AILTON NOSSA MENDONÇA
(Orientador)
RESUMO: O presente trabalho visa discorrer sobre a visão do concubinato sendo tratado como uma forma de exclusão dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Nesse contexto, vem a tona uma visão de uma sociedade que vem passando por mudanças em sua estrutura. Assim, demonstrando a realidade social, surgem as consequências jurídicas. Diante de um cenário jurídico não regulamentado e por infringir princípios importantes na concessão do casamento, como o princípio da monogamia, o tema vem sendo aprofundado no campo da jurisprudência. Diversos casos que corriqueiramente ocorrem que configure em tal situação esta desprovido de proteção legal pela lacuna legislativa. Desta forma, requer-se uma análise mais apurada sobre as consequência jurídicas que tais uniões paralelas podem causar, com diversos dissídios judiciais na perspectiva familiar, como o direito ao alimento e seus reflexos patrimoniais.
Palavras-chaves: Concubinato. Princípio da monogamia. Lacuna. União. Alimentos.
ABSTRACT: This paper aims to discuss the view of concubinage being treated as a form of exclusion within the Brazilian legal system. In this context, a vision of a society that has undergone changes in its structure comes to light. Thus, demonstrating the social reality, the legal consequences arise. In the face of an unregulated legal scenario and because it violates important principles in the granting of marriage, such as the principle of monogamy, the subject has been deepened in the field of jurisprudence. Several cases that occur in the event that in such a situation it is devoid of legal protection by the legislative gap. In this way, a more accurate analysis is required on the legal consequences that such parallel unions can cause, with several judicial decisions in the family perspective, as the right to food and its patrimonial reflexes.
Key-words: Concubinage. Principle of monogamy. Gap. Unity. Food.
Sumário: 1. Introdução. 2. Breve análise ao concubinato. 3. Visão histórica ao concubinato. 4. Entidades familiares e suas espécies. 5. Consequências do concubinato adulterino e seus efeitos jurídicos. 5.1 Da ausência legislativa. 5.2 Súmula 380 do STF com seu reflexo patrimonial. 6. Da possibilidade da partilha de bens. 7. Alimentos. 8. Inadmissibilidade a indenização por serviços domésticos prestados. 9. Conclusão. 10. Referências.
1. Introdução
O presente estudo tratará a respeito das consequências jurídicas do concubinato deparado com o ordenamento jurídico brasileiro, no qual, desde um aspecto histórico-jurídico, habitualmente era tratado como uma matéria de normas de exclusão, contudo, numa visão atual, diante do avanço da ciência do Direito de Família, tais vínculos vem conquistando reconhecimento.
Inúmeras transformações ocorreram para se chegar à concepção de família, como tal, anteriormente no direito brasileiro, a única forma considerada de constituição de família legítima era o casamento. Assim, este cenário foi modificado com a promulgação da Constituição Federal de 1.988, que propiciou o reconhecimento de outras entidades familiares, são elas: a família matrimonial, a família decorrente da união estável, a família monoparental, e outras que são reconhecidas pela jurisprudência e doutrina brasileira.
O conteúdo do presente trabalho pauta-se na análise do concubinato, ou seja, a relação não eventual entre homem e mulher, impedidos de casar (com ar de clandestinidade), possuindo filhos ou não, contudo, não se confundindo com a união estável.
Tal instituto é comum possuir associações negativas no ordenamento jurídico, sujeito de negar possíveis existências de direitos e obrigações na relação interpessoal. Todavia, trata-se de uma relação fática e corriqueira.
Como os relacionamentos paralelos tem se mostrado cada vez mais em voga, ainda que tenha estado presente desde os primórdios da humanidade, é notável a lacuna legislativa sobre o tema. Ocorre que ainda há resistência ao enfoque por se tratar de matéria que fira a proteção ao matrimônio e ao princípio da monogamia. Assim, matéria que deveria ser inserida no campo do Direito de Família vem sendo regulada pelo campo das obrigações, como maneira de não ignorar por completo seus efeitos.
2. Breve análise ao concubinato
O termo concubinato originou-se do latim concubinatus, vocábulo este que sucedeu ao termo antigo de “comunhão de leito”, na qual eram chamadas as uniões do qual não possuíam aprovação legal.
