CRISTIANE DORST MEZZAROBA[1]
(Orientadora)
RESUMO: Realidade de todos os estados brasileiros, a violência obstétrica ainda encontra resistência para ser encarada de fato como uma forma de violência contra a mulher e que precisa ser combatida e seus agentes punidos tanto na esfera judicial, quanto administrativa, inclusive por seus respectivos Conselhos Federais. Nesse sentido, este estudo tem como objetivo geral discorrer sobre os atos de violência obstétrica e a responsabilidade dos agentes que cometem condutas dessa natureza contra a mulher no período gestacional. A pergunta problema a ser respondida foi consubstanciada em: qual seria a responsabilidade civil, criminal e ética dos profissionais de saúde, especialmente médicos e profissionais de enfermagem, em caso da ocorrência de violência obstétrica? Para tal, a metodologia adotada foi revisão legislativa, doutrinária, judicial e acadêmica, numa abordagem qualitativa. As considerações finais apontam que a violência obstétrica é uma temática de grande relevância social e jurídica, face a própria carência de estudos e legislação específicas, visando não somente na assistência humanizada à mulher e ao recém-nascido no ciclo da gravidez até o pós-parto, mas também na responsabilização nos âmbito civil, criminal e ético dos profissionais que promoverem a violência obstétrica contra a mulher.
PALAVRAS-CHAVE: Violência obstétrica; Responsabilidade Civil; Responsabilidade Criminal; Responsabilidade Ética.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA. 2.1 Lei n. 3.385, de 27 de julho de 2018: implementação de medidas de informação e proteção à gestante e parturiente contra a violência obstétrica no Estado do Tocantins. 3 A RESPONSABILIDADE DOS PRESTADORES DO SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE EM DECORRÊNCIA DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA. 3.1 A responsabilidade civil e ética dos profissionais de saúde. 3.1.1 Médicos. 3.1.2 Profissionais de enfermagem. 4 A RESPONSABILIDADE CRIMINAL DOS AGENTES PROMOTORES DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6 REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
A violência obstétrica vem ganhando enorme espaços nas discussões promovidas pelos movimentos feministas no Brasil, os atos são divulgados em passeatas, obras e documentários como forma de alerta e prevenção das mulheres que já foram agredidas e tiveram o seu direito a dignidade usurpado.
Os atos de violência obstétrica, são descritos através dos diversos tipos de violência cometidos contra a mulher durante a gestação, o parto, o pós-parto e o aborto. Ademais os atos violentos podem ser efetivados na forma verbalizada, física, moral, emocional e psicológica.
Este estudo tem como finalidade discorrer sobre a responsabilidade civil, criminal e ética dos profissionais de saúde decorrentes da violência obstétrica.
Nos termos do artigo 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Garantir a oferta deste direito é dever de todos os entes federados, que devem agir em cooperação técnica e financeira, para garantir uma organização estrutural, hierarquizada e eficaz.
No mesmo sentido, a Lei nº 8.080/90, conhecida como a Lei do Sistema Único de Saúde dispõe evidentemente, em seu artigo 17, tanto sobre a execução direta dos serviços pelos municípios, quanto o dever do Estado em prestar apoio financeiro e técnico, executando de forma complementar, ações e serviços de saúde.
Foi também a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 199, que concedeu à iniciativa privada o direito de ofertar serviços de saúde.
Um dos serviços prestados é o acompanhamento gestacional, que tem por objetivo avaliar a saúde da mulher e do feto, buscando garantir tanto o bem-estar da mulher, quanto identificar precocemente fatores de risco e patologias, promover tratamentos precoces como forma de garantir a qualidade de vida da mãe e do bebê.
Entretanto, tem aumentado significativamente os casos de violência contra a mulher na fase gestacional promovida justamente dentro das unidades de saúde públicas e privadas, sendo esta condição definida como violência obstétrica.
Nesse sentido, a problemática do presente trabalho está voltada para questionar: qual a responsabilidade civil, criminal e ética dos prestadores do serviço de saúde em instituições públicas e privadas e dos profissionais de saúde em caso da ocorrência de violência obstétrica?
Assim, o objetivo geral visa analisar qual a responsabilidade civil, criminal e ética dos prestadores do serviço de saúde em instituições públicas e privadas e dos profissionais de saúde em caso da ocorrência de violência obstétrica.
Os objetivos específicos visam descrever os aspectos históricos e conceituais das condutas que podem ser caracterizadas como violência obstétrica; analisar quais as sanções legislativas e disciplinares impostas aos profissionais que promoverem condutas delineadas como violência obstétrica.
Para atingir os objetivos propostos, a metodologia teve sua organicidade pontuada na revisão de literatura sob uma abordagem qualitativa, mediante a análise das doutrinas jurídicas e médicas, estabelecendo o vínculo com os aspectos legislativos e administrativos estabelecidos pelos respectivos Conselhos profissionais dos agentes geralmente envolvidos em situações de violência obstétrica.
Com isso, a justificativa dessa pesquisa demonstra-se pela relevância social e jurídica atual da temática e pelo crescente judicialização da saúde, principalmente, as ações judiciais voltadas a responsabilidade dos profissionais protagonistas de violência obstétrica contra a gestante.
