MARIA CRISTINA ZUCCHI.
(Orientadora)
RESUMO: O objeto deste trabalho é apresentar argumentos que auxiliem na solução pacífica para o tema Eutanásia em face dos princípios fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988. O tema, recente na sociedade humana, se mantém polêmico nas diversas esferas do conhecimento e sua prática ainda não encontra respaldo legal em nosso ordenamento jurídico. Importante registrar que não há intenção de resolver a complexa questão de prolongar a vida ou antecipar a morte de um doente em estado terminal, nem tomar posição sobre os procedimentos médicos de tratamento ou de manutenção forçada da vida humana que poderiam afrontar a dignidade da pessoa humana, mas tão somente despertar o interesse e fomentar discussões sobre este assunto. Observa-se que ainda neste século XXI, a Eutanásia continuará sendo amplamente debatida em todos os níveis da nossa sociedade. Espera-se que os institutos jurídicos, diante da evolução da sociedade, com a consequente necessidade de revisão das doutrinas e normas vigentes, tenham a agilidade necessária para nivelar suas atitudes na mesma velocidade que as mudanças ocorrerem. Dessa forma, é natural presumir-se que as vedações legais hoje existentes, poderão sofrer eventuais mudanças no futuro próximo, mas, deve-se, sempre considerando sempre, a valorização da vida humana, mas mantendo-se a qualidade de vida.
Palavras-chave: Eutanásia. Bioética. Direito à vida. Dignidade da pessoa humana. Autonomia. Liberdade.
ABSTRACT: The object of this work is to present arguments that assist in the peaceful resolution of the issue Euthanasia in the face of the fundamental principles enshrined in the Federal Constitution of 1988. The theme, recent in human society, remains controversial in many spheres of knowledge and practice is not yet legal support in our legal system. Important to note that there is no intention to solve the complex issue of prolonging life or anticipating the death of a terminally ill or take a position on medical procedures or treatment forced maintenance of human life that could affront the dignity of the human person, but only arouse interest and stimulate discussions on this subject. It is observed that even in this century, euthanasia will remain widely debated at all levels of our society. It is expected that the established laws, before the evolution of society, with the consequent need for revision of doctrines and rules, have the agility to flatten their attitudes at the same speed that the changes occur. Thus, it is natural to assume that the legal prohibitions exist today, should suffer any changes in the near future, always considering the valuation of human life, but maintaining the quality of life.
Keywords: Euthanasia. Bioethics. Right to life. Human dignity. Autonomy. Freedom.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, O DIREITO À VIDA, À LIBERDADE, À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL. 1.1 O princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 1.2 A Dignidade da pessoa humana e seu conteúdo moral e material. 1.3 A Vida. 1.4 O Direito à vida. 1.5 O Direito à vida em suas acepções. 1.5.1 O Direito de permanecer vivo e à subsistência. 1.5.2 O Direito à qualidade de vida. 1.6 A Liberdade e a Integridade física e moral da pessoa humana. 1.6.1 A Liberdade. 1.6.2. A integridade física e moral da pessoa humana. 1.7 Considerações conclusivas. 2 A EUTANÁSIA EM FACE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. 2.1 A Conciliação entre a eutanásia e o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e a liberdade. 2.2 Posições doutrinárias atuais sobre a eutanásia. 2.2.1 Argumentos favoráveis à eutanásia. 2.2.2 Argumentos contrários à eutanásia. 2.3 A legislação brasileira e a eutanásia. 2.3.1 Projetos de lei para a prática da eutanásia no Brasil. 2.3.2 O Código de Ética Médica como subsídio normativo adicional. 2.3.3 O Projeto de um novo tratamento penal para a eutanásia. 2.4 A Eutanásia no Direito Comparado. 2.4.1 Casos de Eutanásia no Brasil. 2.5 Considerações conclusivas. 3 EUTANÁSIA: CONCEITO, HISTÓRIA E SUAS FORMAS. 3.1 Conceito. 3.2 História. 3.3 Evolução da Eutanásia na História. Classificação. 3.5 Eutanásia e a Bioética. 3.6 Considerações conclusivas. 4 ASPECTOS FILOSÓFICO/RELIGIOSOS, MÉDICOS E JURÍDICOS SOBRE A EUTANÁSIA. 4.1 Aspectos Filosófico/religiosos. 4.2 Aspectos Médicos. 4.2.1A Responsabilidade médica sobre a vida humana. 4.3 Aspectos Jurídicos. 4.4 Considerações conclusivas. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. TABELA 1- Espectro ético, moral e social da eutanásia 73 ANEXO A – Utilitarismo 74 ANEXO B – Juramento de Hipócrates 76 ANEXO C – Direitos da Personalidade 77 ANEXO D – Lei 9434/97 - Lei de Transplantes 80 ANEXO E – Biodireito – conceito e características 88 ANEXO F – Acórdão Processo 0122959-4 91.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, tutela de forma expressa, em seu artigo 5º, caput, o direito à vida e assegura sua proteção contra qualquer ameaça interna ou externa. Em contrapartida, observamos que o mesmo diploma cita a liberdade de forma ampla, o que significa autodeterminação do individuo para tomada de decisões. Ainda nesse âmbito, o Artigo 1°, III tem como fundamento a dignidade da pessoa humana que contempla como um dos seus atributos a qualidade de vida, que deve prevalecer em todos os aspectos.
Dessa forma, pode-se presumir que o individuo tem autonomia para dispor ou não de sua vida, ou seja, direito de viver ou de morrer, caso não mais tenha saúde para manter a qualidade de vida, diante do sofrimento de uma doença em fase terminal.
Para o perfeito entendimento do tema, a presente monografia está estruturada em quatro grandes pilares:
I - O Principio da Dignidade da Pessoa Humana e o Direito à Vida. Nesse âmbito, de forma sucinta, dissertaremos sobre o direito à vida e o principio da dignidade da pessoa humana. Na seqüência, analisaremos o direito à vida em suas acepções e alguns direitos fundamentais, como a liberdade e a integridade física e moral da pessoa humana.
II - A Eutanásia em face dos princípios constitucionais, onde analisaremos a possibilidade de conciliação entre a prática da eutanásia na sociedade brasileira, em face da legislação vigente e das garantias constitucionais do direito à vida, da dignidade da pessoa humana, do direito à integridade física e moral e a liberdade. Em seguida, apresentaremos as posições doutrinárias contra e a favor da eutanásia, além da análise da eutanásia no direito comparado. Nessa esteira, algumas tentativas de aplicação e regulamentação do procedimento no Brasil e em outros países serão mencionadas.
III - Conceito de Eutanásia, seu posicionamento como ramo da bioética; relatos históricos sobre as origens do termo e seus vários tipos. Nessa direção, apresentaremos breve relato sobre a bioética e seus princípios, a partir do qual, nosso tema tem sua raiz;
IV – Interpretação dos aspectos filosófico/religiosos, médicos e jurídicos sobre a eutanásia.
Finalizando, apresentaremos nossa conclusão sobre o tema e ficaremos na expectativa de ter cumprido o objetivo proposto, qual seja o de contribuir para uma nova compreensão sobre o tema.
1 O PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, CONTEÚDO MORAL E MATERIAL, E DIREITOS À VIDA, LIBERDADE, INTEGRIDADE FISICA E MORAL
1.1O PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O principio da dignidade da pessoa humana está presente no artigo 1º, III da Carta Magna de 1988. Kant (1986, p. 77) define a dignidade de forma contundente:
Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade.
Nessa direção, pode-se concluir que Kant enquadra o conceito de dignidade acima de qualquer valor material. Valor este tão absoluto que estaria acima de qualquer outro princípio fundamental.
Segue a integra do artigo e do inciso citado:
Artigo 1°, caput, CF/88: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Inciso III, CF/88: a dignidade da pessoa humana.
Convém destacar que na Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana é mostrada como um dos fundamentos do Estado de Direito.
Miranda (1960, p. 169 grifo do autor), assevera que a dignidade é um atributo individual do ser humano. Em face do espírito individual que encerra a dignidade da pessoa humana, é possível afirmar que essa dignidade é da pessoa concreta, devendo ser considerada na sua vida real e cotidiana, ou seja, deverão ser considerados homem e mulher em seu dia-a-dia, pois em todo o homem e em toda a mulher estão presentes todas as faculdades da humanidade. 'É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível e insubstituível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e protege’.
Neste âmbito, o autor afirma que é necessário distinguir dignidade da pessoa humana e dignidade humana: "a primeira dirige-se ao homem concreto e individual, já a segunda, está a humanidade, entendida ou como qualidade comum a todos os homens ou como conjunto que os engloba e ultrapassa".
Dispondo sobre os demais princípios fundamentais no mesmo plano do principio da dignidade da pessoa humana, Magalhães (2012, p.153 grifo do autor) destaca:
[...] constitui o núcleo de toda a ação estatal, já que o Estado tem como último escopo proporcionar o bem comum, que é a promoção da dignidade do ser humano. Os demais princípios elencados: a soberania, a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político, visam em ultima análise o primado da pessoa humana, em consonância com a visão personalista do mundo, que foi albergada na Constituição de 1988. E conclui: o reconhecimento da dignidade da pessoa humana é o pilar de interpretação de todo o ordenamento jurídico e toda a Constituição Federativa do Brasil.
Na mesma direção, Garcia (2004, p. 207), lembra que a dignidade da pessoa humana figura entre os princípios fundamentais que estruturam o Estado como tal, portanto, inserindo-se entre os valores superiores que fundamentam o Estado, a dignidade da pessoa humana representará o crivo pelo qual serão interpretados os direitos fundamentais e todo o ordenamento jurídico brasileiro.
1.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SEU CONTEÚDO MORAL E MATERIAL
Silva (2003, p. 195), refere-se à dignidade da pessoa humana como um "valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida".
Na mesma direção, Bastos (1988, p. 425), entende que a referência à dignidade da pessoa humana parece concentrar em si todos aqueles direitos fundamentais, quer sejam os individuais clássicos, quer sejam os de fundo econômico e social.
O autor afirma ainda, que a dignidade tem uma dimensão também moral: "São as próprias pessoas que conferem ou não dignidade às suas vidas”.
Na mesma esteira, Sarmento (2007, p. 241) entende que a dignidade da pessoa humana é concretizada por meio dos direitos fundamentais. Mesmo a pessoa humana que não respeita a dignidade de seu semelhante, tem a sua tutelada pelo Estado.
Jampaulo (2007, p. 21) acentua que em relação ao aspecto material da dignidade da pessoa humana, a preocupação do legislador constituinte foi proporcionar para as pessoas condições para uma vida digna, do ponto de vista econômico. Isto, segundo o autor, em ultima análise significa:
Direito a uma remuneração como contraprestação de contrato de trabalho, que possa proporcionar ao individuo, vestuário, alimentação adequada, moradia, transporte, higiene, educação, cultura, lazer e saúde.
O autor ainda pondera que o principio da dignidade da pessoa humana não deve ater-se a um único conceito politico-filosófico, até pela sua abrangência, deve ser ele considerado um princípio aberto. Por ser aberto, a qualidade de vida, com toda a generosidade de interpretação que for possível lhe atribuir, deve ser levada em conta, uma vez que a dignidade da pessoa humana também busca uma vida com qualidade. Sem esse atributo, a vida não pode ser considerada digna em seu aspecto material.
Sendo assim, o legislador, ao dar a devida dimensão ao principio da dignidade da pessoa humana, em seus aspectos morais e materiais, preencheu as condições necessárias para que a existência de cada pessoa humana seja digna.
Lopes (2011, p. 29), ao dispor sobre a dignidade da pessoa humana apresenta três vertentes de proteção jurídica. A primeira, diz respeito à proteção do ser humano com relação aos direitos da personalidade, resguardando a pessoa individualmente, ou seja, reconhecendo a necessidade de que esta deve ter liberdade de conduzir sua existência e ter seus direitos respeitados.
A segunda representa a efetivação por parte do Estado e da sociedade, de condutas positivas que visam à proteção dos direitos sociais, econômicos e culturais que proporcionam existência digna ao individuo.
A terceira vertente configura a tutela nas relações interpessoais, possibilitando o nascimento de sentimentos de solidariedade, fraternidade e respeito às diferenças existentes.
Lopes (2011, p. 30), conclui que estas três vertentes relacionam a dignidade humana à tutela dos direitos humanos. A concretização dos direitos humanos e dos direitos fundamentais resulta na verdadeira dignidade da pessoa humana.
1.3 A VIDA
A palavra "Vida" tem muitos conceitos a ela associados. No Dicionário Houaiss (2001), encontramos um que, de maneira objetiva, sintetiza o que é a vida: 'o período de um ser vivo entre o nascimento e sua morte; existência'.
Berti (2000, p. 238-248), discorre que a vida é um dom que a pessoa humana já traz consigo, não sendo, pois, concessão ou favor que lhe tenha sido concedido, merecendo máxima proteção:
A vida é o bem maior na esfera natural e na esfera jurídica. Não é uma concessão da sociedade nem uma prestação do Estado. É um bem anterior do Direito que a ordem jurídica deve integrar. Assim, a Constituição Federal e também as leis ordinárias consagram em seus textos ao direito á vida como o primeiro de todos os direitos atribuídos à pessoa humana, naturalmente, desde a concepção. Direito que o Estado tem interesse em garantir, como condição de sua própria existência, por ser o individuo um elemento indispensável e fundamental de sua organização social e política.
Miranda P. (1971, p. 14-29) nos ensina:
O direito à vida é inato; quem nasce com vida, tem direito a ela [...]. O direito à vida é inconfundível com o direito à comida, às vestes, a remédios, a casa, que se tem de organizar na ordem politica e depende do grau de evolução do sistema jurídico constitucional ou administrativo. O direito à vida passa à frente do direito à integridade física ou psíquica [...].
Souza (1995, p. 203-204), toca em questão fundamental ao afirmar que a vida humana, qualquer que seja sua origem, apresenta-se como um fluxo de projeção coletivo, contínuo, transmissível, comum a toda a espécie humana e presente em cada indivíduo humano, enquanto depositário, continuador e transmitente dessa energia vital.
Na mesma direção, Vieira (2009, p.73) assinala que a vida humana não se resume a uma simples existência biológica, mas compreendida de modo dinâmico, e também, como um processo complexo, não só orgânico, mas também mental e espiritual, que se instaura a partir da concepção.
Com a concepção, o feto adquire alguns direitos contemplados pelo Código Civil brasileiro de 2002, tais como, alimentos gravídicos, identidade genética quando for fruto de fertilização assistida e direito à paternidade, entre outros. Estes direitos serão exercidos pelos pais ou responsáveis, já que o nascituro tem a capacidade do direito, mas não o seu exercício.
Roberti (2002, p. 2 grifo da autora), assevera que:
O direito à vida não pode ser visto isoladamente dentro do nosso ordenamento jurídico, que possui diversos princípios norteadores, como a dignidade da pessoa humana, a proibição de tratamentos desumanos ou degradantes, dentre outros. E conclui: a questão que se coloca em discussão quando o assunto eutanásia é abordado, vem a ser justamente a disponibilidade da vida humana. Assim, ainda que sejam assegurados à pessoa acometida de incurável doença ou de sofrimentos atrozes, todos os direitos e garantias de um resto de vida, será que esta pessoa teria o direito de morrer por sua solicitação?
1.4 O DIREITO Á VIDA
O direito à vida sempre foi protegido pelas diversas Cartas promulgadas, contudo apenas o termo "segurança individual" esteve presente, sem se estender às garantias individuais. A partir da Carta de 1946, no artigo 141, aparece o termo "a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida". Na Constituição 1988, pelo artigo 5°, caput, e de forma expressa, a inviolabilidade do direito à vida, entre outras garantias se tornou rol taxativo.
Segue a íntegra do artigo citado na Carta de 1946:
Artigo 141, caput, Constituição promulgada: A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes;
Cumpre observar que nossa Constituição Federal contempla o direito à vida, também, em seus artigos 227 e 230.
Segue os artigos citados:
Art. 5°, caput, CF/88: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, propriedade, nos termos seguintes;
Art. 227 caput, CF/88: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010);
Art. 230 caput, CF/88: Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
O Brasil é signatário de vários tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. Em um deles, a Convenção Americana dos Direitos do Homem, celebrada em 1969, também denominada Pacto de San José da Costa Rica, tutela a vida humana desde a concepção.
Oportuno citar o artigo 4° deste diploma:
Art. 4°, Inciso I: Toda pessoa tem o direito a que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento de sua concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente".
Moraes (2007. p. 46-47) assim conceitua o princípio fundamental do direito à vida: [...] 'O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, pois o seu asseguramento impõe-se, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos'.
De Cupis (1961), afirma que a vida se identifica com a simples existência biológica e que o direito à vida é essencial, tem como objeto um bem muito elevado, sendo um direito essencialíssimo. É um direito inato, adquirido no nascimento, portanto, intransmissível, irrenunciável e indisponível.
O direito à vida encontra importante defensor com Miranda (1971, p.14-29):
O direito à vida é inato; quem nasce com vida, tem direito à ela [...]. O direito à vida é direito ubíquo: existe em qualquer ramo do direito, inclusive no sistema jurídico supra estatal [...]. O direito à vida passa à frente do direito à integridade física ou psíquica [...] o direito de personalidade à integridade física cede ao direito de personalidade à vida e à integridade psíquica [...].
Azevedo (2002, p. 19 grifo do autor), se posicionando contra a disponibilidade da vida, afirma: "o principio da dignidade, fundamento da Republica Federativa do Brasil, tem como pressuposto inafastável, a 'intangibilidade da vida humana'. Sem dúvida, se não há garantia de vida, não se pode falar em dignidade".
Campos (1992, p. 47), neste contexto, assevera: "o direito à vida implica necessária e indeclinavelmente o dever de proteger a própria vida e a dos outros, aplicando-se exatamente o mesmo raciocínio à integridade física".
Canotilho (2000, p. 533-539 grifo nosso), sustenta que o direito à vida é um direito subjetivo de defesa, pois é indiscutível o direito de o indivíduo afirmar o direito de viver, com a garantia da 'não agressão' ao direito à vida, implicando também a garantia de uma dimensão protetiva. Desta forma, o indivíduo tem o direito perante o Estado a não ser morto por este, o Estado tem a obrigação de se abster de atentar contra a vida do indivíduo, e por outro lado, o indivíduo tem o direito à vida perante os outros indivíduos, e estes devem abster-se de praticar atos que atentem contra a vida de alguém. E conclui: o direito à vida é um direito, mas não é uma liberdade.
Assim sendo, conclui-se que a Constituição Federal assegura expressamente o direito à vida, mas também, veda a sua disponibilidade.
Diniz (1971, p. 14-29) destaca o efeito erga omnes para o direito à vida:
[...] a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo. O respeito à ela e aos demais bens ou direitos correlatos decorre de um dever absoluto ‘erga omnes’, por sua própria natureza, ao qual a ninguém é lícito desobedecer [...]. Garantido está o direito à vida pela norma constitucional em cláusula pétrea, que é intangível, pois contra ela nem mesmo há o poder de emendar.
1.5 O DIREITO À VIDA EM SUAS ACEPÇÕES
O direito à vida assume três acepções: o direito de permanecer vivo e morrer apenas por causas naturais, o direito à subsistência que é compatível com a dignidade da pessoa humana, e este, requer o direito à qualidade de vida.
1.5.1 O DIREITO DE PERMANECER VIVO E O DIREITO Á SUBSISTENCIA
Para Jampaulo Jr. (2007, p.10), o direito de permanecer ou continuar vivo, está fundamentado no enunciado que tem por significado o direito à existência. A expressão direito à vida ensina que ‘o direito de continuar vivo, embora se esteja com saúde’ é ligado ‘à segurança física da pessoa humana, quanto a agentes humanos ou não, que possam ameaçar-lhe a existência’.
No mesmo plano, encontramos o direito à subsistência. Tavares (2008, p. 399) ensina que:
O direito a uma subsistência digna deve assegurar um nível mínimo de vida que seja compatível com a dignidade humana, incluindo para tanto, direito à alimentação adequada, vestuário, saúde, educação, cultura e lazer”.
Para o autor, o direito à vida se cumpre, neste último sentido, por meio de um aparato estatal que ofereça amparo à pessoa que não disponha de recursos aptos a seu sustento, propiciando-lhe uma vida saudável.
Pereira Roberto (2003, p. 347) ao cuidar do direito à vida, afirma que este possui íntima ligação com a dignidade, ou seja, não é apenas o direito de sobreviver, mas de viver dignamente. Mas, o que realmente isto significa? Certamente, a resposta é muito abrangente. Pode-se afirmar que dignidade traduz o sentimento de respeito a si e ao próximo. "Dignidade" deriva do latim dignitas, de virtude e honra.
1.5.2 DIREITO À QUALIDADE DE VIDA
O direito à qualidade de vida surge como requisito fundamental ao direito à dignidade da pessoa humana e ao direito á vida. Jampaulo (2007, p.17 grifo do autor) nos ensina que: "A Constituição, além de amparar o direito de permanecer vivo e o direito a uma subsistência digna, assegura que essa vida deve ter, de forma igualitária, qualidade de vida, pois, conforme suas palavras: só a dignidade justifica a procura da qualidade de vida".
E conclui que a Lei Maior, de maneira discreta, apenas uma vez, menciona concretamente a expressão qualidade de vida, no artigo 225, inserida no Capítulo sobre meio ambiente.
