Resumo: O presente artigo aborda de forma sucinta e introdutória o debate acerca do princípio da fraternidade dentro da Constituição Federal de 1988, com o objetivo de trazer novas formas de reflexão por parte do acadêmico jurista, com intuito de combater as desigualdades econômicas e sociais existentes no Brasil. Para isso o estudo inicia a origem histórica e cultural relacionando a fraternidade como categoria política dentro da socialdemocracia. Em um segundo momento, aborda como o princípio da fraternidade é adotado dentro da Constituição brasileira, seus prós e contras, e finaliza com uma análise crítica abordando viés sociológico e econômico. O método de pesquisa adotado é o hipotético dedutivo.
Abstract: This article deals briefly and introductory with the debate about the principle of fraternity within the Federal Constitution of 1988, with the aim of bringing new forms of reflection on the part of the academic jurist, in order to combat the economic and social inequalities existing in Brazil . For this the study begins the historical and cultural origin relating the fraternity as a political category within the Social Democracy. In a second moment, it addresses how the principle of fraternity is adopted within the Brazilian Constitution, its vantanges and disadvantages, and ends with a critical analysis addressing the sociological and economic bias. The research method adopted is the hypothetical deductive.
Palavras-chave: 1. Filosofia do Direito; 2. Direito e Fraternidade; 3. Direito constitucional.
Keywords: 1. Philosophy of Law; 2. Law and Fraternity; 3. Constitutional Right.
Sumário: 1. A socialdemocracia e a fraternidade como categoria política; 2. Princípio constitucional da fraternidade no Brasil; Considerações finais; Referências.
Introdução
Prestes a completar 31 anos, a Constituição Federal do Brasil de 1988 ainda passa por um processo de implementação de valores sociais humanistas dentro da sociedade brasileira, apesar de completar três décadas, o período é relativamente curto, levando em consideração o tempo que uma sociedade demora para enraizar novas formas sociais de se relacionar, soma-se a isso, um passado brasileiro de extrema repressão e supressão de liberdades vividas pelo período de 21 anos de ditadura militar, como também um passado escravocrata que durou 300 anos, com práticas de exploração desumana e cultura de dominação entre as pessoas, carregando traços de racismo e desigualdade racial até hoje. Diante de tantos problemas e dificuldades existentes dentro das sociedades mundiais, sobressai várias alternativas como forma de superação, e como veremos nesse estudo, algumas delas perfazem a ideologia da Constituição Federal e estão positivadas há mais de 30 anos.
Com o objetivo de contribuir com soluções para esses graves problemas sociais, desponta uma corrente jurídica chamada de Direito Fraterno, cuja a finalidade é dar destaque ao princípio da fraternidade existente dentro da cultura ocidental judaico cristã, onde adquire uma importância mundial após os anos 50, com as Constituições do mundo inteiro adotando princípios humanos. Movimento que considera os direitos humanos o mínimo necessário para a vivencia coletiva, é propagado pelas nações que controlam as relações de trocas mundiais.
Assim, o artigo visa contribuir fazendo uma análise crítica desse movimento, mas antes, abordará seu surgimento histórico, a fraternidade como categoria política, o princípio constitucional da fraternidade no Brasil, seus pensadores e seus objetivos enquanto movimento jurídico, bem como a intenção de se tornar movimento cultural.
1. A socialdemocracia e a fraternidade como categoria política.
A materialização da ideologia socialdemocrata pós Segunda Grande Guerra Mundial, adotada ao redor do mundo se deu por meio de Constituições Federativas. No Brasil esse processo se concretizou com a Constituição Federal de 1988, que estabelece a base de todo ordenamento jurídico da sociedade, não abrange apenas as relações de proteção entre particulares e Estado, mas também as normas pelo qual o Estado se utiliza para garantir os direitos sociais da população. Nas palavras de Steinmetz (2004, p. 99):
Do ponto de vista de uma teoria constitucionalmente adequada, a CF não é apenas uma Constituição somente do Estado, isto é, não se apresenta apenas como uma ordem jurídica fundamental do Estado. Ela não adota como pressuposição básica a dicotomia rígida (ontológica) entre Estado e sociedade, em razão da qual o direito constitucional e o direito público em geral ordenam o Estado, suas relações internas de reciprocidade e suas relações com os indivíduos, e o direito privado ordena as relações entre particulares. Ela é também uma Constituição da sociedade, por que normatiza âmbitos importantes das relações sociais horizontais. Em enunciação concisa, a CF pode ser definida como a estrutura normativa básica ou fundamental do Estado e da sociedade brasileira.
