BRUNO PIMENTEL
(Orientador)
RESUMO: Todo ser humano é inserido em uma conjuntura familiar. Quando o assunto é família, a ideia que nos passa é de amor, carinho e afeto. Porém, do vínculo familiar também advém desentendimentos dos mais diversos motivos dos pais com os filhos, como o abandono afetivo, a não assistência material, todos esses motivos decorrem da inobservância de deveres basilares ao poder familiar, tão destacado no Código Civil, na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Recentemente, o poder judiciário vem atendendo a várias demandas onde os filhos pleiteiam a responsabilidade civil dos genitores por abandono afetivo. Este estudo tem como objetivo analisar a possibilidade ou não de responsabilização civil dos pais, através de indenização por danos morais com o intuito de reparar o abandono afetivo aos filhos menores de idade.
Palavras-chave: Abandono Afetivo; Poder Familiar; Responsabilidade Civil.
ABSTRACT: Every human being is inserted in a familiar situation. When the subject is family, the idea that passes us is of love, affection and affection. However, family ties also lead to misunderstandings of the parents' many different motives with their children, such as abandonment of affection, non-material assistance, all of these reasons derive from non-observance of basic duties to family power, so highlighted in the Civil Code, and the Child and Adolescent Statute. Recently, the judiciary has been attending to several demands where the children plead the civil responsibility of the parents for affective abandonment. This study aims to analyze the possibility or not of civil liability of the parents, through compensation for moral damages with the purpose of repairing affective abandonment to underage children.
Key words: Affective Abandonment; Family Power; Civil responsability.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1- A FAMÍLIA E O DIREITO. 1.1- Conceito de Direito de Família. 1.2- Filiação no Código Civil de 2002. 1.3- Princípios Constitucionais no Direito de Família. 2- RESPONSABILIDADE CIVIL. 2.1- Conceito de Responsabilidade Civil. 2.2- Pressupostos da Responsabilidade Civil. 2.2.1- A conduta humana. 2.2.2- O dano. 2.2.3- Nexo de Causalidade. 2.3- Do Dano Moral. 3- O PODER FAMILIAR E O AFETO NAS RELAÇÕES FAMILIARES. 3.1- Conceito de poder familiar. 3.2- Exercício do poder familiar. 3.3- Suspensão do poder familiar. 3.4- Destituição ou perda do poder familiar. 3.5- Extinção do poder familiar. 4- RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS POR ABANDONO AFETIVO AOS FILHOS MENORES. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A possibilidade de reparação por abandono afetivo é um assunto ainda controvertido no universo jurídico, com consequências objetivas e subjetivas por transgressão da obrigação de convivência familiar.
No Brasil, o poder Judiciário vem se deparando com um assunto polêmico acerca da responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo aos filhos menores de idade, concepções diferentes vêm criando uma Jurisprudência em conflito, por vezes concedendo o direito à indenização pelo fato do abandono afetivo, mas em outros casos semelhantes, negando-lhe.
Aos que são a favor da condenação dos pais com indenização em danos morais por abandono afetivo asseguram que a carência de afeto e zelo dos pais é capaz de causar danos emocionais na criança e no adolescente sujeitos a compensação. Já aos que são discordantes à compensação por abandono afetivo, defendem a ideia de que o afeto não é passível de coerção, ou seja, que ninguém é forçado a amar o outro.
O reconhecimento de filiação que estão presentes na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil, dá causa a uma relação jurídica, mas não acontece em todos os casos que se crie uma relação de afeto.
Desse modo, o perfilhamento poderá ocorrer de maneira facultativa ou por meio judicial, resultando efeitos de caráter patrimonial, bem como de caráter pessoal. Ocorre que, não há na legislação vigente, nada que expresse a obrigatoriedade do apoio afetivo, causando dúvidas quanto ao dever moral dos pais em proporcionar afeto aos filhos.
Inicialmente, nesta pesquisa, será abordado acerca da família e do direito de família, bem como, acerca da filiação e os princípios constitucionais que são importantes para a elucidação deste trabalho.
Dando continuidade, buscou-se explanar acerca da Responsabilidade Civil, seu conceito, os pressupostos, bem como aborda o tema do dano moral. Após, explana-se sobre o poder familiar, o exercício do poder familiar e a perda desse poder. E explana, de forma simples, acerca da afetividade nas relações familiares.