Segue a íntegra do artigo:
Art. 225, caput, CF/887: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
Pessini (2005, p.147-149 grifo nosso), ensina que o conceito de "qualidade de vida", é recente e que deriva da teoria da "qualidade dos materiais", elaborada no inicio do século XIX, passando para as ciências humanas, Economia e Sociologia, na década de 60:
Suas origens remontam aos métodos de controle de qualidade utilizados nos processos industriais. Nos anos 1930, 1940, criaram-se certas técnicas estatísticas para se determinar o nível de qualidade dos produtos manufaturados. O controle de qualidade passou assim a ser um elemento básico da política das empresas. Pouco depois, os economistas e sociólogos tentar encontrar índices que permitissem avaliar a qualidade de vida dos seres humanos e das sociedades.
Vieira (2009, p. 79), porém alerta que, levada a extremos, o conceito de "'qualidade de vida" tende a conduzir à condenação de pessoas que não sejam "perfeitas", ou que apresentam deficiências, com a possibilidade de suspender qualquer terapêutica em andamento, ou mesmo cancelar algum tratamento programado para doentes terminais.
Pessini (2005, p. 153 grifo do autor) assevera que a ética deve sempre 'partir da afirmação indiscutível de um principio absoluto, que é o da sacralidade do ser humano', afirmando que o principio da sacralidade da vida constitui-se em verdadeiro dogma da moralidade, especialmente porque, no momento da morte, perde-se a condição humana.
Quanto à qualidade de vida, Pessini (2005, p. 73 grifo do autor), observa que o seu significado se diferencia no conteúdo, segundo aplicado nos países ricos ou pobres. Nos ricos, trata-se de prolongar a expectativa de vida e combater a morte; tornar a morte mais aceita e confortável (existem, inclusive, os especialistas, chamados tanalogistas) e lutar contra a contaminação ambiental provocada pela superpopulação industrial. Nos países pobres, a luta não é tanto por viver mais, mas em como sobreviver. Falar de qualidade de vida é luta contra a morte prematura e injusta causada pela pobreza, exploração, violência e falta de recursos e assistência à saúde.
Concluindo, resta considerar que o direito á vida ou o direito de permanecer vivo não pode depender de padrões pré-existentes de qualidade de vida, sob o risco de afrontar o princípio da dignidade da pessoa humana. A vida humana tem o mesmo valor para todos os seres humanos, e todos, também, têm direito a uma vida digna.
1.6 A LIBERDADE E A INTEGRIDADE FISICA E MORAL DA PESSOA HUMANA
1.6.1 A LIBERDADE
O termo “Liberdade” significa ausência de restrição no direito de ir e vir, fazer ou não fazer, desde que não ofenda a norma jurídica correspondente à ação o omissão empreendida.
A liberdade da pessoa humana está de forma ampla tutelada pela Carta Magna de 1988, em seu artigo 5º e Incisos. Também, cumpre destacar que o individuo, desde seu nascimento está sob proteção dos direitos da personalidade, presentes no Código Civil de 2002. A partir da idade civil, adquire autodeterminação de conduta, ou seja, direito de ir e vir e não ter cerceada sua liberdade individual, senão em função de ato ilícito, sujeito a pena de detenção como previsto no Código Penal.
Por outro lado, convém observar a lição de Mesquita (2011, p. 44): “Apenas a pessoa humana vive em condições de autonomia, ou seja, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita”.
De outra forma, em relação à liberdade como capacidade para exercê-la, Sarlet (2012, p. 101-103) nos ensina que:
Da garantia da dignidade humana decorre, desde logo, como verdadeiro imperativo axiológico de toda a ordem jurídica, o reconhecimento de personalidade jurídica a todos os seres humanos, acompanhado da previsão de instrumentos jurídicos (nomeadamente, direitos subjetivos) destinados à defesa das refrações essenciais da personalidade humana, bem como a necessidade de proteção desses direitos por parte do Estado.
Nesse contexto, e completando a defesa do autor, no meu entender, a liberdade da pessoa humana, como direito fundamental, só é válida com autonomia pessoal e, se esta é inerente ao ser humano, que é sujeito de direitos consagrados pelo Código Civil e pela Lei Maior, não há dúvidas que liberdade é parte da dignidade da pessoa humana.
Sarlet assim conclui: “sem liberdade, não haverá dignidade, ou, pelo menos, esta não estará sendo reconhecida e assegurada”.
Em relação à autonomia como capacidade para se exercer a liberdade pessoal, torna-se importante observar que a autonomia concedida ao individuo para que determine suas escolhas, também, permite várias possibilidades deste se corromper, seja qual for o âmbito de sua atuação. Decerto, em tese, em algum momento, virá a reação do Estado, da sociedade e dos órgãos de controle das profissões liberais, porém mesmo assim, também em tese, os direitos fundamentais desse profissional ou pessoa física serão preservados, não permitindo que exista agressão aos seus direitos e em consequência, o principio da dignidade da pessoa humana se consolida, mesmo sendo caso de ato criminoso ou delituoso.
Concluindo, ainda que a lei penalize com eventual restrição à liberdade, não se extingue o direito do individuo, uma vez que o Código Penal brasileiro não admite prisão perpétua.
1.6.2 A INTEGRIDADE FISICA E MORAL DA PESSOA HUMANA
Como consequência do direito á vida, impõe-se o direito à integridade, que tem como objeto a autonomia do individuo sobre seu corpo vivo ou morto. No âmbito jurídico e protegidos pelos direitos da personalidade, encontramos a integridade física e a integridade moral.
Referindo-se à integridade física, Diniz (2010, p. 130), nos ensina: “Fácil é perceber que se protege não só a integridade física, ou melhor, os direitos sobre o próprio corpo vivo ou morto [...] mas também a inviolabilidade do corpo humano”.
Em relação ao corpo vivo, tem-se a tutela jurídica desde o espermatozoide e o óvulo, e se estende durante a vida do individuo, mas esta proteção, também, veda a disposição do próprio corpo vivo, exceto por exigência médica e pela permissão, por pessoa capaz, da disposição de órgãos, tecidos e partes do corpo para transplante após sua morte, conforme a Lei 9434 de 1997 que regula os transplantes. Por outro lado, o corpo morto tem a garantia ao culto religioso, à cremação ou enterro, e é lícita a disposição do próprio corpo para pesquisas cientificas após a morte.
A integridade física está presente no Código Civil Brasileiro de 2002 nos artigos 13, 14 e 15.
Segue a íntegra dos artigos citados:
Art. 13, caput, CC/02: Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.;
Art. 14, caput, CC/02: É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte;
Art. 15, caput, CC/02: Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
Conforme Bittar (2007, p. 17), a integridade moral diz respeito a virtudes da pessoa na sociedade e compreende a identidade, a honra e as manifestações do intelecto. Além disso, relaciona-se com a liberdade civil, política e religiosa.
A integridade moral encontra resguardo, também, no Código Civil nos artigos 16 e 20:
Segue a integra dos artigos citados:
Art. 16, caput, CC/02: Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome;
Art. 20, caput CC/02: Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
1.7 - CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
Nesse capítulo descrevemos sucintamente sobre o principio fundamental da dignidade da pessoa humana, seu conteúdo moral e material e o direito à vida. Ambos expressam o espírito da nossa Carta Maior e estruturam os Direitos Humanos.
Apresentamos as três acepções do direito à vida, qual seja, de permanecer vivo, direito à subsistência e à qualidade de vida. Esta ultima, no meu entender, tão importante, que deveria ser nivelada à dignidade da pessoa humana e não apenas ter lugar em artigo destinado a resguardar direitos difusos.
Em seguida, dissertamos brevemente sobre a liberdade e a integridade física e moral da pessoa humana.
2 A EUTANÁSIA EM FACE DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS
O presente capítulo tem a intenção de analisar a Eutanásia em face dos princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988. Em nosso ordenamento jurídico observamos apenas interpretações do Código Penal, tipificadas como ilícito penal de forma branda. Assim sendo, resta-nos analisar se o procedimento encontra alguma recepção no texto constitucional. Nesse âmbito, Lopes (2011, p. 52), nos ensina que a resposta a esta indagação não pode ser encontrada exclusivamente na legislação penal, mas sim na Constituição, por meio da hermenêutica constitucional. E esta se dá com a análise dos princípios constitucionais referentes à interpretação e à aplicação dos direitos fundamentais no sistema jurídico brasileiro, em especial o principio da proporcionalidade. Ao Código Penal cabe regulamentar o que já foi estabelecido segundo a hermenêutica constitucional. Lopes (2011, p. 52-53 grifo nosso) discorre sobre esta análise:
A primeira análise é constitucional, porque Constituição é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro, segundo determina o princípio da supremacia da Constituição. Ela está no vértice do sistema jurídico nacional. Tem posição hierárquica superior em relação a todas as espécies normativas e atos jurídicos do sistema jurídico, dentre elas a legislação penal. Todas as normas que compõem o ordenamento jurídico nacional somente são válidas se estiverem em conformidade com a Constituição. Por isso, todos os atos normativos devem estar de acordo com a Lei Maior, sob pena de serem considerados revogados ou inconstitucionais.
Em segundo lugar, a inviolabilidade do direito à vida, prevista na Constituição, deve ser compreendida como o direito a não ter a vida agredida por qualquer conduta humana de terceiro que tenha por base uma ação ou omissão ilegítima.
Em terceiro lugar, a análise da eutanásia deve ter como premissa inicial o fato de que o Estado brasileiro ser laico e, por isso, desvinculado dos valores religiosos. Por ser laico, o Estado brasileiro tutela tanto a liberdade de consciência quanto a da crença, de acordo com o artigo 5°, inciso VI, da Constituição. Isso significa que a Constituição protege todas as formas de crer, não distinguindo entre deístas, agnósticos ou ateístas. O respeito à pluralidade de ideias, de crenças e de opiniões representa o respeito ao pluralismo cultural e à liberdade de consciência e de crença, resguardados pelo Estado Democrático de Direito brasileiro.
Em quarto lugar, a proteção constitucional da vida humana garante a todos o direito à vida digna. Se há garantia da vida digna, indaga-se se há, dentre todos os direitos fundamentais, um ultimo direito, ou seja, o direito constitucional à morte digna.
Segue a íntegra do artigo citado:
Art. 5°, Inciso VI, CF/88: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias
Segundo Souza Lima (2008, p. 22-23), a Constituição Federal de 1988 é repleta de dispositivos que comprovam a importância dada pelo constituinte à tutela dos direitos fundamentais. Ela é inaugurada com o preâmbulo que anuncia um novo Estado. Este é democrático e destina-se a assegurar o exercício dos direitos humanos como valores supremos da sociedade brasileira. O preâmbulo, além de sinalizar a estreita ligação entre os direitos humanos e a nova ordem democrática, apresenta como principais objetivos do Estado brasileiro, a promoção e a proteção desses direitos, tanto no âmbito nacional quanto no internacional.
2.1 A CONCILIAÇÃO ENTRE A EUTANÁSIA E O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A LIBERDADE
É evidente a dificuldade de conciliar a eutanásia com o principio fundamental da dignidade da pessoa humana e a liberdade, pois o bem maior, a vida, está tutelada pelo nosso ordenamento jurídico em toda a existência da pessoa humana, e mesmo que a liberdade signifique plena disposição da vida, exige suspensão de qualquer restrição sobre este aspecto, o que resultaria em clara afronta ao direito à vida, cláusula pétrea da Constituição Federal.
Reforçando a tese de que a liberdade é uma forma de manter a dignidade humana, Dworkin (2009, p. 342-343) assevera:
[...] Queremos ter o direito de decidir por nós mesmo, razão pela qual deveríamos estar sempre dispostos a insistir que em qualquer Constituição honorável, qualquer Constituição verdadeiramente centrada em princípios, possa garantir esse direito a todos.
De qualquer forma, a indisponibilidade da vida em qualquer circunstancia, principalmente na prática da eutanásia, evita claras situações de perigo para a vida humana, tais como, interesses de herdeiros, intolerância de parentes com seus idosos e deficientes, além da possibilidade de ocorrer sacrifício de moradores de rua para tráfico de órgãos, tudo isso com graves consequências para a estabilidade do sistema médico e da sociedade.
2.2 POSIÇÕES DOUTRINARIAS SOBRE A EUTANÁSIA
Não obstante existir inúmeras obras no Brasil que tratam sobre o tema de forma apaixonada e totalmente parcial, é importante destacar um posicionamento isento de parcialidade como o de Vieira (2009, p. 22):
Boa parte dos juristas que se dedicam ao tema adota uma postura predominantemente técnica, discutindo, fundamental e quase exclusivamente, as normas jurídicas que podem ser aplicáveis à espécie, sua interpretação, a combinação de princípios constitucionais. Isso em si, não é um erro, mas, pelo contrário, o cumprimento do dever do jurista que é estudar todos os fatos juridicamente relevantes à luz do ordenamento jurídico, isto é, da Constituição, da legislação, da doutrina, da jurisprudência, dos princípios gerais, dos usos e costumes e de qualquer outra fonte do Direito que se possa reconhecer. O problema é revelado, na verdade, quando se constata que muitos dos trabalhos jurídicos que se dedicam total ou parcialmente à eutanásia não focalizam com a devida intensidade o que há de mais importante nessa questão: a pessoa humana.
Ainda, segundo o autor, muitas obras limitam-se a tratar a pessoa abstratamente, de forma praticamente ideal, como mero sujeito de direitos esquecendo que a realidade das doenças terminais envolve seres humanos concretos que sofrem, ficam deprimidos, sentem solidão, e também riem, brincam e quase sempre, mostrando a capacidade de encontrar sentido onde parecia impossível e, especialmente, pessoas que amam.
Em primeiro lugar, encontramos Souza Lima (2008, p. 42-43) que nos ensina sobre a tutela de forma ampla:
A proteção constitucional da vida humana não se limita à vida biológica. A proteção assegurada é ampla e importa o direito à existência digna. O direito à vida digna compreende a tutela de todos os direitos compatíveis com essa realidade. Pressupõe a garantia dos direitos fundamentais relacionados à vida digna, o que abrange não só os direitos básicos de sobrevivência do ser humano, como também os direitos vinculados ao bem-estar psíquico e social.
Evoluindo, Verspierem (2003, p. 9-19) relaciona dignidade com a eutanásia: "O conceito de dignidade é polissêmico, e carrega em seu bojo diferentes significados de valores éticos. É utilizado na defesa de valores antagônicos e, no caso específico da eutanásia, por exemplo, serve tanto para argumentar contra a sua proibição como a favor de sua aprovação”.
Para Pessini (2005, p. 66) a raiz deste duplo significado estrutura-se em duas visões distintas com relação ao que se entende direito de morrer com dignidade. Portanto, sobre o próprio sentido do termo dignidade. Por um lado, segundo o autor, estamos frente a uma visão secularista que valoriza e radicaliza a liberdade e a autonomia pessoal, elegendo a pessoa como a única protagonista do processo da vida e da morte, sem depender de forças ou seres transcendentes.
Azevedo (2006, p. 16), aborda o tema eutanásia sob o enfoque de sua legitimidade moral:
Argumento pela legitimidade moral da eutanásia. Critico a tese de que a vida é um bem indisponível, tese esta adotada pela doutrina jurídica brasileira. Existe uma tese filosófica para a qual a vida é uma (sic) bem intrinsecamente bom. Essa tese é defendida, entre outros, por Tomás de Aquino e Immanuel Kant. Poderia, entretanto, a vida deixar de ser um bem para alguém? [...] Ainda que a vida seja um bem intrinsecamente valioso, ela poderá deixar de ser benéfica para alguém. Proponho que adotemos essa ideia como uma suposição.
De fato, se alguém provar que é implausível a vida deixar de ser um bem, então meu argumento cairá por terra.
Segundo Tomás de Aquino, porém, temos o dever incondicional de preservar a própria vida. ‘A passagem dessa vida para outra mais feliz não se acha sujeita ao livre arbítrio do homem, mas sim ao poder de Deus’, afirma Tomás de Aquino na Suma Teológica. Se Tomás de Aquino estiver correto, segue-se que nenhum ser humano tem o direito de dar fim à própria vida. Ao supormos, porém, que nenhum ser humano tem poder sobre a própria vida, deve haver alguma outra entidade com esse poder – no caso de São Tomás, essa outra entidade é justamente Deus.
2.2.1 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À EUTANÁSIA
Neste momento é importante registrar que tanto as argumentações favoráveis e contrárias à eutanásia são adotadas livremente somente no plano abstrato. Nos casos concretos há muita parcimônia dos doutrinadores, profissionais da área da saúde e operadores do direito.
Nessa esteira, torna-se prudente, para apresentação dos doutrinadores e profissionais da área da saúde, selecionar e citar apenas os mais representativos.
Almeida Antunes (2008) nos leva a uma profunda reflexão ao abordar dois casos concretos:
Clara Blanc, francesa, 31 anos de idade, sofre de doença degenerativa rara e fez um apelo ao Governo Francês para que faça um referendo sobre o suicídio assistido (eutanásia). No seu pedido, a peticionante relata o caso da também francesa Chantal Sébire, que também reclamou o direito a morrer dignamente, por causa de um tumor na cara que a desfigurou totalmente e lhe dava dores insuportáveis. Esta acabou por se suicidar a 19 de Março, último.
Mais ou menos neste período, Simone Veil, antiga Presidente do Parlamento Europeu, colocou o mundo a pensar, quando da sua longa e rica experiência de vida e das sociedades, se questionou e nos questionou, perguntando-se se a Eutanásia Ativa não deveria ser um dos Direitos Naturais a acrescentar aos Direitos Humanos.
O autor defende que, para além de direito natural a reconhecer, deverá ser reconhecida como direito positivo e vigente o direito à eutanásia ativa. Só assim se respeita a dignidade humana e se exerce a verdadeira compaixão no morrer. E conclui: "Já que ninguém escolheu o ato do seu nascimento, que lhe seja facultado o direito a morrer com dignidade".
Para Bizzato (2000, p. 26), se os recursos médicos não são suficientes para se chegar à cura, e se o doente manifestar desejo de antecipar a morte é possível chegar à eutanásia, a fim de evitar que o paciente morra só.
O autor ainda argumenta que, se os homossexuais e prostitutas utilizam seus corpos como bem desejam, sem que haja qualquer obstáculo jurídico, também, os doentes em estado terminal têm autonomia para dispor de suas vidas. Importante registrar o preconceito envolvido nesta afirmação.
Talvez o mais importante e polêmico argumento seja de Ribeiro (1999, p. 18), afirmando que a vida como direito fundamental oponível erga omnes, só deve ser considerado enquanto se tem saúde. Conclui-se, então, que o direito à vida, neste momento, passa a ser disponível e em situação de inferioridade em relação a outros direitos.
Vieira (2009, p. 169) critica este posicionamento que reduz a importância e a magnitude desse direito fundamental. Com efeito, a autora defende a postura dos profissionais verdadeiramente comprometidos com a dignidade humana, e considera que os cuidados médicos concedem ao doente terminal todo o conforto e bem estar adequados.
Outra corrente favorável afirma que a eutanásia é uma forma de valorização da vida.
Para Bizzato (2006, p. 220), a eutanásia valoriza a vida, pois ela é a saída que parece ser mais evidente, e pode ser mais cômoda e fácil, para evitar ou por fim a sofrimentos, encerrando a própria existência.
Seguindo o mesmo posicionamento anterior, Vieira refuta a afirmação de Bizzato e nos reafirma sua opinião de que a valorização da vida na fase terminal só é alcançada com o conforto, alivio da dor, o contato com a família, a atenção e o afeto dos profissionais incumbidos do tratamento do doente terminal.
Dessa forma, o paciente sente que sua vida tem sentido, mesmo num momento tão difícil como esse.
Argumento polêmico é colocado por Menezes (1947, p. 98-99), ao afirmar que a morte está sempre ligada à ideia de dor, qual seja um dos motivos porque a morte é temida. Assim sendo, se justifica a abreviação da vida para evitar mais sofrimentos.
Sztajn (2002, p. 25) se posiciona a favor da eutanásia, discutindo a autonomia do paciente. Para a autora, a eutanásia trata-se de: "poder exercido com absoluta independência pelo sujeito". Acrescenta ainda que o conjunto de regras que as pessoas escolhem para disciplinar seus interesses nas relações recíprocas, ou seja, o desenho de um autorregramento privado é que consiste no que se denomina autonomia privada. Mas, segundo a autora, para que a autonomia possa traduzir-se em manifestação da vontade do paciente, é necessário que o individuo tenha liberdade e privacidade, a fim de fazer valer sua livre vontade.
Divergindo dos argumentos apresentados até o momento, encontramos Singer (2002, p. 201), utilitarista como Galton, que aponta para as pessoas que sofrem de ausência de consciência, ou coma permanente, e as rotula como "sem direito a vida e autonomia". Ainda segundo ele: "essas pessoas não vivem experiência alguma e jamais voltarão a vivê-las, suas vidas não têm nenhum valor intrínseco". E conclui, de forma perturbadora, afirmando que se o individuo nada mais pode fazer pela sociedade, pode-se, perfeitamente, descartá-lo.
2.2.2 ARGUMENTOS CONTRARIOS À EUTANÁSIA
Algumas religiões apontam para a necessidade do ser humano sentir dor e sofrimento como uma etapa obrigatória para a salvação, pois estas levariam à elevação e purificação do corpo e espírito, respeitados os preceitos religiosos de cada uma. Outras, como a religião católica admite que seja contrária à distanásia, que prolonga inutilmente a vida do paciente e que causa maior sofrimento do que conforto.