Com o avanço do movimento Constitucionalista, ganhou destaque a positivação de princípios humanista – aqui, se apresenta uma divisão para fins didáticos. Sendo os direitos fundamentais de primeira dimensão os direitos civis e políticos, como por exemplo, o direito à vida, à intimidade, à inviolabilidade de domicílio, à propriedade, à igualdade perante a lei, etc. Essa dimensão são resultado do pensamento liberal burguês, neste sentido, eles surgem para diminuir a atuação do Estado, garantindo assim, mais garantias individuais contra o Estado para a sociedade:
Os direitos de primeira dimensão são os direitos de liberdade, pois são fruto do pensamento liberal burguês, de caráter fortemente individualista, aparecendo como uma esfera limitadora da atuação do Estado, isto é, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado nas liberdades do indivíduo. (SCALQUETTE, 2004, p. 34).
A segunda dimensão dos direitos fundamentais é marcada por direitos condizentes a igualdade. Estes direitos são aplicados no sentido de reclamar do Estado uma ação que possa proporcionar condições mínimas de vida com dignidade, são os direitos sociais, econômicos e culturais. Com o avanço do liberalismo político e econômico no início do século XX, após a Primeira Grande Guerra Mundial, o mundo assistiu à deterioração do quadro social. Assim, os direitos da referida segunda dimensão estão ligados intimamente a direitos prestacionais sociais do Estado perante o indivíduo, como assistência social, educação, saúde, cultura, trabalho, lazer, etc. Importante mencionar que os direitos de segunda dimensão não negam, tampouco exclui os direitos de primeira dimensão, mas a estes se somam. Deste modo, os direitos da referida segunda dimensão estão ligados intimamente aos direitos prestacionais sociais do Estado perante o indivíduo.
Assim, após a Segunda Grande Guerra Mundial, surgi os direitos de terceira dimensão, estes direitos são conhecidos como direitos da fraternidade. Neste sentido, com os resultados devastadores da guerra, forma-se uma cultura de proteção internacional dos direitos humanos, voltado para a essência e valorização do ser humano, agora não só em esfera interna, mas também internacional. Portanto com a eclosão da Segunda Grande Guerra Mundial e com a criação da ONU (Organização das Nações Unidas) é notório que estes direitos da terceira dimensão surgem para garantir uma sociedade mais fraterna e mais unida, elevando-se a dignidade do homem. Nesse sentido diz Alarcón (2004, p.81):
“[...] a aparição dessa terceira dimensão dos direitos fundamentais evidencia uma tendência destinada a alargar a noção de sujeito de direitos e do conceito de dignidade humana, o que passa a reafirmar o caráter universal do indivíduo perante regimes políticos e ideologias que possam colocá-lo em risco, bem como perante toda uma gama de progressos tecnológicos que pautam hoje a qualidade de vida das pessoas, em termos de uso de informática, por exemplo, ou com ameaças concretas à cotidianidade da vida do ser em função de danos ao meio ambiente ou à vantagem das transnacionais e corporações que controlam a produção de bens de consumo, o que desdobra na proteção aos consumidores na atual sociedade de massas.
A Fraternidade vem cada vez mais, tomando espaço dos debates acadêmicos, o movimento fraterno vem de um amplo espaço de discussões, somando anseios culturais do ocidente judaico cristão, com as alterações jurídicas do plano da terceira dimensão de direitos humanos, conquistando novos entusiastas e provocando reflexões das alas mais conservadoras. Resta (2004, p. 16) traz um posicionamento interessante, ao analisar:
[...] o Direito Fraterno compreende um modelo de direito que abandona a fronteira fechada da cidadania e olha em direção à nova forma de cosmopolitismo que não é representada pelos mercados, mas pela necessidade universalista de respeito aos direitos humanos que vai se impondo ao egoísmo dos “lobos artificiais” ou dos poderes informais que à sua sombra governam e decidem. Fala-se, portanto, de uma proposta frágil, infundada, que aposta sem impor, que arrisca cada desilusão, mas que vale a pena cultivar: vive de expectativas cognitivas e não de arrogâncias normativas.