Por um longo tempo, o termo concubinato era classificado como puro e impuro, sendo o puro aquele que não havia qualquer restrição legal impeditiva, ou seja, matinham relacionamento sem se casarem formalmente; já o impuro ou adulterino ao menos uma das pessoas detinham impedimentos, sendo assim, não estavam aptos legalmente para realizarem um registro formal e legal de casamento.
No ordenamento jurídico há um expresso conceito no artigo 1.727 do Código Civil (Vade Mecum compacto, 2017, p. 274), conceituando o concubinato como “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de se casar”. Dispondo os impedimentos ao casamento arrolados no artigo 1.521 do Código Civil.
Com toda a evolução histórica e com o advento do reconhecimento de uma nova entidade familiar, surgiu a proteção legal ao concubinato puro, sendo este alterado em União Estável, que nada mais é que uma união duradoura, sem restrições impeditivas ao casamento, de caráter estável e de reciprocidade mútua, sendo essencial a fidelidade (que é um dos deveres do casamento) que tem por base legal o artigo 226, § 3º do Código Civil. Todavia, para a caracterização desta, devem-se obedecer alguns deveres, tais como a lealdade, respeito, assistência de guarda, sustento e educação dos filhos.
Com sua imoralidade extinta, o Código Civil de 2.002 adotou a Teoria do Desestímulo ao Concubinato, assim, observamos um exemplo, em seu artigo 550 enunciando que “a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.” (Vade Mecum compacto, 2.017, p. 198).
Pensar em concubinato impuro ou adulterino é tratar-se de um envolvimento paralelo e simultâneo, remetendo a uma família constitucionalmente reconhecida e outra sociedade conjugal concomitante com a mesma.
3. Visão histórica ao concubino
A figura do concubinato na antiguidade só era aceita entre os homens, visto que não criavam dúvida na alienação de bens. Assim, em muitos locais, apesar de pertencerem a um sistema de casamento monogâmico, tolerava-se o concubinato. Imprescindível apontar que as concubinas dos homens detinham status inferior ao da esposa, todavia, podiam morar na casa do amante, desde que se sujeitasse a vontade deste.
Na maneira em que a humanidade se aprimorava, passavam-se a diferenciar as mulheres como esposa e as amantes como concubinas. Desta forma, houve uma diferenciação com direitos e garantias, herdando o patrimônio, ao passo que as concubinas viviam a deriva do direito, não podendo mais viver juntos com as esposas.
Os povos antigos castigavam a infidelidade feminina, sendo estas obrigadas a viverem entre si. Observa-se que o concubinato não era visto como imoral e, sequer, ilegal.
No Brasil, temos como exemplo a Domitila de Castro Canto e Melo, Marquesa de Santos que se relacionou com Dom Pedro I enquanto casado, entre o ano de 1.826 a 1.829.
Como vimos, os envolvimentos concubinários estão entre a sociedade há séculos, o que se solidifica a imposição desta pauta no ordenamento jurídico brasileiro.
4.Entidades familiares e suas espécies
No século XX, na vigência do Código Civil de 1916, o casamento era a única forma de constituir família. Para a concretização das famílias necessitava-se de características próprias, sendo que, tal ato deveria ser matrimonizado, tendo em sua essência a união heterossexual; patriarcal, ou seja, todos os membros da família eram submissos ao poder paternal; e indesatável, que com a preponderância do poder da igreja, havia o conceito de união feita por Deus era inseparável pelo Homem.
Com o passar do tempo e com a promulgação do Código Civil de 2002, houve um grande avanço na visão familiar, abrangendo a ótica do que seria família, rompendo a supremacia de uma única forma da constituição do poder familiar.
A partir de então, a Constituição Federal reconheceu expressamente a união estável como entidade familiar, que, nada mais é que “a convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato”. (AZEVEDO, Álvaro Villaça, 2000).
Desta forma, a união estável tem seus requisitos necessários elencados no artigo 1.723 do Código Civil de 2002, “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e uma mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituir família.” (Vade Medum compacto, 2.017, p. 273).
Todavia, nos dias atuais a união entre o homem e a mulher deixa de ser uma regra, pois a família também pode ser formada por pessoas do mesmo sexo, chamadas famílias homoafetivas. Conforme a Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça que obriga os cartórios a realizarem casamentos entre casais do mesmo sexo.
Desta forma, a atual sociedade familiar brasileira se caracteriza por ser socioafetiva, sendo esta formada por ligação de afeto, e não por lei.
