RESUMO: Este artigo visa analisar o direito à saúde perante a atual Constituição Brasileira. Como garantidor do bem maior que é a vida, o direito à saúde foi analisado no contexto dos direitos fundamentais sociais e focado também na responsabilidade do Poder Público para com o assunto, como é normatizado pelo artigo 196 da Carta Magna. Principia apresentando os desafios e as dificuldades na conceituação de saúde e do direito à saúde e demonstra a incoerência da aplicação do princípio da reserva do possível como fator limitador da efetividade do direito público à saúde, em detrimento ao princípio do mínimo existencial. Abarca a questão da judicialização do direito à saúde como uma crescente no Brasil e suas dificuldades. Em relação a metodologia usada, tratou-se de pesquisa exploratória, procurando entender a problemática do direito à saúde garantido constitucionalmente para todos. Conclui-se que a efetividade do direito à saúde requer um conjunto de respostas políticas e ações governamentais mais amplas, não devendo ficar na dependência da reserva do possível, para que não se torne praxe ações restritas às ordens judiciais.
Palavras-chave: Direito, Saúde, Princípio da Reserva do Possível, Judicialização da Saúde
ABSTRACT: This article aims to analyze the right to health towards the current Brazilian Constitution. As a guarantor of the greater good of life, the right to health was analyzed in the context of fundamental social rights and also focused on the responsibility of the Public Power for the subject, as regulated by Article 196 of the Constitution. It begins by presenting the challenges and difficulties in the conceptualization of health and the right to health and demonstrates the incoherence of the application of the principle of reserve for contingencies as a limiting factor of the effectiveness public right to health, to the detriment of the principle of existential minimum. It covers the question of the judicialization of the right to health as a growing one in Brazil and its difficulties. Regarding the methodology used, it was an exploratory research, trying to understand the problem of the right to health guaranteed constitutionally for all. It is concluded that the effectiveness of the right to health requires a set of political responses and broader governmental actions, and should not be dependent on the reserve of the possible, in order to that actions restricted to judicial orders do not become habitual.
Key words: Law, Health, Reserve for the Possible, Health Judicialization
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2 O DIREITO À SAÚDE. 2.1 A SAÚDE NO BRASIL: DIREITO DE TODOS, DEVER DO ESTADO. 2.2 DA EFETIVIDADADE DO DIREITO À SAÚDE. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico brasileiro, através da referida Constituição Federal de 1988, elencou várias garantias ao cidadão brasileiro. Inicialmente, em seu artigo 5º, a Carta constitucional menciona os direitos fundamentais, que compreendem as garantias individuais essenciais ao ser humano, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, entre outros. Dentre estes direitos destaca-se o direito à vida, pois este é a base para a existência dos demais direitos.
Como acentua Alexandre de Moraes, o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que constitui-se em pré-requisito a existência e exercício de todos os demais direitos. A Constituição Federal, é importante ressaltar, protege a vida de forma geral, inclusive a uterina.
A vida é o direito por excelência, é a base estrutural de toda uma ordem jurídica. Sem vida não há direito. Sem vida os direitos não podem existir e por consequência, serem exercidos. Todo o direto deve convergir para ela e nela centrar sua evolução, pautando-se na necessidade de sua preservação. (MELLO, Cleyson de Moraes)
Nesse contexto, para que se tenha a manutenção do bem maior que é a vida, é necessário que seja garantida a saúde dos indivíduos. Assim sendo o legislador constituinte não se esqueceu de mencionar o direito à saúde inserindo-o no rol de direitos sociais do artigo 6º, ainda dentro dos direitos e garantias fundamentais da Carta Maior:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
O direito constitucional à saúde é um direito público subjetivo e trata-se de uma prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas.
Além da inclusão do direito à saúde, encontra-se também como direito social a assistência aos desamparados. Estas duas garantias representam um avanço na busca pela dignidade da pessoa humana, que constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, retratados no art. 1º, inciso III de nossa Carta Maior.