Alves (1999, p. 15), expõe que é lícita a atitude de não renunciar aos cuidados proporcionados ao doente, mesmo sendo mero paliativo ao resultado final: "a dor e o sofrimento muitas vezes, são o caminho que aproximam o homem do seu criador. Já perto de deixar este 'tabernáculo de miséria', é o momento oportuno quando o sofredor redime-se, salva-se para a vida eterna".
Martin (2004, p. 199-226) alerta que a boa vontade pode não conduzir a bom resultado:
A atitude guiada pela compaixão apenas pode ser considerada eticamente louvável quando conduzir a uma postura de alivio da dor, apoio e tomada de todas as medidas possíveis para garantir o bem-estar do paciente terminal. Por outro lado, no caso de a compaixão se externalizar em ato que tira a vida, acaba-se tirando da pessoa não apenas a possibilidade de sentir dor, mas também qualquer outra possibilidade existencial.
Lepargneur (1999, p. 45) defende a relação médico/paciente e registra que, caso a eutanásia fosse aceita juridicamente, isso poderia reduzir os cuidados dos médicos com o tratamento dos doentes mais graves, e alerta que a relação citada poderia ser deteriorada pela desconfiança e temor da parte do paciente terminal.
Também nessa direção, França (1999, p. 79-80) se preocupa com a aceitação jurídica da eutanásia e os efeitos que isso poderia causar na relação médico-paciente. Para o autor, o envolvimento do médico na eutanásia ativa entra em confronto com sua ética profissional e sua moral. Da mesma forma, na eutanásia passiva, a omissão também afronta os princípios éticos dos profissionais da área da saúde.
Concluindo sua posição, França destaca:
A prática é condenável, e quando é praticada pelo médico, constitui a subversão de toda a doutrina hipocrática e distorção do exercício de medicina, cujo compromisso é voltar-se sempre em favor da vida do homem, prevenindo doenças, tratando dos enfermos e minorando o sofrimento, sem discriminação ou preconceito de qualquer natureza.
Campbell (1999, p. 54) demonstra que a eutanásia pode resultar em grave violação ao principio bioético da justiça. O autor cita que estas violações podem acontecer de três formas: A primeira se dá contra a estrutura moral da comunidade, notadamente relacionada aos médicos. Assim sendo, devido à vedação do homicídio, os profissionais são levados ao máximo esforço para buscar soluções humanitárias para os enfermos que padecem de grande sofrimento. Dessa forma, presta-se um serviço de forma equitativa e universal a todos.
A segunda ameaça ao principio da justiça, relaciona-se à dificuldade de se institucionalizar a eutanásia e definir seus limites. Também, complexa seria a forma de estabelecer quem apreciaria, quem julgaria, razões do pedido e espécies de males que justificariam sua prática. O autor, na realidade, defende a impossibilidade de o pedido da eutanásia corresponder à intenção do requerente. A relação entre médico e paciente ou representantes assegura o cumprimento do principio bioético.
A terceira ameaça está relacionada à própria legalização do procedimento, concomitante ao racionamento dos cuidados com a saúde, por medida de economia. Piora a situação quando contempla os idosos, já que os recursos disponíveis não evoluem proporcionalmente ao tamanho da população de idosos. Além disso, estas pessoas podem ter crises de amor próprio, pois se sentem culpadas pelo simples fato de existirem. Isto atingiria o principio da justiça concernente à relação equânime entre benefícios e encargos proporcionados pelos serviços de saúde.
Vieira (2009, p. 198), expõe outra corrente contrária à eutanásia, liderada por estudiosos da área médica. Trata-se da possibilidade de erro de diagnóstico da doença de que o paciente é portador.
Kipper (1999, p. 199) defende que, na maioria das vezes, o diagnóstico pode ser seguro, contudo, de acordo com os profissionais da área da saúde, em 30% dos casos não o é, ou seja, existe a possibilidade de não se estabelecer, com segurança, um diagnóstico. Dessa forma, segundo o autor: "prever o futuro é um ato sempre cercado de incerteza, mesmo com razoável probabilidade de acerto".
Nesse diapasão, Groopman (1933, p. 199), registra: "O médico jamais deve se colocar na posição de juiz, dando ao paciente uma sentença de dias, semanas ou meses de vida". A priori, jamais se pode presumir que a pessoa está condenada, considerando que o médico não pode ter a onisciência a respeito da vida ou da morte.
Isto posto, cabe aqui um comentário. As pessoas reagem de forma diferente a cada terapêutica aplicada. Isto significa que não há certeza de que um diagnóstico ou mesmo prognóstico seja seguro, em qualquer circunstancia. Qualquer reação de um doente não pode ser interpretada como uma cura ou sinalizar sua morte, ou ainda quando isso acontecerá.
Outro posicionamento contrário à eutanásia diz respeito à possibilidade de cura para uma doença anteriormente considerada incurável. Segundo Vieira (2009, p. 199-200), todos os dias os pesquisadores podem descobrir um meio de cura para estas doenças. Diante disso, os seguidores da eutanásia sentem mais um duro golpe em suas convicções. Burgierman (2001, p. 50) registrou depoimento do eminente Dr. Carlos Eduardo Altieri, neurologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo:
A simples possibilidade de que possa surgir a cura para a doença de um paciente depois de já autorizada e praticada a eutanásia é apavorante. Acho perigoso que se considere a eutanásia com naturalidade. Não pode, jamais, ser considerada como um recurso médico corriqueiro.
De igual forma, França (1999, p. 73) adverte:
A incurabilidade é um prognóstico, uma presunção. Por isso, é duvidosa. Mesmo o diagnóstico, apesar dos recursos da técnica e da ciência, não apresenta um estágio de rigorosa exatidão. Somem-se as disponibilidades terapêuticas e diagnósticas de cada lugar e a capacidade técnica e intelectual de cada médico. Dessa forma, a incurabilidade ainda se coloca de modo duvidoso, pois há enfermidades que numa época eram incuráveis e logo após deixaram de sê-las.
Muito clara a advertência de Drane (2004, p. 426) referindo-se ao consentimento dado pelo doente terminal para a prática da eutanásia. Segundo ele, o paciente tem de estar perfeitamente consciente e capaz de escolher sua opção para o que lhe resta de vida. Qualquer sofrimento ou dor tende a tolher seu raciocínio, levando-o a perder a possibilidade de decisão.
Outro duro golpe sobre os defensores da eutanásia vem do argumento de França (1999, p. 79): "Dificilmente um paciente que se encontra em estado de extrema gravidade, em que a morte é iminente, pode ser considerado como uma pessoa racionalmente autodeterminada". É certo, já que o principio de autodeterminação da pessoa humana está comprometido pela situação extrema, em que, em tese, o doente tem de escolher entre viver sabendo da proximidade do fim ou antecipar sua morte.
Nessa esteira, Rodrigues (1993, p. 151) registra em entrevista com Dr. Evaldo Alves D' Assumpção, tanatologista, acostumado a ambiente de UTIs, que o paciente terminal, apesar de lúcido, encontra-se alterado pela enfermidade e psicologicamente incoerente, e opta pela eutanásia. Por outro lado, se receber assistência psicológica, pode superar esta fase e acaba aceitando sua situação, excluindo o procedimento como alternativo.
Por iguais razões, Lemos (1933, p. 83) considera que o consentimento do paciente terminal não retira o caráter criminoso da prática eutanásica, uma vez que o direito à vida é inato e inalienável e não admite disposição. O autor conclui: "Não se pode considerar verdadeiramente livre a vontade e esclarecida, a inteligência daquele que, sob dores terríveis e tomado pelo terror da espera da morte, pede para morrer rápido".
2.3 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A EUTANÁSIA
No Brasil, não há lei federal sobre a terminalidade da vida. Porém, há uma lei estadual, paulista, de n° 10.241, de 17 de Março de 1999 que dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado. Em seu artigo 2° traz a principal novidade sobre a autonomia do paciente.
Segue o caput do artigo e os dois incisos inerentes ao tema:
Art. 2°, Lei 10.241: São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo:
Inciso XXIII - recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida;
Inciso XXIV - optar pelo local de morte.
2.3.1 PROJETOS DE LEI PARA A PRÁTICA DA EUTANÁSIA NO BRASIL
Retornando para a área federal, em 1996, o senador da República, Gilvan Borges, apresenta o projeto de Lei n° 125 que legaliza a prática da eutanásia no Brasil. O documento propõe que a eutanásia seja permitida, desde que uma junta de cinco médicos ateste a inutilidade do sofrimento físico ou psíquico do doente. O próprio paciente teria que requisitar a eutanásia. Se não estiver consciente, a decisão caberia a seus parentes próximos. Único nessa iniciativa, nunca foi levado á votação.
2.3.2 O CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA COMO SUBSÍDIO NORMATIVO ADICIONAL
A partir de 1953 o Código de Ética Médica inicia grande abertura, para o que Martin (2002, p. 63), afirma ser: "[...] o humanismo da doutrina dos direitos humanos e das diversas declarações internacionais que começam a se multiplicar após a Segunda Guerra Mundial". Segundo o autor, este diploma traz em entre seus fundamentos, a Declaração de Genebra, celebrada em 1948 pela Associação Médica Mundial, e, seu conteúdo registra o juramento dos médicos, qual seja, de respeitar de forma incondicional a vida humana, a partir de sua concepção. Após a análise das evoluções dos diversos diplomas do Conselho Federal de Medicina, Martin conclui:
Os conflitos paradigmais entre ciência, lucro e compaixão, ao menos nos códigos, se não no dia-a-dia da prática médica, levaram à vitória do paradigma benigno-humanitário, que conseguiu impor como predominantes seus valores no Código de 1988.
No Código de 1988, encontramos alguns artigos que tratam das vedações aos médicos na relação com seus pacientes. Entre aqueles, cabe registrar os que têm relação com doentes que sofrem com doenças crônicas ou que estão em estado terminal. Cabe citar dois artigos: de número 54 e 61, parágrafo segundo:
Art. 54: Fornecer meio, instrumento, substância, conhecimentos ou participar, de qualquer maneira, na execução de pena de morte;
Art. 61, caput: Abandonar paciente sob seus cuidados.
§ 2°, Salvo por justa causa, comunicada ao paciente ou ao a seus familiares, o médico não pode abandonar o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável, mas deve continuar a assisti-lo ainda que apenas para mitigar o sofrimento físico ou psíquico.
Em 2006, o Conselho Federal de Medicina, publicou a Resolução CFM n° 1.805, datada de 28 de Novembro, que traz artigos exclusivamente voltados para doentes terminais. Observa-se a importância de transcrevê-los na íntegra, a fim de demonstrar a evolução da Ética Médica influenciada pela Bioética.
Seguem-se os três artigos dessa Resolução:
Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal;
§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação;
§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário;
§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica;
Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.
Apesar da Resolução praticamente tutelar ações ou omissões da área médica, relacionadas a procedimentos ortotanásicos, efetiva-se a morte digna e dá-se a devida relevância ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Além disso, a legislação instrumentaliza legalmente o profissional da área da saúde, com as ferramentas necessárias que garantem o bem-estar do paciente terminal.
Este passo é muito importante, pois determina novos rumos para a medicina moderna.
2.3.3 O PROJETO DE UM NOVO TRATAMENTO PENAL PARA A EUTANÁSIA
Em 18 de Junho de 2012, a Comissão de Juristas para a elaboração de anteprojeto de Código Penal, entregou o Relatório Final, de n° 1.034/2011 à Presidência do Senado Federal com a proposta para a reforma do Código Penal. A eutanásia está contemplada na Parte Especial; Título I; Crimes Contra a Pessoa; Capítulo I; Crimes contra a Vida.
Segue a íntegra do artigo constante do anteprojeto:
Eutanásia
Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave:
Pena – prisão, de dois a quatro anos.
§ 1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima.
Oportuno se torna a publicação do posicionamento da Comissão de Juristas do Senado Federal (2012, p. 56-276):
O crime da morte piedosa. O atual Código Penal se refere, de maneira cifrada, à eutanásia, ao indicar a redução de pena em um terço, para o homicídio praticado por “relevante valor moral”. Sem reduzir-se à eutanásia (tanto que a locução está mantida na proposta da Comissão, no parágrafo 3º do crime de homicídio), ela consistia numa das figuras mais lembradas do privilégio. É escopo da proposta ora formulada, porém, chamar as coisas, tanto quanto possível, pelo nome efetivo. Daí a previsão do crime de eutanásia em artigo próprio, com pena de até quatro anos. Não se discrepou, portanto, da solução encontrada na maior parte dos ordenamentos jurídicos ocidentais: reconhecer que é crime, mas merecedor de sanção distinta e mais branda do que a reservada ao homicídio. Inovação de maior espectro é permitir o perdão judicial, em face do parentesco e dos laços de afeição entre autor e vítima. Saberá a prudência judicial sindicar quando a pena, nestes casos, a exemplo do que pode ocorrer no homicídio culposo, é mesmo necessária.
No meu entender, se busca um nivelamento com a ortotanásia, já contemplada em artigo especifico no Conselho Federal de Medicina e também objeto do mesmo anteprojeto (artigo 122, § 2º), como exclusão de Ilicitude. Dessa forma, o Direito se aproxima da Bioética e do Biodireito.
2.4 A EUTANÁSIA NO DIREITO COMPARADO
Em sede de preâmbulo à análise da eutanásia no Direito Comparado, é importante citar que a primeira proposta de regularização da prática foi efetuada no estado americano de Ohio em 1906. O caso, registrado pela revista Super Interessante, edição de Março de 2001, refere-se ao cidadão norte-americano Frank Roberts que ministrou arsênico à sua mulher, a pedido da própria, que sofria de esclerose múltipla. A proposta é rejeitada, Frank é condenado à prisão perpétua e morre na cadeia.
Outro registro, da mesma publicação, informa que em 1934, o Uruguai tornou-se o primeiro país a abrir as portas para a possibilidade, ao incluir em seu Código Penal o artigo sobre a liberação da prisão do autor de homicídio piedoso.
Oliveira Filho (2011, p. 1-2), observa que na Inglaterra, em 1931, o Dr. Millard, propôs Lei para legalizar a eutanásia voluntária, que acabou sendo rejeitada pela Câmara dos Lordes em 1936. Contudo, esta iniciativa inspirou o modelo holandês para o procedimento. Importante registrar que, durante os debates na Câmara, Lord Dawson, revelou que facilitou a morte do Rei George V, utilizando cocaína e morfina.
O autor cita que a Igreja Católica, em 1956, posicionou-se de forma contrária à eutanásia por ser contra a Lei de Deus. O Papa Pio XII, um ano depois, em curto discurso a médicos, aceita a possibilidade de encurtamento da vida como efeito secundário a utilização de drogas para diminuir o sofrimento de pacientes com dores insuportáveis. Nos anos 90, o Papa João Paulo II reitera por meio de carta sua posição contrária a eutanásia e aborto.
Na Holanda, aproveitou-se a base da proposta inglesa para regular a eutanásia, mas esta continua ilegal. Coelho (2001, p. 31) nos ensina que, em 1990, o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica Holandesa concordaram em um procedimento de notificação da eutanásia. Desta forma, o médico torna-se imune de ser acusado, apesar de ter realizado um ato ilegal. Em 1993, a Lei Funeral incorporou cinco critérios para eutanásia e três elementos de notificação do procedimento estabelecidos pela Corte de Rotterdam em 1989. Isto tornou a eutanásia uma prática aceita, mas não legal. O autor lista os critérios e os elementos:
1. A solicitação para morrer deve ser uma decisão voluntária feita por paciente informado;
2. A solicitação deve ser considerada por uma pessoa que tenha uma compreensão clara e correta de sua condição e de outras possibilidades. A pessoa deve ser capaz de ponderar estas opções, e deve ter feito tal ponderação;
3. O desejo de morrer deve ter alguma duração;
4. Deve haver sofrimento físico ou mental que seja inaceitável ou insuportável;
5. A consultoria com um colega é obrigatória.
O acordo entre o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica da Holanda, estabelece os três elementos para notificação:
1°. O médico que realizar a eutanásia ou suicídio assistido, não deve dar um atestado de óbito por morte natural. Ele deve informar a autoridade médica local utilizando um extenso questionário;
2°. A autoridade médica local relatará a morte ao promotor do distrito;
3°. O promotor do distrito decidirá se haverá ou não acusação contra o médico. Se o médico seguiu as cinco recomendações, não haverá acusação.
Nesse país, o autor registra a seguinte estatística: "11.800 mortes por eutanásia em 1990, somando-se suicídio assistido e overdose de morfina, totalizando 9% da mortalidade do país".
Cumpre observar a síntese de Sztajn (2002, p.149) sobre a eutanásia na Holanda:
Pode-se imputar essa proto-legalização da eutanásia e do suicídio assistido aos seguintes fatores: 1) ao extremado respeito aos médicos na sociedade holandesa; 2) o tamanho, composição e filosofia política dos holandeses; 3) ausência de influência religiosa importante; 4) o respeito ao Judiciário e o poder dos Tribunais holandeses; e finalmente, o grande respeito à autonomia e responsabilidades individuais.
Coelho (2001, p. 31-32) assinala que na Colômbia, em 1997, a Corte Constitucional autorizou a eutanásia em casos de doentes terminais e com o consentimento prévio do envolvido. Segundo pesquisa do Jornal "El Tiempo", da Capital Bogotá, 84% dos entrevistados são partidários da legalização do procedimento.
Medeiros (2011, p. 42) registra que o Código Penal da Bolívia, datado de 1935, utiliza em seu texto a expressão Homicidio piadoso, e faculta ao juiz a concessão do perdão judicial para a prática de tal ato. Segue a íntegra do artigo 257 do referido diploma legal:
Art. 257 - (HOMICIDIO PIADOSO). Se impondrá la pena de reclusión de uno a tres años si para el homicídio fuerem determinantes los móviles piadosos y apremiantes las instancias del interesado com el fin de acelerar uma muerte imminente o de poner fin a graves padecimientos o lesiones corporales probablemente incurables, pudiendo aplicarse la regra del art. 39 y anun concederse exepcionalmente el perdón judicial.
Na Espanha, não há pena para a eutanásia passiva (suspender a vida artificial) e para a eutanásia passiva (aplica-se tratamento para alivio da dor e que pode acelerar a morte)
De acordo com o Novo Código Penal da Espanha, considera-se que não há pena para as práticas de eutanásia passiva (não prolongação artificial da vida) e de eutanásia ativa indireta.
Na França, quaisquer das práticas são puníveis como homicídio voluntário.
Coelho (2001, p. 30 grifo do autor) ressalta que ao Norte da Austrália, a eutanásia foi praticada desde 1° de julho de 1996 a março de 1998. Neste período, houve quatro mortes pelo procedimento. Esta lei foi denominada Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais. Todavia, longo era o roteiro para seguimento:
1. Paciente faz a solicitação a um médico;
2. O médico aceita ser seu assistente;
3. O paciente deve ter 18 anos, no mínimo;
4. O paciente deve ter uma doença que, no seu curso normal, ou sem a utilização de medidas extraordinárias, acarretará sua morte;
5. Não deve haver nenhuma medida que possibilite a cura do paciente;
6. Não devem existir tratamentos disponíveis para reduzir a dor, sofrimento ou desconforto;
7. Deve haver a confirmação do diagnóstico e do prognóstico por médico especialista;
8. Um psiquiatra qualificado deve atestar que o paciente não sofre de uma depressão clínica tratável;
9. A doença deve causar dor ou sofrimento;
10. O médico deve informar ao paciente todos os tratamentos disponíveis, inclusive tratamentos paliativos;
11. As informações sobre os cuidados paliativos deve ser prestadas por um médico qualificado na área;
12. O paciente deve expressar formalmente seu desejo de terminar com a vida;
13. O paciente deve levar em consideração as implicações sobre a sua família;
14. O paciente deve estar mentalmente competente e ser capaz de tomar decisões livres e voluntariamente;
15. Deve decorrer um prazo mínimo de sete dias após a formalização do desejo de morrer;
16. O paciente deve preencher o certificado de solicitação;
17. O médico assistente deve testemunhar o preenchimento e a assinatura do Certificado de Solicitação;
18. Um outro médico deve assinar o certificado atestando que o paciente estava mentalmente competente para livremente tomar a decisão;
19. Um intérprete deve assinar o certificado, no caso do paciente não tenha o mesmo idioma e origem dos médicos;
20. Os médicos envolvidos não devem ter qualquer ganho financeiro, além dos honorários médicos habituais, com a morte do paciente;
21. Deve ter decorrido um período de 48 horas após a assinatura do certificado;
22. O paciente não deve ter dado qualquer indicação de que não deseja mais morrer;
23. A assistência ao término voluntário da vida pode ser dada.
Em remate, Alves (1999, p. 15) afirma aponta para três requisitos essenciais que complementam o roteiro citado e que permite ao paciente utilizar-se da eutanásia:
1° O estado de saúde do paciente deveria ser crítico e atestado por três médicos;
2° Os períodos de tempo devem ser extremamente respeitados;
3° Após esse período, o paciente teria acesso a um equipamento, operado por computador, que consiste em um tubo que é ligado à veia do paciente e uma tecla "SIM". Se o paciente pressionasse a tecla, recebia uma injeção letal.
Nos Estados Unidos da America, segundo Medeiros (2011, p. 40), cada estado membro legisla de acordo com caso concreto, havendo nesta mesma nação, estados que já decidiram a favor do suicídio assistido, do direito de morrer e até mesmo da eutanásia, assim como há estados que proíbem e negam a existência de tais práticas.