O artigo será organizado em quatro seções, sendo logo após a introdução abordado os aspectos históricos e conceituais pertinentes ao tema deste estudo. O capítulo três versará sobre a responsabilidade civil e ética dos prestadores de serviços públicos de saúde e, o último capítulo terá por enfoque principal a responsabilidade criminal dos profissionais de saúde promotores de violência obstétrica.
Por fim, serão apresentadas as considerações finais relevantes ao tema e as referências utilizadas na concretização deste estudo.
2 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
A partir da década de 1980 iniciou-se um movimento feminista, juntamente com defensores dos direitos humanos e especialistas em saúde, voltado ao combate da violência obstétrica, com a proposta de discutir e combater a violência contra a mulher e a criança no momento do parto.
Sena (2017, p. 209) destaca que a Venezuela foi o primeiro país latino-americano a adotar a expressão “violência obstétrica” em uma lei. Neste país a violência obstétrica, foi definida, em síntese, como uma apropriação do corpo e do processo de reprodução da mulher pelos profissionais da saúde envolvidos no processo.
Nesse sentido, Zanardo (2017) evidência que a Venezuela inovou consideravelmente ao trazer em seu texto legal algumas intervenções realizadas por profissionais de saúde que são consideradas violência obstétrica, tais como: não atender as emergências obstétricas, obrigar a mulher a parir em posição de litotomia[2], impedir o apego inicial da criança sem causa médica justificada, alterar o processo natural do parto através do uso de técnicas de aceleração sem consentimento voluntário da mãe e praticar o parto por via cesárea quando há condições para o parto natural.
Em outras palavras, a partir do conceito trazido pela lei venezuelana, que atendeu aos pedidos dos defensores dos direitos humanos e das mulheres, deu-se partida a proteção desse direito fundamental.
Amaral, Jonas &Guimarães (2017, p. 04) abordam alguns sinônimos utilizados para agrupar e definir a violência obstétrica enquanto não se chega a um completo conceito. Dentre outros, eram utilizados os termos: abuso obstétrico, violência institucional no parto, violência de gênero no parto e violência no parto.
No Brasil passou a ser utilizado o termo “violência obstétrica” somente entre 2007 e 2010, sendo de entendimento apenas dos profissionais da saúde. Para Sena a comunidade, maior beneficiária desses estudos, era quem menos sabia e entendia do que se tratava essa violência, destacando:
O movimento pela humanização do parto no Brasil se iniciou de maneira descentralizada, por meio de diferentes iniciativas em diversos Estados brasileiros, todas focadas em ressignificar a assistência e atuar de acordo com diferentes modelos, menos tecnocráticos e mais centrados na figura da mulher. Neste contexto, a fundação da Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento (Rehuna) possui papel de destaque, especialmente em função de sua carta de fundação, a “Carta de Campinas”. Este documento representou uma forma de denúncia das circunstâncias violentas da assistência ao parto, caracterizando-as como pouco humanas, constrangedoras e marcadas pela ocorrência de intervenções desnecessárias e violentas, que transformava a experiência de parir e nascer em uma vivência aterrorizante, onde as mulheres se sentiam alienadas e impotentes. A atuação da Rehuna na década de 1990 promoveu debate relevante a respeito da qualidade da assistência ao parto no Brasil, bem como evidenciou, tanto entre as diferentes categorias profissionais envolvidas quanto dentro da gestão, a existência de condições degradantes e violentas na assistência. A maioria dos integrantes da Rehuna era, reconhecidamente, formada por profissionais da saúde, atuando na implementação de serviços ou na pesquisa acadêmica, especialmente enfermeiras e médicos das áreas da obstetrícia e saúde pública. Assim, embora também estivessem presentes outros atores sociais, o fato de serem os profissionais da saúde os principais envolvidos neste debate fez com que apenas uma pequena parcela da informação a respeito das violentas condições da assistência ao parto chegasse, de fato, às mulheres usuárias dos sistemas de saúde, as quais representam o principal grupo de interessadas, uma vez que são ou poderiam/deveriam ser as protagonistas do evento do nascimento (SENA,2017, p. 210).
Destaca Zanardo (2017) que por meio da Portaria n. 1.459, de 24 de junho de 2011,o Ministério da Saúde instituiu a Rede Cegonha no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, buscando assegurar o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, com objetivo de fomentar a implementação de um novo modelo de atenção à saúde da mulher e da criança, desde o parto até os vinte e quatro meses de vida, assim como reduzir a mortalidade materna e infantil.
Alguns estudos foram realizados ao longo desses anos, como em 2015 pelo Ministério da Saúde, que constatou entre 2007 e 2011 um aumento de 46,56% a 53,88%, chegando a 56% de mulheres que realizaram a cesárea, sendo que a recomendação da Organização Mundial da Saúde é de 10% a 15% (BRASIL, 2015).
Ainda em 2015, outra pesquisa realizada pela Nascer no Brasil demonstrou que entre 2011 e 2012, das 23.940 mulheres entrevistadas, 54,5% tiveram parto vaginal em que foi feita a indução do parto via soro com medicamentos, para efetivação da episiotomia.