Definida a saúde e a assistência aos desamparados como direitos sociais constitucionais e, dotando-as da característica da fundamentalidade, o art. 196 da mesma Carta Magna identificou a responsabilidade do Poder Público por sua manutenção, decretando, in verbis:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Assim sendo, o Estado tem o poder e o dever de intervir na dinâmica social para a proteção do direito à saúde, visto que esta garantia é reconhecida no Brasil como direito individual humano e essencial para a manutenção da condição vital do ser humano.
Para cumprimento desse dever que a Constituição lhe impõe, o Estado instituiu entidades públicas, pertencentes tanto à Administração direta quanto à Administração indireta, bem como criou mecanismos de cooperação entre essas entidades e entre entidades do setor privado, de modo que a execução das políticas públicas de saúde se efetive de modo universal e igualitário, observando as peculiaridades regionais e sociais da população que atende.
No Brasil, o administrador público está vinculado às políticas estabelecidas na Constituição e nas normas infraconstitucionais para a implementação dessas políticas públicas relativas à ordem social constitucional. É mister que o Estado promova os meios de acesso do cidadão aos bens e serviços deste, pois uma vez alienado ao Estado o direito de cada qual, espera-se que este utilize os recursos e poderes aludidos pela Constituição, necessários às suas garantias.
Com efeito, o direito a saúde é um mecanismo para a manutenção da vida, derivando uma prestação obrigação do Estado, determinada na repartição de competência dos entes federados. São obrigações positivas do poder político para garantir existência digna do individuo, pois a Constituição Federal já consagrou fundamental à saúde.
Igualmente, o Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da Organização Federativa Brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema das carências no campo da saúde da população, ou seja, utilizar do argumento de que a implementação de políticas pública à saúde é matéria que afeta a discricionariedade do poder executivo.
O presente trabalho visa analisar o direito à saúde como garantia constitucional e dever do Estado em detrimento ao não cumprimento desse direito fundamental, dada a falta de implementação de políticas sociais e econômicas por parte dos entes federados.
A escolha do tema justifica-se pela preocupação com a ineficácia do direito fundamental à saúde, posto que a CF/88 delimitou a competência aos entes federados, a obrigação de instituir políticas públicas para que o referido direito seja materializado pelos cidadãos, conforme assegura o art. da CF/88.
2. O DIREITO À SAÚDE
A análise do termo “direito” já revela sua complexidade. A palavra direito refere-se a um ramo do conhecimento humano (a ciência do direito), ao mesmo tempo em que elucida seu objeto de estudo: o direito, um sistema de normas que regulam o comportamento dos homens em sociedade. A palavra direito é usada muitas vezes em sentido axiológico como sinônimo de justiça e muitas outras em sentido subjetivo, “é o meu direito”. Trata-se da "regra de direito vista por dentro, como ação regulada". Kelsen , filósofo do direito alemão, partindo da análise lingüística chega à conclusão de que o significado da palavra recht (direito, em alemão) e de suas equivalentes em outros idiomas (law, droit e diritto para o inglês, francês e italiano, respectivamente) é o mesmo: "ordens de conduta humana".
O termo é empregado com seu sentido de direito subjetivo na reivindicação do "direito à saúde". No entanto, a referência à regra de direito vista por dentro implica necessariamente a compreensão do direito como regras do comportamento humano em sociedade.
É fato que as normas jurídicas representam as limitações às condutas nocivas para a vida social. Assim, a saúde, definida como um direito, deve inevitavelmente conter aspectos sociais e individuais. Visto como direito individual, o direito à saúde privilegia a liberdade em sua mais ampla acepção. Parte-se do entendimento que as pessoas devem ser livres para escolher em que cidade e que tipo de vida pretendem viver, suas condições de trabalho e, quando doentes, o recurso médico-sanitário que procurarão, o tipo de tratamento a que se submeterão entre outros.