A fraternidade teve seu início na história em momento marcante, que é a Revolução Liberal Francesa, cujo lema era “liberdade, igualdade e fraternidade”. Esta Revolução deu origem a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e estabeleceu por escrito os princípios mínimos fundamentais para o respeito da dignidade humana, sendo uma das primeiras letras de direito positivos, junto com outros movimentos que percorriam a Europa e Estados Americanos, mas diferente dos outros movimentos por direitos humanos, especialmente o movimento pela fraternidade, teve seu destaque durante a Revolução Francesa, diz Baggio (2008, p.7):
[...] Por que, então, ocupar-se tanto com os acontecimentos de 1789, se o aparecimento da trilogia naquela época foi tão passageiro? O fato é que a Revolução de 1789 constitui um ponto de referência histórico de grande relevância, porque, durante o seu andamento, pela primeira vez na Idade Moderna a ideia de fraternidade foi interpretada e praticada politicamente.
A Revolução de 1789 inovou diante da fraternidade principalmente pelo fator político, pois, pela primeira vez trata-se a ideia de fraternidade com dimensão política. Quanto a isto, a atribuição da política na fraternidade eleva-se este princípio para algo que possa se introduzir na esfera Estatal, transcendendo assim, o sentido de ser algo presente apenas na sociedade em sentido estrito da palavra. Ou seja, visualiza-se a fraternidade como elemento político e importante para o Estado. Ainda, segundo Baggio, (2008, p.8): “a Revolução inova também no sentido de que a fraternidade começa a interagir com os outros dois princípios importantes, que se perfazem na democracia atual que é o da liberdade e o da igualdade.
Em relação à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a mesma reconhecia em seu preâmbulo que há "direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem" a serem consolidados num pacto social a partir do que se legítima o surgimento de uma sociedade, cuja preservação exige que o poder político seja exercido com a supremacia do direito, espelhado na constituição.
A universalização dos direitos fundamentais vem com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, onde reafirma o tríplice lema: “liberdade, igualdade e fraternidade”, proclamado pela Revolução Francesa, ao prescrever em seu artigo 1º que: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir reciprocamente com espírito de fraternidade”. Sobre a Declaração dos Direitos Humanos, diz Bobbio (1992, p. 29 e 30):
Com a Declaração de 1948, tem início uma terceira e última fase, na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado. No final desse processo, os direitos do cidadão terão se transformado, realmente, positivamente, em direitos do homem. Ou. Pelo menos, serão os direitos do cidadão daquela cidade que não tem fronteiras, porque compreende toda a humanidade; ou, em outras palavras, serão os direitos do homem enquanto direitos do cidadão do mundo.
A fraternidade nos últimos dois séculos teve uma visualização minimizada e até mal interpretada, pois se criou na sociedade um juízo de que a fraternidade está atrelada apenas a grupos fechados, como por exemplo, os filantrópicos. Nessa mesma posição, alega Baggio (2008, p.20): “a fraternidade foi vivida – e ainda o é hoje – na forma de uma ligação sectária, no âmbito de organizações secretas, ou que colocam níveis de segredo ao lado de outros de caráter público – como a maçonaria – e que buscam fortalecer sua própria rede de poder econômico e político”. Entretanto, a fraternidade representa mais do que ser utilizada por um grupo fechado, por que na verdade em sua essência este princípio se perfaz na sociedade em sentido geral, ou seja, para todos, e não, por exemplo, para um grupo em particular.
Ressalta-se assim, que é necessário introduzir a questão da fraternidade como princípio político, bem como já o são a liberdade e igualdade, para compreender melhor o assunto, pode-se citar como exemplo a fraternidade jurídica agindo por meio das políticas públicas, consequentemente, trazendo melhorias nas questões sociais (LOPES, 2014, p.7). Acrescenta o autor:
Seria fraternidade, efetivamente apreciada, capaz de provocar um impacto positivo nas iniciativas públicas de atendimento às principais demandas da população, sobretudo aquelas voltadas ao atendimento de suas primeiras necessidades tais como moradia, educação, saúde, segurança e meio ambiente? Em que aspectos pode a fraternidade influenciar nas políticas públicas, de modo a que as hierarquias sociais sejam cada vez mais aproximadas em seu distanciamento, hoje constatado? (LOPES, 2014, p. 7).