Houve ainda, o emprego de analgesia raqui/peridural[3], que é aplicada na mãe para tirar a dor do parto normal e o emprego de manobra de Kristeller, que é a aplicação de força na parte superior do útero.
A única prática proibida atualmente é a Manobra de Kristeller[4], após as mulheres terem seus úteros dilacerados e hemorragias fortes. Todas as demais modalidades ainda são permitidas e utilizadas no parto via vaginal ou cesárea.
Para a Organização Mundial da Saúde (2014), além de ser uma “violação dos direitos humanos fundamentais, a violência obstétrica é um tipo da violência contra a mulher de grau significativo de dor e sofrimento evitáveis”. Além disso, conceitua a violência obstétrica como uma violação dos direitos da mulher gestante, no decurso do parto, incluindo a perda de autonomia e escolhas voltadas a seus corpos.
Conceituar a violência obstétrica é uma tarefa que exige uma análise de diferentes ângulos, uma vez que é abordado por diferentes perspectivas, não se sujeitando, assim, a um único sentido.
Para D’Oliveira, Diniz e Schraiber (2002), estudiosos da área médica e hospitalar, a violência obstétrica é qualquer conduta ou omissão que impacte negativamente na qualidade de vida, podendo ser expressa por quatro tipos, quais sejam, a de negligência, violência psicológica, violência física e violência sexual, nas instituições de saúde.
Sendo que na área médica, Andrade definiu a violência como:
Qualquer ato exercido por profissionais da saúde no que cerne ao corpo e aos processos reprodutivos das mulheres, exprimido através de uma atenção desumanizada, abuso de ações intervencionistas, medicalização e a transformação patológica dos processos de parturição fisiológicos (2014, p. 01).
No campo legislativo, o Projeto de Lei Federal n.7867/2017, de 13 de junho de 2017, dispõe sobre medidas de proteção contra a violência obstétrica e de divulgação de boas práticas para a atenção à gravidez, parto, nascimento, abortamento e puerpério, trouxe como violência obstétrica “todo ato praticado por membro da equipe de saúde, do hospital ou por terceiros, em desacordo com as normas regulamentadoras ou que ofenda verbal ou fisicamente as mulheres gestantes, parturientes ou puérperas” (BRASIL, 2017).
O projeto de Lei Federal ainda está em discussão, e com isso, os Estados de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Goiás, Minas Gerais e Pernambuco, no âmbito de sua competência Constitucional concorrente, legislaram sobre o tema.
Enquanto os outros estados copiaram o conceito integral do projeto de lei Federal, o Estado de Minas Gerais definiu a violência obstétrica como sendo unicamente:
A prática de ações, no atendimento pré-natal, no parto, no puerpério e nas situações de abortamento, que restrinjam direitos garantidos por lei às gestantes, às parturientes e às mulheres em situação de abortamento e que violem a sua privacidade e a sua autonomia. (MINAS GERAIS, 2018).
Porém, o Estado de Pernambuco adotou um conceito mais amplo e completo sobre o tema, definido a violência obstétrica como “todo ato praticado por profissionais de saúde, que implique em negligência na assistência, discriminação ou violência verbal, física, psicológica ou sexual contra mulheres gestantes, parturientes e puérperas” (PERNAMBUCO, 2018).
A definição utilizada pelo Estado de Pernambuco traz uma completude ao referenciar que os casos de violência não são apenas físicos ou verbais, tampouco só acontecem na hora do parto ou dentro do hospital.
Devido à falta de regulamentação federal, alguns Estados saíram “na frente” e legislaram especificamente, em seu âmbito de competência. Ressaltando que ao promulgar uma legislação federal sobre o tema, a legislação estadual será revogada tacitamente no que for contrário e conflitante com as disposições federais.
No que se refere ao Estado do Tocantins foi criada a Lei n. 3.385, de 27 de julho de 2018, de autoria da Deputada Luana Ribeiro que trouxe em seu escopo a integra do conceito mensurado no projeto de Lei Federal nº 7867/2017, evidenciando no artigo 2º:
Considera-se violência obstétrica todo ato praticado pelo médico, pela equipe do hospital, maternidade e unidade de saúde, por um familiar ou acompanhante que ofenda de forma verbal ou física as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou, ainda, no período de estado puerperal (TOCANTINS, 2018)
Como evidenciado anteriormente, a violência obstétrica não se resume a um ato físico ou verbal, tampouco só o momento do parto ou pós-parto. A violência obstétrica pode acontecer no período de acompanhamento gestacional, podendo ser uma violência psicológica ou um ato discriminatório ou negligente.
As linhas que seguem tratarão mais especificamente da lei Tocantinense, considerando que este estudo é fruto de um trabalho acadêmico oriundo deste estado brasileiro.
2.1Lei n. 3.385, de 27 de julho de 2018: implementação de medidas de informação e proteção à gestante e parturiente contra a violência obstétrica no Estado do Tocantins
O Estado do Tocantins é um dos cinco estados brasileiros a legislar sobre o tema violência obstétrica. No artigo 1º da lei está expresso que o principal objetivo é a implementação de medidas de informação e proteção à gestante e parturiente no Estado do Tocantins, visando à proteção contra a violência obstétrica e à divulgação da Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal.