Ainda temos a entidade familiar monoparental, prevista na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, § 4º, que “entende-se como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. (Vade Mecum compacto, 2.017, p. 74).
Tal entidade se forma por um dos cônjuges, geralmente por mães solteiras e abandonadas com seus filhos, passando a ser mais apontado pelo grande número de divórcio nos últimos anos.
Conforme citado acima, a união homoafetiva foi um marco na conquista de direitos, sendo que, há pouco tempo tal união não era reconhecida perante o mundo jurídico. Todavia, a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADPF 132) e a citada decisão do Conselho Nacional de Justiça (Resolução nº 175/2013), o sistema jurídico reconhece a união de pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar.
Há indicativos que posteriormente a essa decisão, existe viabilidade do reconhecimento de união estável homoafetiva, já que tal união foi regulamentada.
Outro avança foi o reconhecimento da entidade familiar pluriparental, que, deixando de lado a clássica família e baseando-se em afeto, caracteriza-se por casais em que um ou ambos já foram casados ou possuíam união estável anterior. Por derradeiro, o Estatuto das Famílias (lei 2.285/2007), em seu artigo 69, § 2º diz que “família pluriparental é a constituída pela convivência entre irmãos, bem como as comunhões afetivas estáveis existentes entre parentes em linha reta ou colateral”.
Por fim, a família unipessoal dispensa o requisito de pluralidade, ou seja, é formada por apenas uma pessoa, sendo esta solteira, divorciada ou viúva. Assim, com o intuito de buscar o valor social da lei, o Superior Tribunal de Justiça ampliou sua visão familiar e introduziu a família unipessoal. Tal marco fez com que o STJ criasse a Sumula 364, “o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”. (Vade Mecum compacto, 2.017, p. 1.721).
As entidades familiares foram se adaptando a atual realidade, deixando de lado a visão jurídica arcaica.
5. Consequências do concubinato adulterino e seus efeitos jurídicos
Não há como negar que existem vários dispositivos jurídicos que exibem o repúdio do legislador brasileiro ao concubinato. De modo que ainda não se nota a presença de dispositivos garantidores de direito aos concubinos, ficando para a doutrina e jurisprudência a responsabilidade de analisar os casos.
Mesmo havendo impedimentos matrimoniais entre os sujeitos, não se pode omitir a ocorrência fática de relacionamentos simultâneos, ou seja, ainda há a prática do concubinato, por diversos motivos, que gera consequência na vida de parcela considerável da população brasileira.
Quanto aos efeitos produzidos pelo concubinato, sobretudo, este incide dois efeitos jurídicos, sendo o positivo e o negativo. Vale mencionar que os efeitos positivos priorizam a proteção a prole, com reconhecimento dos filhos e dos direitos e deveres do pátrio poder. De modo que, um dos requisitos negativos que o novo Código Civil Brasileiro trouxe, conforme a regra do inciso III do artigo 1.719 veda a nomeação da concubina como herdeira ou legatária do testador, assim, conforme a doutrina:
“Os efeitos jurídicos positivos do concubinato são os que resultam em favor de quem os invoca como fato gerador de direito. Já os efeitos negativos são aqueles que extinguem ou modificam o direito já existente, ou que importam em sanções [...]” (OLIVEIRA, José Francisco Basílio, 1993, p. 53).
