RESUMO: O artigo investiga o desenvolvimento histórico da luta encravada pela sociedade para assegurar o tratamento de gêneros, de forma igualitária, constatando disponibilizar-se, em âmbito mundial, de um arcabouço protetivo à mulher, mas que não se pode desvencilhar de constantes reivindicações, para que se torne eficaz e atinja seus propósitos, que norteiam precipuamente à salvaguarda da dignidade da pessoa humana, conclamada tanto pela nossa Constituição Federal, quanto pelas declarações de Tratados Internacionais, sob o enfoque de direitos humanos.
Palavras-chave: Sexismo; Direitos humanos; Dignidade humana.
ABSTRACT: The article investigates the historical development of the struggle imprisoned by society to ensure the treatment of genders, in an egalitarian way, noting that a protective framework for women is available at the global level, but can not be freed from constant demands, so that to be effective and to achieve its purposes, which are directed at safeguarding the dignity of the human person, called for both by our Federal Constitution and by the declarations of International Treaties, under the human rights approach.
Key words: Sexism; Human rights; Human dignity.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Escorço histórico dos direitos da mulher; 3. Direitos Humanos Fundamentais e a Mulher; 4- Considerações Finais; 5. Referências.
A autora discorre sobre as contendas registradas na história mundial, motivadas pelo propósito de assentar tratamento equânime entre homens e mulheres.
O Brasil não é o único País que enfrenta a desmesurada resistência em respeitar as mulheres; o epílogo é que a discriminação esteia-se meramente no fato de ser mulher, tornando-se irrelevante sua capacidade intelectual, esforço físico e dedicação extremada, para o cumprimento diário de uma tripla jornada.
Na seara do direito internacional, aponta-se como tendo sido o marco declaratório, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o assentamento do direcionamento formal à questão da luta contra o sexismo; não obstante, é de se ponderar que esta contemplou herança de resquícios de aludida preocupação, havida na França, cujas discussões eram voltadas especificamente ao anseio de atingimento de uma sociedade ideal, por ocasião da revolução francesa (1789)[1].
À partir daí, foram elaborados diversos tratados internacionais protetores de Direitos Fundamentais, conclamada esta proteção a nível de Nações Unidas, estando assim destacados os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, além de instrumentos especificamente criados para proteger determinados temas, como a tortura, discriminação racial, discriminação contra a mulher, violação dos direitos da criança e outros, de tal maneira que grupos certos e individualizados é que passam a receber a proteção, tanto em âmbito interno, quanto externo, em sede de tratados internacionais.
Em decorrência destas declarações internacionais dos direitos das mulheres, é de se salientar que tais desideratos traçados não se demonstraram suficientemente eficazes, pois tais instrumentos protetivos genéricos, careciam recorrer à especificação do sujeito de direito, como assevera Flávia Piovesan (2003, p. 206). Considerada a importância do significado e abrangência dos direitos humanos, pode-se valer do escólio de Antonio Enrique Pérez Luño (2003, p. 109).[2]
Com referência à proteção da mulher, em 1975, ao qual foi atribuído como título “Ano Internacional da Mulher”, neste mesmo ano realizou-se no México, a 1ª. Conferência Mundial sobre a Mulher e tendo sido aprovada pelas Nações Unidas, em 1989 uma Convenção nominada Convenção à Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (ratificada pelo estado brasileiro, em 1984) daí iniciando-se os primeiros acontecimentos de valor histórico, na seara mundial, versando sobre o tema. Esta Convenção, veio disciplinar a obrigatoriedade de eliminação da discriminação e da desigualdade. Observa-se que seu objetivo visava ressaltar que qualquer ato discriminatório à mulher repercutia em desigualdade, logo aliado está, o anseio de protegê-las, afastando a discriminação, para em contrapartida, assegurar a igualdade de tratamento. Em julho de 2001, a Convenção já contava com 168 Estados-partes[3].
Nos anseios presentes nestes Estados-partes encontravam-se o resguardo da igualdade formal perante a lei, abarcado o direito de a mulher de decidir sobre o direito de reproduzir-se ou não, além do direito de acesso às oportunidades sociais e econômicas, o direito de dispor de seu próprio corpo e outros mais.
Reconhecido no próprio texto da Convenção, que a proibição da discriminação por si só, não se bastaria para assegurar esta igualdade de gêneros. Esta é, mais uma forma de consagração das famigeradas ações afirmativas, que podem ser compreendidas como sendo políticas públicas feitas pelo governo ou pela iniciativa privada com o objetivo de corrigir desigualdades presentes na sociedade, acumuladas ao longo de anos, sejam tais desigualdades consubstanciadas em raça, sexo, idade, etc. As ações afirmativas buscam oferecer igualdade de oportunidades a todos.