Por fim, a pesquisa se encerra com uma explanação acerca da responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo aos filhos menores de idade, buscando averiguar se o abandono afetivo é capaz de ocasionar a obrigação de indenizar a pessoa abandonada afetivamente.
1 – A FAMÍLIA E O DIREITO
1.1- Conceito de Direito de Família
A família é a essência da coletividade, local onde o ser humano é inserido de forma mais íntima. O indivíduo está implantado nela por laços sanguíneos ou por laços afetivos, e são através da família que se contrai a sua individualidade e caráter. Mais do que isso, a família, historicamente falando, é anterior ao direito e ao próprio Estado, e é primordial para a formação da personalidade do ser humano.
Assim leciona Maria Helena Diniz:
Deve-se, portanto, vislumbrar na família uma possibilidade de convivência, marcada pelo afeto e pelo amor, fundada não apenas no casamento, mas também no companheirismo, na adoção e na monoparentalidade. É ela o núcleo ideal do pleno desenvolvimento da pessoa. É o instrumento para a realização integral do ser humano. (Diniz, 2014, p. 27).
O elemento impulsionador das maiores alegrias, e em contrapartida, das nossas maiores tristezas e frustrações é a família. A maioria dos distúrbios do ser humano tem origem no passado, na formação familiar do indivíduo. Nas palavras do psicanalista Lacan, tem-se:
Entre todos os grupos humanos, a família desempenha um papel primordial na transmissão da cultura. Se as tradições espirituais, a manutenção dos ritos e dos costumes, a conservação das técnicas e do patrimônio são com elas disputados por outros grupos sociais, a família prevalece na primeira educação, na repressão dos instintos, na aquisição da língua acertadamente chamada de materna. (Lacan,1985, p.13).
Conforme se vê, a instituição da família, compreendido de maneiras distintas pelos Doutrinadores, é preservada pelo Direito, pois é um organismo que antecede ele e até o próprio Estado.
Na antiguidade o poder maior na família era exercido pelo pai, esse poderia até mesmo penalizar a morte, um ente da família que praticasse alguma postura que fosse considerada errada por ele. Nas palavras de Gonçalves (2012, p. 31): “O pater exercia a sua autoridade sobre todos os descendentes não emancipados, sobre a sua esposa e as mulheres casadas com manus com os seus descendentes”.
Com o passar dos anos, essa concepção de família foi desenvolvendo. No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988 e a importância dada por ela ao princípio da dignidade da pessoa humana, o direito de família tomou novas diretrizes.
Após a Carta Magna de 1988, a família passou a ser observada por outra ótica e começou a ser vista como um local para realização pessoal. A concepção de família vem cada vez mais evoluindo. Sílvio Venosa, leciona:
A célula básica da família, formada por pais e filhos, não se alterou muito com a sociedade urbana. A família atual, contudo, difere das formas antigas no que concerne a suas finalidades, composição e papel de pais e mães. Atualmente, a escola e outras instituições de educação, esportes e recreação preenchem atividades dos filhos que originalmente eram de responsabilidade dos pais. Os ofícios não mais são transmitidos de pai para filho dentro dos lares e das corporações de ofício. (Venosa, 2014, p. 05-06).
Com as diversas modificações que sofreu a família, foi se adaptando com a realidade da coletividade. E com o passar do tempo, a família e suas relações passaram a ser reguladas pelo Direito. A partir de então, surgiu o Direito de Família, com o objetivo de colaborar com a manutenção da família para que o ser humano possa ser um cidadão digno.
Assim entende Sílvio Venosa:
O direito de família, ramo do direito civil com características peculiares, é integrado pelo conjunto de normas que regulam as relações jurídicas familiares, orientado por elevados interesses morais e bem estar-social. (Venosa, 2014, p. 11).
O direito de família defende além dos interesses do cidadão, mas também o da coletividade. Para Maria Berenice Dias, o direito de família é personalíssimo, intransmissíveis, irrenunciáveis e indisponíveis.
