VINICIUS PINHEIRO MARQUES [1]
RESUMO: Socialmente observa-se a composição de novos arranjos familiares, fazendo com que o conceito de multiparentalidade obtenha força de modo a tencionar o direito para o seu reconhecimento, sobretudo para que o novo molde de família não seja apenas restrito ao aspecto biológico, mas também englobando a afetividade. Diante desse contexto, a presente pesquisa tem como problema central investigar se, com o reconhecimento jurídicos da multiparentalidade, é possível estender também os direitos sucessórios. Para alcançar o objetivo, foi realizada uma pesquisa com abordagem qualitativa dos dados obtidos mediante fontes bibliográficas disponíveis na internet ou em meio físico (livros e periódicos), pautada pelo método dedutivo. Ao final concluiu-se que as regras do direito sucessório deve ser estendida aos casos de multiparentalidade como forma de assegurar a dignidade da pessoa humana uma vez que o arranjo familiar não está limitada aos efeitos patrimoniais, mas deve ser considerado os efeitos existenciais
Palavras-chave: afetividade; direito de família; multiparentalidade; paternidade socioafetiva; sucessão.
INTRODUÇÃO
O Direito de Família está em constante transformação e diariamente se vê a magistratura profere decisões e acata jurisprudências com novos conceitos jurídicos em razão do rápido desenvolvimento e mudanças no comportamento social. Diante disso, os juízes de direito estão sempre ampliando o entendimento jurídico e proferindo novas decisões que condizem com o contexto social vigente.
Nesse sentido, o conceito de família tradicional constituído pelo matrimônio, encontra-se superado. Várias formas de uniões surgiram e diante disso começaram a adquirir direitos que antes não eram amparados, passando a serem enquadrados e resguardados no ordenamento jurídico brasileiro.
Deste modo, surgiu o instituto da multiparentalidade, que prevê a admissão de dois ou mais genitores no registro de nascimento, casamento e óbito de alguém. No geral, a tese é bem aceita pela sociedade mesmo não estando positivada de fato, pois já é muito utilizada no âmbito jurídico por meio de jurisprudências e doutrinas.
Como o tema abordado é uma inovação no período vigente, há grandes lacunas a serem preenchidas diante desse novo formato. A pluriparentalidade pode causar muitos danos e prejuízos para inúmeras pessoas se não for utilizada de forma adequada, diante disso, a forma errônea ou de má fé para o registro de mais de dois genitores pode-se agravar em ações de danos morais e materiais, e acarretar na perda do patrimônio do herdeiro.
Nessa esteira, é necessário compreender os reflexos que serão causados na sociedade atual, principalmente no que tange à sucessão da herança e de como será dividido o quinhão quando acrescentado os outros pais.
1. OS NOVOS ARRANJOS DE FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE
O conceito de família sempre esteve presente na humanidade, no Brasil essa definição começou a surgir diante da formação de grupos primários povoados por índios. Na época, a imagem de ter uma família não era como na atualidade, as pessoas não possuíam um vínculo afetivo que perdurasse muito tempo e a mulher servia apenas para a gestação e cuidados dos filhos.
Com o passar dos anos, houve a colonização pelos europeus, trazendo diversos costumes e maneiras diferentes de convivência entre as pessoas na região. Período em que foi instituída a Igreja Católica Apostólica Romana no território brasileiro, passando a ter forte influência tanto na parte econômica como na social, pregando que para se constituir família teria obrigatoriamente que haver casamento, e dessa forma, teria a relação de Deus e Estado em um só.
Em relação ao período colonial, o estudo da família em sentido restrito, se tem que assentar fundamentalmente na análise do sistema de casamento de acordo com as leis da Igreja e do Estado, não pode, por outro lado, omitir aquilo que então se denominava ‘casamento pela lei da natureza’ ou, de maneira pejorativa, concubinato ou mancebia. (SILVA, 1984, p. 3)
Assim, nesse período, os colonizadores contribuíram para a população com diversos valores e características culturais e econômicas que já eram instituídas na Europa. Silva (2002, p. 450-451) afirma que “a família do Código Civil de 1916 era uma família transpessoal, hierarquizada e patriarcal”.
Com o casamento, formou-se um tipo de família conhecida na época como patriarcal, que caracterizava sempre a figura masculina como autoridade do lar e responsável pelo sustento dos filhos.
Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem aceitação social e reconhecimento jurídico, o necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio. A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção com amplo incentivo à procriação. Era uma entidade patrimonializada, cujos membros representavam força de trabalho. O crescimento de família ensejava melhores condições se sobrevivência a todos. O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal. (DIAS, 2015, p. 27).