O texto tocantinense, que possui apenas seis artigos, além de conceituar violência obstétrica em seu artigo 2º, conforme explicitado em linhas anteriores, trouxe em seu artigo 3º um rol exemplificativo com 21 condutas que caracterizam esta violência no território tocantinense, a saber:
Art. 3º Para efeitos da presente Lei, considerar-se-á ofensa verbal ou física, entre outras, as seguintes condutas:
I - tratar a gestante ou parturiente de forma agressiva, não empática, grosseira, vilipendiosa ou de qualquer outra forma que a faça sentir-se constrangida pelo tratamento recebido;
II - recriminar a parturiente por qualquer comportamento, como gritar, chorar, ter medo, vergonha e/ou dúvidas, bem como por característica ou ato físico, como, por exemplo, obesidade, estrias, evacuação e outros;
III - não ouvir as queixas e dúvidas da mulher internada e em trabalho de parto;
IV - tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe comandos e nomes infantilizados e diminutivos, tratando-a como incapaz;
V - fazer a gestante ou parturiente acreditar que precisa de uma cesariana quando esta não se faz necessária, utilizando riscos imaginários ou hipotéticos não comprovados e sem a devida explicação dos riscos que alcançam a mulher e o recém-nascido;
VI - realizar procedimentos que incidam sobre o corpo da mulher, que interfiram ou causem dor ou dano físico com o intuito de acelerar o parto por conveniência médica;
VII - recusar atendimento de parto, haja vista este ser uma emergência médica;
VIII - promover a transferência da internação da gestante ou parturiente sem a análise e a confirmação prévia de haver vaga e garantia de atendimento, bem como tempo suficiente para que esta chegue ao local de destino;
IX - impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência durante todo o trabalho de parto;
X - impedir a mulher de se comunicar, tirando-lhe a liberdade de telefonar, fazer uso de aparelho celular, caminhar até a sala de espera e conversar com seus familiares e com seu acompanhante;
XI - submeter a mulher a procedimentos dolorosos, desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos pubianos, posição ginecológica com portas abertas e exame de toque por mais de um profissional;
XII - deixar de aplicar anestesia na parturiente quando esta assim o requerer;
XIII - proceder a episiotomia quando esta não é realmente imprescindível;
XIV - manter algemadas as detentas em trabalho de parto;
XV - fazer qualquer procedimento sem, previamente, pedir permissão ou explicar, com palavras simples, a necessidade do que está sendo oferecido ou recomendado;
XVI - após o trabalho de parto, demorar injustificadamente para acomodar a mulher na enfermaria ou quarto;
XVII - submeter a mulher e/ou o recém-nascido a procedimentos feitos exclusivamente para ensinar estudantes;
XVIII - submeter o recém-nascido saudável a aspiração de rotina, injeções ou procedimentos na primeira hora de vida, sem que antes tenha sido colocado em contato pele a pele com a mãe e de ter tido a chance de mamar;
XIX - retirar da mulher, depois do parto, o direito de ter o recém-nascido ao seu lado em acomodação conjunta e de amamentar em livre demanda, salvo se um deles ou ambos necessitarem de cuidados especiais;
XX - não informar a mulher com mais de vinte e cinco anos ou com mais de dois filhos sobre seu direito à realização de ligadura nas trompas e/ou implantação do DIU (Dispositivo Intra-Uterino), gratuitamente, nos hospitais públicos e conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS);
XXI - tratar o pai do recém-nascido como visita e obstar seu livre acesso para acompanhar a parturiente e o recém-nascido a qualquer hora do dia.
Da simples leitura do texto legislativo se extrai que as condutas elencadas vão desde ofensas verbais, perpassando pelas lesões corporais, até mesmo a sonegação de informações envolvendo o planejamento familiar e métodos contraceptivos.
Para efeitos desta lei, conforme Artigo 4º, parágrafo único, equipara-se aos estabelecimentos hospitalares, os postos de saúde, as unidades básicas de saúde, os consultórios e clínicas médicas especializados no atendimento da saúde da mulher,
Embora a lei tocantinense seja precursora neste enfoque legislativo e traga em seu Artigo 5º a possibilidade da aplicação de sanções aos que protagonizarem as condutas de violência descritas é omissa em descrever quais seriam estas sanções, comprometendo a eficácia desta Lei no que diz respeito à proteção à gestante e parturiente contra a violência obstétrica.
3 A RESPONSABILIDADE DOS PRESTADORES DO SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE EM DECORRÊNCIA DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
No Brasil a Constituição Federal de 1988, instituiu em seu Artigo 6º a saúde no rol dos direitos sociais, já o Artigo 196 versa sobre o mesmo diploma legal, onde dispôs que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Sendo preconizado como direito de todos, deve haver responsabilidade civil na execução desses serviços para o cidadão. Para tanto, se faz necessário compreender que essas responsabilidades e compõe da obrigatoriedade em reparar um dano ou violação de algum direito do indivíduo na sociedade prevista em contrato ou não.
Nesse sentido, a responsabilidade civil do Estado deve ser efetivada em consequência da atividade estatal desenvolvida. Sendo delimitada na CRFB/88 no parágrafo 6º do Artigo 37, na qual a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos diante dos danos que seus agentes causarem a terceiros.