1.2- Filiação no Código Civil de 2002
O Código Civil Brasileiro foi sancionado no ano de 2002, o referido código já nasceu desatualizado, tendo em vista o grande lapso de tempo entre o envio do projeto, ocorrido em 1975 e a sua sanção, em 2002. Nas palavras de Gonçalves (2012, p. 40): “A demora na tramitação fez com que fosse atropelado por leis especiais modernas e pela própria Constituição, como já foi dito, especialmente no âmbito do direito de família, já estando a merecer, por isso, uma reestruturação”.
Por esse motivo, o Código Civil de 2002 não trouxe em seu diploma legal várias discussões que hoje são comuns no âmbito do Direito de Família. A título do exemplo, não é disciplinado pelo atual Código Civil, acerca dos exames de DNA, as diversas técnicas de reprodução humana assistida, dentre outras questões.
Ao tempo em que o Código Civil prosseguia no Senado Federal, no ano de 1988 a Constituição Federal foi publicada, uma série de dispositivos que seriam novidade com advento do Código Civil foi abrangido pela Carta Maior, principalmente no âmbito do Direito de Família.
O Código Civil, em seu art. 1.596 preceitua que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
No art. 1.630, da codificação civil: “os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”. Desse modo, o pátrio poder passou a ser considerado como o poder, mas também o dever dos pais de garantir aos filhos menores proteção e amparo.
A Constituição Federal trouxe, no âmbito do Direito de Família vários princípios que devem ser observados e será analisado no tópico a seguir.
1.3- Princípios Constitucionais no Direito de Família
Os princípios são os pilares do ordenamento jurídico. Apesar de haver uma ideia de que os princípios são apenas valores éticos, eles têm, de fato, acompanhados das leis, força normativa. Os princípios são aplicáveis de forma imediata.
No Direito de Família os princípios que o embasam foram trazidos pela Carta Maior de 1988, libertando a família do pater poder, pois antes da Constituição Federal de 1988 o pai era o único que detinha o poder na relação conjugal.
Sílvio Venosa assim leciona:
Não mais se refere o Código ao pátrio poder, denominação derivada do caudilhesco pater familias do Direito Romano, mas ao poder familiar, aquele que é exercido como um poder-dever em igualdade de condições por ambos os progenitores. (Venosa, 2014, p. 12).
A Carta Magna considerou, dentre vários, a dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. É um princípio essencial à própria condição humana, e está disposto no artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988, conforme se observa:
A República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana.
Para Moraes, tem-se que:
A dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerentes às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao direito à felicidade. (Moraes, 2014, p. 18).
O Legislador teve a preocupação de trazer o princípio da dignidade da pessoa humana em um lugar notório na Constituição Federal, para demonstrar o quão importante é este princípio, e deve ser sempre respeitado.
Maria Berenice Dias, acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, assim leciona:
O princípio da dignidade da pessoa humana é o mais universal de todos os princípios. É um macro princípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos. (Dias, 2014, p. 44-45).
O princípio da dignidade da pessoa humana vem em conjunto com vários direitos fundamentais que são importantíssimos para que o ser humano viva de forma digna.
A Constituição Federal, em seu art. 226, parágrafo 5º, estabelece o princípio da igualdade entre os cônjuges: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. O Código Civil anterior, como afirmado no tópico anterior, estabelecia que apenas o homem teria o poder familiar. Com o advento da CF/1988, ficou estabelecida a igualdade entre os cônjuges.
Outro princípio importante é o princípio da igualdade entre os filhos, o Princípio da Igualdade está consagrado na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, caput e inciso I, no rol dos direitos fundamentais, conforme adiante se vê:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residente no País e inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (...).
Fica demonstrado que a igualdade é princípio básico da Constituição Federal Brasileira, a lei maior. Este princípio tem como fundamentação “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”.
O art. 1.596, do Código Civil Brasileiro, preceitua que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Com base nesse princípio constitucional, percebe-se que é vedado qualquer tipo de discriminação ou tratamento diferenciado entre os filhos, sendo eles iguais, de forma absoluta.
A Constituição Federal também trás o princípio da paternidade responsável e o planejamento familiar, sendo responsabilidade dos pais a livre paternidade, sendo proibido terceiros intervir nos caminhos escolhidos pelo casal. Este princípio está expresso no art. 226, parágrafo 7º da CF/1988.
Estes princípios estabelecidos na Carta Maior de 1988, visam proteger a família, sendo indispensáveis para a garantia e efetivação dos direitos para toda a sociedade.
2- RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 Conceito de Responsabilidade Civil
O conceito de Responsabilidade Civil não é pacífico pelos Doutrinadores. Mas sem levar em consideração as divergências da Doutrina, entende-se por Responsabilidade Civil obrigação de compensação em dinheiro, quando uma conduta humana viola o dever jurídico e causa prejuízo a outrem.
Nas palavras de Gagliano e Filho, Responsabilidade Civil é:
A noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar). Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito Privado, e seguindo essa mesma linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas. (Gagliano e Filho, 2012, p. 53).
Desse modo, qualquer ação humana que transgrida o dever jurídico, e ocasione dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, tem a obrigação de reparação.
Ainda, o ordenamento jurídico, na codificação civil de 2002, em seu artigo 927, preceitua o seguinte:
Art. 927, CC/2002 – Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Assim, é possível afirmar que qualquer ação humana que cause dano à outra pessoa é capaz de gerar responsabilidade civil, passível de compensação.
2.2- Pressupostos da Responsabilidade Civil
Para que configure a Responsabilidade Civil é indispensável que se verifique a presença de alguns requisitos, que são eles: conduta (positiva ou negativa), o dano e o nexo de causalidade, pressupostos que serão analisados a seguir.
2.2.1- A conduta humana
A conduta humana, que também pode ser entendida como qualquer ação do ser humano, é uma atuação humana voluntária, que poderá ser uma conduta comissiva ou omissiva, lícita ou ilícita, mas que produz implicações jurídicas. Para que a conduta humana caracterize Responsabilidade Civil, é imprescindível que tenha sido voluntária.
Para Gagliano e filho (2012, p. 73):
O núcleo fundamental, portanto, da noção de conduta humana, é a voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz. (Gagliano e filho, 2012, p. 73).
Ainda nas palavras de Gagliano e Filho, tem-se que:
Em outras palavras a voluntariedade, que é pedra de toque da noção de conduta humana ou ação voluntária, primeiro elemento da responsabilidade civil, não traduz necessariamente a intenção de causar o dano, mas sim, e tão somente, a consciência daquilo que se está fazendo. E tal não ocorre apenas quando estamos diante de uma situação de responsabilidade subjetiva (calcada na noção de culpa), mas também de responsabilidade objetiva (calcada na ideia de risco), porque em ambas as hipóteses o agente causador do dano deve agir voluntariamente, ou seja, de acordo com sua livre capacidade de autodeterminação. (Idem, 2012, p. 54).
Para que o individuo seja responsabilizado civilmente e seja obrigado a reparar o dano causado a outrem, através de indenização, é preciso que o sujeito tenha agido com culpa ou dolo. Nas palavras de Beviláqua apud Gonçalves (2012, p. 56): “Culpa, em sentido lato, é toda violação de um dever jurídico”.
A culpa, para sua caracterização, é necessário que o resultado seja previsível, se não for assim, não há que se falar em culpa. A obrigação de reparar o dano oriundo de uma ação ilícita é consequência da culpa. Na mesma linha de racicíonio, Gonçalves:
Desse modo, o dever de reparação proveniente de ato ilícito decorre da culpa, entendida em seu sentido amplo, como a violação de um dever jurídico imputável ao autor em decorrência de conduta intencional (dolo) ou em razão de imperícia, imprudência ou negligência (culpa em sentido estrito). Além do mais, seja a conduta proveniente de dolo ou culpa stricto sensu, para que surja o dever de ressarcimento,o fato gerador do dano deverá ser imputável ao seu autor, que agiu de modo livre e consciente. (Gonçalves, 2014, p. 32).
Definir culpa na Responsabilidade Civil, não importa se existiu a intenção ou não (dolo e culpa), mas tão somente se de fato existiu a ação humana, na modalidade culposa e que desta conduta tenha ocasionado um dano.
2.2.2 – O dano
É imprescindível a presença do dano para que seja configurada a responsabilidade civil.
Para Gagliano e Filho:
Poderíamos então afirmar que, seja qual for a espécie de responsabilidade sob exame (contratual ou extracontratual, objetiva ou subjetiva), o dano é requisito indispensável para a sua configuração, qual seja, sua pedra de toque. (Gagliano e Filho, 2012, p. 81).