No Brasil, como citado em capítulo anterior, a eutanásia não encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico, nem tampouco está contemplada em nossa Constituição Federal.
2.4.1 CASOS DE EUTANÁSIA NO BRASIL
Torna-se importante registrar que não há casos de eutanásia em nosso país com este tratamento jurídico. De qualquer forma, apresentamos alguns casos de crimes que poderiam ser tipificados como prática de eutanásia, de acordo com o que foi declarado pela mídia, mas tratados criminalmente de outra forma.
Casos eutanásia relatados por Barbosa (2004, p. 23-25):
Em São Paulo: Na publicação "Vidas em Revista", de 08 de março de 2004, foi publicada uma reportagem onde um cirurgião, Carlos Alberto de Castro Cotti, de São Paulo, relatou ter realizado várias eutanásias, inclusive involuntárias, em seus pacientes, desde 1959.
1°Relato - 1959: Um paciente com icterícia, que não conseguia se alimentar e recebia alimentação "artificialmente". O paciente tinha dores e recebia morfina. "Era um absurdo mantê-lo vivo naquelas condições", afirmou o cirurgião.
2° Relato - 1964: Um paciente com metástases cerebrais, pulmonares e intestinais generalizadas. Quando as metástases ósseas o atingiram a dor era "violenta".
3° Relato - sem data especificada: Um paciente com carcinomatose, com bloqueio de rim. "Foi muito triste porque era meu amigo, tinha 52 ou 54 anos."
4° Relato - sem data especificada: Uma paciente, com idade entre 65 e 68 anos, foi operada quatro vezes em dois anos. Na primeira vez foi feita uma jejunostomia. No início ela tinha 70 kg, após a quarta cirurgia, quando teve uma perfuração intestinal devida a carcinoma, teve uma peritonite, já estava com apenas 25 kg. Nesta ocasião o cirurgião da paciente solicitou ao médico que relatou o fato, que fizesse uma injeção de "M1" (solução a base de fenergan, morfina e outras substâncias) na paciente. Isto foi feito na própria residência da paciente, após ter sido comunicado aos filhos. "Eu fui buscar a medicação e nós dois colocamos no soro. Ficamos aguardando, conversando, por que nós resolvemos que deveríamos estender o mais que pudéssemos o sono, porque a paciente estava muito consciente. E foi feito." Uma das repórteres perguntou se a paciente sabia a havia concordado com o procedimento. A resposta foi a seguinte: "Ela sabia que não podia mais ser operada, mas não sabia que ia receber o "M1". Quem decidiu isso foi a família."
No Rio de Janeiro: Na mesma edição da revista citada foi publicada uma reportagem onde há o relato de eutanásias realizadas no hospital Salgado Filho, no Rio de Janeiro, pelo auxiliar de enfermagem Edson Isidoro Guimarães, em 1999. Ele afirmava que fazia isto por compaixão, para aliviar o sofrimento dos pacientes, que podiam ser jovens ou velhos. O método utilizado consistia na injeção de cloreto de potássio ou no desligamento do equipamento que fornecia oxigênio aos pacientes. Foram apuradas 153 ocorrências deste tipo em seus plantões, com as mortes ocorrendo entre as duas e as quatro horas da manhã. Destas, quatro foram comprovadas e assumidas pelo auxiliar de enfermagem, que foi julgado e condenado a 76 anos de prisão, em 19/02/2000. A sua pena já foi reduzida duas vezes, primeiro para 69 anos e depois para 31 anos e oito meses. Havia o envolvimento de empresas funerárias que pagaram entre 40 e 60 dólares norte-americanos por paciente encaminhado.
Como citado acima, observamos que a jurisprudência tem tido dificuldade em tipificar os casos de eutanásia no Brasil, devido não existir no Código Penal. Todos os casos encontrados são registrados como crime de homicídio. Localizamos uma denuncia do Ministério Publico ocorrida município de Marechal Candido Rondon - PR, em 2003. Esta denuncia resultou no processo numero 0122959-4, tendo como vítimas três doentes terminais que tiveram sua morte antecipada. O processo teve como juiz relator o Dr. Luiz Mateus de Lima (Anexo F).
2.5 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
Nesse capítulo, apresentamos a tentativa de conciliação entre a eutanásia e o principio fundamental da dignidade da pessoa humana e a liberdade. Em seguida, dissertamos sobre as posições doutrinárias atuais e relevantes sobre o objeto de nosso tema; os argumentos a favor e contra a eutanásia; os projetos de lei visando a liberação da prática no Brasil, sendo que nenhum deles seguiu adiante.
A seguir, vimos que o novo Código de Ética Médica evoluiu e aproximou o médico de seu paciente. Na área jurídica, analisamos rapidamente os aspectos inerentes à eutanásia na proposta para o novo Código Penal, ainda a ser aprovado no Senado, com o devido tratamento penal da eutanásia. Finalizamos, examinando a eutanásia no direito comparado, onde também apresentamos alguns casos de eutanásia praticados no Brasil, porém com outra tipificação penal.
3 EUTANÁSIA, CONCEITO, HISTÓRIA E SUAS FORMAS
A palavra Eutanásia é o resultado da construção da palavra de origem grega: eu, que significa “boa” ou “bem” e thanatos que tem por sentido “morte”. Como resultado desta junção, temos euthanatos ou “morte calma e sem dor”.
3.1 CONCEITO
Vários conceitos foram publicados nos últimos anos, tais como o do escritor espanhol Asuá (1928, p.185), que a definiu como ”morte que alguém proporciona a uma pessoa que padece de uma enfermidade incurável ou muito penosa, e a que tende a extinguir a agonia demasiado cruel ou prolongada”.
Bizatto (2000, p.15) conceituou-a como: “a eutanásia é aquela morte que alguém dá a outrem que sofre de uma enfermidade incurável a seu próprio requerimento, para abreviar a agonia muito grande e dolorosa”.
Lepargneur assim se posicionou (1999, p.43):
[...] é o emprego ou abstenção de procedimentos que permitem apressar ou provocar o óbito de um doente incurável, a fim de livrá-lo dos extremos sofrimentos que o assaltam ou em razão de outro motivo de ordem ética [...].
Estas definições, no meu entender, traduzem um pensamento comum dos vários escritores sobre o tema: a compaixão com o próximo, o doente incurável e terminal, o que motiva a prática da eutanásia para cessar o sofrimento imposto, pelas doenças, a estas pessoas.
Lopes (2011, p. 59) observa:
[...] a Eutanásia, na atualidade, não se restringe apenas aos casos de doentes terminais. Alcança realidades não menos complexas, como por exemplo, as relacionadas aos recém-nascidos com malformações congênitas (Eutanásia precoce) e os pacientes em estado vegetativo irreversível.
3.2 HISTÓRIA
Drane (2005, p.140-1), nos ensina que somente em 1646 foi utilizado o termo eutanásia em inglês, no dicionário Oxford, mas, que na verdade, não significava encurtar ou tirar a vida, apenas referia-se à tranqüilidade do estado de espírito de uma pessoa na hora de sua morte. Este estado poderia ser proporcionado pelo clero, amigos, família ou outra pessoa não médica.
A eutanásia começou a adquirir o sentido de abreviação da vida somente a partir da II Guerra Mundial.
Pessini (2005, p. 142-3) descreve que nos primórdios de nossa civilização há evidencias que sugerem o uso freqüente de alguma droga ou bebida que facilitava a morte dos membros da tribo. O termo pharmakon, que originou nossa farmácia, deriva originalmente do termo “veneno”. Os curandeiros primitivos utilizavam os venenos como prática habitual para impor sua ingestão nos doentes e velhos. Em outras culturas, pessoas que estavam no estágio final de sua vida, eram expostas à fumaça de uma fogueira, que causava gradual perda de consciência e em seguida a morte.
Esta medida facilitava as ações da tribo, para livrarem-se de todos os membros que eram deficientes, inválidos ou doentes, e isto permitia a migração do grupo para outras terras, sempre que havia mudanças climáticas ou ameaça de grandes predadores.
Pessini (2005, p. 145-6), cita ainda que desde 400 anos a.C., Platão, em seu terceiro livro da coleção Republica pregava que a morte indolor devia ser aplicada a velhos inválidos ou fracos, além dos doentes mentais. Ele e Sócrates defendiam a Eutanásia como uma forma de promover o bem estar coletivo. O autor cita ainda que Aristóteles e Pitágoras, filósofos, e Hipócrates, se colocavam contra esta prática. Aristóteles opunha-se a tirar a vida mesmo quando a pessoa sofria de uma doença incurável, pois o ato privaria o Estado de um de seus membros. A virtude era testada por meio do sofrimento e servia como exemplo para os outros.
Pitágoras acreditava que a existência terrena somente era dotada de sentido se incluísse a dor durante e, no final da vida. De outra forma, Hipócrates, o pai da medicina, em seu célebre juramento médico, refletiu a influencia da religiosidade pitagórica, uma reação contra a prática médica comum de tirar a vida, ou por ambos os motivos: [...] ‘não dar veneno a ninguém, embora solicitado a assim o fazer [sic], nem aconselhar tal procedimento’. Essa promessa pública representava um compromisso com uma moralidade que discordava da prática médica comum da época.
Almeida A. M. (2000, p.152), defende que o nome eutanásia foi empregado pela primeira vez, pelo filósofo inglês Sir Francis Bacon, em 1623 em seu livro “Historia vitae et mortis”, tendo inclusive, sido um dos grandes defensores deste procedimento. Nesse âmbito, Bacon afirma que o procedimento deve ser aplicado pelos médicos, a partir do momento em que não há meios de curar o doente e que este sofra de dores insuportáveis.
Importante citar que, pelas doutrinas consultadas, desde a Antiguidade, a igreja católica sempre se posicionou contra a prática da eutanásia por considerar que ela afronta a lei divina. São Tomaz de Aquino, teólogo cristão, em seu “Summa Teologicae” afirma que a autoconservação do homem, sendo uma das características da lei divina, proíbe o aborto e a Eutanásia. Santo Agostinho, também teólogo, em sua “Epístola” prega que o sofrimento deve ser suportado e que o tempo e as circunstancias da morte estão nas mãos de Deus.
Moore (1963, p. 4-186) em sua publicação “Utopia”, no século XVI, se revela favorável à aplicação da eutanásia. À sociedade, ele discursa sobre pacientes ‘libertando-se’ da existência dolorosa ou permitindo que terceiros assim o façam.
Dessa forma, o procedimento se firmou como prática de fato:
Eles cuidam dos doentes, como eu disse, com a maior solicitude e não negligenciam nada que possa contribuir para sua cura, nem em matéria de remédio nem em matéria de regime. Se alguém é acometido de uma doença incurável, procuram tornar sua vida tolerável assistindo-o, encorajando-o, recorrendo a todos os medicamentos capazes de aliviar sues sofrimentos. Mas, quando a um mal sem esperança se acrescentam torturas perpétuas, os sacerdotes e magistrados vêm ver o paciente e lhe expõem que ele não pode mais realizar nenhuma das tarefas da vida, que ele se torna um peso para si mesmo e para os outros, que ele sobrevive à sua própria morte, que não é sensato alimentar por mais tempo o mal que o devora, que ele não deve recuar diante da morte, já que a existência lhe é um suplício, que uma firme esperança o autoriza a evadir-se de uma vida que se tornou um flagelo ou a permitir que os outros o livrem dela; que é agir sabiamente pôr obedecer aos conselhos dos sacerdotes, intérpretes de Deus, é agir da maneira mais santa e piedosa. Aqueles persuadidos por esse discurso deixam-se morrer de fome, ou então são adormecidos e libertados da vida sem sequer perceber que morrem. Nenhum doente é suprimido sem seu consentimento, e não são diminuídos os cuidados em relação a quem o recusa. Morrem assim, por conselho dos sacerdotes, é para eles um ato glorioso. Em contrapartida, quem se mata por alguma razão que não foi aprovada pelos sacerdotes e o senado não é julgado digno nem de uma sepultura nem de uma fogueira; seu corpo é lançado vergonhosamente num pântano qualquer.
A Alemanha nazista também esteve presente na evolução histórica da Eutanásia, mas como o país que afrontou, de forma indelével, os direitos humanos e mais especificamente a dignidade da pessoa humana.
A este respeito, Albuquerque (2008, p. 43-51) cita vários textos sobre o procedimento utilizado pelos alemães (militares, médicos e cientistas) no intervalo entre 1939 e 1942, e durante a II Guerra Mundial:
[...] foi utilizado na Alemanha nazista para justificar o extermínio dos seres humanos mais indefesos, das pessoas com deficiência. Isso é decorrente à raça pura ariana que o povo alemão nazista adotou para distinguir os capazes dos debilitados. Na Alemanha, a esterilização compulsória e a Eutanásia das pessoas com deficiência chegaram a ser legalizadas. A ciência, utilizando-se de argumentos econômicos, jurídicos e políticos, ignorou a ética, dando início a um período de terror no qual as pessoas com deficiência foram objeto de uma perseguição implacável [...].
[...] As pessoas com deficiência foram submetidas a um genocídio organizado em escala industrial. Eles foram tratados como objetos, e não como seres humanos. Poucos cientistas, médicos e juristas ergueram-se contra o extermínio da chamada “vida sem valor”, e até hoje seu martírio é raramente lembrado [...].
[...] O fim justificava os meios. Não havia uma grande idéia do que constituía efetivamente uma doença hereditária, de quem deveria ser esterilizado. Mas a certeza de que a esterilização de pessoas com deficiência seria benéfica para a sociedade justificava seu caráter compulsório [...].
[...] A esterilização compulsória de pessoas com deficiência não era baseada necessariamente em princípios científicos, mas numa visão política do mundo fortemente influenciada também pela obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, numa vinculação entre sangue e raça [...]
Martins (2010, p.1-2), citando Nelson Hungria, defende que a mais elementar prudência aconselha que nenhum homem, a pretexto de piedade, ante o padecimento alheio, se atribua a faculdade ou o direito de matar.
Francis Galton escreveu em 1865 a obra “Hereditary Talent and Genius”, onde defende a tese de que a inteligência é predominantemente herdada e não fruto da ação ambiental. Utilitarista, ele propõe a seleção artificial para melhorar a espécie humana. Galton entende que:
As forças cegas da seleção natural, como agente propulsor do progresso, devem ser substituídas por uma seleção consciente e os homens devem usar todos os conhecimentos adquiridos pelo estudo e o processo da evolução nos tempos passados, a fim de promover o progresso físico e moral no futuro.
França (1999 p. 72) nos ensina que a prática da eutanásia era muito difundida e admitida na Antiguidade, apenas passando a ser realmente condenada a partir do judaísmo e do cristianismo, que adotam como princípio o caráter sagrado da vida.
Contudo, o caráter criminoso do procedimento surgiu a partir do sentimento que cerca o direito moderno de proteção irrecusável do mais valioso dos bens: a vida.
A controvérsia sobre a aplicabilidade da Eutanásia evoluiu em paralelo com a sociedade até nossos dias. Sociólogos, filósofos e escritores influenciaram a humanidade contra e a favor do tema.
3.3 EVOLUÇÃO DA EUTANÁSIA NA HISTÓRIA
Gracia (1990, p. 13-32) ensina que é possível apontar três períodos distintos para o estudo. São eles: Eutanásia ritualizada, Eutanásia medicalizada ou eugênica e Eutanásia autonomizada.
Com relação á Eutanásia ritualizada utilizada na época medieval, Pedroso (2006, p. 17), nos ensina:
O ser humano foi o único que ritualizou a morte, como uma forma de tornar mais tolerável esse evento tão temido. A morte é algo que abominamos, ela é uma desconhecida. A ritualização, portanto, tem o objetivo de provocar uma morte em paz, sem dor consciente. A morte de César Augusto, imperador romano, foi descrita como ‘a Eutanásia que merecia’.
Em seguida, veio o período da Eutanásia medicalizada ou eugênica (que visava o aprimoramento genético do individuo), concomitante ao desenvolvimento da medicina na Grécia.
Sobre isso, Pedroso (2006, p. 18), também, nos expõe:
[...] baseado na cultura grega do belo e do são, Platão defendeu o extermínio dos que teriam doenças crônicas [...].
[...] na Bíblia não existe uma referência sequer à eutanásia, ou a qualquer prática de extermínio dos doentes. Sêneca, filósofo romano contemporâneo de Cristo, era um defensor da Eutanásia medicalizada. ‘Quando a dor impede tudo aquilo pelo que se vive, prefiro matar-me a ver como se perdem as forças estando morto em vida’. Segundo Sêneca, a pessoa deve ser aconselhada ao suicídio quando do sofrimento, da dor atroz. A difusão do cristianismo e do judaísmo desqualificou a Eutanásia.
O terceiro tipo, denominado de Eutanásia autonomizada, teve lugar com o avanço da Bioética e com o reconhecimento da autonomia do paciente em tomar as decisões sobre seu tratamento.
Com relação à autonomia, Pedroso (2006, p. 19) ensina:
É baseada no direito do paciente sobre a sua própria vida. É relacionada muito com a bioética, a relação do paciente, a relação da justiça com a beneficência. Não pode ser confundida com a Eutanásia voluntária, que, seria ‘abominável’, pois ocorre quando o médico decide matar o paciente. Em 1973, a Associação Americana de Hospitais criou a famosa ‘Carta dos Direitos dos Enfermos’, relacionada ao direito do paciente moribundo de morrer em paz.
3.4 CLASSIFICAÇÃO
Santoro (2011, p. 60) assim classificou os tipos de eutanásia: Pode ser ativa ou passiva, sendo a ativa ainda subdividida em direta ou indireta. Como na eutanásia há uma ação ou uma omissão que dá inicio ao evento morte, e sem a qual o doente continuaria vivendo, ainda que com dor e sofrimento, será classificada como ativa quando seu autor der inicio ao evento morte por uma ação, e será passiva se a morte ocorrer por omissão, em regra, baseada na supressão ou interrupção dos cuidados médicos que oferecem o suporte indispensável à manutenção da vida.
Na eutanásia ativa direta, procura-se o encurtamento da vida do paciente por meio de condutas positivas, ajudando-o a morrer. Já na eutanásia ativa indireta, não se busca a morte do paciente, mas sim aliviar a dor como efeito secundário certo ou necessário a abreviação da vida do paciente, é dizer, serão a causa do evento morte.
Durante o século XX surgiu, ainda, novos termos para diferenciar as diversas situações em que este procedimento seria ou não recomendado e de que forma seria aplicado, por ação ou por omissão, como ortotanásia e distanásia.
Segundo Vieira (2009, p. 245-247), a ortotanásia contempla a suspensão de tratamento ou qualquer ato que prolongue a vida do paciente, e os médicos apenas mantém as condições de conforto físico e mental até o seu fim, com a dignidade que ele merece. Vieira afirma que a ortotanásia seria a única prática aplicada ao paciente no final da vida que pode efetivamente garantir o respeito à sua dignidade, ajudando-o a enfrentar com o mínimo de medo possível a aproximação da morte e a recuperar o sentido da vida.
Santoro (2011, p. 61) ressalta que este procedimento diverge da Eutanásia passiva quanto ao momento da conduta: o inicio do processo mortal. Na ortotanásia, a causa do evento morte já se iniciou, enquanto que na Eutanásia passiva, é a omissão que causará o resultado.
Vieira (2009, 233) define a distanásia como o prolongamento artificial da vida do paciente, e, segundo o autor, trata-se de uma afronta à dignidade da pessoa humana, devendo ser evitada, a menos que o paciente manifeste sua vontade livremente, pedindo que sejam aplicados todos os meios terapêuticos disponíveis para prolongar, ainda que de forma mecânica, sua vida o máximo possível.
3.5 EUTANÁSIA E A BIOÉTICA
A eutanásia é ramo da Bioética, matéria transdisciplinar, que interage, além de muitas áreas, com a biologia, medicina, antropologia, psicologia e o direito.
Conforme definiu Vieira (2009, p.99):
Bioética é ‘um neologismo derivado das palavras gregas bios (vida) e ethike (ética)’, podendo ser definida como o estudo sistemático das dimensões morais - incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar.
Almeida A. (2000, p. 3), posicionou bioética como: ‘Um ramo da ética porque avalia os prós e contras de uma determinada conduta levando em conta os princípios e os valores morais existentes na sociedade’.
A finalidade da bioética foi assim definida por Pessini (1994, p. 11):
A bioética estuda a moralidade da conduta humana no campo das ciências da vida. Inclui a ética médica, mas vai além dos problemas clássicos da medicina, a partir do momento que leva em consideração os problemas éticos não levantados pelas ciências biológicas, os quais são primeiramente de ordem médica.
Barboza (2003, p.49-55), citando Frosini, noticia que o termo bioética surgiu nos Estados Unidos em 1971, no título do livro do oncologista americano Van R. Potter - Bioethics, Bridge to the Future, referindo-se a uma nova disciplina que deveria permitir a passagem para uma melhor qualidade de vida. Em 1978 por intermédio do Belmont Report, foram estabelecidos seus três princípios fundamentais: a autonomia da pessoa humana, ligado ao da dignidade desta, o da beneficência e da justiça.
Santos (1998, p. 42 e 43), define o principio da autonomia como:
A capacidade de se autogovernar. Este principio tem duas dimensões. A primeira, como a moral pessoal, que determina ou proíbe certas ações e planos de vida pelo efeito que elas têm no caráter moral do próprio agente, e a segunda, moral social, que prescreve ou proíbe certas ações por seus efeitos ao bem-estar de outros indivíduos distintos do agente.