A teoria clássica da responsabilidade civil tem em sua base a adoção da culpa como pressuposto para caracterização de uma determinada situação. Pela qual se entende que não havendo culpa, não há responsabilidade de reparos com indenizações, assim, cabe provar se existiu a culpa do agente público quando se tratar de algum dano causado pelo Estado.
Mello (2011, p. 1000-1001), traz que a responsabilidade civil do Estado:
Caracteriza-se pelo dever deste de indenizar os danos patrimoniais causados a terceiros por atos da administração pública, seja por atos omissivos ou comissivos. A responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado é caracterizada pela reparação econômica pelos danos sofridos por comportamentos unilaterais, lícitos ou não, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.
Destarte, a responsabilidade do atendimento contratual e a extracontratual surgem quase sempre concomitantemente. Ademais, o atendimento por intermédio do serviço público patrocinado pelo Estado, caracteriza a responsabilidade objetiva para entidade, e responsabilidade extracontratual para o profissional (GIOSTRI, 2005, p. 61).
Em situações de erros causados por agentes públicos, caberá ao Estado caso venha ser condenado, providenciar o ressarcimento ao lesado, restando o direito a efetivação de uma ação regressiva contra ato do seu servidor.
Especificamente em relação à violência obstétrica, devido à falta de legislação existente sobre o tema, geralmente as ocorrências destas condutas acabam por ser demandadas como erro médico, exigindo a necessidade de provas documentais e testemunhais que possam permitir a apuração da ocorrência do erro médico, o que dificulta a punição dos agressores deste tipo de violência.
Contudo, muito já se discute nesta seara, com posicionamentos doutrinários e judiciais não caracterizando a violência obstétrica como erro médico, portanto não se discutindo a culpa, e sim como violência de gênero, conforme preconizam os tratados internacionais que tratam dos direitos humanos das mulheres, dos quais o Brasil é signatário, destacando-se, por exemplo a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulher e a Convenção de Belém do Pará, que buscam assegurar os direitos humanos das mulheres e a eliminação de todas as formas de discriminação e violência com base no gênero.
Nessa perspectiva, se provado que houve a violência obstétrica, o dano é presumido, não sendo necessária a prova de culpa e sim do fato, do dano e do respectivo nexo causal, desta forma, indenizável, podendo o juiz aplicar o disposto no artigo 375 do Código de Processo Civil vigente: “O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial”.
Este foi o entendimento aplicado em uma decisão judicial advinda do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a saber:
(...)
No caso, desnecessária a produção de prova pericial para analisar se a anestesia foi aplicada ou não no momento adequado. Isso porque a causa de pedir não se refere a erro médico. A autora reclama, na verdade, do “lado humano” do tratamento dispensado pela equipe médica. Deveras, aduz que foi tratada com descaso e ironia pela equipe médica, o que lhe teria causado danos morais. Verifica-se, portanto, que a existência ou não de erro médico em nada interfere no mérito da demanda, razão pela qual não foi deferida a produção de exame pericial.
(...)
Somado ao inadimplemento contratual, restou comprovado nos autos a chamada “violência obstetrícia”. De fato, durante a instrução foi ouvida uma testemunha que presenciou os fatos e confirmou o evento noticiado na inicial. Noticiou o ambiente insalubre no qual foi instalada a requerente e o descaso da equipe médica, sendo que as enfermeiras chegaram a indicar que autora estava “enchendo o saco”.
(...)
E tudo isso ocorreu em um dos momentos mais importantes da vida da requerente, o que ela recordará para sempre, acarretando sentimentos de amargura e injustiça. Assim, verificado o dever de indenizar, cabe agora estabelecer a sua dimensão (...) (TJSP. Comarca de Taboão da Serra. 1ª Vara Cível. Autos n. 1003315-16.2015.8.26.0609. Julgado em 21/08/2017).
Mesmo já havendo precedentes, esta é uma discussão polêmica, que os Tribunais ainda não firmaram entendimento. O que se tem por certo é que, decorrente de erro médico ou caracterizada como violência de gênero, a vítima de violência obstétrica tem o direito de ser indenizada, decorrente da responsabilidade civil dos prestadores do serviço público de saúde, seja eles vinculados ao Estado ou à iniciativa privada.
3.1 A responsabilidade civil e ética dos profissionais de saúde
O Código de Defesa do Consumidor – CDC é o pioneiro ao tratar da responsabilidade civil dos profissionais liberais. Dispõe que para a responsabilização civil desses profissionais deve ser imposta mediante a culpa destes.
O Artigo 14, § 4º evidencia que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. Em outras palavras, a obrigação do profissional é uma obrigação de meio, devendo tal responsabilidade, além de conduta, dano e nexo causal como requisitos, ser apurada igualmente mediante a culpa, ou seja, traduz pela teoria do erro do profissional da saúde.
Assim, os profissionais que exercem suas funcionalidades sem vínculo empregatício, sendo elas de maneira autônoma ou liberal podem desenvolver sua atividade como prestador de serviço, sendo civilmente responsabilizados quando incorrerem em erro.
Nota-se que pelo viés do CDC a responsabilidade civil deve ser caracterizada mediante a prova da existência do erro cometido pelo profissional.