Fica claro, então, que o grau de desenvolvimento do Estado é fator crucial para que se tenha uma efetiva liberdade necessária ao direito à saúde, enquanto direito subjetivo. Somente no Estado desenvolvido o indivíduo é livre para procurar um completo bem-estar físico, mental e social e para, adoecendo, participar do estabelecimento do tratamento. Examinado, por outro lado, em seus aspectos sociais, o direito à saúde privilegia a igualdade. As limitações aos comportamentos humanos são postas exatamente para que todos possam usufruir igualmente as vantagens da vida em sociedade. A garantia de oferta de cuidados de saúde do mesmo nível a todos que deles necessitam também responde à exigência da igualdade e se faz, atualmente, com respaldo em nossa atual Constituição.
Não há que se dizer que as Constituições brasileiras do passado foram omissas quanto à questão da saúde, visto que apresentavam normas tratando dessa temática, frequentemente com a intenção de fixar competências administrativas e legislativas do Estado. Todavia, a primeira a conferir a devida importância à saúde, tratando-a como direito social-fundamental, foi a Constituição de 1988, demonstrando com isso uma estreita sintonia entre o texto constitucional e as principais declarações internacionais de direitos humanos.
O texto constitucional de 1988 atribui aplicação imediata no que diz respeito às normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. Desta forma, o direito social fundamental à saúde, deve ser, independente de regulação, promovido pelos entes federados e deve-se conferir máxima e imediata eficácia a todo e qualquer preceito constitucional definido de direito e garantia fundamental.
Assim, quanto aos direitos sociais, Jair Lima dos Santos , manifesta-se no seguinte teor:
O debate sobre os direitos fundamentais prestacionais, surge no marco do Estado Social de Direito e dos novos paradigmas propostos pelos teóricos do Neoconstitucionalismo, que se fazem notar predominantemente a partir do século XX. Ocorreu principalmente depois das duas grandes guerras mundiais e da notoriedade do agravamento das questões sociais, como a fome, a miséria, a desigualdade social, a concentração de renda nas mãos de uma minoria de pessoas, com a consequente exclusão social da maioria da população em escala mundial.
José Afonso da Silva cita :
Podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direito que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direito individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício da liberdade.
Daniel Rosa Correia disserta que: “a Revolução Francesa que ocorreu em 1789, contribuiu para a formação de um Estado Constitucional de Direito, caracterizado fundamentalmente pela limitação e divisão do exercício do poder do Estado, frente os administrados.”
A respeito desse tema, já dissertou José Joaquim Gomes Canotilho:
A positivação dos direitos fundamentais deu-se a partir da Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem, e das Declarações de Direitos formulados pelo Estados Americanos, ao afirmarem sua independência em relação a Inglaterra. Origina-se, assim, as Constituições liberais dos Estados ocidentais dos séculos XVIII E XIX.
2.1 A SAÚDE NO BRASIL: DIREITO DE TODOS, DEVER DO ESTADO
Com a promulgação da Constituição cidadã, há mais de 20 anos, o direito à saúde passou a ser normatizado como um direito fundamental, de forma a dar mais garantia de um dever do gestor público na efetivação do dever-ser constitucional. Referido direito não é direito exercido contra o Estado, mas sim através do Estado, exigindo prestações materiais positivas que demandam disponibilidade e planejamento orçamentário. Ao se analisar o planejamento orçamentário, observa-se que há a participação da população brasileira, pois é decorrente dos impostos fiscais, contribuição exercida por todos os cidadãos que praticam o fator gerador dos tributos fiscais.
O direito à saúde, no art. 6º da Constituição Federal, é tratado como um direito social. Já o art. 196, trata a saúde como um direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantido mediante políticas públicas que vise à redução dos riscos à doença.
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
De fato, é dever do Estado prestar assistência à saúde a toda coletividade, visto que o direito à saúde é constitucionalmente assegurado ao povo brasileiro como direito de todos e dever do Estado.