Ainda segundo o autor, o principio da beneficência é o mais antigo da ética médica, com sede já no juramento de Hipócrates, segundo o qual, o médico formando jura não aplicar seus conhecimentos para fazer o mal a quem quer que seja, nem fornecer remédio mortal ao paciente, ainda que seja a pedido deste.
Lopes (2011, p. 79-80), descreve o principio da justiça como:
A distribuição dos serviços de saúde de forma justa, equitativa e universal, tratando-se a todos igualmente, sem preconceitos de qualquer ordem. Complementa ainda: Para que o principio seja respeitado, deve existir uma relação equânime entre os benefícios e os encargos proporcionados pelos serviços na área da saúde ao paciente, uma vez que não há justiça quando alguns grupos enfrentam todos os prejuízos e outros recebem todas as vantagens.
E complementa: Hodiernamente, as decisões médicas são tomadas em parceria com o paciente. A relação deixou de ser entre sujeito (médico) e objeto (paciente) e passou a ser entre sujeitos. Isto significa que os médicos respeitam os anseios e as pretensões do paciente, ou de seus representantes.
Isto significa respeitar os valores pessoais do paciente, sejam eles morais, filosóficos ou religiosos. Neste sentido, a bioética forma uma ponte entre a Ética e o Direito.
Garcia (2004, p. 158-159), conclui que a ética em área biológica, envolvendo o ser humano, atinge a ciência jurídica em aspectos novos e abrangentes, podendo-se falar em biodireito na elaboração de uma teoria constitucional da vida em si. Neste âmbito, o biodireito se ocuparia das normas jurídicas concernentes às condutas relativas á aplicação e realização desse conhecimento à convivência social.
A bioética tem inúmeras ramificações e seus profissionais ao pesquisarem temas polêmicos como a eutanásia, o aborto, manipulação genética e drogas, tentam, à luz de seus princípios morais, restaurar e manter a dignidade da pessoa humana.
3.6 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
Neste capitulo pudemos concluir que a eutanásia não tem registro histórico de seu inicio, mas que aparece desde o inicio da civilização humana. Por outro lado, nem sempre a "morte piedosa" justificou sua prática.
Registramos, também, que sempre houve um claro confronto de opiniões sobre o procedimento, protagonizadas por figuras expoentes de nossa história.
De outra forma, a bioética, com seus três princípios conseguiu humanizar os profissionais da área médica e restabeleceu a importância do principio da dignidade da pessoa humana.
4 ASPECTOS FILOSOFICO/RELIGIOSOS, MÉDICOS E JURIDICOS SOBRE A EUTANÁSIA
A morte de um doente terminal encerra o sofrimento de várias pessoas envolvidas nesta transição, do próprio paciente, de seus familiares e do médico responsável. Porém, enquanto o paciente ainda está vivo e consciente, essas pessoas, vivenciando o momento crítico, tendem a acreditar que o caminho que evitaria o prolongamento de dor maior seria o do direito à escolha da melhor forma de se evitar tamanho sofrimento.
4.1 ASPECTOS FILOSOFICO/RELIGIOSOS
Dworkin (2009, p. 268) discorre que as pessoas que acreditam que se deve permitir aos pacientes conscientes que planejem sua própria morte, com a assistência de médicos dispostos a ajudá-los se assim o desejassem, invocariam frequentemente o principio da autonomia. Seria crucial para o direito dessas pessoas que pudessem tomar por si próprias, decisões fundamentais que lhes permitisse pôr fim às suas vidas quando quisessem fazê-lo, ao menos nos casos em que sua decisão não fosse claramente irracional. Contudo, alguns adversários da eutanásia também clamariam pela autonomia e preocupar-se-iam com a possibilidade de que, se a eutanásia fosse legalizada, pessoas, que na verdade preferissem continuar vivas poderiam ser mortas.
Ainda segundo Dworkin, qualquer norma que remotamente tivesse aceitação, e que permitisse a aplicação da eutanásia em doentes terminais, insistiria em que eles só poderiam ser mortos se houvessem solicitado de maneira inequívoca, que lhes pusessem fim à vida.
Nesse âmbito, Silva (2004, p. 36) entende que:
A dor, sofrimento e o esgotamento do projeto de vida, são situações que levam as pessoas a desistirem de viver. Conduzem-nas a pedir o alívio da dor, a dignidade e piedade no morrer [...].
[...] A qualidade de vida para alguns homens não pode ser um demorado e penoso processo de morrer.
Tema recorrente na maioria das discussões filosóficas sobre a eutanásia, a “Morte” tem papel relevante na vida do ser humano, já que se trata do gran finale de uma existência, e que leva consigo a consciência de ser, além da bagagem intelectual e moral da pessoa humana.
A morte, para Kovacs (2003, p. 13) trata-se de uma experiência sempre complexa e difícil:
A Morte é algo que não pode ser descrito, pensado, nomeado, algo frente ao qual não se encontram palavras. Essa impossibilidade de simbolizá-la, de incluí-la na rede de ideias e pensamentos, a torna terrificante. A própria palavra Morte não dá conta do que ela seja: cada um de nós tentará enganchá-la em outras palavras, que expressam ideias, fantasias, crenças. Termos tais como 'fim', 'passagem', 'encontro', paraíso', 'Deus', 'reencarnação', tentam aproximar o individuo de um esboço de explicação. Mas, estas ultimas palavras são pobres para descrever o muito que se imagina e o tão pouco que se sabe.
Pessini (2004, p. 74-75) deixando de lado as questões filosóficas acerca da morte, afirma que esta não mais se orienta para as questões além da vida, mas para o próprio ato de morrer, em claro sinal de imediatismo, o que somado ao temor do abuso da tecnologia médica disponível, faz com que as pessoas prefiram uma morte repentina, sem qualquer aviso ou preparação. Apesar disso, não se consegue perceber a evidente verdade de que a morte é parte indissociável da existência do homem, que deve ser vivenciada da forma mais humana possível, reconhecendo-se a todos o direito de viver sua própria morte.
Vieira (2009, p. 92) complementa esta reflexão: "A morte deixa, assim, de ser um problema predominantemente ético para se tornar eminentemente técnico, deixando-se de fazer a necessária distinção entre o aspecto físico e o aspecto moral de morrer, reduzindo-se este processo apenas ao primeiro aspecto".
Dworkin (2009, p.280-281) define que a morte é o reflexo de como a pessoa viveu:
[...] 'morrer com dignidade' mostra como é importante que a vida termine apropriadamente, que a morte seja um reflexo do modo como desejamos ter vivido. Em quase todos os casos, uma pessoa que se encontra em estado de inconsciência ou de incompetência permanente não nasceu assim: a tragédia está no fim de uma vida pela qual alguém passou com determinação e energia. Quando perguntamos o que seria melhor para tal pessoa, não estamos julgando apenas seu futuro e ignorando seu passado. Preocupamo-nos com o efeito da ultima etapa de sua vida sobre o caráter de tal vida como um todo, do mesmo modo como poderíamos nos preocupar com o efeito da ultima cena de uma peça teatral, ou com a ultima estrofe de um poema, sobre a totalidade do trabalho criativo [...].
Kant (1986, p. 147-154), grande filósofo alemão do século dezoito, embora acreditasse que as verdades morais se fundam na razão e não na religião, e que também defendia o principio da autonomia, ponderava que o ‘homem não deveria poder dispor de sua vida’. E completa:
Se um homem destrói seu corpo, e assim sua vida, ele o faz pelo uso de sua vontade, que é em si destruída no processo. Mas, para usar o poder da vontade livre para a sua própria destruição isto é autocontraditório. Se a liberdade é a condição de vida, não podem ser empregados meios para suprimir a vida e a destruir e abolir a si mesmo.
[...] mostrar que o homem não pode justamente ter qualquer poder de disposição em relação a si mesmo e de sua vida [...].
Com relação aos aspectos religiosos, as grandes religiões de nosso século têm papel importante demonstrando sua tolerância ou intolerância à eutanásia.
Kovacs (2003, p. 139-142), em sua publicação Bioética nas Questões da Vida e da Morte, consolidou estas posições desta maneira:
As religiões têm um papel muito importante para a humanidade, principalmente quando o sofrimento e a dor se fazem presentes, oferecendo acolhida e reflexão nestes momentos, orientando para uma vida responsável, garantindo uma vida plena de felicidades. De uma forma ou de outra, todas estão relacionadas com o sentido da vida, liberdade, justiça e direcionamento da consciência.
Com exceção do budismo, que considera a vida como um bem precioso, mas não de âmbito divino, em todas as outras religiões ela é vista como sagrada. Em relação às discussões atuais sobre a preservação da vida e o avanço tecnológico, as principais religiões se posicionam pela primeira até seu fim natural, manifestando-se a favor do cuidado aos pacientes com doença avançada, devendo se preservar a dignidade no adeus à vida, evitando-se o prolongamento artificial e penoso do processo de morrer.
As religiões buscam, também, uma ética de responsabilidade, discutindo as consequências de certas ações, e também de certas omissões. É aí que cabe a discussão sobre eutanásia [...].
[...] Seguem-se, pois, as peculiaridades de algumas das principais religiões, atualmente professadas, tal como expostas pelo autor.
Budismo - No Budismo, não há uma autoridade central, sendo objetivo de todos budistas a iluminação e, assim como o próprio Buda buscou o seu caminho, cada pessoa pode traçar o seu. É uma filosofia de vida, o caminho da sabedoria. A vida é transitória e a morte inevitável, e é importante deixar que siga seu transcurso natural. Além disso, a morte perturba o processo dos sobreviventes e não deve ser prolongada indefinidamente quando não houver possibilidade de recuperação, mas, também, não deve ser apressada.
O momento da morte é fundamental (como se lê no Bardo Thodol - O Livro Tibetano dos Mortos, apresentado ao mundo ocidental por Ewans-Wentz, em 1960), pois o que governa o renascimento é [sic] a consciência e a aprendizagem na hora da morte; por isto, é importante ter pensamentos apropriados neste momento. Há uma restrição no que concerne aos transplantes, uma vez que a unidade corpo e espírito continua após a morte. Remover um órgão do cadáver é uma perturbação desta unidade; pelo mesmo motivo, autópsias também são contraindicadas.
Como a morte é uma transição, o suicídio não pode ser visto como escape, portanto, é condenado. Alguns suicidas foram perdoados por Buda, quando este percebia que não eram atos egoístas, movidos pelos desejos, mas sim, guiados pelo caminho da iluminação. Há um reconhecimento da sabedoria das pessoas na determinação do fim desta existência e a passagem para a seguinte. É importante considerar o momento da morte e a maneira como vai ocorrer, a sua dignidade.
Devemos lembrar que a lei japonesa não incentiva o suicídio, e penaliza aqueles que ajudam os outros a executá-lo. Entretanto, se no processo de morrer houver sofrimento intolerável, é permitido o auxílio, é o que se vê no haraquiri quando o samurai, rasgando seu abdômen, tem um auxiliar que o degola, porque o sofrimento é muito grande e demorado com o corte abdominal. É importante que a tensão seja diminuída, para que se possa ter paz mental.
As drogas usadas para aliviar a dor são permitidas, mesmo que possam matar o paciente. Entretanto, é necessário verificar se é o caso de administrá- las, garantindo o máximo possível de lucidez do paciente no momento de sua morte. Por isto, na visão budista, é um absurdo manter o paciente inconsciente, vivo, quando não há possibilidade de recuperação. Na tradição budista, valoriza-se muito a decisão pessoal sobre o tempo e a forma da morte. Todos os atos que dificultem esta decisão, ou que nublem a consciência da pessoa, são condenados. A vida não é divina e, sim, do homem, e a preocupação é com a evolução da pessoa, a lei do Karma.
Islamismo - Islamismo significa, literalmente, submissão a Deus. A vida humana é sagrada e tudo deve ser feito para protegê-la; o mesmo vale para o corpo, que não deve ser mutilado em vida ou depois da morte. É importante lavá–lo e envolvê-lo em pano próprio, orar e depois enterrá-lo.
Deus é a suprema força que governa os homens, portanto, o suicídio é considerado como transgressão. O médico é um instrumento de Deus para salvar pessoas, não pode tirar a vida de ninguém, nem mesmo por compaixão; mas também não deve prolongá-la a todo custo, principalmente quando a morte já tomou conta. Os islâmicos são totalmente contrários aos transplantes, porque provocam mutilação no corpo.
Judaísmo - A grande questão para o judaísmo é definir o momento da morte, término da vida. A morte encefálica é o determinante do momento da morte. Mas, para alguns mais tradicionalistas, o critério válido de morte é a parada cardíaca e respiratória.
Sobre a eutanásia, os rabinos de várias linhagens têm opiniões coincidentes. A morte não deve ser apressada e o moribundo deve receber os tratamentos dos quais necessita. A decisão sobre a própria morte não cabe ao sujeito, e sim aos rabinos que, ao interpretar a Torah, aplicam seus conhecimentos à vida cotidiana. Mesmo não sendo a cura não é possível, não se deve deixar de cuidar, e a pessoa não deve ser deixada sozinha quando estiver morrendo. O médico é um servo de Deus para cuidar da vida humana e não deve apressar a morte. O que deve ser preservado é a vida e não a agonia.
Cristianismo - A “Declaração sobre a Eutanásia”, de 5 de maio de 1980, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, é o documento mais completo sobre o assunto nesta religião. A eutanásia é condenada como violação da lei de Deus, ofensa à dignidade humana e um crime contra a vida. Entretanto, isto não quer dizer que se tenha de preservá-la a todo custo, prolongando a agonia e o sofrimento. O conflito sobre o que seriam tratamentos ordinários e extraordinários ainda continua, assim como uma grande preocupação com o sofrimento durante o processo da morte, e com a velhice indigna. Não é considerada eutanásia a interrupção de um tratamento, que não oferece cura ou recuperação, e, sobretudo, causa muita dor e sofrimento. Deixar morrer não significa matar. Esta última ação é que é vedada.
Segundo a autora, analisando-se os postulados dos credos religiosos citados acima, a eutanásia é uma transgressão e, também, solo fértil para controvérsias, conflitos e discussões. O foco, claro para todos, é o questionamento sobre a autoridade divina e a possibilidade de autodeterminação do ser humano e por isto o diálogo entre ética e religião é fundamental. A vida não é só biológica, mas também biográfica, incluindo: estilo de vida, valores, crenças e opções.
Complementando a visão da Igreja Católica em face à eutanásia, Dworkin (2003, p. 28) assim se posicionou:
A Igreja condena quaisquer atos que visem abreviar a vida. Logo, condena todo e qualquer procedimento que venha a reduzir os dias de vida de um ser humano. Independente dos motivos e justificações para tal atitude, apesar da Igreja Católica disser ‘não’ á Eutanásia por entender ser contra a ‘Lei de Deus’.
No entanto, o Papa Pio XII, numa alocução aos médicos, em 1957, aceitou a possibilidade de que a vida possa ser encurtada como efeito secundário à utilização de drogas para diminuir o sofrimento de pacientes com dores insuportáveis [...].
4.2 ASPECTOS MÉDICOS
O paciente terminal é definido como portador de doença incurável e sem perspectiva de retorno ao estado de sadio. A transição para o estado de óbito é iminente e pode ser questão de horas ou dias, mas é um status irremediável.
Com a moderna tecnologia que está disponível para os equipamentos de manutenção da vida humana e com drogas cada vez mais eficientes na estabilização de um doente, tornou-se rotina manter vivo indefinidamente um paciente terminal. Do ponto de vista ético, os médicos têm dificuldade de lidar com a situação indefinida do paciente. Além disso, a compaixão que move seus atos é acentuada na medida em que o sofrimento do paciente aumenta.
Kipper (1999, p. 71-82) defende que no Brasil, ainda se mantém os pacientes em estado terminal por muito tempo nas Unidades de Terapia Intensiva, porque os profissionais de saúde temem as consequências do desligamento dos aparelhos, e se sentem sozinhos nestes momentos. A família precisa ser informada e ter tempo para elaborar o que significa este desligamento de aparelhos.
Frequentemente, não existe morte calma ou doce para esses pacientes, exceto quando a dosagem de remédios para a dor é alta, colocando-o fora de nossa realidade. O torpor suprime a dor, mas não vence a morte iminente. Além disso, o sofrimento dos familiares torna-se um dos fatores decisórios para que seja tomada uma decisão em direção a alternativas visando abreviar a dor do paciente.
Nessas situações, o médico tem três opções: antecipar o óbito do paciente praticando a eutanásia, suspender a terapêutica com drogas, além de desligar os equipamentos que mantém a vida do paciente, ou ainda continuar a lutar pela vida deste, mantendo os equipamentos de vida artificial e aplicação de drogas, mesmo que isto resulte em aumento da dor e sofrimento do paciente.
4.2.1 A RESPONSABILIDADE MÉDICA SOBRE A VIDA HUMANA
Necessário se faz descrever a relação médico-paciente e médico-sociedade para dar visibilidade aos níveis de responsabilidade que este profissional da área da saúde tem com seu paciente e com a sociedade.
A conduta médica deve se orientar pelos princípios éticos e bioéticos, da autonomia, da beneficência e da justiça. A ética determina o comportamento do médico em suas atitudes na preservação da saúde, da integridade física e moral do seu paciente. Enquanto que os princípios bioéticos preservam a dignidade e o respeito do ser humano. Assim sendo, tem de existir um forte elo de confiança entre o médico e o paciente, e isto significa transparência nas atitudes, sinceridade nas declarações e o respeito à dignidade da pessoa humana.
Moreira Filho (2005) assim se posiciona na relação médico-paciente:
[...] O médico deve entender que o paciente deve ser tratado como um sujeito autônomo e livre na busca da melhor decisão para sua vida e saúde, não se podendo mais conceber uma postura paternalista ou autoritária do médico em relação aos seus pacientes. A observância a tais princípios não significa uma subjugação do médico à vontade absoluta do paciente na tomada de decisões, pois deve ser entendido que ele também tem autoridade, enquanto detentor de conhecimentos e habilidades específicas, e que deve assumir a responsabilidade pela tomada de decisões técnicas. É certo, porém, que o paciente também participa ativamente no processo de tomada de decisões, exercendo seu poder de acordo com o estilo de vida e seus valores morais e pessoais.
Em relação à sociedade, Peixoto (1920, p. 26) explica esta relação:
O respeito que a sociedade deve à profissão médica só continuará justificado se, além de a sentir capaz, a souber responsável. Da mesma forma, a sociedade considera que o médico é o protetor do bem maior do ser humano, sua vida. Assim sendo, pela responsabilidade que tem sobre a vida das pessoas, se houver algum erro por dolo ou culpa, ele irá sofrer as consequências do mau exercício de sua atividade.
França (1978, p. 19) descreve o erro médico como: “a conduta profissional inadequada que supõe uma observação técnica, capaz de produzir um dano à vida ou á saúde de outrem, caracterizada por imperícia, imprudência ou negligencia”.
Sem examinar profundamente o Direito Penal ou Cível, que não é o intuito deste trabalho, mas apenas a titulo de informação, as características citadas traduzem culpa e não dolo, ou seja, são passíveis de responsabilidade civil, indenização, ou mesmo sanção penal, porém em uma intensidade menor que a atitude dolosa, e que o dolo nos remete à intenção de praticar o dano à vida, podendo causar lesões de várias intensidades, e assim tipificando o delito com sanção mais grave. Ao agir com dolo o médico está sujeito a processo penal, além da cassação do direito de exercer a profissão, às vezes por toda sua existência.
Dessa forma, atos omissivos ou comissivos, por culpa ou dolo do profissional da área da saúde, trazem uma carga considerável de riscos e, em se tratando da vida do ser humano, qualquer desvio de conduta ou erro médico pode ser fatal. Oliveira (2003, p. 281), entendendo a difícil posição dos profissionais da área da saúde observa que:
A atuação médica é movida por dois princípios morais: a preservação da vida e o alivio do sofrimento. Esses dois princípios complementam-se na maior parte das vezes. Entretanto, em determinadas situações, podem tornar-se antagônicos, devendo prevalecer um sobre o outro. Se for estabelecido como principio básico o de optar-se sempre pela preservação da vida, independentemente da situação, poder-se-á talvez, com tal atitude, estar negando o fato de que a vida é finita [...].
Convém enfatizar que, em caso de doença terminal, torna-se imperativo ao médico que utilize o principio da beneficência, para que o paciente não seja vítima do inevitável sofrimento. Assim sendo, mesmo em uma situação de total submissão à doença, o médico deve respeitar a decisão do seu paciente, tornando confortáveis seus últimos instantes de vida.
Siqueira (2006, p. 37-47) impõe profunda reflexão sobre a ética no cuidado do paciente terminal:
A rotina imposta aos médicos é a de reconhecer e perseguir múltiplos objetivos, que podem ser complementares ou excludentes. Curar a enfermidade, cuidar da insuficiência orgânica, restabelecer a função, compensar a perda, aliviar os sofrimentos confortar pacientes e familiares e acompanhar ativa e serenamente os últimos momentos da vida do paciente não é tarefa fácil e isenta de frustrações, pois os obriga a considerar caso a caso, o justo equilíbrio nas tomadas de decisões, evitando a obstinação terapêutica em circunstancia de terminalidade de vida, reconhecendo a finitude humana e as limitações da ciência médica sem, entretanto, deixar de proporcionar todos os benefícios oferecidos pelos avanços do conhecimento cientifico.
Lown (1997, p. 286), alerta sobre os futuros médicos: "As escolas de medicina e o estágio nos hospitais os preparam para tornarem-se oficiais-maiores da ciência e gerentes de biotecnologias complexas. Muito pouco se ensina sobre a arte de ser médico. Os médicos aprendem muito pouco em como lidar com os enfermos terminais".