Neste estudo, os aportes serão evidenciados sobre os profissionais que atuam diretamente com a gestante, que no caso serão os médicos e enfermeiros, todavia, pode se estender para qualquer profissional que promova a violência obstétrica.
3.1.1 Médicos
O médico enquanto profissional liberal possui sua responsabilidade civil prevista apenas no Código de Defesa do Consumidor, sendo esta responsabilidade de ordem subjetivo, ou seja, depende da prova da culpa ou do dolo.
Dispõe França (2017) que atualmente, o princípio da responsabilidade profissional é aceito por todos os médicos, juristas e a própria sociedade, desde que na apreciação desses feitos fique caracterizada uma conduta atípica, irregular ou inadequada contra o paciente, durante ou em face do exercício médico.
Espera-se apenas que na avaliação dessa responsabilidade haja transparência no curso da apreciação e dê-se ao acusado o direito de ampla defesa, e que não se venha macular o prestígio da medicina e dos médicos pelo fato de uma conduta isolada.
Aguarda-se que na apreciação da responsabilidade profissional do médico fique exaustivamente provada a inobservância das regras técnicas ou a mácula da conduta em sua atividade funcional, em outros termos, deve ficar evidente que sem a existência de um dano efetivo e real não se pode caracterizar a responsabilidade profissional, tal qual ela está inserida nos dispositivos específicos, seja por imperícia, imprudência ou negligência, pois deve haver a determinação concreta do dano, além de indispensável em relação à configuração da responsabilidade médica, pode estabelecer o grau da culpa e a extensão da liquidação.
Para França (2017), na apreciação de casos por erro médico, deve-se averiguar o autor, a conduta, a culpa, o dano e o nexo causal, evidenciando que as complicações ou resultados refratários e inesperados não são raros. O mero fato de o paciente não ser curado, ou não evoluir favoravelmente, não significa, por si só, negligência por parte do médico.
Diante disso, ao imputar ao médico o dever de indenizar cabe ao julgador examinar, principalmente, o ato, pois podem ocorrer resultados ou eventos que independem da vontade médica, não devendo ser responsabilizado por algo que a sua ciência o recomenda fazer.
Quando os deveres são negligenciados, vindo a ocasionar dano, é cabível a responsabilidade civil do médico, sem prejuízo de sua responsabilidade criminal e administrativa.
Nesse sentido, Venosa (2018) evidência que:
O tratamento médico é, atualmente, alcançado pelos princípios do Código de Defesa do Consumidor, embora a relação médica não possa ser caracterizada como relação tipicamente de consumo.
O paciente coloca-se na posição de consumidor nos termos do artigo 2º da Lei nº 8.078/1990.
O médico ou a pessoa jurídica que presta o serviço coloca-se como fornecedor de serviços.
De acordo com o artigo 3º. O § 2º deste último artigo não deixa dúvidas a respeito, pois apenas os serviços decorrentes de relação trabalhista estarão fora do Código de Defesa do Consumidor.
Contudo, a responsabilidade do médico continua a ser subjetiva nos termos do CDC. O dever de informação, não fosse por si só inerente à atividade médica, é um dos direitos básicos do consumidor: informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentem (artigo 6º, III). Com o devido temperamento, a norma aplica-se inelutavelmente à conduta e tratamento ministrados pelos médicos, odontólogos e profissionais afins. Essa aplicação do Código de Defesa do Consumidor à atividade médica independe do exame da natureza da responsabilidade, que é questão a ser examinada a posteriori, no caso concreto, tendo em vista ser ela subjetiva, quando se tratar de profissional liberal (2018. p. 605).
É importante tal colocação, uma vez que, no campo prático, quando o consumidor se sente lesado, poderá invocar o ônus da prova em seu favor, ou seja, por ser o mais vulnerável na relação médico-paciente, a legislação assegura o dever comprobatório processual a quem tenha mais facilidade em concebê-lo.
De forma brilhante Souza aponta que:
Sem dúvida, é possível afirmar que o paciente tende a revelar-se processualmente hipossuficiente nas ações por reparação de danos causados por erro médico, na medida em que não dispõe de conhecimentos técnicos para a identificação da conduta médica culposa, nem tem em seu poder, na maior parte das vezes, os prontuários, históricos clínicos, laudos de exames e demais documentos probantes da conduta adotada pelo profissional de saúde. Neste ponto, porém, a atribuição ao médico do ônus de provar que adotou o procedimento profissional mais adequado não deveria decorrer, propriamente, da inversão do ônus da prova pelo juiz, e sim da noção, mais contemporânea, de carga dinâmica da prova, que determina a distribuição do ônus probandi entre todas as partes envolvidas no processo, proporcionalmente à sua proximidade aos meios de prova (2016. p.43).
Assim, conclui o autor, que nas obrigações de meio, tal inversão de ônus probatório é necessária, dada a vulnerabilidade e falta de conhecimento técnico do paciente. Não menos importante, é a ampliação do prazo prescricional do referido código, que estabelece a prescrição de cinco anos para a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço.