Ainda há uma grande dificuldade entre os legisladores em tratar o concubinato como uma área do Direito de Família, em respeito aos princípios do casamento. Todavia, como forma de atenuar tal empecilho, vem sendo regulado pelo Direito das Obrigações, o que geraria consequências negativas como o enriquecimento ilícito de uma das partes e desamparo jurídico. Com isso, uma parte da jurisprudência vem concedendo a viabilidade de geração de direitos e obrigações no plano assistencial, como vejamos uma decisão do Supremo Tribunal Federal:
PENSÃO PREVIDÊNCIÁRIA – PARTILHA DE PENSÃO ENTRE A VIÚVA E A CONCUBINA – COEXISTÊNCIA DE VINCULO CONJUGAL E A NÃO SEPARAÇÃO DE FATO DA PESSOA – CONCUBINATO IMPURO DE LONGA DURAÇÃO. Circunstâncias especiais reconhecidas em Juízo. Possibilidade de geração de direitos e obrigações, máxime no plano da assistência social. Acórdão recorrido não deliberou à luz dos preceitos legais invocados. Recurso especial não conhecido [...] (STJ - REsp: 742685 RJ 2005/0062201-1, Relator: Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Data de Julgamento: 04/08/2005, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: --> DJ 05/09/2005 p. 484 RDTJRJ vol. 71 p. 121). (grifo nosso)
Nessa esteira, não há como o Estado negar às partes dessas relações simultâneas, estando presente a boa-fé, a obrigação alimentar, direito sucessório e a divisão do patrimônio, ou seja, com uma análise a jurisprudência, o partícipe da relação que não saiba do status matrimonial do parceiro, em coabitação, garantirá proteção legal do mesmo modo que a enganada. Por outro lado, presente a má-fé – sabendo este que o parceiro é casado ou vive em união estável – não terá seus direitos resguardados:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. PENSÃO POR MORTE. CONCUBINATO ADULTERINO. BOA-FÉ. EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS. POSSIBILIDADE. 1. A existência de impedimentos ao casamento não obsta o reconhecimento de entidade familiar nas hipóteses de concubinato adulterino, quando da vigência de matrimônio válido sem separação, não retirando da concubina a proteção previdenciária, quanto às situações em que reste evidenciada a boa-fé, entendida essa não somente como o desconhecimento de supostos impedimentos ao casamento, mas também nas hipóteses em que a afetividade, estabilidade e ostensibilidade da relação revelem expectativa no sentido de que aquele relacionamento poderá evoluir para o casamento, dependendo do contexto dos autos. 2. Interpretação do inciso I e dos §§ 3º e 4º do art. 16 da Lei nº 8.213/91 à luz do art. 226, § 3º, CF [...] (TRF-4 – IUJEF: 41530220094047053 PR 0004153-02.2009.404.7053, Relator: SUSANA SBROGIO GALIA, Data de Julgamento: 19/08/2011, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO).
A principal característica do concubinato é o afronto ao princípio da monogamia, todavia, apesar do não reconhecimento por parte da legislação brasileira, muitos doutrinadores entendem a incidência familiar nessas relações afetivas.
Desse modo, mesmo diante da grande complexidade do tema, o ordenamento jurídico ainda prioriza a manutenção do principio, tendo por base a cultura social brasileira. Contudo não se pode deixar de lado a existência dessas relações e os reflexos e consequências geradas ao partícipe. Assim, surge a necessidade de regularização jurisdicional mínima, mas, protegendo as entidades já consagradas.
5.1 Da ausência legislativa
Observando a legislação brasileira lacunosa quanto ao concubinato, notamos o tamanho do repúdio do legislador ao assunto. Desta feita, tal ausência causa vulnerabilidade das relações desses sujeitos, já que não há como impedir essa incidência de vínculos simultâneos.
Diante da não eventualidade conjugal, vê-se que grandes partes dos vínculos concubinários duram anos, gerando entre os concubinos dependência financeira entre si, constituem prole, adquirem propriedades juntos, entre outras situações que não podem deixar de lado pelo Direito, mesmo infringindo o princípio da monogamia.
A sua regulamentação não se torna necessário reconhecer os concubinos como entidade familiar, sequer a equiparação de seus efeitos aos do casamento ou união estável, é apenas evitar divergências e fragilidade jurídica.
5.2 Súmula 380 do STF com seu reflexo patrimonial
Segundo a súmula 380 do STF (Vade Mecum compacto, 2017, p. 1.698): “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.
Há muitos obstáculos que inibem as uniões paralelas diante a relação de patrimônio entre os concubinos, o que enaltecem a supremacia do princípio da monogamia. Todavia, verifica-se que tais relações existem de fato, tornando, em sua maioria, duradouras, públicas e habituais.
Assim sendo, é plausível a ocorrência de que entre os concubinos adquiram patrimônio em comum na vigência de seus relacionamentos, ainda, com possibilidade de convivência de dependência, entre outras possibilidades que refletem em seus patrimônios.
Diante de tais incidências, observa-se que podem gerar atritos entre os concubinos, e, por derradeiro, alcançar a esfera do cônjuge traído.
Assim sendo, temos alguns dispositivos que restringem os envolvidos nessas relações paralelas, dentre estes, citamos o artigo 1.801, III do Código Civil que impede a nomeação de concubinos como herdeiros ou legatários, salvo em caso de que este esteja separado de fato a mais de 05 (cinco) anos.