Entende-se por dano, toda perda suportada pelo ofendido em seus bens, sejam eles de ordem moral ou material. Quando se fala de dano material, entende-se todo dano que causa prejuízo apenas de ordem patrimonial, já o dano moral é mais complexo de se identificar, pois não atinge o patrimônio do indivíduo, mas sim o ser humano em si.
Observando a importância do conceito de dano, Agostinho Alvim apud Gonçalves:
Dano, em sentido amplo, vem a ser lesão de qualquer bem jurídico, e ai se inclui o dano moral. Mas, em sentido estrito, dano é, para nós, a lesão do patrimônio; e patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, aplicáveis em dinheiro. Aprecia-se o dano, tendo em vista a diminuição sofrida no patrimônio. Logo, a matéria do dano prende-se a da indenização, de modo que só interessa o estudo do dano indenizável. (Gonçalves, 2012, p. 334).
O vocábulo “dano” está sempre ligado à perda, e se não há perda, não há que se falar em indenização, pois esta tem a condição de reestabelecer o ofendido o status quo ante. Quando se fala em dano imaterial, não existe a possibilidade do ofendido retornar ao seu status quo ante, motivo pelo qual o dano é recompensado através de indenização.
2.2.3 – Nexo de Causalidade
O nexo causal é um pressuposto primordial da responsabilidade civil, pois para que se tenha direito a indenização, é imprescindível que o individuo tenha vínculo com a ação e com o prejuízo sofrido pelo ofendido.
Lopes, assim leciona:
Uma das condições essência à responsabilidade civil é a presença de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. É uma noção aparentemente fácil e limpa de dificuldade. Mas se trata de mera aparência, porquanto a noção de causa é uma noção que se reveste de um aspecto profundamente filosófico, além das dificuldades de ordem prática, quando os elementos causais, os fatores de produção de um prejuízo, se multiplicam no tempo e no espaço. (Lopes, 2001, p. 218).
Para explicar o nexo de causalidade, o ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria da causalidade direta ou imediata, que, nas palavras de Gagliano e Filho (2012, p. 138): “Causa, para esta teoria, seria apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como uma consequência sua, direta e imediata”.
Para que exista a Responsabilidade Civil e o dever de indenizar, é indispensável à existência de uma conduta humana (comissiva ou de omissão), e que cause prejuízo (dano) a outrem. Mas não é possível exigir a obrigação de indenizar, se não estiver presente o nexo de causalidade entre a ação do agente e o prejuízo ocasionado.
2.3- Do Dano Moral
O Código Civil de 2002, em seu artigo 186, reconhece a reparação dos danos morais, conforme se vê: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Conforme já foi exposto neste trabalho, o dano moral é causado quando ocorre a violação de qualquer bem resguardado juridicamente.
Como observa Gagliano e Filho:
O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente. (Gagliano e Filho, 2012, p. 101).
O artigo 5º da Constituição Federal, inciso X, preceitua: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Resta claro que para caber indenização por danos morais, é fundamental a existência de um prejuízo. Diferente dos danos materiais, o dano moral não é de fácil constatação, pois atinge a alma da pessoa, ou seja, valores internos do indivíduo.
Existindo a comprovação do prejuízo, surge o direito de reparação.
Nas palavras de Reis (2002, p. 141), explana que não há padrões para que se fixe o quanto deverá ser pago a título de danos morais, e desse modo, as condenações são fixadas a critério do Juiz.
Para Teixeira, tem-se que:
Dano moral é passível de indenização, e é considerado entre um dos mais graves, pois atinge o ser humano, violando o seus direitos fundamentais da sua dignidade e direitos da personalidade. Em que se pese o que não está sendo indenizado é a dor, sofrimento ou angustia da vítima na forma da sua impossibilidade, pois os valores personalíssimos das pessoas são incomensuráveis. Contudo a indenização irá pagar aquilo que não tem preço. (Teixeira, 2014, p. 34).
Como ensina o eminente e saudoso civilista Pereira, quando se cuida de dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças:
Caráter punitivo', para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o 'caráter compensatório' para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido. (Pereira, 1990, p. 62).