Por sua vez, em relação à responsabilidade ética, o Código de Ética Médica– Resolução n. 1.921/2009 do Conselho Federal de Medicina possui um capítulo próprio dedicado aos Direitos Humanos, vedando ao médico várias condutas que se traduzidas para o atendimento da gestante, se traduzem perfeitamente em violência obstétrica, como por exemplo:
É vedado ao médico:
(...)
Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.
Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
Art. 25. Deixar de denunciar prática de tortura ou de procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis, praticá-las, bem como ser conivente com quem as realize ou fornecer meios, instrumentos, substâncias ou conhecimentos que as facilitem.
(...)
Art. 27. Desrespeitar a integridade física e mental do paciente ou utilizar-se de meio que possa alterar sua personalidade ou sua consciência em investigação policial ou de qualquer outra natureza.
Art. 28. Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente em qualquer instituição na qual esteja recolhido, independentemente da própria vontade.
(...) (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2009) (sem grifos no original).
O médico que desrespeitar os preceitos do Código de Ética poderá sofrer sanções disciplinares previstas na Lei 3.268/57, cujas sanções podem ir desde uma advertência até a cassação do exercício profissional.
Assim sendo, são deveres inerentes a profissão, a relação médico e paciente se pautar no respeito à dignidade humana.
3.1.2 Profissionais de enfermagem
Em relação aos profissionais envolvidos nos procedimentos pré e pós-parto, os enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem ocupam lugar de destaque, tal como os médicos. Sendo assim, são responsáveis pelos eventuais danos de seus atos, mesmo que estes forem contratados apenas para um procedimento específico, sendo suas responsabilidades diretas e subjetivas, aplicando-se o mesmo evidenciado na seção anterior para os médicos, ou seja, necessária a prova da culpa.
No que pese a responsabilidade ética dos profissionais vinculados ao Conselho Federal de Enfermagem – Cofen, esta vem disciplinada na Resolução n. 564/2017 intitulada Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, onde também não há dificuldade de interpretar a violação da ética destes profissionais quando promovem condutas que podem ser caracterizadas com violência obstétrica.
As atividades dos profissionais de enfermagem devem se pautar em:
Art. 25 Fundamentar suas relações no direito, na prudência, no respeito, na solidariedade e na diversidade de opinião e posição ideológica.
(...)
Art. 41 Prestar assistência de Enfermagem sem discriminação de qualquer natureza.
Art. 42 Respeitar o direito do exercício da autonomia da pessoa ou de seu representante legal na tomada de decisão, livre e esclarecida, sobre sua saúde, segurança, tratamento, conforto, bem-estar, realizando ações necessárias, de acordo com os princípios éticos e legais.
(...)
Art. 45 Prestar assistência de Enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência.
Peculiarmente, insta destacar que o Código de Ética da enfermagem traz expresso em seu artigo 71, a vedação de promover a injúria, calúnia e difamação de pessoas e família, justamente quando se tem a injúria, conduta promovida para ferir a honra subjetiva da pessoa, traduzida pela ofensa à sua dignidade, como uma das principais formas de promoção de violência obstétrica.
Não é incomum em relatos de violência obstétrica vítimas que ouviram de profissionais de enfermagem, especialmente no pré-parto, frases do tipo “na hora de fazer gostou, então agora aguenta” ou “se você continuar com essa frescura, eu não vou te atender” ou ainda “não chora, que no ano que vem você está aqui de novo” (FOLHA DE LONDRINA, 2016), que claramente pode ser tipificado como crime de injúria.
Em relação às sanções disciplinares ao profissional de enfermagem que descumprirem as diretrizes impostas do Código de Ética essas podem ir desde a advertência verbal até a cassação do direito ao exercício profissional.
4 A RESPONSABILIDADE CRIMINAL DOS AGENTES PROMOTORES DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
O artigo 1º a Constituição Federal pugna pela dignidade da pessoa humana como princípio basilar da República brasileira enquanto Estado Democrático de Direito.
Por óbvio, o princípio da dignidade humana já teria o condão de garantir à mulher gestante um tratamento humanizado durante o seu período gestacional e, consequentemente, responsabilizar quem, inclusive por dever profissional, ao invés de garantir este direito fundamental, não somente o renega, como o desrespeita através da promoção da violência obstétrica.
Contudo, embora não se tenha um tipo penal específico para punir os agentes imputadores de violência obstétrica, no Código Penal encontram-se vários tipos penais que podem ser aplicados no que tange à violência obstétrica.
Entre as condutas definidas como violência obstétrica, a maioria delas se amoldam perfeitamente aos tipos penais do Código Penal Brasileiro - CPB de injúria (artigo 140), maus-tratos (artigo 136), ameaça (artigo 147), constrangimento ilegal (artigo 146), lesão corporal (artigo 129) e não raramente à tentativa de homicídio (artigo 121).
Na tipificação de injúria (artigo 140 do CPB), em que o bem jurídico protegido é a honra subjetiva da pessoa humana, sendo o crime consumado através da ofensa à dignidade ou decoro, pode-se elencar como conduta delitiva a submissão da gestante à oitiva de frases como “na hora de fazer você não gritou” ou “não reclama que daqui há um ano você estará aqui de novo”. Enfim, são situações em que a equipe obstétrica promove xingamentos e humilhações à mulher gestante, geralmente me trabalho de parto. A pena prevista para esta conduta delitiva é de detenção de um a seis meses e multa.