O princípio da fraternidade é para garantir uma ordem jurídica que proteja a raça humana em todos os sentidos, ou seja, como promotor de direitos, ele indica o caminho, mas são as pessoas que devem percorrê-lo, e, além disso, a fraternidade vem para alimentar essa sede de querer percorrê-lo, como, “vá lá e garanta a dignidade dos humanos”, como um direito promocional da pessoa humana. Para transparecer melhor o sentido da fraternidade e sua relação com a sociedade, e também para compreender com mais exatidão a deturpação que ocorre com a mesma, torna-se válido aludir este estudo a acepção:
Nesse diapasão, a fraternidade tem o objetivo de ser uma semente para uma transformação social, transcendendo as divergências existentes entre as pessoas, fazendo com que o diferente se manifeste para o seu pleno desenvolvimento e para o benefício coletivo, sem se descuidar dos vínculos comuns que mantêm unidas grandes coletividades... (HORITA, 2013).
Destaca-se que o princípio da fraternidade e a fraternidade em si estabelecem ligação com a dignidade entre irmãos/irmãs e o direito de serem indiferentes um dos outros, como realmente acontece em uma família. Ou seja, não se escolhe os irmãos, por isto é necessário encontrar condições capazes de garantir igualdade e diferença nesta relação, assim a fraternidade age como princípio de realidade nas teorias políticas (VOCE, 2014, p.142).
Em termos sociais, a ligação fraternidade e Direito, gera uma nova forma de se visualizar a sociedade. Ou seja, notam-se nos variados grupos, nas inúmeras distinções dos seres humanos, algo em comum, que é simplesmente existir como ser humano e fazer parte de algo que se mostra enorme quando analisado em patamar sem fronteiras, que é a população mundial. Com isto, conclui-se que em meio a tantas pessoas, a tantas diferenças e divergências que são de certo modo comuns, é necessário existir conexão, e mais que isso, um caminho para evoluir as relações humanas. E neste caminho encontra-se a fraternidade que tanto em sentido prático que é de ser uma pessoa fraterna com aqueles que vivem a seu redor e além, mas também em sentido jurídico que humaniza ainda mais o direito e a letra “fria” da lei.
A fraternidade em consonância com o direito aproxima a norma da sociedade, e também se torna instrumento para aproximar os principais componentes da sociedade que é o ser humano. Neste sentido:
O direito fraterno coloca, pois, em evidência toda determinação histórica do direito fechado na angustia dos confins estatais e coincide com o espaço de reflexão ligado ao tema dos direitos humanos, com uma consciência a mais: a de que a humanidade é simplesmente o lugar “comum”, somente em cujo interior pode-se pensar o reconhecimento e a tutela. Em outras palavras: os Direitos Humanos são aqueles direitos que somente podem ser ameaçados pela própria humanidade, mas que não podem encontrar vigor também aqui, senão graças a própria humanidade (RESTA, 2004, p. 13).
Explicita-se também em trazer novas formas de direção social, como exemplo a filantropia, ao ponto de o Estado transferir para a sociedade a virtude de levar um direito a uma pessoa. Esse aspecto horizontal de promoção de direitos entre os particulares é muito benéfico do ponto de vista do direito, em garantir direitos fundamentais alheios. Mas, o aspecto da filantropia paternalista, em querer ajudar somente com a intenção de caridade, ou por uma sensação de classe dominante, ajudando classe dominada, não se encaixa com o princípio da fraternidade. Nesse pensamento ressalta Baggio (2008, p22):
De fato, a solidariedade dá uma aplicação parcial ao conteúdo da fraternidade. Mas esta, creio eu, tem um significado específico que não pode ser reduzido a todos os outros significados, ainda que bons e positivos, pelos quais se procuras dar-lhe uma aplicação. Por exemplo, a solidariedade – tal como historicamente tem sido muitas vezes realizada – permite que se faça o bem aos outros embora mantendo uma posição de força, uma relação “vertical” que vai do forte ao fraco. A fraternidade, porém, pressupõe um relacionamento “horizontal”, a divisão dos bens e dos poderes, tanto que cada vez mais se está elaborando – na teoria e na prática – a ideia de uma “solidariedade horizontal”, em referência à ajuda recíproca entre sujeitos diferentes, seja pertencente ao âmbito social, seja do mesmo nível institucional.