Entretanto, a sociedade não deixou estagnar o conceito de estrutura familiar e começaram a surgir valores e afeto entre os cônjuges. Importante mencionar que isso somente ocorreu depois de constantes transformações e revoluções sociais que ocorreram no país, tendo como um acontecimento importante a revolução industrial, nos séculos XX e XXI, que fez com que a figura feminina tivesse o seu lugar de direito e o homem não fosse a presença mais importante da sociedade.
Assim, o Código Civil de 2002 estabeleceu diversas mudanças no plano jurídico, fazendo com que a justiça brasileira sempre estivesse a par dos anseios sociais da população e diferindo da visão arcaica instituída no Código Civil de 1916, não mais deixou que a mulher fosse inferiorizada e submissa, buscando direitos igualitários para todas as partes familiares, respeitando a dignidade humana, e havendo legitimidade para adoção, união estável, guarda, alimentos e direito de visitas.
As alterações introduzidas visam preservar a coesão familiar e os valores culturais, conferindo-se à família moderna um tratamento mais consentâneo à realidade social, atendendo-se às necessidades da prole e de afeição entre os cônjuges ou companheiros e aos elevados interesses da sociedade. (GONÇALVES, 2017, p. 21)
Ressalta-se que Constituição Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) trouxe uma grande contribuição de melhorias para a República. O artigo 226 dispõe sobre a família ser a base da sociedade e ter a proteção do Estado, dessa maneira foi reconhecida a união estável e os direitos e deveres que possuem igualmente, cada um dos cônjuges, se casados fossem. Além disso, o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio a qualquer momento entre as partes, não precisando ser comprovado a separação de fato de no mínimo dois anos, como era disposto no Código Civil anterior.
Com a sociedade contemporânea, surgiram vários formatos de famílias, algumas amparadas pela legitimidade brasileira, como a união estável e casamento outras que não estão dispostas no código atual, mas que já possuem várias jurisprudências reconhecendo, como a multiparentalidade e a união homoafetiva, onde o vínculo prevalece sempre em primeiro lugar.
O Estado não pôde mais controlar as formas de constituição de famílias, pois comporta várias espécies, como o casamento, as uniões estáveis e a comunidade dos pais e comunidade dos pais e seus descendentes (art.226 da CF). Essas e outras representações sociais da família exprimem a liberdade dos sujeitos de constituírem seu núcleo familiar da forma que melhor lhes convier, e deve sempre ser o espaço de sua liberdade. (PEREIRA, 2012, p. 30-31).
Ao passo que dos direitos para quem possui união estável e casamento, estão expressamente reconhecidos, a união homoafetiva não é disposta no Código Civil atual. Entretanto o STF manifestou-se favorável por meio da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), ações destinadas para o Supremo decidir acerca de algum desrespeito elencado na Constituição. Dessa forma, foi pautada de nº 132, como uma ação de inconstitucionalidade pelos ministros. O Supremo decidiu em dar o entendimento conforme o artigo 1.723 do Código Civil removendo a parte do “homem e mulher”, o que possibilitou o vínculo homoafetivo ser legitimado igualmente aos que já haviam sidos explícitos.
Artigo 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. (BRASIL, 2002, s/p).
Tão somente nesse século foi possível afirmar que a união homoafetiva poderia ser acatada como uma entidade social fundamental, possuindo melhor aceitação do que antigamente. Maria Berenice Dias conceitua família no seguinte trecho:
A família é um agrupamento informal, de formação espontânea no meio social, cuja estruturação se dá através do direito. No dizer de Giselda Hironaka, não importa a posição que o indivíduo ocupa na família, ou qual a espécie de grupamento familiar a que ele pertence - o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade. (DIAS, 2015, p. 29).
Em meio a tudo isso, formou-se mais um tipo de linhagem, também não disposta na legislação, mas que já possui várias jurisprudências a favor, conhecida como multiparentalidade ou pluriparentalidade.
Diante disso, a Constituição Federal elenca vários princípios fundamentais para o funcionamento e a boa convivência das pessoas no país, sejam eles o de liberdade, solidariedade, dignidade, e diante disso, fez com crescesse cada vez mais a importância do princípio da afetividade. Isso acontece pelo fato desses princípios estarem sempre lutando contra injustiças, e sucessivamente prezando a vida de todos.