No entanto, pontua-se que o referido mandamento constitucional está sendo a cada dia mais esquecido pelo Estado, tendo em vista a falta de adoção de medidas que se mostrem eficazes para a efetivação do direito à saúde em todos os seus aspectos, ou seja, desde o simples tratamento ambulatorial até o fornecimento de medicamentos, equipamentos e tratamentos especializados.
O direito à saúde se configura como um direito indisponível, por estar entre os direitos sociais, e especificamente no caput do art. 6º da Constituição Federal de 1988. Isso significa que é aquele direito em relação ao qual os seus titulares não têm qualquer poder de disposição, pois nascem, desenvolvem-se e extinguem-se independentemente da vontade dos titulares. Por isso, deve ser obrigatoriamente observada a sua prestação pelo próprio poder que o institui, o Poder Público.
Nesse sentido, Humberto Àvila consigna :
Portanto, os direitos fundamentais, por estarem em uma posição de destaque dentro da Constituição Federal de 1988, tornam-se um tema bastante relevante para ser debatido, em especial, o direito à saúde, por ser um direito de cunho prestacional e social e pressuposto para a qualidade de vida e dignidade humana de qualquer pessoa.
A razão de ser dessa complexa estrutura de atuação estatal não poderia ser outra senão a proferida pela própria Constituição Federal: garantir a todos o direito à saúde. Porém, mesmo após todo o tempo decorrido da promulgação da nossa Carta Maior, a saúde padece de enfermidades profundas, fazendo com que o direito à saúde, enquanto direito fundamental não tenha a total efetivação conforme os ditames constitucionais.
De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o poder executivo tem o dever constitucional de conferir tangibilidade às normas constitucionais, no sentido de fazer valer, com máxima efetividade, os preceitos assegurados pelo Poder Constituinte Originário aos cidadãos, conforme pode-se observar da ementa abaixo transcrita:
O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. (AI 734.487-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010.) Vide: RE 436.996-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-2005, Segunda Turma, DJ de 3-2- 2006; RE 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9- 2000, Segunda Turma, DJ de 24-11-2000.
Rogério Gesta Leal doutrina que “o direito à saúde se apresenta como direito primário e absoluto, a partir do qual os demais direitos podem ser exercidos, e por esta razão inviolável.”
Conforme o art. 3° da Lei n° 8.080/90, ao referir-se à saúde deve-se considerá-la a integralidade da pessoa humana, abrangendo a saúde física e mental. Schwartz conceitua o direito á saúde como:
Um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças, e ao mesmo tempo em que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação à possibilidade de esse mesmo indivíduo ter acesso aos meios indispensáveis ao seu particular estado de bem-estar.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a saúde como sendo o estado de completo bem-estar físico, mental e social. Ou seja, o conceito de saúde transcende à ausência de doenças e afecções. Por outras palavras, a saúde pode ser definida como o nível de eficácia funcional e metabólica de um organismo a nível micro (celular) e macro (social).
No mesmo sentido, o serviço de assistência à saúde é público; deve ser garantido pelo Estado, cuja deficiência ou falta, que acarrete dano para o usuário, pode gerar para o Poder Público, a obrigação de indenizar.
A nível internacional há a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que se assumiu posição solene em favor do direito à saúde, conforme consta do seu artigo 25, in verbis:
Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e a sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto a alimentação, ao vestuário, ao alojamento, a assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários; e tem direito a segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
Nessa mesma intenção há no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, cuidado com o direito à saúde, apontando mecanismos para assegurar seu pleno exercício, conforme artigo 12: "Os Estados-partes no Presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental."
2.2 DA EFETIVIDADADE DO DIREITO À SAÚDE
A Constituição da República atual, promulgada em 1988, já em consonância com as mudanças do mundo globalizado, muniu toda e qualquer pessoa com instrumentos necessários para que se assegure, plenamente, o exercício da cidadania.
O avanço da globalização trouxe aspectos do interesse privado do ser humano, que necessita ter a sua disposição proteções necessárias para desfrutar dos serviços públicos essenciais que asseguram dignidade da manutenção da vida humana.