Ainda, no artigo 550 do Código Civil, há expressa restrição quanto à doação do cônjuge adúltero ao seu concubino, podendo tal fato ser anulado pelo cônjuge traído, ou por seus herdeiros até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.
Tais normas têm por finalidade a proteção ao espólio do cônjuge enganado, evitando a redução em seu patrimônio, podendo assim qualquer doação de bens ser anulada pelo cônjuge.
Nota-se, pois, que mencionados artigo somente expressam sobre determinadas situações entre deslealdade corriqueira, deixando de lado as situações fáticas que envolvem afeto de forma ampla.
Similarmente, a jurisdição brasileira vem reconhecendo e permeando por entendimento que repulsam ao concubinato adulterino. Porém, a gama de demandas judiciais vem crescendo e gerando divergência judicial, ocasionando instabilidade jurídica. Desta forma, os efeitos patrimoniais acabam sendo definido pelo entendimento do julgador, por falta de previsão legal.
Os julgadores analisam, nesses casos, a participação econômica dos concubinos na construção patrimonial, observando se houve contribuição direta na aquisição do bem, ou seja, bens adquiridos com esforço comum, impedindo o enriquecimento ilícito.
Imprescindível mencionar que a Súmula 380 do STF vem sendo aplicável aos casos de concubinato adulterino por haver possibilidade de aquisição direta entre os envolvidos.
Assim sendo, desde que comprovada a efetiva participação na constituição patrimonial de seu partícipe, este fará jus a sua colaboração, devendo este comprovar judicialmente sua colaboração na aquisição.
6. Da possibilidade da partilha de bens
Com base no senso comum e no que já foi mencionado, com a aquisição de um imóvel, uma vez adquirido patrimônio comum estes deve ser dividido em casos de morte ou divórcio. Contudo, em uma análise à jurisprudência, têm-se a visão de que o concubino detém tal direito desde que comprovada efetiva contribuição para a aquisição.
Todavia, ao analisar o artigo 1.829 do Código Civil para os efeitos familiares sucessórios, nota-se que o concubino não faz parte do rol legal, surgindo a incerteza quanto a seu direito a herança e participação na partilha de bens do de cujus.
Com reiteradas decisões, os tribunais vêm reconhecendo o direito a herança deixado pelo de cujo entre o concubino e os filhos. Conforme decisão:
APELAÇÃO CÍVEL – RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO E OUTRA UNIÃO ESTÁVEL – UNIÃO DÚPLICE – POSSIBILIDADE – PARTILHA DE BENS – MEAÇÃO – TRIAÇÃO – ALIMENTOS. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união estável entre a autora e o réu em período concomitante ao seu casamento e, posteriormente, concomitante a uma segunda união estável que se iniciou apôs o término do casamento. Caso em que se reconhece a união dúplice. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o réu. Meação que se transmuda em triação, pela duplicidade de uniões. O mesmo se verifica em relação aos bens adquiridos na constância da segunda união estável. (TJRS – Apelação Cível nº 70022775605 – Santa Vitória do Palmar – 8ª Câmara Cível – Rel. Des. Rui Portanova – DJ. 19.08.2008).
Tal decisão tem por base a Súmula 380 do STF, com fundamento ao princípio da vedação ao enriquecimento ilícito, com respaldo ao princípio da boa-fé.
7. Alimentos
Pelo fato do concubinato não ser considerado como uma entidade familiar questiona-se sobre a possibilidade de concessão de alimentos entre os partícipes, sendo que tal relação não gera vínculo.
De acordo com as decisões pátrias, os alimentos são prestados e devidos entre as pessoas mais próximas, observando a ligação de afeto. Com o intuito de satisfação das necessidades vitais, o Código Civil, em seu artigo 1.694 prevê critérios para a definição do dever de prestar alimentos, anunciando: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.” (Vade Mecum compacto, 2017, p. 272).
Em análise ao artigo supracitado, vê-se que não há previsão aos concubinos, adotando apenas o parentesco e o vínculo familiar como diretriz do dever de alimentar.