De acordo com Farias (2015, p.543), relata que:
Sob o ponto de vista técnico jurídico, a filiação é a relação de parentesco, estabelecidas entre pessoas que estão em primeiro grau em linha reta entre uma pessoa e aqueles que a geraram ou que a acolheram e criaram, com base no afeto e na solidariedade, almejando o desenvolvimento da personalidade e a realização pessoal.
Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana se relaciona diretamente com o princípio da afetividade, determinando que todos que fazem parte da família possuam direitos iguais na afeição, e sempre prezando o bem-estar de todos.
Assim, demonstra-se que muitas vezes, pessoas na função de madrastas ou padrastos ajudam muito mais na criação, desenvolvimento e educação, do menor do que os pais biológicos, e que se quiserem tê-los como se filhos fossem, poderá registrar como se tivessem vínculo sanguíneo.
O novo formato de família dedicou maior importância a afeição, sendo considerado, na atualidade muitas vezes, com maior valor que laços sanguíneos, sendo capaz de garantir relações interpessoais ainda melhores. Assim, sempre prezando o melhor interesse do menor, e consequentemente melhor satisfazendo a questão patrimonial quando houver sucessão.
2. A EVOLUÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO
A origem do direito sucessório acontece nos primórdios familiares, que se remete a legislação romana que mostrava repúdio a ideia de filhos gerados fora do casamento, que se denominavam filhos ilegítimos, possuindo apenas laços sanguíneos, não sendo considerado filho para a igreja e sociedade na época. A sucessão integrou à religião e ao parentesco, e assim permaneceu por muito tempo. A linhagem estava muito ligada à religião, a relação de parentesco era ajustada de acordo com o culto. Dessa forma, pertenciam a mesma família aqueles que seguiam a mesma crença, dessa forma tomava como base fundamental a religião.
O Código Civil de 1916 da legislação brasileira propunha um capitulo à legitimação, como um dos efeitos do casamento. Disposto no artigo 352 do antigo código civilista, cita “Os filhos legitimados são, em tudo, equiparados aos legítimos”. Assim, a real função desse artigo era atribuir aos filhos gerados anteriormente os mesmos direitos e qualificações dos filhos legítimos, como se houvessem sido concebidos após as núpcias.
Atualmente, o direito sucessório, parte especial do direito civil, é um ramo do direito privado que é previsto na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, incisos XXVII e XXX, e no CC do artigo 1.784 a 1.829, os quais garantem o direito à herança, ou seja, transferência de patrimônios de uma pessoa após a sua morte, pautados na lei ou em testamentos. Nesse sentido, o Código Civil de 2002 prevalece a ordem de prioridades hereditária no artigo 1.829, e constitui a linha sucessória entre os familiares do falecido.
É no direito das famílias onde mais se sente o reflexo dos princípios que a Constituição Federal consagra como valores sociais fundamentais, e que não podem se distanciar da atual concepção da família, com sua afeição desdobrada em múltiplas facetas. Dai a necessidade de revisitar os institutos de direito das famílias, adequando suas estruturas e conteúdo a legislação constitucional, funcionalizando-os para que se prestem a afirmação dos valores mais significativos da ordem jurídica. (DIAS, 2015, p. 40).
Atualmente, o código expressa como herdeiro o filho de forma personalíssima, ou seja, intransmissível para outra pessoa que não o titular do direito.
Uma outra característica dos direitos de família é a sua natureza personalíssima: são direitos irrenunciáveis e intransmissíveis por herança. Desse modo, “ninguém pode transferir ou renunciar sua condição de filho. O marido não pode transmitir seu direito de contestar a paternidade do filho havido por sua mulher; ninguém pode ceder seu direito de pleitear alimentos, ou a prerrogativa de demandar o reconhecimento de sua filiação havida fora do matrimônio”. (GONÇALVES, 2015, p. 31.)
Se um dos pais da família pluriparental falecer, o filho registrado pela afetividade receberá o quinhão igual os demais herdeiros, visto que não há diferenciação entre adotados, biológicos e registrados pela afetividade entre os demais irmãos. Mas, se caso este mesmo individuo falecer e não possuir filhos ou companheiro, seus ascendentes serão os herdeiros, o que leva à um empecilho, pois não se sabe como será a repartição entre a pluralidade de pais, visto que não há nada no código civil atual.
Gonçalves (2017, p. 16) expressa que “para determinados fins, especialmente sucessórios, o conceito de família limita-se aos parentes consanguíneos em linha reta e aos colaterais até o quarto grau”. Assim, há grandes lacunas para serem impedidas pela justiça brasileira e serem dispostas uma nova resolução de forma sucinta, para qualquer tipo de herdeiro que haja, assim aumentando cada vez mais a segurança jurídica.