Pode se verificar que a indenização por danos morais visa a compensação dos danos ocasionados a um determinado indivíduo, para tentar impedir que a conduta lesiva se repita.
No vínculo entre pais e filhos, quando o pai não dá a atenção necessária, ou até mesmo quando não lhe trata com afeto, não se deve reconhecer o direito à indenização por danos morais ao filho, pois não se deve indenizar a dor, o sofrimento, pois isso são consequências das relações afetivas.
No entendimento de Neves, tem-se, que:
Não parece razoável que a indenização seja fixada com a finalidade de punir o pai ausente, porque não se pode dizer que o distanciamento afetivo tenha sido intencional, consciente. A função indenizatória também não se mostra viável nesses casos, porque não pode acreditar que o recebimento de uma certa quantia em dinheiro seja capaz de apagar as cicatrizes que tenham sido causadas pela falta de afeto. Ao contrário, qualquer tipo de litígio entre pai e filho a esse respeito, seja qual for a solução encontrada, só serve para alargar o abismo afetivo entre eles. (Neves, 2012).
Outro ponto a ser analisado e discutido, é que além de não ser possível compensar uma dor com dinheiro, ainda mais uma dor de um filho por não ter recebido o afeto que ele acha que merece do pai, tem também o fator psicológico, pois condenar um pai a pagar indenização a um filho por abandono afetivo, pode aumentar os prejuízos causados, pois só trará ao filho a certeza de sua condição de vítima, existindo, nesses casos, a possibilidade do filho ter mais dificuldade para superar a sua falta de sorte, por não ter tido pais ideais para atender seus anseios afetivos.
Não há como se cobrar afeto, amor, e além do mais, não é razoável condenar em indenização por danos morais os pais por abandono afetivo, pois não há como conferir quantidade e qualidade do afeto dado a alguém como ideal, pois cada um tem sua própria maneira de sentir, de se expressar.
3- O PODER FAMILIAR E O AFETO NAS RELAÇÕES FAMILIARES
3.1- Conceito de Poder Familiar
Com o advento da Constituição Federal de 1988, houve diversas mudanças em relação ao poder familiar e a família, pois só com a instituição na Lei Maior de 1988 que garantiu a igualdade entre homens e mulheres nos seus direitos, mas também em deveres.
A Carta Maior da Republica Federativa do Brasil institui a criança e ao adolescente preferência integral, no sentido de ser protegida, amada, acolhida, e todos esses deveres são atribuídos à família, a sociedade e ao Estado.
O artigo 226 da Constituição Federal de 1988, trás o seguinte:
Art. 226, CF. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§3º Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união Estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
A partir deste artigo, percebe-se que o ordenamento jurídico brasileiro reconheceu a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. E que o Estado deve facilitar a conversão da união estável em casamento.
Mais adiante, a Constituição Federal no art. 227, preceitua o seguinte:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à Criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Ou seja, é dever da família, da sociedade e também do Estado garantir os direitos básicos da criança e do adolescente. Ainda de acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 229: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Diniz, dispõe acerca do conceito de poder familiar:
O poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho. Ambos têm, em igualdade de condições, poder decisório sobre a pessoa e bens de filho menor não emancipado. Se, porventura, houver divergência entre eles, qualquer deles poderá recorrer ao juiz a solução necessária resguardando o interesse da prole. (Diniz, 2014, p. 617 – 618).
Rodrigues o define como sendo: “O conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes”. (Rodrigues, 2001, p. 349).
Diniz, trás algumas características do poder familiar, que é importante mencionar:
O poder familiar:
Percebe-se que, com suporte na Constituição Federal, o poder familiar é desempenhado tanto pelo homem, como pela mulher. E os dois têm direitos e deveres em relação aos seus filhos de maneira igualitária.
3.2- Exercício do poder familiar
É importante destacar que acerca do exercício do poder familiar, como visto no item anterior, é antes de tudo, um comprometimento dos pais para com o Estado e a Sociedade.
Acerca do exercício do poder familiar, Venosa, assim leciona: “Ambos os pais devem exercer o pátrio poder, em ambiente de compreensão e entendimento”. (Venosa, 2014, p. 321).