Entre as decisões jurisprudenciais há mais diversas para solucionar a questão. Alguns tribunais vêm reconhecendo a possibilidade de assegurar a prestação de alimentos entre os concubinos, respaldando-se em que o concubinato deve ser equiparado a uma entidade familiar:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. CONCUBINATO. ART. 1.727 DO CC/02. DIREITOA ALIMENTOS. ART. 1.694 DO CC/02. Ainda que o relacionamento mantido entre os litigantes seja tido como um concubinato, na forma do art. 1.727 do CC/02, também este se enquadra na categoria de entidade familiar a ensejar o direito de alimentosentre os concubinos, se presente a afetividade entre o casal, enquanto tal relacionamento perdurou. E a afetividade, no caso, existia entre os litigantes, devendo ser mantida a pensão alimentícia na forma como fixada na sentença. A omissão contida no art. 1.694 do CC/02 não afasta a concessão do direito em discussão. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70032101727, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 12/11/2009).
Todavia, tal decisão confronta a tese da impossibilidade de reconhecimento do concubinato adulterino como entidade familiar por respeito ao princípio da monogamia. Entretanto, não há como negar que em muitos casos há expressa dependência econômica de um concubinato ao outro, essencialmente em situações que se pendura por anos.
Conquanto, em casos em que um dos partícipes da relação concubinária vive em constante dependência financeira do outro, passando a ser sustentada integralmente pelo companheiro e, em determinado momento, com o fim da relação, apesar da ausência legislativa seria plausível que houve obrigação alimentar a ambos.
Diante da omissão legislativa aos direitos do concubinato, cabe a jurisdição solucionar tal caso. Essa ligação de dependência longa os vincula moralmente, sendo plausível o reconhecimento do dever de prestar alimentos com o fim de uma relação, ainda que fora do casamento, de uma das partes que por anos vem sendo integralmente sustentada pelo companheiro.
Mencionada tese não caracteriza o concubinato adulterino como entidade familiar, apenas resguarda e reconhece o laço de afeto pendurado entre os concubinos que vivam em total dependência financeira do outro.
Sendo assim, ate que, após a separação, o concubino possua outros meios de subsistência, há um dever de prestação alimentícia.
Verifica-se que o tema abordado não é pacífico na jurisdição, contendo decisões de não conceder alimentos.
Assim não é necessário reconhecer como entidade familiar o concubinato para admitir o dever de prestar alimentos entre os partícipes, visto que, assegurar o concubinato dependente pelo período em que possa se adaptar a sua nova realidade não fere o princípio da monogamia.
8. Inadmissibilidade a indenização por serviços domésticos prestados
Outro impacto patrimonial que era regularmente concedido pelos tribunais ao concubinato é a indenização pelos serviços domésticos prestados, que consiste em:
A indenização por serviços domésticos prestados consiste no reconhecimento de reparação financeira pelos anos em que a concubina viveu cuidando dos afazeres domésticos da residência paralela de seu amante. É como se a concubina recebesse numerários pelo serviço doméstico que realiza, transformando parte do relacionamento concubinário em vínculo do âmbito do Direito do Trabalho (CERQUEIRA, Manuela, 2011).
Tal reivindicação era ajuizada mediante ação ordinária de indenização com o intuito de alcançar seu espólio.
Atualmente, por decisão unânime, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento no sentido de não conceder à concubina a indenização por trabalho doméstico prestado após o fim do relacionamento. Tal pronunciamento advém de um entendimento de que elevaria ao concubinato ao nível mais sofisticado que o próprio casamento, como podemos observar:
DIREITO CIVIL. CONCUBINATO. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE SERVIÇOS DOMÉSTICOS. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.727 DO CC/02. INCOERÊNCIA COM A LÓGICA JURÍDICA ADOTADA PELO CÓDIGO E PELA CF/88, QUE NÃO RECONHECEM DIREITO ANÁLOGO NO CASAMENTO OU UNIÃO ESTÁVEL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. A união estável pressupõe ou ausência de impedimentos para o casamento ou, ao menos, separação de fato, para que assim ocorram os efeitos análogos aos do casamento, o que permite aos companheiros a salvaguarda de direitos patrimoniais, conforme definido em lei. 2. Inviável a concessão de indenização à concubina, que mantivera relacionamento com homem casado, uma vez que tal providência eleva o concubinato a nível de proteção mais sofisticado que o existente no casamento e na união estável, tendo em vista que nessas uniões não se há falar em indenização por serviços domésticos prestados, porque, verdadeiramente, de serviços domésticos não se cogita, senão de uma contribuição mútua para o bom funcionamento do lar, cujos benefícios ambos experimentam ainda na constância da união. 3. Na verdade, conceder a indigitada indenização consubstanciaria um atalho para se atingir os bens da família legítima, providência rechaçada por doutrina e jurisprudência. 4. Com efeito, por qualquer ângulo que se analise a questão, a concessão de indenizações nessas hipóteses testilha com a própria lógica jurídica adotada pelo Código Civil de 2002, protetiva do patrimônio familiar, dado que a família é a base da sociedade e recebe especial proteção do Estado (art. 226 da CF/88), não podendo o Direito conter o germe da destruição da própria família. 5. Recurso especial conhecido e provido.(STJ - REsp: 988090 MS 2007/0218939-6, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 02/02/2010, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/02/2010).