Deste modo, temos de um lado a verdade biológica, a qual é comprovada por meio de exames laboratoriais e uma ligação genética entre duas pessoas, onde é importante saber as origens de quem nasceu. De outro, o fundamento essencial, a filiação socioafetiva, uma atribuição que não pode ser desprezada para a estabilidade e uniões familiares que não foram constituídas por seus progenitores.
Diante do exposto, não seria viável a exclusão dos pais biológicos de alguém que já é maior de idade, havendo a substituição do registro dos pais de criação e sim fazer o reconhecimento de todos. A exclusão de algum deles poderia acarretar em danos materiais, patrimoniais e principalmente sucessórios.
Entende-se que não há porque dar preferência de registro em relação ao pai biológico ou socioafetivo, e sim que as duas devem existir, ou seja, consideradas em igual nível de hierarquia lícita.
Neste passo, ainda possui uma repercussão quando se trata do assunto patrimonial do herdeiro, atualmente, é mais sensato o uso de analogias e resolver cada caso fático de acordo com suas particularidades, pois não é justo fazer o uso do novo instituto e se apropriar de uma herança apenas para obter vantagem econômica.
3. O PRINCIPIO DA AFETIVIDADE E DA DIGNIDADE HUMANA COMO ELEMENTO GARANTIDORES DO DIREITO SUCESSÓRIO NA MULTIPARENTALIDADE
A Constituição Federal elenca vários princípios fundamentais para o funcionamento e a boa convivência das pessoas no país, sejam eles o de liberdade, solidariedade ou de dignidade. E diante desses princípios relatados, fez com que crescesse cada vez mais a importância do princípio da afetividade no Brasil, por estar diretamente relacionado com o direito de família e os citados anteriormente. Em seu artigo 227 também elenca vários direitos ao menor para melhor convivência familiar e comunitária.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
O princípio da afetividade não está expresso na legislação, mas possui uma importância enorme na República por estar sucessivamente disposto em diversas doutrinas, jurisprudências, decisões, artigos, recursos, que são acatadas pelos magistrados e principalmente pelas promotorias espalhadas por todo país. Assim, possui grande valor jurídico, por frisar na igualdade entre os filhos e reconhecer tantos outros formatos de união que não seja apenas a sanguínea.
Sob o ponto de vista técnico jurídico, a filiação é a relação de parentesco, estabelecidas entre pessoas que estão em primeiro grau em linha reta entre uma pessoa e aqueles que a geraram ou que a acolheram e criaram, com base no afeto e na solidariedade, almejando o desenvolvimento da personalidade e a realização pessoal. (FARIAS, 2015, p.543).
Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana se relaciona diretamente com o princípio da afetividade, elucidando que todos os membros da família possuam direitos iguais, sempre prezando o bem-estar de todos e um convívio social agradável.
Outro princípio importante alusivo é o da solidariedade. Disposto no artigo 3º, inciso I da Constituição Federal Brasileira cita o seguinte trecho: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;” (BRASIL, 1988). Dessa maneira, este princípio está diretamente relacionado à correspondência de sentimentos, o que é previsto e representado na pluriparentalidade, pois o genitor afetivo não está obrigado a amar e cuidar de seu filho, e ocorre simplesmente pelo sentimento ser recíproco e puro. Diante do assunto, Heloísa Helena Barboza aborda:
O parentesco socioafetivo produz todos e os mesmos efeitos do parentesco natural. São efeitos pessoais: (a) a criação de vínculo de parentesco na linha reta e na colateral (até o 4º grau), permitindo a adoção do nome da família e gerando impedimentos na órbita civil, como os impedimentos para casamento, e pública, como os impedimentos para assunção de determinados cargos públicos; (b) a criação do vínculo de afinidade. Sob o aspecto patrimonial são gerados direitos (deveres) a alimentos e direitos sucessórios. (BARBOZA, 2010 p. 33-34)
Vale ressaltar também o princípio do melhor interesse do menor, já que está diretamente conexo com a multiparentalidade, pois é de direito que toda criança e adolescente tenha direito a educação, lazer, cultura e alimentação. Associa-se assim, principalmente em relação aos mais desamparados, aqueles que não tiverem a figura dos pais biológicos ou de algum deles presentes, possuindo uma nova chance de ser registrado por pessoas que realmente se importam com o menor, que já possui vínculo emocional presente, não precisando haver um processo de adoção.