O Código Civil de 2002, no artigo 1.634, dispõe acerca do exercício do poder familiar:
Art. 1.634 – Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I – dirigir-lhes a criação e a educação;
II – Exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
III – Conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Como elucida o artigo citado, é responsabilidade dos pais a criação e a educação dos filhos menores, para que lhes seja garantido à sobrevivência. A não observância à direção da criação e educação dos filhos pode configurar crime de abandono intelectual, tipificado no Código Penal Brasileiro.
Nesse sentido, Venosa entende:
Cabe aos pais, primordialmente, dirigir a criação e educação dos filhos, para proporcionar-lhes a sobrevivência. Compete aos pais tornar seus filhos úteis à sociedade. A atitude dos pais é fundamental para a formação da criança. Faltando com esse dever, o progenitor faltoso submete-se a reprimendas de ordem civil e criminal, respondendo pelos crimes de abandono material, moral e intelectual (arts. 224 a 246 do Código Penal).
Além da responsabilidade dos pais pela criação e educação do menor, ainda, com base no exercício do poder familiar, a guarda deverá ser compartilhada entre ambos os genitores do menor. E cabe aos pais, que são os detentores do poder familiar, o consentimento para que o menor se case, para viajar para o exterior, para que mudem de domicílio, enfim, todos os direitos e deveres elencados no artigo 1.634 da Código Civil.
Sob determinadas condições, a não observância a deveres impostos aos pais, os detentores do pátrio poder, pode gerar responsabilização civil, que poderá desencadear em indenização.
Em caso dos pais não utilizarem o pátrio poder de forma correta, este poderá ser suspenso ou destituídos. Acerca da suspensão, perda, extinção e destituição do poder familiar, serão abordados nos itens seguintes.
3.3- Suspensão do poder familiar
Acerca da suspensão do poder familiar, é considerada uma atitude mais branda, pois se os motivos que provocaram a suspensão do pátrio poder, cessar, e claro, desde que seja uma medida positiva para o menor, a suspensão pode ser revista e posteriormente invalidada.
Assim leciona Venosa:
A suspensão é medida menos grave do que a destituição ou perda porque, cessados os motivos, extinta a causa que a gerou, pode ser restabelecido o poder paternal. Por outro lado, a suspensão pode-se referir a apenas parte dos atributos do poder familiar. (Venosa, 2014, p. 337).
As causas que determinam a suspensão do poder familiar estão expressas no Código Civil de 2002, no artigo 1.637, conforme se vê adiante:
Art. 1.637 – Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja a pena exceda a dois anos de prisão.
Acerca deste artigo, Gonçalves, assim entende:
O dispositivo em apreço não autoriza somente a suspensão, mas, igualmente, outras medidas que decorram da natureza do poder familiar. Prevê ele a possibilidade de o Juiz aplicá-las ou suspender o aludido poder, em caso de abuso de autoridade, caracterizado: a) pelo descumprimento dos deveres inerentes aos pais; b) pelo fato de arruinarem os bens dos filhos; c) por colocarem em risco a segurança destes. (Gonçalves, 2012, p. 374).
O poder familiar deve ser exercido observado prioritariamente os interesses dos filhos menores de idade, por isso, o legislador lista hipóteses em que o exercício do poder familiar poderá ser suspenso.
Nesse sentido, Diniz, assim dispõe:
Sendo o poder familiar múnus público que deve ser exercido no interesse dos filhos menores não emancipados, o Estado controla-o, prescrevendo normas que arrolam casos que autorizam o magistrado a privar o genitor de seu exercício temporariamente, por prejudicar o filho com seu comportamento, hipótese em que se tem a suspensão do poder familiar, sendo nomeado curador especial ao menos no curso da ação. Na suspensão, o exercício do poder familiar é privado, por tempo determinado, de todos os seus atributos ou somente de parte deles, referindo-se a um dos filhos ou a alguns. (Diniz, 2014, p. 629).
Na hipótese de suspensão do pátrio poder, durante o curso da ação, já que o processo de suspensão do poder familiar deverá sempre ser assegurado o instituto do contraditório e da ampla defesa, então, durante a ação será nomeado um curador para dispor do poder familiar em relação ao menor, já que na suspensão, o pátrio poder é tirado do detentor por prazo determinado.
Acerca do contraditório, assim dispõe o artigo 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 24 – A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 23, estabelece que: “A falta de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do poder familiar”.