Em 2012, o Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade que as ações afirmativas são constitucionais e políticas essenciais para a redução de desigualdades e discriminações existentes no país. Importa salientar que uma ação afirmativa não deve ser vista como um benefício, ou algo injusto, a ação afirmativa só se faz necessária quando percebemos um histórico de injustiças e direitos que não foram assegurados.[4]
A compreensão da vivência histórica do País, a respeito do tema que requer a criação de ações afirmativas é o instrumental justificador de sua necessidade. A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial permite a discriminação positiva, significando que os Estados podem adotar temporariamente, técnicas que visem conscientizar celeremente e realizar técnicas para equiparar homem e mulher e tão logo atinja tal intento, as técnicas/medidas cessam. Como consigna Flávia Piovesan (2003, p. 209), são estas “medidas compensatórias para remediar as desvantagens históricas (...)”, posto que representam hoje, o cenário discriminatório encarado pelas mulheres, a herança do passado discriminatório vivenciado.
É possível afirmar que diversos instrumentos jurídicos vieram regulamentar a temática, em 1993, com a Conferência de Direitos Humanos, realizada em Viena, ocasião em que foram uma vez mais disseminadas concepções reflexivas, ansiando conscientizar os países membros, para que implementassem medidas tendentes à garantir o direito igualitário de gênero, além de ter sido reivindicada a necessidade de ratificação universal da Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher; disciplinado no art. 39 da Declaração de Viena. Em 12 de março de 1999, por ocasião da 43ª. Sessão da Comissão do status da Mulher da ONU, foi adotado o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, tendo sido consignados 2 itens fiscalizatórios de importância salutar, quais sejam, o mecanismo de petição, que permite o encaminhamento de denúncias de violação de direitos enunciados na Convenção à apreciação do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher e um procedimento investigativo, que habilita o Comitê a investigar a existência de grave e sistemática violação aos direitos humanos das mulheres. Pondera Piovesan (2003, p. 206) que para acionar aludidos mecanismos de monitoramento, faz-se necessário que o Estado tenha ratificado o Protocolo Facultativo, que reaviva o ideário internacionalmente buscado, que denota a significância dos direitos humanos das mulheres, constituindo-se uma real garantia voltada a assegurar o pleno e equânime exercício dos direitos humanos das mulheres e sua não discriminação.[5]
Neste panorama histórico, a proteção das mulheres fora reforçada por ocasião da Declaração e Programa de Ação de Viena, em 1993 e pela Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, de 1995. Nestes importantes eventos a compreensão dos direitos das mulheres, subsumidos no entendimento de que inexiste salvaguarda aos direitos humanos, acaso haja insuficiência no respeito aos direitos das mulheres, ou seja, a atribuição do significado humano, como gênero, razão porque a busca pela salvaguarda à igualdade de gêneros justifica-se sob esta conotação.
3- DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS E A MULHER
Em pleno século XXI, por razões evidentes é que a compreensão dos Direitos Fundamentais requer uma interpretação diversa daquela que se empregava no momento da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no da outorga da própria Constituição vigente, o que justifica a transmutação dos Direitos Fundamentais através de suas dimensões, porque não se está mais objetivando resguardar unicamente o direito de existir, mas de se assegurar uma existência digna, respeitosa e feliz, a todos.
A mulher busca ter acesso ao mercado de trabalho em condições equânimes às dos homens, esta é a “bandeira” que se levantou durante anos, para que os governantes se preocupassem não apenas com a edição de leis protetivas, mas também com a fiscalização para seu cumprimento; ocorre que recentemente está-se deparando com noticiários que estão a veicular a informação acerca de episódios ocorridos na Copa do Mundo de Futebol, na sede dos jogos, na Rússia, que denotam inegável retrocesso às conquistas alcançadas pelas mulheres e o que causa maior ranço é que se trata de desrespeito à pessoa, preconceito e violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, conclamado como baluarte dos princípios constitucionais, por alicerçar o cumprimento aos demais direitos fundamentais.