Siqueira (2006, p. 47-48 grifo do autor) complementa:
O poder de intervenção do médico cresceu enormemente sem que simultaneamente ocorresse uma reflexão sobre o impacto dessa nova realidade na qualidade de vida dos enfermos [...].
[...] Somos expostos à dúvida sobre qual o real significado da vida e da morte. Até quando avançar nos procedimentos de suporte vital? Em que momento parar e, sobretudo, guiados por que modelos de moralidade? Despreparados para a questão, passarmos a praticar uma medicina que subestima o conforto do enfermo terminal, impondo-lhe longa e sofrida agonia. Adiamos a morte (sic) às custas de insensato e prolongado sofrimento para o paciente e sua família. [...] As evidencias parecem demonstrar que esquecemos o antigo ensinamento que reconhece como função do médico 'curar as vezes, aliviar muito freqüentemente e confortar sempre'. Deixamos de cuidar da pessoa doente e nos empenhamos em tratar a doença da pessoa, desconhecendo que nossa missão primacial deve ser a busca do bem-estar físico e emocional do enfermo [...].
Segue importante texto do médico intensivista Dr. Othero (2005, p. 20-24), dissertando sobre sua vivência em UTIs de doentes terminais:
Nos últimos 15 anos a literatura médica tem mostrado que os pacientes morrem nos hospitais. Dados dos EUA mostram que um em cinco americanos morre em uma UTI, e dados brasileiros que 85% de nossos óbitos já são hospitalares. As famílias levam o paciente para o hospital e quando se agrava ele vai para a UTI, sendo que um terço deles por mais de uma semana, e apenas 5% com autonomia para discutir e decidir sobre o como seria e por que seria tratado. Portanto, é uma situação em que o poder de decisão do paciente está muito reduzido. Na qual há uma vivência familiar no momento da morte bastante limitada, estreita. Um cenário onde a comunicação precisa melhorar. No Canadá, 70% das mortes na UTI foram precedidas de alguma decisão de negar alguma possibilidade terapêutica. Em Israel, de cada 100 pacientes de UTI apenas nove receberam tratamento pleno, incluindo reanimação. Um estudo europeu com 504 intensivistas mostrou que 93% das vezes em que um médico intensivista encontrou um paciente terminal, não ofereceu ou suspendeu algum tratamento a ele. Um estudo norte-americano com seis mil pacientes terminais demonstrou que apenas 24% destes receberam tratamento pleno. Estes dados demonstram que levar o familiar para o hospital ou à UTI não significa que ele receberá, necessariamente, tudo o que poderia ou o que a família esperaria. [...] Desde 2000, a Suprema Corte norte-americana reconhece o direito dos pacientes terminais a recusar tratamentos – sem considerar isso suicídio ou eutanásia – e há um consenso geral de que a medicina intensiva não deve prolongar um morrer sem sentido. Muitas pesquisas médicas contemporâneas nos têm revelado que a maior parte dos pacientes terminais em UTI foram submetidos a alguma forma de limitação do suporte vital em sua terminalidade. [...].
Conclui o autor afirmando que a dignidade da pessoa humana é vista como a capacidade da livre escolha, da escolha racional, do livre arbítrio construtivo, e cabe ao Estado a tarefa de assegurar a defesa desta autonomia.
4.3 ASPECTOS JURIDICOS
De inicio, cumpre observar que a Constituição Federal não definiu como tratar juridicamente a eutanásia, apenas elevou a vida humana acima de qualquer outro interesse, além de estabelecer a dignidade da pessoa humana como lei fundamental.
Por outro lado, encontramos diversas doutrinas que tratam dos aspectos jurídicos da eutanásia, as quais apresentam o instituto do Direito Penal para explicar a conduta criminosa, porém, de uma forma mais branda. Assim sendo, a eutanásia é considerada homicídio, mas amparada pela causa especial de diminuição de pena.
Segundo Lopes (2011, p. 66-67 grifo nosso), ao cuidar do homicídio com diminuição de pena, também conhecido como homicídio privilegiado, expõe como exemplo o homicídio praticado por motivo de relevante valor moral, o “homicídio eutanásico”, ou seja, aquele movido pela compaixão ante o irremediável sofrimento da vitima.
Na mesma direção, mas levantando aspecto importante, D'Urso (2005) comenta:
A eutanásia no Brasil é crime, trata-se de homicídio doloso que, em face da motivação do agente, poderia ser alcançado à condição de privilegiado, apenas com a redução de pena. Laborou com acerto o legislador penal brasileiro, não facultando a possibilidade da eutanásia. Ocorre, todavia, que na prática a situação é bem diferente, pois envolve além do aspecto legal, o aspecto médico, sociológico, religioso, antropológico, entre outros.
A prática da eutanásia, no Direito Penal brasileiro pode ser resultado da ação e omissão humana, caracterizados por dois tipos de comportamento: a) na prática de crime comissivo, que exige ação, e está tipificado no artigo 121 e 122 do Código Penal. Por outro lado, o artigo 65, III, a, e o §1° do artigo 121 do mesmo diploma, registra o homicídio privilegiado, ou seja, sujeito a circunstancias atenuantes; b) no crime omissivo impróprio, contrariando o dever de agir, ou seja, a omissão de terceiro evitar que a pessoa, sob seus cuidados, sofra lesão ou morte, ou ainda pratique suicídio, e está previsto no artigo 13, § 2°, do Código Penal.
Segue os artigos do Código Penal, relativos ao assunto citado:
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
Inciso III: ter o agente:
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral.
Art. 121 - Matar alguém:
§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço;
Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça;
Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido;
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Dodge (1999, p. 4), aponta que no Direito brasileiro, a eutanásia caracteriza homicídio, pois é conduta típica, ilícita e culpável. Nesse caso, é indiferente para a qualificação jurídica desta conduta e para a correspondente responsabilidade civil e penal, que o paciente tenha dado seu consentimento, ou mesmo implorado pela medida. O consentimento é irrelevante, juridicamente, para descaracterizar a conduta como crime. Para a autora, o consentimento na eutanásia, não retira a ilicitude da conduta do médico e, por isso, não a desqualifica como homicídio, porque tal manifestação não é prevista em lei como causa de exclusão da tipicidade da conduta. Tal conduta é culpável sempre que o médico tiver a opção de agir de outro modo, evitando a conduta típica. Mesmo levado pela mais nobre intenção, o profissional comete o crime de homicídio.
Nesse sentido, Dodge (1999, p. 6), se expressa:
O sistema jurídico brasileiro é orientado por princípios fundamentais que expressam os valores acolhidos pela sociedade. A presença destes valores é mais evidente, para a população, nas situações que envolvem bens jurídicos de maior relevância, como a vida. A Eutanásia sempre foi considerada conduta ilícita no Direito brasileiro. É crime, tal o grau de rejeição à sua prática, em coerência com os valores fundamentais que estruturam o ordenamento jurídico do país, notadamente o respeito á vida humana.
Completando este pensamento, Diniz (2006, p. 392), sintetiza:
Não se pode aceitar a licitude do direito de matar piedosamente, pois a vida humana é um bem tutelado constitucionalmente. O homem não tem direito de consentir em sua morte, não tem direito de matar-se, nem de exigir que outrem o mate, por não ser dono de sua própria vida. Não se pode negar a paciente portador de mal incurável a prestação de cuidados médicos vitais, sem os quais ele morreria, nem renunciar a cuidados ordinários disponíveis, ainda que sejam parcialmente eficazes, nem deixar de tratar doente comatoso se houver alguma possibilidade de recuperação.
Posta assim a questão, Vieira (2009, p.108), conclui:
[...] ainda há doutrinadores, inclusive juristas, para os quais a matéria deveria permanecer apartada do mundo do Direito, tratada apenas pela Ética e pela Moral. O equivoco salta aos olhos, especialmente porque qualquer ato que limite ou elimine a vida humana é socialmente relevante, geralmente se subsumindo em um dos tipos penais genericamente designados como "crimes contra a vida", sofrendo incidência de normas de diversas espécies, principalmente civis, criminais e constitucionais, criadas exatamente para garantir a preservação da existência do ser humano.
4.4 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
Neste capitulo, observamos alguns aspectos relativos à eutanásia. Em primeiro lugar o filosófico-religioso, propondo uma reflexão sobre a morte em seu aspecto filosófico e como ato de morrer. A seguir apresentamos o posicionamento de algumas religiões, que de uma forma geral questionam a autonomia humana, e pregam a necessidade do diálogo entre a ética e a religião, já que está em jogo o bem mais precioso, a vida humana.
Prosseguimos com os aspectos médicos, e neles foi observado que a tecnologia de ponta e medicamentos de última geração prolongam a vida, mas também podem causar mais sofrimento ao doente terminal. Por outro lado, analisamos a conduta médica em seus aspectos éticos e bioéticos e observou-se a necessidade de estreitar a relação e a confiança entre médico e o paciente.
A seguir, observamos que os aspectos jurídicos mostraram que a eutanásia está enquadrada como crime privilegiado, tipificado no Código Penal de forma branda.
Concluímos, demonstrando que a liberdade e a integridade física e moral da pessoa humana são parte da dignidade da pessoa humana, e ambos tutelados pelos direitos da personalidade. Restou comentar que o individuo tem autonomia para doar seu corpo, ou partes de seu corpo após a morte, para transplantes ou para pesquisas.
5 CONCLUSÃO
Percebe-se pela análise histórica da eutanásia que se está diante de um amplo espectro de situações, oscilando de brutais crimes contra a humanidade até eventualidades de debates morais legítimos que poderão afetar qualquer cidadão, porventura exposto a moléstias ou deficiências que comprometem profundamente sua qualidade de vida. (Tabela 1).
Observamos que a dignidade da pessoa humana é tutelada pelo Estado e respeitada pela sociedade de forma ampla e tão firme que mesmo em tempos atuais, em que a sociedade brasileira vivencia a liberação do aborto de anencéfalos pelo Supremo Tribunal Federal, a simples menção do termo eutanásia causa alguma comoção e repulsa popular.
Outro aspecto pesquisado é de que novas tecnologias à disposição dos médicos não podem influenciar estes profissionais a interferir no tratamento de doentes terminais, prolongando inutilmente o seu sofrimento. Sendo assim, cremos que a máxima da medicina nunca poderá deixar de ser "tentar a cura, mas confortar e aliviar a dor, sempre".
Vimos também, que nossa Lei Maior não menciona o tema eutanásia, nem o Código Penal vigente tipifica esta prática em seus artigos. Será necessário que o procedimento seja expressamente tipificado no ordenamento jurídico, com limites bem delineados e definidos.
Muito claro se torna que estamos diante de um tema por demais complexo, totalmente aberto a discussões da sociedade, e por isso mesmo, polêmico. Em capítulos anteriores, pudemos registrar posições contra e a favor da eutanásia, defendidas de forma contundente por especialistas de diversas áreas do conhecimento. Assim sendo, diante tantas ideias colidentes, não podemos negar que a prática da eutanásia traz consequências relevantes para a sociedade. Se houver dolo em sua prática, o direito à vida estará em risco e o principio da dignidade da pessoa humana será afrontado.
Nessa esteira, cabe aqui inserir importante ensinamento de Sarlet (2002, p. 59):
A proteção à dignidade da pessoa humana é o fundamento de todo o ordenamento jurídico e também a finalidade última do Direito. Onde não houver respeito pela vida, integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder e a igualdade, a liberdade e a autonomia não forem reconhecidas e minimamente asseguradas, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana.
A propósito e oportuno, o jornalista americano Henry Lois Mencken (1880-1956) observa que problemas complexos possuem respostas simples, fáceis de entender e erradas. Evidentemente, a jocosidade não cabe em discussões sérias, muito menos no âmbito da eutanásia, todavia percebe-se uma tendência recorrente em algumas abordagens da questão, qual seja a da simplificação ou uniformização.
Vale ressaltar que a eutanásia envolve uma gama de contextos e não apenas uma figura única e monolítica, o que já representa um grande avanço no entendimento da questão por parte dos legisladores, dos doutrinadores, dos profissionais da área da saúde e da sociedade, ensejando a abertura de novos caminhos que atendam aos anseios não somente éticos e legais, como também do indivíduo e da sociedade para a qual estes parâmetros ético-legais estão voltados.
Por tais razões, entendemos ser necessário que os operadores do direito cheguem a uma consciência coletiva e cuidem da eutanásia em todas as suas formas, à luz do Código Civil e Código Penal, porém com análises isentas de paixões, de religiosidade e desprovidas de qualquer clamor popular, para que se consolide a segurança jurídica.
Em derradeiro, é importante citar que, atualmente, algumas formas de Eutanásia, como a Ortotanásia, estão sendo vistas com olhos mais brandos pela própria sociedade e a comunidade médica. Assim sendo, no futuro, poderá a Eutanásia deixar de ser simplesmente uma forma de tirar a vida de um paciente em fase terminal.
REFERÊNCIAS
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Tabela 1: Espectro ético, moral e social da eutanásia
Paciente |
Objetivo |
Conotações |
Doente mental ou deficiente físico, dissidente político, grupos étnicos inferiores
|
Depuração da sociedade, eugenia |
Crime contra a humanidade, genocídio |
Idoso, enfermo ou deprimido potencialmente recuperável
|
Atender a motivos circunstanciais do individuo ou do ambiente |
Ilícito e passível de punição |
Idoso ou enfermo próximo à morte |
Abreviar o processo |
Justificável, porém não legalmente admitido
|
Caso irreversível com grave e desumano sofrimento
|
Reverter a distanásia, ou morte cruel e indigna |
Consentido em alguns países |
Moléstia irreversível com má qualidade de vida, porém sem dores excruciantes
|
Decisão serena e bem refletida do paciente |
Aprovável? Reprovável? |
Anexo A - Utilitarismo
O utilitarismo é uma doutrina filosófica para a qual a utilidade é um princípio da moral. É um sistema ético teleológico que determina a concepção moral com base no resultado final.
Os resultados, por conseguinte, são a base do utilitarismo. Jeremy Bentham (1748-1832) foi um dos pioneiros no desenvolvimento desta filosofia, ao sugerir o seu sistema ético em torno da noção de prazer e longe da dor física. O utilitarismo de Bentham está relacionado com o hedonismo, pois considera que as ações morais são aquelas que maximizam o prazer e minimizam a dor.
John Stuart Mill (1806-1873) levou avante o desenvolvimento desta filosofia, ainda que se afastando do hedonismo. Na óptica de Mill, o prazer ou a felicidade geral deve calcular-se a partir do maior bem para o maior número de pessoas embora reconheça que certos prazeres têm uma “qualidade superior” a outros.
É importante ter em conta que o utilitarismo alterou a forma de pensar. Enquanto a moral religiosa se baseava em regras e em revelações divinas, o utilitarismo antepunha os resultados. Posto isto, a razão veio substituir a fé na determinação da moral.
O utilitarismo sempre se destacou pela sua relativa simplicidade. Para pensar se uma ação é moral, basta estimar as suas consequências positivas e as negativas. Quando o bem supera o mal, pode-se considerar que se trata de uma ação moral.
Para além do sistema filosófico, a noção de utilitarismo tem um sentido crítico para se reportar à atitude que valoriza a utilidade de forma exagerada e que antepõe a sua consecução a qualquer outra coisa.
Peter Singer (1946 - ) diz que, para convencer alguém a agir moralmente, é preciso convencer essa pessoa de que uma atitude ética servirá aos seus interesses, nem que seja a longo prazo. O egoísmo puro nas próprias ações é perfeitamente racional, e uma pessoa que não tenha dentro de si aquele nobre sentimento de dever que Stuart Mill já ressaltava, não irá agir moralmente se não lhe derem uma razão que mostre essa ação como favorável a ela.
Essa é uma das formas mais criticadas de justificar a conduta moral. Quem vê na ética uma atitude pura, desinteressada, com fim em si mesma, rejeita isso com fervor. Agir eticamente seria algo que se faz sem nenhum interesse mesquinho, algo que se faz apenas porque é certo. Se alguém agir por interesses próprios, não agirá moralmente, agirá egoisticamente, e só. A moral não comporta esse tipo de conduta, dizem os opositores.
Todavia, Singer pensa que esse tipo de pensamento é errôneo, uma concepção ética deturpada. Nas palavras dele, “a ética é um produto social que tem a função de promover valores comuns aos membros da sociedade”. A consciência moral é útil à sociedade, não pelos motivos que levam alguém a tê-la, mas pelos resultados que a posse dela trazem. Se mostrarmos que o interesse social coincide com o agir ético, podemos seguir essa linha de justificação, incitando o sujeito a agir eticamente em função dos próprios interesses, dentro do contexto da sociedade onde vive.
BIBLIOGRAFIA
Conceito de utilitarismo - O que é, Definição e Significado Disponível em: . Acesso em 14 abr. 2013. 20:04:00.
Anexo B - Juramento de Hipócrates
[1a] Juro por Apolo médico, Asclépio, Hígia, Panacéia e todos os deuses e deusas, e os tomo por testemunhas que, conforme minha capacidade e discernimento, cumprirei este juramento e compromisso escrito:
[1b] considerar igual a meus pais aquele que me ensinou esta arte, compartilhar com ele meus recursos e se necessário prover o que lhe faltar; considerar seus filhos meus irmãos, e aos do sexo masculino ensinar esta arte sem remuneração ou compromisso escrito, se desejarem aprendê-la; compartilhar os preceitos, ensinamentos orais e todas as demais instruções com os meus filhos, os filhos daquele que me ensinou, os discípulos que assumiram compromisso por escrito e prestaram juramento conforme a lei médica, e com ninguém mais;
[2] utilizarei a dieta em benefício dos que sofrem, conforme minha capacidade e discernimento, e além disso repelirei o mal e a injustiça;
[3] não darei, a quem pedir, nenhuma droga mortal, nem recomendarei essa decisão; do mesmo modo, não darei a mulher alguma pessário para abortar;
[4] com pureza e santidade conservarei minha vida e minha arte;
[5] não operarei ninguém que tenha a doença da pedra, mas cederei o lugar aos homens que fazem isso;
[6] Em quantas casas eu entrar, entrarei para benefício dos que sofrem, evitando toda injustiça voluntária e outra forma de corrupção, e também atos libidinosos no corpo de mulheres e homens, livres ou escravos;
[7] O que vir e ouvir, durante o tratamento, sobre a vida dos homens, sem relação com o tratamento, e que não for necessário divulgar, calarei, considerando tais coisas segredo;
[8] Se cumprir e não violar este juramento, que eu possa desfrutar minha vida e minha arte afamado junto a todos os homens, para sempre; mas se eu o transgredir e não cumprir, que o contrário aconteça.
BIBLIOGRAFIA
Hipócrates, Juramento. Disponível em: . Acesso em 17 abr. 2013. 20:35:00.
Anexo C - Direitos da Personalidade
Os direitos da personalidade podem ser conceituados como sendo aqueles direitos inerentes à pessoa e à sua dignidade. Surgem cinco ícones principais: vida/integridade física, honra,imagem, nome e intimidade. Essas cinco expressões-chave demonstram muito bem a concepção desses direitos.
Não só a pessoa natural possui tais direitos, mas também a pessoa jurídica, regra expressa do art. 52 do novo Código Civil, que apenas confirma o entendimento jurisprudencial anterior, pelo qual a pessoa jurídica poderia sofrer um dano moral, em casos de lesão à sua honra objetiva, com repercussão social (súmula 226 do STJ).
O nascituro também possui tais direitos, devendo ser enquadrado como pessoa. Aquele que foi concebido mas não nasceu possui personalidade jurídica formal: tem direito à vida, à integridade física, a alimentos, ao nome, à imagem. Conforme bem salienta César Fiúza, professor da UFMG, sem dúvidas que faltou coragem ao legislador em prever tais direitos expressamente (Código Civil Anotado. Coordenador: Rodrigo da Cunha Pereira. Porto Alegre: Síntese, 1ª Edição, 2004, p. 23). Mas como a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, somos filiados aos concepcionistas (art. 2º do nCC).
Assim, não seria mais correta a afirmação de que o nascituro tem apenas expectativa de direitos. Já a personalidade jurídica material, relacionada com os direitos patrimoniais, essa sim o nascituro somente adquire com vida.
A proteção dos direitos da personalidade do nascituro deve também ser estendida ao natimorto, que também tem personalidade, conforme reconhece o enunciado nº 1, aprovado na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2002, cujo teor segue:
"Art. 2º: a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura".
Os direitos da personalidade são irrenunciáveis e intransmissíveis, segundo prevê o art. 11 do Código Civil de 2002. Assim, nunca caberá afastamento volitivo de tais direitos, como daquele atleta que se expõe a uma situação de risco e renuncia expressamente a qualquer indenização futura. Tal declaração não valerá! Mas sem dúvidas que o valor da indenização deve ser reduzido, diante de culpa concorrente da própria vítima, nos moldes dos arts. 944 e 945 da novel codificação.
A transmissibilidade dos direitos da personalidade somente pode ocorrer em casos excepcionais, como naqueles envolvendo os direitos patrimoniais do autor, exemplo sempre invocado pela doutrina. De qualquer forma, não cabe limitação permanente e geral de direito da personalidade, como cessão de imagem vitalícia, conforme reconhece o enunciado nº 4, também aprovado na I Jornada CJF, nos seguintes termos:
"Art.11: o exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral".