Desta forma, a valorização do ser humano resguardada pelos Direitos e Garantias Fundamentais, não pode encontrar barreiras que dificultem ou impeçam o acesso aos serviços públicos, principalmente o direito à saúde, essencial à vida e ao desenvolvimento do cidadão.
Conquanto, a utilização de argumentos infundados para justificar a não implementação de políticas públicas de saúde, alegando a falta de previsão orçamentária e a disponibilidade material de recursos econômicos e sociais, infelizmente tem sido uma prática comum dos entes federados.
A efetivação do direito à saúde exige a implementação de políticas públicas pelo Poder Executivo, entendidas como ações governamentais voltadas ao atendimento do interesse público, visto que o texto constitucional possui o atributo de imperatividade, o que dá ensejo a atuação dos entes federados na promoção do direito fundamental à saúde.
É mister que o Estado implemente essas políticas públicas, com a finalidade de efetivar os direitos sociais, sobretudo o direito à saúde. Seguindo essa concepção, entende-se que o cidadão pode exigir do Estado uma administração de eficácia da norma fundamental insculpida no texto constitucional, posto que à luz das diretrizes do constitucionalismo moderno, a atuação administrativa encontra-se plenamente vinculada à satisfação dos direitos fundamentais.
É preciso superar o discurso dos detentores de poder de que os direitos fundamentais não são de fato efetivados simplesmente porque o Brasil não possui recursos financeiros e materiais que condicionem a atuação do Estado neste sentido. A positivação de direitos e garantias fundamentais exige que a Administração Pública atue de forma efetiva e condizente com os anseios dos cidadãos, posto que a constituição de 1988 conferiu necessária atenção às políticas fundamentais e à vida humana.
Para tanto, existem tributos arrecadados pelo Estado que devem ser revertidos em serviços sociais, tais como o serviço de saúde, por se tratar de um serviço indispensável à qualidade de vida dos cidadãos que arcam com suas obrigações tributárias.
Sabe-se que a função básica do tributo é assegurar recursos financeiros para o funcionamento do Estado, mormente o acesso à saúde. É a chamada função social do tributo.
Nesse contexto, sobre a função dos tributos e o serviço público de saúde, já dissertou Ely Lopes Meirelles:
Não tem sentido lógico e jurídico o Estado arrecadar tributos e não fornecer a contrapartida social, representada por serviços públicos em padrão adequado, descumprindo a sua obrigação na relação jurídica com o povo. Parece óbvia demais esta conclusão, mas a realidade demonstra que o Estado não presta adequadamente os serviços públicos, bastando uma rápida visualização dos problemas e deficiência dos serviços de saúde, educação, justiça e segurança pública. O serviço público de saúde, no Brasil, é realizado através do Sistema Único de Saúde.
Diante de tais considerações não se pode aceitar o argumento de que não há orçamento suficiente como uma justificativa para a não implementação dos direitos fundamentais sociais. Isso significa afirmar que o custo impede a concretização do texto constitucional, o que é inconcebível.
No Estado Social e Democrático de Direito é o orçamento que viabiliza e instrumentaliza as políticas públicas para seja definido o grau de concretização dos valores fundamentais constantes do texto constitucional. A concretização dos direitos fundamentais depende de orçamento, mas mais ainda de planejamento.
Portanto, a não concretização do direito à saúde nas grandes áreas, gera crise entre a maior parte da população, que se vê desprovida de condições mínimas de existência digna. É, infelizmente, um retrato do abismo que existe entre a previsão constitucional e a realidade.
Existe, porém, no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da reserva do possível, que se baseia na limitação de atuação do Estado no que diz respeito ao cumprimento de alguns direitos, como os direitos sociais, subordinando a existência de recursos públicos disponíveis à atuação do Estado.
