, responsabilidade civil dos genitores e curadoria do ausente. Dentre as problemáticas elencadas, calha salientar que no presente artigo serão abordadas a emancipação voluntária, pensão alimentícia e os direitos sucessórios.
Quanto à emancipação voluntária, com previsão no inciso I do parágrafo único do artigo 5º do Código Civil, é possível observar neste dispositivo legal que os filhos com limite de idade até os 16 anos podem cessar sua incapacidade relativa para a realização dos atos da vida civil mediante autorização dos pais ou de um deles na falta do outro, através de escritura pública, sem a necessidade de homologação judicial ou decisão por sentença.
Este instituto, quando aplicado na relação multiparental, faz surgir questionamentos como: quem será o genitor responsável pela emancipação? Caso um dos genitores discorde, qual seria a medida a ser adotada?
A previsão legal do Código Civil é no sentido de que, para que a emancipação voluntária seja válida, será necessária a concordância de todos os genitores para que, posteriormente, seja obtida através de escritura pública a emancipação. Entretanto, em caso de discordância de um dos pais ou mães, poderá ser utilizado o artigo 1.631 do Código Civil, o qual dispõe, em seu parágrafo único, que, divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.
Nesse ponto, é válido mencionar o posicionamento de Christiano Cassettari (2017, p.151) ao criticar a possibilidade de prevalência de uma decisão tomada pela maioria dos votos dos genitores (biológicos e socioafetivos), por meio da aplicação de uma simples conta matemática, devendo, nesse caso, em não havendo unanimidade, a celeuma ser solucionada judicialmente:
[...] havendo divergência entre pais, a questão deve ser resolvida no Judiciário, motivo pelo qual a emancipação voluntária deve ocorrer por unanimidade e não maioria de votos. Acreditamos nisso, pois não podemos desvalorizar o posicionamento de um dos genitores em prevalência dos demais, motivo pelo qual deverá o magistrado verificar o que é melhor para o adolescente. (CASSETTARI, 2017, p.151).
Apesar da possibilidade de aplicação do Código Civil no que se refere à multiparentalidade, sobre este particular referido diploma normativo necessita de interpretação para uma melhor adequação ao caso em concreto, inexistindo dispositivo legal específico abordando o assunto.
Sobre a obrigação alimentar, é possível verificar que nas relações multiparentais deverá ser observando o disposto nos artigos 164 e 1.698 do Código Civil. Conforme aponta Christiano Cassettari (2017, p. 152), a pensão alimentícia deverá ser paga por qualquer um dos que fazem parte do núcleo familiar multiparental, aplicando-se o disposto no artigo 265 do Código Civil. Além disso, informa que também é possível a aplicação do artigo 1.698 do Código Civil, amoldável aos casos em que várias pessoas são obrigadas a prestar alimentos, respeitando-se a proporção de recursos de cada um.
No tocante ao direito sucessório, é importante ressaltar que a herança é uma garantia constitucional, prevista no artigo 5º, inciso XXX, e, conforme o texto constitucional, não existe vedação sobre o direito a herança nos casos de múltiplos ascendentes. Noutro giro, também acerca do tema, o Código Civil regulamenta em seu artigo 1.829 o seguinte:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Esse dispositivo, quando aplicado à multiparentalidade, torna herdeiro(a) legítimo(a) tanto o pai ou mãe biológicos quanto os socioafetivos, principalmente nos casos em que a existência da multiparentalidade decorrer de causa post mortem, ou seja, sem que o filho tenha tido convívio diário com os genitores biológicos. Nestes casos, assim assevera Cristiano Cassettari:
Acreditamos que a tese da socioafetividade deve ser aplicada às avessas, ou seja, também para gerar a perda de direito, pois, se a convivência com o pai afetivo pode gerar o direito sucessório pela construção da posse do estado de filho, caso ela não existisse poder-se-ia afirmar que não haveria direito à herança no caso em tela. (CASSETTARI, 2017, p. 88)
Clarividente neste trecho que no direito sucessório a socioafetividade pode funcionar como mecanismo válido para desvincular os direitos sobre a herança dos pais biológicos, nos casos de sucessão post mortem, tendo em vista que a relação parental neste contexto vai muito além do que apenas o vínculo sanguíneo, pois o afeto é pressuposto existencial da parentalidade.
Conforme o exposto é possível verificar que a multiparentalidade gera no ordenamento pátrio diversos efeitos decorrentes da relação de parentesco. Todavia, tratando-se de uma filiação atípica, a aplicação dos institutos do direito de família, criados especificamente para a estrutura familiar monoparental, não é efetiva para a família multiparental. Desta forma, a atuação do Poder Judiciário é imprescindível para a interpretação e adequação destes para cada caso concreto.
4.1 ANÁLISE DAS JURISPRUDÊNCIAS SOBRE MULTIPARENTALIDADE NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS NO PERÍODO DE 2016 A 2018
Após ter sido abordado o entendimento do STF e do STJ acerca da multiparentalidade, faz-se necessária uma análise regional acerca das demandas que abrangem o tema multiparentalidade, bem como quanto ao tratamento conferido ao tema pelo Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, conforme pesquisa realizada no site do referido Tribunal e no sistema e-Proc de 1º e 2º graus.
4.1.1 SENTENÇA DA COMARCA DE PARAÍSO DO TOCANTINS-TO – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS
Em decisão prolatada pelo Juiz de Direito Océlio Nobre da Silva, da Comarca de Paraíso do Tocantins-TO, no processo de nº 0005553-97.2016.827.2731, pode ser observada a aplicação da tese de Repercussão Geral nº 622 do STF. No referido caso, a ação foi julgada procedente, determinando-se que constasse do registro civil da filha os nomes tanto do pai biológico quanto do socioafetivo. A determinação judicial versou também sobre alterações no sobrenome da filha e a inclusão no registro de nascimento dos avôs paternos socioafetivos.