Exemplificando, se fosse celebrado em nosso País, não teria validade o contrato celebrado pelo jogador Ronaldo com a empresa esportiva Nike, eis que nesse negócio, pelo menos aparentemente, há uma cessão vitalícia de direitos de imagem.
O art. 13 do novo Código veda a disposição de parte do corpo, a não ser em casos de exigência médica e desde que tal disposição não traga inutilidade do órgão ou contrarie os bons costumes.
O art. 14 da atual codificação veda qualquer disposição de parte do corpo a título oneroso, sendo apenas possível aquela que assuma a forma gratuita, com objetivo altruístico ou científico. A questão é ainda regulamentada pela legislação específica, particularmente pela Lei nº 9.437/97, que trata da doação de órgãos para fins de transplante.
Os direitos do paciente encontram-se consagrados no art. 15 do nCC, bem como o princípio da beneficência. Ninguém pode ser, assim, constrangido a tratamento médico ou intervenção cirúrgica que implique em risco de vida. Mais uma vez, leitura detalhada e cuidadosa deve ser feita desse dispositivo. Logicamente, se a pessoa está necessitando de uma cirurgia, à beira da morte, deve ocorrer a intervenção, sob pena de responsabilização do profissional de saúde, nos termos do art. 951 do mesmo diploma civil em vigor.
Mas, nesse mesmo exemplo, se o paciente, por convicções religiosas, nega-se à intervenção, mesmo assim, deve o médico efetuar a operação? Tal questão foi enfrentada por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, apontando tais autores que "nenhum posicionamento que se adotar agradará a todos, mas parece-nos que, em tais casos, a cautela recomenda que as entidades hospitalares, por intermédio de seus representantes legais, obtenham o suprimento da autorização judicial pela via judicial, cabendo ao magistrado analisar, no caso concreto, qual o valor jurídico a preservar" (Novo Curso de Direito Civil. Volume I. São Paulo: Saraiva, 4ª Edição, p. 163).
Com todo o respeito em relação a posicionamento em contrário, entendemos que, em casos de emergência, deverá ocorrer a intervenção cirúrgica, eis que o direito à vida merece maior proteção do que o direito à liberdade, inclusive quanto àquele relacionado com a opção religiosa. Salientamos que esse exemplo não visa captar opiniões sobre o tema, mas somente demonstrar que um direito da personalidade pode ser relativizado, principalmente se entrar em conflito com outro direito da personalidade. No caso em questão, relembramos, foram confrontados o direito à vida e o direito à liberdade.
BIBLIOGRAFIA
TARTUCE, Flávio. Direito Civil. 6. ed. São Paulo: Método, 2010. Disponível em: . Acesso em 21 abr 09:24:00.
Anexo D - Lei Nº 9.434, de 4 de Fevereiro de 1997.
Regulamento
Mensagem de veto
Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo.
Art. 2º A realização de transplante ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde.
Parágrafo único. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos para a triagem de sangue para doação, segundo dispõem a Lei n.º 7.649, de 25 de janeiro de 1988, e regulamentos do Poder Executivo.
"Parágrafo único. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos e partes do corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos em normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Saúde. (Redação dada pela Lei 10.211, de 23.3.2001)
CAPÍTULO II
DA DISPOSIÇÃO POST MORTEM DE TECIDOS,
ÓRGÃOS E PARTES DO CORPO HUMANO PARA FINS DE TRANSPLANTE.
Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.
§ 1º Os prontuários médicos, contendo os resultados ou os laudos dos exames referentes aos diagnósticos de morte encefálica e cópias dos documentos de que tratam os arts. 2º, parágrafo único; 4º e seus parágrafos; 5º; 7º; 9º, §§ 2º, 4º, 6º e 8º, e 10, quando couber, e detalhando os atos cirúrgicos relativos aos transplantes e enxertos, serão mantidos nos arquivos das instituições referidas no art. 2º por um período mínimo de cinco anos.
§ 2º Às instituições referidas no art. 2º enviarão anualmente um relatório contendo os nomes dos pacientes receptores ao órgão gestor estadual do Sistema único de Saúde.
§ 3º Será admitida a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da comprovação e atestação da morte encefálica.
Art. 4º Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou terapêutica post mortem.
Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte. (Redação dada pela Lei 10.211, de 23.3.2001)
Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei 10.211, de 23.3.2001).
§ 1º A expressão “não-doador de órgãos e tecidos” deverá ser gravada, de forma indelével e inviolável, na Carteira de Identidade Civil e na Carteira Nacional de Habilitação da pessoa que optar por essa condição.(Revogado pela Lei 10.211, de 23.3.2001)
§ 2º A gravação de que trata este artigo será obrigatória em todo o território nacional a todos os órgãos de identificação civil e departamentos de trânsito, decorridos trinta dias da publicação desta Lei.(Revogado pela Lei 10.211, de 23.3.2001)
§ 3º O portador de Carteira de Identidade Civil ou de Carteira Nacional de Habilitação emitidas até a data a que se refere o parágrafo anterior poderá manifestar sua vontade de não doar tecidos, órgãos ou partes do corpo após a morte, comparecendo ao órgão oficial de identificação civil ou departamento de trânsito e procedendo à gravação da expressão “não-doador de órgãos e tecidos”.(Revogado pela Lei 10.211, de 23.3.2001)
§ 4º A manifestação de vontade feita na Carteira de Identidade Civil ou na Carteira Nacional de Habilitação poderá ser reformulada a qualquer momento, registrando-se, no documento, a nova declaração de vontade.(Revogado pela Lei 10.211, de 23.3.2001)
§ 5º No caso de dois ou mais documentos legalmente válidos com opções diferentes, quanto à condição de doador ou não, do morto, prevalecerá aquele cuja emissão for mais recente.(Revogado pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001).
Art. 5º A remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa juridicamente incapaz poderá ser feita desde que permitida expressamente por ambos os pais, ou por seus responsáveis legais.
Art. 6º É vedada a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoas não identificadas.
Art. 7º (VETADO)
Parágrafo único. No caso de morte sem assistência médica, de óbito em decorrência de causa mal definida ou de outras situações nas quais houver indicação de verificação da causa médica da morte, a remoção de tecidos, órgãos ou partes de cadáver para fins de transplante ou terapêutica somente poderá ser realizada após a autorização do patologista do serviço de verificação de óbito responsável pela investigação e citada em relatório de necropsia.
Art. 8º Após a retirada de partes do corpo, o cadáver será condignamente recomposto e entregue aos parentes do morto ou seus responsáveis legais para sepultamento.
Art. 8o Após a retirada de tecidos, órgãos e partes, o cadáver será imediatamente necropsiado, se verificada a hipótese do parágrafo único do art. 7o, e, em qualquer caso, condignamente recomposto para ser entregue, em seguida, aos parentes do morto ou seus responsáveis legais para sepultamento. (Redação dada pela Lei 10.211, de 23.3.2001)
CAPÍTULO III
DA DISPOSIÇÃO DE TECIDOS, ÓRGÃOS E PARTES DO CORPO HUMANO VIVO PARA FINS DE TRANSPLANTE OU TRATAMENTO
Art. 9o É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea. (Redação dada pela Lei 10.211, de 23.3.2001)
§ 1º (VETADO)
§ 2º (VETADO)
§ 3º Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora.
§ 4º O doador deverá autorizar, preferencialmente por escrito e diante de testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada.
§ 5º A doação poderá ser revogada pelo doador ou pelos responsáveis legais a qualquer momento antes de sua concretização.
§ 6º O indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica comprovada, poderá fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde que haja consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o ato não oferecer risco para a sua saúde.
§ 7º É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato não oferecer risco à sua saúde ou ao feto.
§ 8º O autotransplante depende apenas do consentimento do próprio indivíduo, registrado em seu prontuário médico ou, se ele for juridicamente incapaz, de um de seus pais ou responsáveis legais.
Art. 9o-A É garantido a toda mulher o acesso a informações sobre as possibilidades e os benefícios da doação voluntária de sangue do cordão umbilical e placentário durante o período de consultas pré-natais e no momento da realização do parto. (Incluído pela Lei . 11.633, de 2007).
CAPITULO IV
DAS DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES
Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento.
Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento. (Redação dada pela Lei. 10.211, de 23.3.2001).
§ 1o Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida da sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais. (Parágrafo incluído pela Lei 10.211, de 23.3.2001).
§ 2o A inscrição em lista única de espera não confere ao pretenso receptor ou à sua família direito subjetivo a indenização, se o transplante não se realizar em decorrência de alteração do estado de órgãos, tecidos e partes, que lhe seriam destinados, provocado por acidente ou incidente em seu transporte. (Parágrafo incluído pela Lei 10.211, de 23.3.2001).
Parágrafo único. Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida de sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais.
Art. 11. É proibida a veiculação, através de qualquer meio de comunicação social de anúncio que configure:
a) publicidade de estabelecimentos autorizados a realizar transplantes e enxertos, relativa a estas atividades;
b) apelo público no sentido da doação de tecido, órgão ou parte do corpo humano para pessoa determinada identificada ou não, ressalvado o disposto no parágrafo único;
c) apelo público para a arrecadação de fundos para o financiamento de transplante ou enxerto em beneficio de particulares.
Parágrafo único. Os órgãos de gestão nacional, regional e local do Sistema único de Saúde realizarão periodicamente, através dos meios adequados de comunicação social, campanhas de esclarecimento público dos benefícios esperados a partir da vigência desta Lei e de estímulo à doação de órgãos.
Art. 12. (VETADO)
Art. 13. É obrigatório, para todos os estabelecimentos de saúde notificar, às centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos da unidade federada onde ocorrer, o diagnóstico de morte encefálica feito em pacientes por eles atendidos.
Parágrafo único. Após a notificação prevista no caput deste artigo, os estabelecimentos de saúde não autorizados a retirar tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverão permitir a imediata remoção do paciente ou franquear suas instalações e fornecer o apoio operacional necessário às equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante, hipótese em que serão ressarcidos na forma da lei. (Incluído pela Lei . 11.521, de 2007)
CAPÍTULO V
DAS SANÇÕES PENAIS E ADMINITRATIVAS
SEÇÃO I
Dos Crimes
Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, de 100 a 360 dias-multa.
§ 1.º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 100 a 150 dias-multa.
§ 2.º Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o ofendido:
I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de três a dez anos, e multa, de 100 a 200 dias-multa
§ 3.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta para o ofendido:
I - Incapacidade para o trabalho;
II - Enfermidade incurável ;
III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.
§ 4.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte:
Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360 dias-multa.
Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação.
Art. 16. Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:
Pena - reclusão, de um a seis anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.
Art. 17 Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:
Pena - reclusão, de seis meses a dois anos, e multa, de 100 a 250 dias-multa.
Art. 18. Realizar transplante ou enxerto em desacordo com o disposto no art. 10 desta Lei e seu parágrafo único:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Art. 19. Deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspecto condigno, para sepultamento ou deixar de entregar ou retardar sua entrega aos familiares ou interessados:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Art. 20. Publicar anúncio ou apelo público em desacordo com o disposto no art. 11:
Pena - multa, de 100 a 200 dias-multa.
Seção II
Das Sanções Administrativas
Art. 21. No caso dos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16 e 17, o estabelecimento de saúde e as equipes médico-cirúrgicas envolvidas poderão ser desautorizadas temporária ou permanentemente pelas autoridades competentes.
§ 1.º Se a instituição é particular, a autoridade competente poderá multá-la em 200 a 360 dias-multa e, em caso de reincidência, poderá ter suas atividades suspensas temporária ou definitivamente, sem direito a qualquer indenização ou compensação por investimentos realizados.
§ 2.º Se a instituição é particular, é proibida de estabelecer contratos ou convênios com entidades públicas, bem como se beneficiar de créditos oriundos de instituições governamentais ou daquelas em que o Estado é acionista, pelo prazo de cinco anos.
Art. 22. As instituições que deixarem de manter em arquivo relatórios dos transplantes realizados, conforme o disposto no art. 3.º § 1.º, ou que não enviarem os relatórios mencionados no art. 3.º, § 2.º ao órgão de gestão estadual do Sistema único de Saúde, estão sujeitas a multa, de 100 a 200 dias-multa.
§ 1.º Incorre na mesma pena o estabelecimento de saúde que deixar de fazer as notificações previstas no art. 13.
§ 1o Incorre na mesma pena o estabelecimento de saúde que deixar de fazer as notificações previstas no art. 13 desta Lei ou proibir, dificultar ou atrasar as hipóteses definidas em seu parágrafo único. (Redação dada pela Lei 11.521, de 2007).
§ 2.º Em caso de reincidência, além de multa, o órgão de gestão estadual do Sistema Único de Saúde poderá determinar a desautorização temporária ou permanente da instituição.
Art. 23. Sujeita-se às penas do art. 59 da Lei n.º 4.117, de 27 de agosto de 1962, a empresa de comunicação social que veicular anúncio em desacordo com o disposto no art. 11.
CAPÍTULO VI
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 24. (VETADO)
Art. 25. Revogam-se as disposições em contrário, particularmente a Lei n.º 8.489, de 18 de novembro de 1992, e Decreto n.º 879, de 22 de julho de 1993.
Brasília, 4 de fevereiro de 1997; 176.º da Independência e 109.º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Nelson A. Jobim
Carlos César de Albuquerque
BIBLIOGRAFIA
Lei 9434 de 4 fev. 1997. Disponível em: . Acesso em 21 abr. 2013. 10:00:00.
Anexo E - Biodireito
Definido como o ramo do Direito que trata da teoria, da legislação e da jurisprudência relativas às normas reguladoras da conduta humana em face dos avanços da Biologia, da Biotecnologia e da Medicina3, é uma área que oferece grande diversidade de abordagens, como por exemplo, a polêmica das células-tronco e a manipulação de embriões humanos, as técnicas de reprodução assistida, transplante de órgãos e tecidos humanos, clonagem humana, técnicas de alteração de sexo, eutanásia, aborto por anencefalia e outras questões emergentes.
O Biodireito encontra seus pilares em três áreas específicas do Direito: o Direito Constitucional, o Direito Civil e o Direito Penal.
O Direito Constitucional, ramo do direito público, tem por objeto de estudo a Constituição Federal, lei maior de um ordenamento jurídico. Relaciona-se com o Biodireito no que tange à proteção dos direitos fundamentais, tais como a vida, liberdade, saúde, intimidade. Todos estes preceitos são plenamente garantidos pela
Carta Magna e, consequentemente, constituem os objetivos a serem alcançados pelas normas específicas criadas pelo campo do Biodireito.
Já o Direito Civil, que é um ramo do direito privado, integra-se com o Biodireito no âmbito dos direitos da personalidade, ou seja, delimitando o início da personalidade civil do homem, que de acordo com o art. 2º deste diploma legal, ocorre a partir do nascimento com vida. Esse dispositivo, a propósito, é o que inflama as mais diversas discussões acerca dos direitos do nascituro, na área do Biodireito. É ainda no Código Civil que se encontram os direitos relativos à disposição do próprio corpo ou partes dele, durante a vida ou após a morte, nos artigos 13 a 15.
O Direito Penal, por sua vez, ao definir as condutas consideradas antijurídicas, não poderia deixar de se comunicar diretamente com o Biodireito, que se vale das normas penais para inúmeras situações, como, por exemplo, a proibição do aborto e, consequentemente, a instituição de uma pena para tal procedimento.
Como se pode notar, a relação tão próxima do Biodireito com estes ramos do Direito ainda provoca discussão acerca da real necessidade da delimitação dessa nova área e um questionamento se as regras existentes nos ordenamentos tradicionais não seriam suficientes para dirimir os conflitos entre homem e ciência.
A realidade é que os referidos institutos tradicionais não conseguem resolver as questões atuais, há uma carência legislativa e as normas já existentes são cheias de imprecisões, a ponto de se argumentar se protegem ou desprotegem as inusitadas situações que emergem dia após dia. É por isso que a defesa pela consolidação do Biodireito como ramo autônomo do Direito tem sido tão trabalhada pelos estudiosos da ciência jurídica.
AS FONTES DO BIODIREITO
O Biodireito, este novo ramo do Direito ainda indefinido quanto ao seu posicionamento na tradicional divisão do Direito Positivo (Público ou Privado), surgiu a partir de fontes específicas, a saber:
1. A Biotecnologia e a Medicina, responsáveis por uma verdadeira “revolução” na vida do ser humano, por meio de suas descobertas ligadas à vida e à saúde humanas.
2. A Bioética, entendida como “o estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, enquanto essa conduta é examinada à luz de valores e princípios morais.
Faz-se relevante comentar que a Bioética vem sendo construída desde a década de 60, época em que marcantes avanços científicos ocorreram, dentre eles o primeiro transplante de coração.
Atualmente, a Bioética une-se ao Biodireito, de forma indissociável, na medida em que novas terapias vêm surgindo, como a utilização de células-tronco, por exemplo.
Ocorre que o Direito é uma ciência essencialmente hermenêutica, o que leva o jurista, muitas vezes, a interpretações diversas acerca de uma mesma norma. Emerge, daí, a finalidade do denominado Biodireito, qual seja de fixar normas coercitivas que delimitem as atuações biotecnológicas, no sentido de ver respeitada a dignidade, a identidade e a vida do ser humano.
ALGUNS TEMAS DE BIODIREITO
O Biodireito possui significativa diversidade de temas, cada um deles abrangendo uma vasta análise, tanto sob o ponto de vista jurídico, como ético, motivo pelo qual são expostos de forma sucinta no presente artigo, trazendo somente os dispositivos legais que os amparam:
1. Reprodução Medicamente Assistida, amparada pela Resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) nº. 1.358/92;
2. Gestação de Substituição (“barriga de aluguel”), cujas normas também se encontram na Resolução do CFM nº. 1358/92;
3. Os direitos do embrião e do nascituro, discutidos à luz do Código Civil e da Constituição Federal;
4. Clonagem humana, expressamente proibida em todas as suas formas (reprodutiva ou terapêutica13) pela Lei nº. 11.105/05, no seu art. 6º, IV;
5. Pesquisa e terapia de células-tronco14 embrionárias, com observação às condições estabelecidas pelo art. 5º da Lei 11.105/05, já mencionada anteriormente;
6. Eutanásia, que não é legalizada no Brasil. Sua prática, portanto, é considerada crime-homicídio;
7. Transplante de Órgãos e Tecidos Humanos, cujos preceitos legais se encontram na CF/88 (art. 199, parágrafo 4º, onde se proíbe a comercialização de órgãos e tecidos para transplantes), no Código Civil (arts. 13 ao 15) e nas Leis 10.211/01 e 9.434/97. Inclui-se, aqui, estudos acerca do chamado xenotransplante 15;
8. Adequação de Sexo do Intersexual (hermafrodita) e do Transexual 16, cujo amparo legal encontra-se na Resolução nº. 1.652/02 do CFM (Anexo 3) e na jurisprudência;
9. O Meio Ambiente, protegido pela CF/88, no art. 225 e, em especial, os Organismos Geneticamente Modificados – OGMs (transgênicos) e seu impacto no meio ambiente, conforme regula a Lei 11.105/05;
10. O Portador do Vírus da Imunodeficiência Humana, em virtude da alta discriminação sofrida: protegido não somente em âmbito constitucional, mas também, de forma específica, pela Resolução do CFM nº. 1.359/92.
BIBLIOGRAFIA
PARISE, Patricia Spagnolo. O biodireito e a manipulação genética de embriões humanos. Goiânia: Kelps, 2003. Disponível em:
. Acesso em 21 abr. 2013. 11:15:00.
ANEXO F
Acórdão Processo 0122959-4
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 122959-4, DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON - VARA CRIMINAL E ANEXOS.
RECORRENTES: ÍTALO FERNANDO FUMAGALI E OUTROS.
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
RELATOR : Juiz Conv. LUIZ MATEUS DE LIMA.
PROCESSUAL PENAL. PRONÚNCIA. INDÍCIOS DE AUTORIA. CONVENCIMENTO DA PROVA MATERIAL DO CRIME. INEXIGÊNCIA DE UM JUÍZO DE CERTEZA, VEZ QUE DE COMPETÊNCIA DO JÚRI.
Na sentença de pronúncia decide o juiz submeter os acusados ao Tribunal do Júri, convencido que está quanto à materialidade do fato e de indícios de autoria. Não emite um juízo de certeza, vez que ao Júri compete fazê-lo. Se a sentença está suficientemente fundamentada para esse fim, e não há prova, estreme de dúvida, de fato que justifique absolvição sumária, de rigor é que o julgamento seja feito pelo Júri, juiz natural da causa.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº 122959-4, de Marechal Cândido Rondon, em que são recorrentes Ítalo Fernando Fumagali e outros, e recorrido Ministério Público do Estado do Paraná.
Ítalo Fernando Fumagali, Ângela Simoni Reis e Melani Heinrich Lohamann foram pronunciados, para serem submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri, respectivamente, como incursos nas penas do artigo 121, § 2º, inciso I, c/c artigo 71 (três vezes), artigo 121, caput, e artigo 121, caput, c/c art. 71 (duas vezes), todos do Código Penal pela prática de fatos delituosos que assim narra a denúncia de fls. 02/03:
No dia 23 de outubro de 1991, na Policlínica Rondon Ltda., por volta das 12,30 hs., nesta cidade e comarca, o primeiro denunciado, preocupado com as despesas que a vítima CECÍLIA FRANK estaria causando ao hospital, e pelo fato de referida vítima apresentar um quadro de doença terminal, ordenou à terceira denunciada MELANI HENIRCH LOHMANN, que ministrasse na referida vítima, quantidade excessiva de cloreto de potássio, substância que, se aplicada em excesso pode causar parada cardíaca ou respiratória. A denunciada MELANI, acompanhada de uma colega de trabalho ainda não identificada, mesmo ciente do que poderia ocorrer, efetivamente ministrou na vítima a quantidade ordenada, razão pela qual a vítima veio a ter parada cardíaca, falecendo quase que instantaneamente, conforme atesta o prontuário médico de fls. 82 (parada cardíaca, óbito , 12,30 hs., dia 23/10/91).