Em outro sentido, quando a pessoa pratica a filantropia incentivada pela norma positiva, trata-se da fraternidade jurídica pura. E também se relaciona com a eficácia da sanção positiva. Ou seja, o Estado influenciou e encorajou esta pessoa a praticar uma ação filantrópica. E em troca disto ele a beneficia com algo. Consonante a isto, ao dizer de Ferrera (2014, p. 10):
Trata-se de um dado que introduz numa outra visão do direito: não mais pensando unicamente como vinculo ainda que necessário entre preceito e sanção, coerção e comando, mas também como possível instrumento da convivência até a comunhão entre os jovens, que atualmente se encontram em sua diversidade nas mais variadas latitudes, ou então custa-lhes reconhecer-se ou caem na hostilidade. Na época moderna e contemporânea, doutrina e prática do Direito focaram a irrenunciável tutela jurídica do indivíduo e de seus direito fundamentais, mas não tem sido assim com a comunhão humana e suas exigências.
Por exemplo, direcionando o Estado não apenas de controle social de liberdade, mas como promotor de ideologias, quando uma pessoa pratica uma ação filantrópica porque sabe que a norma garante e incentiva esta ação, sem visar benefício próprio, o Estado está provendo a fraternidade, alocando recursos que seriam arrecadados por ele, para a participação direta da sociedade em uma atividade material.
Importante ressaltar que, após a implementação desses princípios humanos nas constituições, ou seja, os chamados princípios fundamentais de direitos humanos, houve um movimento para a concretização jurídica desses interesses para que se garanta a efetividade desses princípios no plano formal, criando um senso coletivo de aceitação básica, por parte de todos os campos políticos em disputa (direita, esquerda, centro, etc.). Entretanto, no campo material, mesmo positivados esses princípios, quando se choca com interesses econômicos e com crises econômicas, os princípios humanos, ainda são deixados de lado. E, uma das respostas para a efetivação desses princípios dentro da própria socialdemocracia, é a crença na implementação da fraternidade para solucionar esse problema.
2. Princípio constitucional da fraternidade no Brasil
No Brasil pode-se encontrar a incorporação da fraternidade no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, onde se lê que ao instituir um Estado Democrático a nação brasileira está “a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”.
A fraternidade é um princípio fundamental, pois é do respeito para com o próximo que se garante a harmonia da sociedade. Nessa linha segue Machado (2010, p. 100): “A Constituição busca assim, com a dimensão fraternal, uma integração comunitária, uma vida em comunhão. Se as pessoas viverem em comunidade estarão, de fato, numa comum unidade. Em uma palavra: fraternidade”.
O princípio constitucional da fraternidade no Brasil contribui para reafirma os fundamentos do Estado Democrático e Social de Direito, onde se faz necessário à cooperação voluntária de todos, para que possam igualmente ter uma vida digna. Nesse sentido posiciona-se o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Brito (2003, p. 216):
Efetivamente, se consideramos a evolução histórica do Constitucionalismo, podemos facilmente ajuizar que ele foi liberal, inicialmente, e depois social. Chegando nos dias presentes à etapa fraternal esta fase em que as constituições incorporam às franquias liberais e sociais de cada povo soberano a dimensão da Fraternidade; isto é, a dimensão das ações estatais afirmativas, que são atividades assecuratórias da abertura de oportunidades para os segmentos sociais historicamente desfavorecidos, como, por exemplo, os negros, os deficientes físicos e as mulheres (para além, portanto, da mera proibição de preconceitos). De par com isso, o constitucionalismo fraternal alcança a dimensão da luta pela afirmação do valor do Desenvolvimento, do Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, da Democracia e até de certos aspectos do urbanismo como direitos fundamentais. Tudo na perspectiva de se fazer a interação de uma verdadeira comunidade; isto é, uma comunhão de pela consciência de que, estando todos em um mesmo barco, não têm como escapar da mesma sorte ou destino histórico
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal tem por anos defendido a fraternidade dentro do ordenamento jurídico brasileiros, com a argumentação de que é o ponto de equilíbrio que se precisa para unir liberdade e igualdade, Britto (2007, p. 98) diz:
A Fraternidade é o ponto de unidade a que se chega pela conciliação possível entre os extremos da Liberdade, de um lado, e, de outro, da Igualdade. A comprovação de que, também nos domínios do Direito e da Política, a virtude está sempre no meio (medius in virtus). Com a plena compreensão, todavia, de que não se chega à unidade sem antes passar pelas dualidades. Este, o fascínio, o mistério, o milagre da vida.