O princípio da reserva do possível deve sim ser aplicado, mas não quando se trata da vida humana, sendo a saúde a base para que se garanta a vida. Outrossim, é oportuno ressaltar o princípio do mínimo existencial, que refere-se ao básico da vida humana, o qual garante bens e utilidades imprescindíveis para a vida humana, ou seja, é um meio de garantia da dignidade da pessoa humana, independente de custo. Sendo assim, sua obtenção independe da existência de lei, visto que é considerado inerente aos seres humanos. Sem o mínimo existencial, não é possível que um indivíduo possa ter uma vida digna, pois o princípio tem o objetivo de garantir condições mínimas para isso.
Nesse sentido, Dirley da Cunha Júnior menciona que:
Os obstáculos que usualmente se erguem contra essa imediata aplicabilidade é que, segundo pensamos, não podem prevalecer ante a inquestionável vontade do constituinte de ver os direitos fundamentais que consagra diretamente usufruídos por seus titulares, independente da vontade do legislador ordinário. Esclarecemos, porém, que o “mínimo existencial” ou “padrão mínimo social”, como objeto de imediata e irrecusável garantia dos direitos sociais, compreende um completo, eficiente e qualificado atendimento básico das necessidades vitais do indivíduo, como saúde, educação, alimentação, moradia, assistência, variando seu conteúdo, evidentemente, de país para país.
Assim, o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado como forma de relativizar a execução de políticas públicas de saúde, até mesmo porque a vida humana não pode ser colocada em segundo plano por motivos financeiros, tendo em vista que, há meios para a concretização desses direitos.
Nesse mesmo diapasão, faz-se necessário que os Poderes Executivos e Legislativos sejam forçados a se precaverem e se adaptarem a esta nova realidade, contribuindo, principalmente, para o combate à corrupção e para que haja maior moralidade e responsabilidade na atuação administrativa em programas de saúde.
Além do agravante que é a corrupção em nosso país, sabe-se que o Estado aplica grandes quantidades de dinheiro em turismo, campanhas políticas dentre outras finalidades supérfluas. Logo, há sim a possibilidade garantir em primeiro lugar investimento em políticas públicas de saúde ao invés de fazerem uso do princípio da reserva do possível, até mesmo porque sem saúde, os cidadãos não teriam como pleitear os demais direitos que lhes são garantidos, ela é a garantia do bem maior que é a vida.
Destarte, a materialização dos direitos fundamentais não deve ficar na dependência a reserva do possível. É imprescindível ressaltar que existe um direito fundamental que deve ser resguardado e/ou protegido, posto que a partir do momento que um princípio se sobressai a um direito fundamental como, por exemplo, a vida humana, estaria contrariando totalmente as normas constitucionais, o que em nosso país é proibido, estando os direitos fundamentais garantidos por meio de cláusulas pétreas.
Pontua-se assim que não é lícito o poder público alegar a falta de verba orçamentária para prover a eficácia dos direitos sociais. Em verdade, o que não se pode é negar estes direitos, já que isso leva a transgressão de normas e princípios constitucionais de aplicação imediata e formadoras de todo o arcabouço jurídico.
Partindo deste pressuposto, o que vem acontecendo no Brasil é o crescente fenômeno da judicialização da saúde para que o direito seja cumprido.
Por ser reconhecido como um direito humano fundamental à preservação da vida e dignidade humana, o direito à saúde deveria ser aliado à práticas morais e legais simples de serem cumpridas. Ora, há absoluta concordância entre o direito vigente, nas leis internacionais e nacionais, e a moralidade comum. Todavia, o que se vê é uma dificuldade imensa no cumprimento de tal norma constitucional, pois o consenso geral quanto aos direitos humanos induz a crer que tenham um valor absoluto, o que, de fato, não tem.
A expressão tão genérica, abrangente e heterogênea do direito à saúde permite uma relativização que traz dificuldades teóricas e práticas, no momento de sua realização, de diversas ordens: filosóficas, políticas, jurídicas, sociais, econômicas, culturais e técnico-científicas. As dificuldades de se articular essas questões e estabelecer os acordos necessários sobre como garanti-las da melhor forma para os cidadãos têm representado o distanciamento entre o direito vigente na lei e o direito vivido na prática por milhões de pessoas, em todo o mundo. O Estado é o principal responsável por esse distanciamento entre direito e dever, no caso do nosso país, acumulando deveres legais de proteção da saúde e de provimento dos meios para o cuidado de todos os cidadãos. A alta intensidade da demanda judicial no âmbito da saúde reflete a busca da efetividade de um aspecto desse direito, que é o acesso aos meios materiais para seu alcance.