Em seu voto, o Ministro Luis Felipe Salomão denotou a proteção e a concessão da indenização do concubino como uma ameaça à monogamia.
Com o mencionado entendimento, é notável que a concessão da indenização está deixando de ser concedida gradativamente pelos tribunais pátrios. Visto que tal concessão não encontra-se respaldo legal e por garantir reparação que sequer encontra-se no casamento.
Nesse contexto, tal atitude de conceder a indenização por serviços domésticos tornou-se um tanto incoerente, pois sequer encontramos respaldo nos institutos matrimoniais.
Assim, ao assumir uma das partes a responsabilidade da casa, não o faz mediante compensação pecuniária ou contratual, pois não há natureza laboral no trabalho doméstico da companheira, concubina ou esposa.
9. Conclusão
O concubinato, por ainda ser uma questão problemática na área do Direito de Família, é uma matéria pouco discutida. Torna-se frequente a falha legislativa quanto ao tema abordado, brecha essa incompreensível, pois deve o direito ter sempre sua visão voltada à evolução, buscando adequar-se a novas regras sociais. Assegurar novos hábitos não significa ir contra os princípios importantes e consolidados do direito brasileiro, e sim garantir o mínimo respaldo a dignidade da pessoa humana.
Observa-se a importância da unificação do assunto no Poder Judiciário, para que casos semelhantes não tenham soluções conflitantes.
Tendo por base que é a realidade fática que transforma a realidade normativa, ainda que relutantes, a sociedade vem reconhecendo o concubinato como instituto do direito de família.
A partir de um ideal lógico, a jurisprudência pátria vem decidindo racionalmente que constatado a dependência econômica entre os partícipes e o atributo de convivência familiar do concubinato, este passa a ter efeito positivo para o Direito.
Assim, respeitando as características de publicidade, durabilidade e estabilidade, e, ainda, não se enquadrando na situação do concubinato adulterino, por apresentar caráter familiar podem gerar direitos.
Entendimentos baseados na boa-fé nos demonstraram que é inviável quantificar o afeto, como nos casos da impossibilidade da indenização por serviços domésticos, tornando-se extremamente pejorativa e inaceitável tal tentativa, ainda pelo direito buscar a criminalização do enriquecimento ilícito.
Portanto, por ainda haver entendimentos jurisprudenciais divergentes ao tema, deixando de atribuir muitos direitos aos partícipes destas relações paralelas, em uma visão geral, tratando-se de feitos patrimoniais, observa-se uma inclinação relevante destes.
10. Referências
OLIVEIRA, José Francisco Basílio, O concubinato e a Constituição Atual: Doutrina e Jurisdição – 3ª ed. – Rio de Janeiro: Aide Editora, 1993.
CERQUEIRA, Manuela Passos. Consequências jurídicas do concubinato adulterino. Jan. 2011. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/ 6144/Consequencias-juridicas-do-concubinato-adulterino>. Acesso em: 25 abr. 2019.
AZEVEDO, Álvaro Villaça, Março/2000, artigo publicado na revista advogado nº 58, AASP, São Paulo. Disponível em: <https://washingtongaiotto.jusbrasil.com. br/artigos/111589809/a-uniao-estavel-no-ordenamento-juridico-brasileiro> Acesso em: 10 mar. 2019.
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SARAIVA. Vade Mecum Compacto. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
Bacharelando no curso de Direito pela Universidade Brasil - Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Higor São Felice. Concubinato: análise da ausência legislativa e seus reflexos patrimoniais no ordenamento jurídico pátrio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52940/concubinato-analise-da-ausencia-legislativa-e-seus-reflexos-patrimoniais-no-ordenamento-juridico-patrio. Acesso em: 22 nov 2024.
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