Durante a instrução processual, o pai socioafetivo e a filha comprovaram a existência da afetividade e a reciprocidade de sentimentos entre pai e filha desde o ano de 2007. O entendimento do Magistrado foi externado da seguinte forma:
O processo demonstra que a requerente (a filha) tem o requerente (o pai socioafetivo) como pai e ele a considera sua filha, laços que a sociedade reconhece. O direito não deve, portanto, valer-se de artifícios formais para negar-lhe o reconhecimento desta identidade, da qual já desfrutam e se reconhecem mutuamente.
Ademais, para o juiz, ao declarar procedentes os pedidos formulados na petição inicial, não estaria somente atendendo ao direito adquirido pelos autores, mas também à efetividade da atuação do Judiciário, satisfazendo integralmente o direito material requerido pelas partes e garantindo a efetividade da prestação jurisdicional.
4.1.2 SENTENÇA DA COMARCA DE ARAGUAÍNA-TO – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS
Em 02/12/2016 foi realizada audiência no Juizado Especial da Infância e Juventude da Comarca de Araguaína-TO, sendo proferida sentença pelo Juiz Herisberto e Silva Furtado Caldas em caso envolvendo discussão entre mães biológica e adotiva sobre o direito ao registro civil de duas crianças.
Na audiência, as partes firmaram acordo, a fim de que na certidão de nascimento das menores constasse tanto o nome da mãe biológica quanto da adotiva e o direito a visitas por parte da mãe biológica. No caso em questão, foi realizada uma análise social referente ao histórico familiar das crianças, e, conforme os autos, a mãe adotiva, que ingressou com a ação, mantinha relação de afeto e responsabilidades maternais desde o nascimento das crianças.
O Magistrado Herisberto e Silva Furtado Caldas, na fundamentação jurídica da sentença, evidenciou a aplicação do princípio do melhor interesse das crianças e explanou sobre não existir razões relevantes para a exclusão da mãe biológica do registro de nascimento dos filhos, tendo em vista que, malgrado as crianças estarem sob os cuidados da mãe adotiva desde o seu nascimento, a mãe biológica nunca se afastou das menores. No caso, também foram decididas questões relacionadas não somente à mudança no sobrenome das crianças, mas também quanto à inclusão dos nomes dos avós, pais da mãe adotiva, no registro de nascimento.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na presente pesquisa foi realizada, inicialmente, uma breve análise sobre o conceito e a evolução histórica e jurídica da família, dando primazia à Constituição Federal de 1988, para que, posteriormente, fosse abordada a vigência dos princípios constitucionais e do direito de família que regem o núcleo familiar.
Nesse contexto, foi retratada a relativização da ideia de consanguinidade ante a formação da família e a nova proposta de composição do núcleo familiar com o surgimento da multiparentalidade. Conforme foi explanado, verificou-se o papel fundamental do Judiciário ao reconhecer a multiparentalidade através da tese fixada na Repercussão Geral nº 622 do STF e, desta forma, a possibilidade da coexistência de mais de dois vínculos parentais, sejam eles biológicos ou socioafetivos.
Logo após, como desdobramentos da tese em comento, observou-se as novas decisões por parte do STJ, reafirmando e delimitando a aplicação desta e do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, posto que, durante a pesquisa, os julgados do Tocantins foram objeto de estudo. Ademais, foram analisados os possíveis efeitos jurídicos gerados com o reconhecimento da relação multiparental, com destaque aos direitos sucessórios, alimentícios e à emancipação.
Por fim, conforme o desenvolvimento da pesquisa, constatou-se que a multiparentalidade carece de normatização específica para regulamentar os possíveis efeitos gerados pela existência de múltiplos vínculos parentais, tendo em vista que, tratando-se da coexistência de parentalidades, os institutos cíveis aplicáveis a toda relação de parentesco, quando vigentes na relação multiparental, inviabilizam a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana de forma plena, em virtude de as possibilidades previstas no Código Civil de 2002 abarcarem, primordialmente, o núcleo familiar monoparental.
É válido acrescentar que decorrente dessa situação, futuramente poderá ocorrer um aumento considerável de demandas perante o Poder Judiciário para analisar e entender cada caso em concreto, bem como para propiciar a adaptação dos institutos cíveis próprios da família monoparental, para a família multiparental.
Logo, a solução atual e insurgente para esta problemática se dará com a criação de lei específica que delimite a abrangência dos institutos cíveis nas relações multiparentais e discipline as suas hipóteses de aplicação, fazendo com que, assim, seja validado o princípio da dignidade da pessoa humana de forma plena e efetiva para os pais e mães biológicos ou socioafetivos e, principalmente, para as crianças e adolescentes que se encontrem dentro da estrutura de uma família multiparental.
REFERÊNCIAS
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CABRAL, João Francisco Pereira. "O conceito de animal político em Aristóteles". Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-conceito-animal-politico-aristoteles.htm>. Acesso em: 28 de nov. 2018.
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[1] Karine Alves Gonçalves Mota. Professora do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo. Mestre em Direito pela Universidade de Marília e Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected].
Acadêmica de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Kamila Fernandes de. A multiparentalidade frente à necessidade de normatização da coexistência da parentalidade socioafetiva e biológica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52912/a-multiparentalidade-frente-a-necessidade-de-normatizacao-da-coexistencia-da-parentalidade-socioafetiva-e-biologica. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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