A nação brasileira fez na Constituição Federal de 1988 uma opção clara pela incorporação dos direitos individuais e sociais mínimos assegurados pelas sociedades modernas. Dentro do direito contemporâneo a fraternidade busca contribuir com a promoção de valores, e que as pessoas busquem soluções para efetivar os direitos fundamentais. Em outras palavras é o que o italiano Filippo Pizzolato (2008, p.114) menciona sob a solidariedade vertical e solidariedade horizontal, sendo:
A solidariedade vertical se expressa nas formas tradicionais de intervenção e ação do Estado social, ou seja, alude à ação direta dos poderes públicos com a intenção de reduzir as desigualdades sociais e permitir o pleno desenvolvimento da pessoa humana. A solidariedade horizontal, por sua vez, diz respeito a um princípio que pode ser deduzido da Constituição, o de um necessário socorro mútuo entre cidadãos, limitando-se o Estado a oferecer-se como fiador externo.
Além da passagem explicita da palavra fraternidade dentro do preâmbulo constitucional, se encontra implicitamente em várias outras passagens, por exemplo, no artigo 1º com a adoção dos princípios fundamentais da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e também no artigo 2º onde estipulou como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; erradicação da pobreza e a da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; a promoção do bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Uma sociedade fraterna realizaria com eficácia sua função, pois quando se enxerga a comunidade com o olhar de irmão conquista-se a ajuda mútua entre os cidadãos. Nesse sentido Aquini (2008, p. 138/139) leciona:
A fraternidade compromete o homem a agir de forma que não haja cisão entre os seus direitos e os seus deveres, capacitando-o a promover soluções de efetivação de Direitos Fundamentais de forma que, não, necessariamente, dependam, todas, da ação da autoridade pública, seja ela local, nacional ou internacional.
É com esse espírito de fraternidade, de tratar o outro como um irmão, que se busca um estudo para combater as desigualdades sociais, analisando as dificuldades presentes nos recursos públicos, e também se há efetividade do Estado no cumprimento dos direitos fundamentais.
Considerações Finais
Como apresentado no artigo, o princípio constitucional da fraternidade, encontra-se em um espírito de preocupação com a humanidade, mas para concluir, se faz necessário apontar algumas críticas construtivas, pois no âmbito nacional, é não há nenhuma norma que traga expresso a fraternidade dentro do ordenamento jurídico, a não ser sua citação no preâmbulo da Constituição. Assim, alguns juristas que não reconhecem o preâmbulo constitucional como integrante do sistema jurídico reconhecem a fraternidade somente como um comportamento da sociedade, deste modo, não poderia ser atribuída como norma. Quanto a isso, pode-se relevar, pois o princípio da dignidade da pessoa humana sempre foi algo inerente ao ser humano, e mesmo quando não era positivado em nenhum ordenamento jurídico, a dignidade já perfazia como valor absoluto da sociedade ocidental.
Além disso, deve-se destacar uma crítica mais profunda em relação a esse movimento principiológico, pois, com a concretização do movimento socialdemocrata, seu viés político tentar amenizar as desigualdades sociais dentro do capitalismo, por si só, já são obstáculos gigantes há serem superados no plano formal, já que existe uma resistência conservadora gigante no Brasil, devido a herança cultural escravocrata. Já na materialização no princípio da fraternidade, outro conflito com o que realmente determina a aplicação de políticas públicas ou não, é o poder econômico, e esse, não se mostra nada fraterno quando o assunto é distribuição de renda, ou diminuição de concentração de renda dos chamados super-ricos, que ano após ano, concreta cada vez mais riqueza em mãos de pouquíssimas pessoas, enquanto uma parcela miserável da sociedade fica desassistida.
Enfim, a fraternidade é um espirito de luta, nobre, mas na prática serve mais como motivador subjetivo social, do que realmente algo palpável, concreto, que mude o sistema de exploração em sua forma estrutural.
Referências
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Bolsista CNPq. Doutorando em Filosofia do Direito - PUC/SP. Graduado e Mestre em Teoria do Direito e do Estado - Centro Universitário Eurípides de Marília - UNIVEM. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Matheus de. Constituição cidadã e o princípio da fraternidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53180/constituio-cidad-e-o-princpio-da-fraternidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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