No dia 19 de outubro de 1992, na Policlínica Rondon Ltda., por volta das 16,00 horas, nesta cidade e comarca, o primeiro denunciado, preocupado com as despesas que a vítima OTÍLIA BLATT estaria causando ao seu hospital, e pelo fato de referida vítima já apresentar quadro de doença terminal, ordenou à segunda denunciada, ANGELA SIMONI REIS que ministrasse na referida vítima, por via endovenosa, quantidade excessiva de cloreto de potássio, substância que, se aplicada em excesso, pode causar parada cardíaca ou respiratória. A denunciada ANGELA, mesmo ciente do resultado que poderia ser causado, efetivamente aplicou na vítima a quantidade ordenada pelo primeiro denunciado, razão pela qual a vítima veio a falecer, por parada cardíaca, conforme prontuário médico de fls. 83.
No dia 26 de outubro de 1992, na Policlínica Rondon Ltda., por volta das 16,00 hs., o primeiro denunciado, preocupado com as despesas que a vítima ASSUNTA BREZOLIN estaria causando ao seu hospital, e pelo fato de referida vítima já apresentar quadro de doença terminal, ordenou à terceira denunciada, MELANI LOHMANN que ministrasse na referida vítima, por via endovenosa, quantidade excessiva de cloreto de potássio, substância que, se aplicada em excesso, pode causar parada cardíaca ou respiratória. A denunciada MELANI, mesmo ciente do resultado que poderia ser causado, efetivamente aplicou na vítima a quantidade ordenada pelo primeiro denunciado, razão pela qual a vítima veio a falecer, conforme mostra o prontuário médico de fls. 84.
O primeiro denunciado, ao ordenar que fossem aplicadas as referidas doses que foram letais às vítimas, sem que estas ou alguém soubesse do que se tratava, e pelo fato de ter por preocupação as despesas que referidas vítimas traziam ao seu estabelecimento hospitalar, agiu por motivo torpe.
Inconformados, recorrem em sentido estrito. Negam a prática dos crimes que lhes foram atribuídos.
Alegam que ASSUNTA BRESTOLIN era portadora de câncer disseminado por todo o corpo, tendo ficado internada no hospital por cerca de 60 dias, e pesava, ao falecer, apenas 25 quilos. Teve como causa de sua morte insuficiência cardiorrespiratória, caquexia e carcinoma do intestino grosso.
Dizem que CECÍLIA FRANK, tida como vítima, faleceu aos 79 anos por insuficiência cardiorrespiratória, acidente vascular cerebral e arteriosclerose, em consequência de acidente vascular cerebral que a colocou em profundo e irreversível estado de coma, seguido de infecção bronco-pulmonar. Já sofrera antes, por duas vezes, trombose cerebral.
Esclarecem que OTTÍLIA BLAT, que tinha entre 78 a 80 anos de idade, não teve insuficiência cardíaca aguda e infarto do miocárdio, como menciona a denúncia. Algumas semanas depois de submetida a uma grande cirurgia, faleceu devido à desidratação aguda causada por violenta gastrenterite.
Expõem que os familiares dessas pessoas, que acompanharam seus tratamentos, sempre reconheceram o bom atendimento prestado, como narram em seus depoimentos. Faleceram elas em consequência das enfermidades de que eram portadoras, e não porque suas mortes tenham sido provocadas de forma criminosa. Não tem qualquer procedência a afirmação feita contra o recorrente Ítalo F. Fumagali de que teria determinado fosse ministrado cloreto de potássio em dose acima do admissível e com excessiva rapidez nas pacientes acima nominadas para apressar-lhes a morte em razão de estarem dando despesas à Policlínica Rondon, ficando muito caro seu atendimento por serem doentes terminais, nem procede a acusação de que Ângela ou Melani o tenham a qualquer paciente.
Aduzem que as peças de fls. 100, 155, 325/334 e 335, se referem apenas às eventuais consequências do emprego de cloreto de potássio em pacientes, não se constituindo em elemento de prova para justificar sentença de pronúncia. Não há, dizem, prova plena da existência do fato criminoso. Trata-se, diz Ítalo Fumagali, de trama urdida por sua ex-mulher para dele se vingar em razão da separação de ambos. Foi em razão de promessas de dinheiro desta que Melani Heirich Lohman e Rosana Terezinha Spada escreveram ou copiaram cartas por ela minutadas, incriminando-o, porém estas últimas, em seus depoimentos, e nos interrogatórios em Juízo, se retrataram do que haviam escrito.
Pleitearam a reforma da sentença com a finalidade de se julgar a denúncia Improcedente.
Nas contrarrazões do recurso (fls. 418/423), sustenta o Dr. Promotor de Justiça o acerto da sentença recorrida. No mesmo sentido é o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 441/450).
Constituídos novos advogados ao recorrente Ítalo Fernando Fumagali, foram apresentadas razões complementares ao recurso em sentido estrito, onde se alega que a defesa técnica foi insuficiente, violando se o princípio do contraditório e da ampla defesa e que a prova pericial possui falhas (fls. 468/475)
Dado nova vista à Procuradoria-Geral de Justiça, está manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 480/485).
É o relatório.
Voto
Discorrendo sobre a consulta que lhe foi formulada, na exposição de fls. 329/334 deixa certo o Professor Dr. José Gastão Rocha de Carvalho que a administração de potássio em velocidade superior a 30 mEq/hora, além de errada em sua indicação, implica no risco de hiperpotassemia, particularmente na ausência de monitorização adequada, e na possibilidade de cardiotoxidade, com arritmia grave ou assistolia, e, em consequência, no risco de óbito. A relação causa-efeito seria melhor documentada com a comprovação de níveis elevados de potássio sérico durante ou após a infusão e individualizando-se os fatores capazes de os influenciar (fl. 334). Cita caso de 07 pacientes que foram a óbito e que apresentavam doenças graves, como cirrose hepática (3), câncer ou leucemia (3) e diabetes melitus (1)..
No ofício de fl. 100, em resposta à consulta formulada pelo Delegado de Polícia, Dr. Roberto Aparecido Penteado, sobre a possibilidade de se constatar em cadáver, com mais de dois anos de óbito, a presença de cloreto de potássio, esclareceu o Sr. Chefe da Seção de Toxicologia da Divisão de Polícia Científica do Instituto Médico-Legal do Paraná: o cloreto de potássio é uma substância natural do organismo humano, tornando-se muito difícil avaliar a existência de doses adicionadas aos níveis já existentes. A única forma de punir tal prática seria flagrar o praticante com a substância a ser ministrada e remetê-la ao nosso laboratório para a realização de exames.
Nenhuma das pessoas tidas como vítimas foram submetidas a exame quando ocorridos os óbitos. Não se tem, assim, prova científica de que nelas tenham sido ministradas doses normais ou excessivas de cloreto de potássio, não se podendo saber, evidentemente, se foram feitas aplicações endovenosas, com essa substância, em velocidade incompatível para abreviar-lhes a morte. Contudo, mesmo à falta de comprovação desse fato por prova pericial, há indícios, pela prova indireta, dos fatos atribuídos aos réus. Certo é, não há dúvida, de que Assunta Brezolin, portadora de leucemia, e Cecília Frank, em estado de coma, proveniente da terceira trombose cerebral, tinham, em razão dessas doenças, poucos dias de vida. OTTÍLIA BLAT, de aproximadamente 80 anos de idade, sofreu desidratação aguda causada por violenta gastrenterite algumas semanas depois de submetida a uma grande cirurgia. Em princípio teriam sido essas as causas de suas mortes. Mas há, nos autos, depoimentos de testemunhas que dizem terem sido aplicadas, no hospital do réu Ítalo F. Fumagali, injeções excessivas de cloreto de potássio em pacientes portadores de doenças incuráveis, que se encontravam em fase terminal de suas existências. A prova produzida, nesse sentido, embora divergente, vez que não foram confirmados certos depoimentos coligidos na fase indiciária, é bastante para sustentar decreto de pronúncia, carecendo a questão ser examinada pelo Juízo natural da causa.
Com efeito, não obstante ter a ré Melani Heinrich Lohmann negado os fatos que lhe foram imputados, e também aos demais réus, dizendo ter sido a carta de próprio punho, de f. 07 e verso, ditada por Regina Xavier de Cordeiro, ex-mulher de Ítalo F. Fumagali, para servir como instrumento de chantagem, dizendo também Rosane Terezinha Spada que a carta de fls. 09/12 foi escrita mediante promessa de pagamento, existem indícios da atividade criminosa descrita na denúncia.
Melani, é certo, retratou-se, pois caso contrário teria admitido sua participação no fato. Naquela carta afirmou que por ordem do réu Ítalo Fernando Fumagali aplicou dose excessiva de cloreto de potássio na paciente Assunta Bresolin, e que Ângela Simoni Reis, também por ordem daquele réu, ministrou essa substância em dose excessiva em Cecília Frank.
Noêmia Vargas Cardoso, que entre agosto de 1992 a outubro de 1993 exerceu, no hospital do primeiro réu, funções de auxiliar de secretaria de enfermagem, em seu depoimento, no inquérito policial, disse: A declarante afirma que sobre tais denúncias, após a morte de ASSUNTA BREZOLIN, acreditando a declarante ter ocorrido no mês de abril do corrente ano, ficou comentários entre as enfermeiras de que a Sra. Assunta teria falecido em virtude de ter recebido uma dose excessiva de cloreto de potássio; que a própria enfermeira Melani Lohamann teria confidenciado à declarante que ela própria havia aplicado a dose excessiva de cloreto de potássio na paciente Assunta Breszolin; que em tal confidência, Melani teria dito à declarante que a determinação para a aplicação do cloreto de potássio teria partido do Dr. Fumagali (fls. 30 e v.).
Em Juízo, às fls. 160/161 e verso, disse: Que na primeira vez em que trabalhou no hospital, a depoente ouviu comentários sobre o fato de se estar aplicando cloreto de potássio em pacientes terminais, sendo que quem comentou esse fato com a depoente foram as senhoras Lourdes Servelin e Maria Helena; que na segunda vez em que trabalhou no hospital o comentário era bastante entre as enfermeiras; que a acusada Sra. Melani Logmann comentou com a depoente que ela própria havia ministrado o cloreto de potássio na Sra. (Assunta Bresolin) vítima; que a acusada Melani lhe falou que foi o Dr. Fumagali quem lhe ordenou a aplicar a dose de cloreto de potássio na vítima Sra. Assunta; que a acusada Melani também falou para a depoente que aplicou a quantidade de três a quatro ampolas daquele medicamento citado na vítima Sra. Assunta; ...que a depoente nunca viu nenhum médico determinando a alguma enfermeira ou a qualquer outro funcionário que aplicasse o medicamento já mencionado; ...que a enfermeira Lurdes Sevelin, conversando certa vez com a depoente, disse-lhe que o Dr. Fumagali lhe falou para que aplicasse alta dosagem de cloreto de potássio em um paciente que estava em estado terminal, não lembrando o nome desse paciente; ...que Lurdes Sevelin não aplicou o medicamento e falou à depoente para que esta tomasse cuidado ao dar medicamentos aos pacientes já que era nova no hospital; que a Sra. Maria Helena, também enfermeira, confidenciou à depoente que iria sair do hospital porque o Dr. Fumagali a pressionou para que ministrasse cloreto de potássio em dosagem excessiva em paciente terminal; ...que a acusada Sra. Ângela Simone Reis comentou com a depoente que o Dr. Fumagali mandou que aplicasse cloreto de potássio em paciente que havia saído de uma cirurgia e que não se encontrava em bom estado; que a depoente não lembra o nome da paciente, recordando-se apenas que era uma senhora de idade e que tal paciente estava sob os cuidados do Dr. Rogério Biaggi. Essa paciente, ao que se vê dos autos, era Otília Blat.
Lurdes Maria Sevelin, às fls. 30/31, em depoimento prestado ao Promotor de Justiça, Dr. Fuad Faraj, disse que se recusou em fazer aplicações desse tipo, mas que o réu Ítalo F. Fumagali, determinou à declarante que ministrasse a substância cloreto de potássio na forma acima descrita, em vários pacientes em fase terminal, geralmente acometidos de câncer; ...que após o falecimento de dona Assunta Brezolin a enfermeira Melani Henirch Lohmann, confidenciou para a declarante e outras enfermeiras, entre elas a enfermeira Maria Helena Silva Branco, de que teria feito aplicação, via endovenosa, de cloreto de potássio na paciente Assunta Brezolin; que a enfermeira Melani estava apavorada com o que havia feito e com bastante remorso, porque ao fazer a aplicação da substância referida na paciente Asssunta Brezolin, esta segurou-lhe pelo braço fortemente, proferindo as seguintes palavras: fica comigo, não me abandone agora. Eu preciso de você. Você é minha amiga.
No dia seguinte, na Delegacia de Polícia, prestou depoimento em termos semelhantes, confirmando que Ítalo Fumagali lhe ordenara, por três ou quatro vezes, para aplicar cloreto de potássio em pacientes portadores de câncer, internados no hospital, recusando-se em fazê-lo. Confirmou que a enfermeira Melani Lohmann teria lhe confidenciado que também havia recebido uma determinação do Dr. Fumagali, para que aplicasse cloreto de potássio em uma paciente acometida de câncer em fase terminal; que Melani teria dito que havia acatado tal determinação e aplicado cloreto de potássio na paciente ASSUNTA BREZOLIN, tendo a paciente falecido (fls. 33 e v.).
Em Juízo retificou, em parte, seu depoimento no Inquérito Policial. Disse: que não houve determinação do co-denunciado Ítalo, em relação à depoente, para se aplicar doses em excesso em algum paciente e que não chegou a presenciar a aplicação de cloreto de potássio nas vítimas mencionadas na denúncia. Mas confirmou que num dos plantões noturnos a co-denunciada Melani confidenciou à depoente que havia ministrado a substância denominada cloreto de potássio na paciente Assunta Bressolin, a mando do Dr. Fumagali; que se recorda que a co-denunciada Melani mencionou que havia, inicialmente, ministrado duas ampolas de cloreto em um recipiente de soro, não sabendo se este estava ou não com líquido; verificando que a paciente Assunta ainda estava com vida, a co-denunciada Melani ministrou mais duas da referida substância, num total, portanto, de quatro ampolas; que nesse momento a referida co-denunciada estava muito nervosa, isto porque a paciente Assunta havia-lhe segurado o braço, pedindo para não deixa-la sozinha e afirmando que ela era sua amiga; que em relação às vítimas Cecília e Otília não pode precisar a causa do óbito das mesmas, mas que à época houve um comentário que a morte decorreu pelo uso de cloreto de potássio, não sabendo dizer quem teria ministrado tal substância; quando a co-denunciada Melani confidenciou à depoente sobre a aplicação de cloreto de potássio na vítima Assunta, também se fazia presente. Acrescentou que não ouviu comentários a respeito da co-denunciada Ângela quanto ao ter procedido dessa forma com algum paciente.
Maria Helena Silva Branco, que trabalhou no Hospital Policlínica Rondon por cerca de dois anos e oito meses, disse, no Inquérito Policial, que com relação às denúncias constantes nas cartas escritas pelas enfermeiras Melani e Rosana, a declarante esclarece que por duas vezes foi procurada pelo Dr. Fumagali o qual na primeira vez determinou e na segunda apenas insinuou de que deveria aplicar cloreto de potássio, por via endovenosa em quantidade elevada de três a quatro ampolas, em um dos pacientes internados na clínica daquele hospital. Esclareceu que se tratava de um homem de 60 anos de idade, portador de câncer, em fase terminal, cuja família reside no interior de Iporã, tendo se negado em atendê-lo. Acrescentou que sabendo das consequências, colocou este fato para o Dr. Fumagali, tendo mesmo afirmado que a declarante era ruim, e que não tinha pena do paciente e que deveria ajudá-lo a descansar; que esclarece ainda, que ao retornar no seu plantão seguinte, referido paciente já havia entrado em óbito; ...que antes do Dr. Fumagali solicitar que a declarante aplicasse cloreto de potássio nesse paciente já mencionado ocorreu no Hospital Policlínica Rondon, a morte da paciente Assunta Brezolin, sendo que tal paciente era vítima de câncer já em estado terminal e teria falecido em consequência da aplicação de uma elevada dosagem de cloreto de potássio, e que tal aplicação teria sido feita pela enfermeira Melani Lohmann; que a declarante afirma que tal fato chegou ao conhecimento da declarante por intermédio da própria enfermeira Melani, a qual lhe confidenciou que fizera tal aplicação tendo a paciente morrido nos braços de Melani, fato que deixou Melani bastante transtornada; que Melani confidenciou também que teria feito tal aplicação por determinação do médico Dr. Fumagali.
A depoente, na mesma oportunidade, ainda acrescentou: que no ano passado, uma paciente de nome OTÍLIA BLATT, retornou ao hospital após receber alta, para uma averiguação de seu quadro clínico, permanecendo no Hospital por cerca de três dias, quando veio a falecer por parada cardíaca, sendo que na época comentou-se que a morte desta paciente teria sido causada também pela aplicação de cloreto de potássio e que tal aplicação teria sido feita pela enfermeira ÂNGELA, a qual posteriormente teria afirmado que se a morte se deu pela aplicação de cloreto de potássio, não foi intencional, ou seja, a mesma teria aplicado medicamento sem saber o que estava fazendo (fls. 36/37).
Roberto Alegro Biaggi, médico que à época dos fatos clinicava no mesmo hospital de Ítalo, disse: o depoente não se lembra a data precisa em que a Sra. Otília esteve internada na Policlínica, todavia se recorda que a denunciada, Sra. Ângela Simoni Reis esteve certo dia no consultório do depoente, que ficava dentro da Policlínica Rondon e lhe perguntou, mostrando-lhe uma seringa, dizendo que nela havia cloreto de potássio, se esta substância poderia ser aplicada na paciente Otília Blatt, conforme prescrição do denunciado Ítalo Fumagali; que o depoente respondeu à acusada, Sra. Ângela, que não poderia fazer a aplicação e que fosse perguntar ao colega, Dr. Ítalo, a forma pela qual pudesse usar o cloreto de potássio; que isso ocorreu no período da manhã, próximo ao horário do almoço, e o depoente logo foi para casa; na tarde do mesmo dia o depoente nada soube a respeito da paciente Otília Blatt, sendo que no dia seguinte perguntou a uma enfermeira como estava referida paciente, sendo que então foi informado que a mesma, Otília Blatt, havia falecido no dia anterior (fl. 177).
Essa paciente, segundo a defesa, faleceu devido à desidratação aguda causada por violenta gastrenterite. A aplicação de cloreto de potássio poderia ser útil à paciente, tanto que ao final de seu depoimento disse o Dr. Roberto Alegro Biaggi: quando a acusada, Sra. Ângela, foi perguntar ao depoente se poderia utilizar o cloreto de potássio na paciente Otília Blatt, a mesma não falou se iria ministrar a dose por via endovenosa direta ou endovenosa através de soro; se aplicada através de soro e for necessário, a dose de cloreto de potássio pode ser útil à paciente; uma pessoa que tenha diarréia com desidratação e perda de sais, pode ser beneficiada com cloreto de potássio (fl. 178).
Verifica-se pela ficha de prontuário médico de Otília Bratt, de fl. 88, que quando esta deu entrada no hospital, em 18.6.92, o diagnóstico provisório foi o de que apresentava diarréia e vômito. Mas não consta dessa ficha que tenha sido prescrito ou aplicado cloreto de potássio na paciente como medicamento, visando a melhora de seu estado de saúde. Existem, portanto, indícios de que na paciente foi aplicada
essa substância, mas com outra finalidade.
As alegações de prejuízo ao recorrente Ítalo Fernando Fumagali por insuficiência da defesa técnica não procedem, pois compulsando os autos verifica-se que o defensor apresentou defesa prévia, arrolando testemunhas (f. 131), compareceu a todas audiências de oitiva de testemunhas, apresentou alegações finais (fls. 356/358) e interpôs e arrazoou o presente recurso (fls. 408/415), praticando todos os atos em conformidade com a legislação processual penal. A questão da imprestabilidade ou não dos laudos periciais deve ser submetida ao Tribunal do Júri que decidirá, considerando os demais elementos dos autos, se eles se prestam para condenação ou absolvição dos réus.
Destarte, como não há prova, estreme de dúvida, de fato que justifique absolvição sumária, de rigor é que o julgamento seja feito pelo Júri, juiz natural da causa, vez que para pronúncia não se exige um juízo de certeza, mas tão-somente um juízo de admissibilidade da acusação.
Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, votando com o relator, o Juiz Convocado José Maurício Pinto de Almeida e o senhor Desembargador Carlos Hoffmann (Presidente).
Curitiba, 13 de março de 2003.
LUIZ MATEUS DE LIMA
Juiz Relator Convocado
Bacharel em Direito pela Faculdade Padre Anchieta - Jundiaí - SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CORREIA, Celso Mestre. A eutanásia em face da Constituição Federal de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jul 2019, 21:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53136/a-eutanasia-em-face-da-constituicao-federal-de-1988. Acesso em: 22 nov 2024.
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