Em se tratando de maus-tratos, a violência obstétrica se tipifica por condutas como a realização de exames de toque excessivamente dolorosos, da negativa de medicação para dor, entre outras, ou seja, privando a vítima de cuidados considerados indispensáveis por quem está responsável pelo tratamento adequado. A pena nestes casos poderá ser de até um ano de detenção.
O crime de ameaça encontra respaldo para condenação em condutas expressas por meio de frases do tipo “se gritar de novo eu não vou mais te atender” ou “eu vou te dar motivo para gritar daqui a pouco”. Este crime é punido com detenção de um a seis meses.
O crime descrito no artigo 146, denominado de constrangimento ilegal, pode se verificar em condutas que expõem a intimidade da vítima como, por exemplo, exposição de suas partes íntimas para exame de toque com a porta aberta ou mesmo a realização de procedimentos desnecessários ou mesmo os necessários sem o consentimento e informações à parturiente. Também caracterizam o constrangimento ilegal tolher o direito de um acompanhante familiar durante todo o período do pré ao pós-parto. A sanção prevista é de detenção de três meses a um ano ou multa.
Os crimes descritos anteriormente deixam muito mais marcas psicológicas do que físicas nas vítimas, mas nem por isso devem ser desconsiderados.
Dentre as intervenções durante o parto, a mais citada e temida pelas parturientes, é a episitomia, uma cirurgia, realizada na maioria das vezes sem anestesia, em que é feito um corte na entrada da vagina, afetando diversas estruturas do períneo, como músculos, vasos sanguíneos e tendões, que são responsáveis pela sustentação de alguns órgãos, pela continência urinária e fecal e ainda têm ligações importantes com o clitóris. Essa laceração se realizada sem necessidade pode caracterizar o crime de lesão corporal, que a depender do grau, pode chegar a pena de oito anos de reclusão.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência obstétrica é atualmente a mais difícil forma de violência contra a mulher a ser combatida, porque a sociedade sequer admite que ela existe e a maioria das situações narradas pelas vítimas são consideradas “de praxe” tanto pelo Estado quanto pelos profissionais da saúde, levando às vítimas à falsa ideia de normalidade e aceitação de procedimentos e tratamentos abusivos e humilhantes.
Com medo de não terem a assistência adequada ou mesmo de sofrerem punições da equipe obstétrica, a maioria das vítimas ainda permanece calada e suporta a violência, fazendo os relatos somente muito tempo depois e em conversas com amigas e familiares que também passaram pela mesma situação.
Desta forma, os abusos cometidos não sofrem qualquer punição e os agentes causadores destas agressões continuam a fazer inúmeras vítimas cotidianamente.
As penas dos crimes que podem ser imputados aos agressores se verificadas isoladamente podem até parecer ínfimas. Contudo, como o número de vítimas de um único agressor é enorme, o somatório de penas pode ser até superior à de um crime considerado extremamente grave como o homicídio. Para isso as vítimas não devem se calar ou relatar a violência somente no círculo familiar.
Não diferente é a responsabilização civil e ética dos profissionais de saúde responsáveis pela promoção de violência obstétrica. O tratamento respeitoso e humanizado é preconizado nos códigos de ética destes profissionais, ou seja, o acompanhamento gestacional, a equipe obstétrica tem o dever de meio, ou seja, com base no dever ético e legal de cuidado e vigilância, deve fazer tudo o que é necessário para que a mãe e a criança se mantenham saudável e o devem fazer não somente com competência técnica, mas também digna. E, caso venham a ignorar esses princípios devem responder tanto judicial, quanto administrativamente por suas condutas, inclusive com indenização à vítima pelos danos causados.
Os desafios para o reconhecimento da violência obstétrica legalmente para além do erro médico, mas para uma forma de violência contra a mulher ainda são muitos. Contudo, perpassam pelo desenvolvimento de políticas públicas que residam tanto na em transmitir informação, em reeducar a sociedade e os profissionais diretamente envolvidos, em atuar para dar suporte às mulheres que já foram vítimas, quanto da postulação legislativa.
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[1] Professora Mestre na Faculdade Serra do Carmo - FASEC, nas disciplinas de Direito Penal e Prática Jurídica Criminal. Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da FASEC. Advogada Criminalista. E-mail: [email protected]
[2]O corpo está deitado com a face voltada para cima, com flexão de 90° de quadril e joelho, expondo todo o períneo
[3]Raquidiana: É uma anestesia local em que se perde a sensibilidade dos membros inferiores e da zona inferior do abdómen, de efeito temporário e desaparece ao fim de 02 horas, recuperando totalmente a sensibilidade e a mobilidade. A anestesia peridural é administrada na medula espinhal, tem o mesmo efeito, só que é mais agressiva e em maior dosagem.
[4] É uma manobra obstétrica executada durante o parto que consiste na aplicação de pressão na parte superior do útero com o objetivo de facilitar a saída do bebê.
Acadêmica de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Eliane Sutil de. Responsabilidade civil, criminal e ética decorrentes da violência obstétrica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53009/responsabilidade-civil-criminal-e-etica-decorrentes-da-violencia-obstetrica. Acesso em: 05 nov 2024.
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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