Os pedidos judiciais se baseiam numa prescrição médica relatando urgência na obtenção daquele insumo, ou na realização de um exame diagnóstico ou procedimento, considerados capazes de solucionar determinada “necessidade” ou “problema de saúde”.
A escolha da via judicial para o pedido pode ser dar pela pressão para a incorporação do medicamento/procedimento no SUS ou pela ausência ou deficiência da prestação estatal na rede de serviços públicos. Nesta última situação, pode-se dizer que a judicialização da saúde expressa problemas de acesso à saúde em seu sentido mais genérico, isto é, como uma dimensão do desempenho dos sistemas de saúde associada à oferta, e que o fenômeno pode ser considerado como um recurso legítimo para a redução do distanciamento entre direito vigente e o direito vivido. A resposta judicial, em geral, tem-se limitado a determinar o cumprimento pelos gestores de saúde da prestação requerida pelos reivindicantes e é o que tem funcionado, mesmo que ainda não satisfatoriamente, no Brasil.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebeu-se pela pesquisa realizada que os direitos fundamentais sociais, com enfoque ao direito à saúde, são direitos subjetivos assegurados pela Carta Magna de 1988, a qual determina que o administrador público é responsável pelas políticas públicas necessárias para a concretização de tais direitos.
De fato, todo cidadão brasileiro deve ser contemplado com o mínimo existencial, cabendo então ao Poder Executivo a adoção de políticas públicas definidas e condizentes com a noção de Estado Democrático de Direito. Do contrário é evidente que há uma ineficácia absoluta dos direitos fundamentais. O mínimo existencial abarca os direitos sociais, necessários a consecução de uma vida digna, ou seja, uma vida permeada pelos direitos fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana, logo, se sobrepõe ao obstáculo da reserva do possível.
Observou-se, no entanto, que, quando essas políticas públicas não são implementadas, o cidadão pode se valer da via judiciária para solicitar que a norma constitucional seja aplicada, ou seja, para que a eficácia do direito à saúde seja reconhecida judicialmente, pois representa prerrogativa jurídica indisponível aos administrados.
O argumento de que a implementação de políticas públicas é matéria afeta a discricionariedade do poder executivo, não pode ser acolhido, uma vez que pode prejudicar o direito subjetivo do cidadão, pois é dever do Estado garantir a todos a assistência à saúde e consequentemente a proteção à vida.
Diante de inegáveis provas de corrupção de diversos políticos, presume-se que, se não houvesse tanto desvio de verbas, nossos país conseguiria cuidar melhor da saúde de seus descendentes. Dessa forma, lutar pelo combate à corrupção e pela maior moralidade e responsabilidade na atuação administrativa se faz necessário para a melhoria dos programas de saúde.
Uma vez que o Estado não cumpre o seu dever constitucional, é necessária a atuação do Poder Judiciário na implementação desses direitos a fim de manter o equilíbrio do sistema democrático brasileiro diante de omissões estatais abusivas, tendo em vista que o mesmo está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional. Dessa forma, o que se vê é uma crescente da chamada “judicialização da saúde” em nosso país.
Consequentemente, o direito a saúde é um mecanismo para a manutenção da vida humana, derivando uma prestação e/ou obrigação do Estado, determinada na repartição de competência dos entes federados, consubstanciado na ordem constitucional vigente.
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Pós-graduado em Direito Ambiental - Oficial do Ministério Público de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Laís Galgani. A saúde no Brasil: direito versus dever constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53116/a-saude-no-brasil-direito-versus-dever-constitucional. Acesso em: 22 nov 2024.
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