Não se trata de afronta ao direito de perceber remuneração, mas desrespeito à condição humana, em si. A dignidade da pessoa humana, disciplinada no Art. 1º, inc. III da Constituição Federal constitui um dos baluartes do Estado Democrático de Direito, se analisado sob o enfoque da proteção da pessoa humana. Segundo Erasmo Carlos, em sua música Mulher (sexo frágil), lançada em 1981[6], ao afirmar que a mulher é o sexo frágil, ao mesmo tempo adverte dizendo que é uma mentira absurda e de fato, apesar da aparente delicadeza, as mulheres em sua grande maioria desenvolvem jornada laboral tripla (e com maestria), face a necessidade de gerir as prendas domésticas e familiares (com os filhos e marido), paulatinamente trabalhando fora de sua casa, para auxiliar na renda familiar, elevando-as à categoria de verdadeiras heroínas, porque é praticamente inexistente o sexo masculino que desempenhe as funções acima citadas, concomitantemente.
Não se está pregando um discurso feminista ou sexista, com o intuito de defender as mulheres, não se quer colocá-las num patamar acima, mas ao lado, em grau de igualdade ao dos homens. Ocorre que os atos discriminatórios e preconceituosos fazem “saltar os olhos”, ocasionando sentimento repulsivo e uma revolta grandiosa assola a sociedade, que também é composta de mulheres filhas, mulheres mães, mulheres irmãs, mulheres avós, mulheres tias, mulheres sobrinhas, enfim, mulheres...Aqui ou ali o homem depara-se com um familiar ou amiga, mulher, é para isso que se está alertando, a luta não é em prol do sexo feminino, mas em prol da sociedade como um todo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Notórios avanços são detectados na história, que nos conduzem a identificar extraordinários textos legais conclamando a igualdade de gêneros, objetivando extirpar o sexismo.
Reconhecidos como Direitos Humanos, Tratados Internacionais versam sobre o tema, tendo o Brasil erigido à seara de Direitos Fundamentais, consagrado na Constituição Federal, além das legislações extravagantes, reafirmando expressamente este desiderato.
Apesar de todo este empenho legislativo, que em suma visa assegurar o exercício do princípio da dignidade humana, é lamentável concluir-se porém, que a obstinada discriminação ainda existe hodiernamente, não se podendo interromper as campanhas de conscientização.
5- REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002.
CAMPOS, Amini Haddad e; CORREA, Lindinalva Rodrigues. Direitos Humanos das Mulheres. Curitiba: Juruá, 2007.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 4ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2000.
KOSOVSKI, Ester. Minorias e discriminação: direito das minorias. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
______. Temas de Direitos Humanos. 2ª. ed. rev. ampl. e atual., São Paulo: Max Limonad, 2003.
ROSTELATO, Telma Aparecida. O direito humano de ser mulher: a proteção consagrada pelo Código Civil pátrio, em observância aos Tratados Internacionais. Lex Humana, v. 8, p. 137-155, 2016.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Apresentação e comentários de Jean-François Braunstein. Tradução de Maria Cristina Roveri Nagle e Iracema Gomes Soares. Brasília: Universidade de Brasília, 1989.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
______. Trad. Pedro Scherer de Mello Aleixo; Rita Dostal Zanini. Dimensões da Dignidade – Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
[1] Disponível em http://www.economist.com/node/21591749/print “in” Cultura Francesa: Bleak Chique: The Economist 21.dez 2013. Paris. Acesso em 21. mar 2016.
[2] Tradução livre da autora: “De modo que seja possível se falar sobre direitos humanos, não basta admitir determinadas faculdades ao indivíduo, porém que as mesmas tenham relação direta e imediata com a sua própria qualidade de ser humano e se reputem imprescindíveis para o desenvolvimento de suas atividades pessoais e sociais. Daí que a positivação dos direitos fundamentais é o produto da dialética constante entre o desenvolvimento progressivo no plano técnico dos sistemas de positivação, e o afirmar-se paulatino no terreno ideológico das idéias de liberdade e dignidade humanas”.
[3] Disponível em http://www.unhchr.ch/pdf/report.pdf; [12.07.2001]. Acesso em 21. mar 2016.
[4] Disponível em http://www.seppir.gov.br/assuntos/o-que-sao-acoes-afirmativas. Acesso em 13. abr 2016.
[5] O Protocolo entrou em vigor em 22 de dezembro de 2000 e foi ratificado pelo Brasil em 28 de junho de 2002.
[6] Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Mulher_(%C3%A1lbum). Acesso em 23. jun 2018.
Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino - ITE - Bauru/SP. Especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional de Sorocaba/SP. Professora da Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva/SP. Procuradora Jurídica Municipal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSTELATO, Telma Aparecida. Sexismo - reflexões acerca dos direitos humanos fundamentais sob o aspecto histórico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53086/sexismo-reflexoes-acerca-dos-direitos-humanos-fundamentais-sob-o-aspecto-historico. Acesso em: 22 nov 2024.
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