É estabelecido no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) o seguinte artigo:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Dessa forma, o Estatuto mostra em seus artigos, que todos possuem direitos fundamentais, assim, quando a família biológica não cumpre esse dever, o Estado pode assegurar concedendo o registro de um novo pai ou mãe no lugar, ou até mesmo só acrescentando em documentos pessoais. Diante disso, o Relator José Antônio Datoe Cesar, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul apresentou a seguinte apelação:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA CUMULADA COM ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIAFETIVA E, VIA DE CONSEQUÊNCIA, DA MULTIPARENTALIDADE. CABIMENTO. DETERMINAÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL, NOS TERMOS DO REQUERIDO. Embora a existência de entendimento no sentido da possibilidade de conversão do parentesco por afinidade em parentesco socioafetivo somente quando, em virtude de abandono de pai ou mãe biológicos e registrais, ficar caracteriza a posse de estado da filiação consolidada no tempo, a vivência dos vínculos familiares nessa seara pode construir a socioafetividade apta a converter a relação de afinidade em paternidade propriamente dita. Sob essa ótica, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no artigo 227, § 6º, da Constituição Federal, realiza a própria dignidade da pessoa humana, constitucionalmente prevista, porquanto possibilita que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social vivenciada, enaltecendo a verdade real dos fatos. Multiparentalidade que consiste no reconhecimento simultâneo, para uma mesma pessoa, de mais de um pai ou mais de uma mãe, estando fundada no conceito pluralista da família contemporânea. Caso dos autos em que a prova documental... acostada aos autos e o termo de audiência de ratificação evidenciam que ambas as partes, maiores e capazes, desejam o reconhecimento da filiação socioafetiva e da multiparentalidade, o que, ao que tudo indica, não traria qualquer prejuízo a elas e a terceiros. Genitor biológico da apelante que está de acordo com o pleito, sendo que o simples ajuizamento de ação de alimentos contra ele em 2008, com a respectiva condenação, não descaracteriza, por si só, a existência de parentalidade sociafetiva entre os apelantes. Apelação provida. (Apelação Cível Nº 70077198737, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em 22/11/2018).
Diante da jurisprudência citada, mostra que a sociofetividade está cada vez mais presente, e com uma importância enorme na atualidade, pois é contemplada por meio do princípio da dignidade humana e não pela legislação brasileira. Assim, reconhece os vínculos construídos ao longo dos anos que englobam um conceito muito maior do que pais biológicos que praticam o abandono, e que não possuem vivência com a família.
CONCLUSÃO
A presente pesquisa buscou mostrar para a população a relevância do novo modelo de família designado na atualidade conhecido como multiparentalidade, e de como o assunto trará consequências positivas ou negativas para a figura do herdeiro por este ainda não estar exposto no ordenamento jurídico, assim, afetando diretamente no direito de família e na sociedade em si.
O assunto se tornou relevante pelo fato da coletividade estar sempre em constante mutação, e, diante disso, o conceito do que é “família” já não é o mesmo como antigamente, afetando diretamente no direito brasileiro, que também está sempre modernizando-se para atender as expectativas das pessoas pra melhor serem atendidas de forma justa e correta.
Assim, é de suma importância a regulamentação no ordenamento o instituto da pluriparentalidade, pois há muitas famílias que se unem somente pela afetividade, onde se mostra a figura de padrastos, que muitas vezes são mais considerados que os pais biológicos. Precisando de um aparato e proteção do Estado através de leis, para abranger a grande lacuna sobre o assunto abordado.
Importante ressaltar que o entendimento estudado por ser muito recente, ainda está sendo discutido por muitos doutrinadores e profissionais jurídicos, sendo constantemente debatido se a multiparentalidade é uma forma legitima para o reconhecimento de filiação. Diante disso, frisa-se que a efetivação desse instituto é de suma importância, pois este terá que garantir todos os deveres essenciais de um filho, envolvendo uma dimensão enorme na vida de alguém pelo vínculo parental que é formado, nascendo assim um reconhecimento inerente do direito sucessório.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Instituiu o Código Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 30 de abril de 2019.
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BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. AC nº 70077198737. Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Data de Julgamento: 22/11/2018, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/11/2018.
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[1] Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins (FACTO). Advogado. E-mail: [email protected].
Graduanda em Direito da Faculdade Católica do Tocantins (FACTO).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AIRES, Vanessa Ferreira. A multiparentalidade no âmbito do Direito Sucessório Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2019, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53015/a-multiparentalidade-no-ambito-do-direito-sucessorio. Acesso em: 22 nov 2024.
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