Ou seja, o simples fato dos pais não terem recursos materiais para manter os filhos, não gera, por si só, motivo para que seja determinada a perda ou a suspensão do pátrio poder.
3.4- Destituição ou perda do poder familiar
A destituição do pátrio poder se dá através de sentença judicial, e é uma medida mais grave do que a suspensão do poder familiar.
As hipóteses de destituição do poder familiar, estão expressas no artigo 1.638 do Código Civil, conforme adiante pode-se observar:
Art. 1.638, CC – Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
Diniz assim leciona acerca do conceito da destituição do poder familiar:
É uma sanção mais grave que a suspensão, imposta, por sentença judicial, ao pai ou mãe que pratica qualquer um dos atos que a justifiquem, sendo, em regra, permanente, embora o seu exercício possa restabelecer-se, se provada a regeneração do genitor ou se desaparecida a causa que a determinou; por ser medida imperativa abrange toda a prole e não somente um ou alguns filhos. (Diniz, 2014, p. 640).
A perda do pátrio poder é a medida mais grave imposta aos pais que faltam com as suas obrigações para com seus filhos menores. As causas para perda do poder familiar devem ser analisados cada caso concreto, onde o juiz irá decidir se é caso para perda ou suspensão do poder familiar.
Nas palavras de Venosa:
Os procedimentos de perda ou suspensão do poder familiar terão início por iniciativa do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, conforme o art. 24 e art. 155 do Estatuto da Criança e do Adolescente. (Venosa, 2014, p. 338).
Importante destacar que mesmo nos casos de perda ou destituição do poder familiar, é possível a restituição do poder familiar, buscando o melhor interesse do menor, através de sentença judicial.
3.5- Extinção do poder familiar
O pátrio poder é uma atribuição aos pais, que deve ser exercida no melhor interesse do menor. O Estado, por vezes, poderá interferir no exercício do poder familiar, e como visto nos itens anteriores, o poder familiar poderá ser suspenso ou destituído.
O Código Civil de 2002 é taxativo nas hipóteses em que ocorre a extinção do pátrio poder, conforme se vê adiante:
Art. 1.635, CC – Extingue-se o poder familiar:
I – pela morte dos pais ou do filho;
II – pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único;
III – pela maioridade;
IV – pela adoção;
V – por decisão judicial, na forma do art. 1.638.
Nas palavras de Venosa, acerca da extinção do poder familiar:
A morte de um dos pais não faz cessar o pátrio poder, agora poder familiar, que remanesce na pessoa do genitor sobrevivente. Originalmente, na redação do Código Civil de 1916, a mãe perdia o pátrio poder se contraísse novas núpcias, o que foi modificado pela Lei nº 4.121/62. Nesse sentido, o art. 1.636 é expresso no sentido de que o pai, ou a mãe, que contrai novas núpcias ou estabelece união estável não perde os direitos do poder familiar com reação aos filhos havidos na relação anterior, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro. (Venosa, 2014, p. 334).
Em caso de morte de apenas um dos pais, a extinção não irá servir para o genitor vivo, pois este exercerá sozinho o poder familiar. E na hipótese de falecimento do filho, não há mais razão de manter o poder familiar.
Nos casos emancipação, que é quando apesar de ser menor de idade, equipara-se a pessoa maior de idade, e nesse caso, também não se submete mais ao poder familiar.
Na adoção, o poder familiar é transferido para o adotante. E nos casos de extinção do poder familiar por decisão judicial, são as hipóteses de perda ou destituição do pátrio poder, elencadas no art. 1.638 do CC, conforme visto no item anterior.
4- RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS POR ABANDONO AFETIVO AOS FILHOS MENORES
Com o tema deste trabalho, percebe-se a importância do seio familiar para que a criança e o adolescente se desenvolvam, em todos os aspectos. E é um assunto relevante, tendo em vista que não há no ordenamento jurídico, de forma expressa a possibilidade ou impossibilidade da responsabilização dos pais por abandono afetivo aos filhos menores de idade.
Apesar da falta de previsão explícita, há vários operadores do direito e doutrinadores que defendem a possibilidade do pai ser responsabilizado a reparar o filho, através de indenização por danos morais, por não ter recebido afeto.
A fundamentação utilizada para quem defende a possibilidade de responsabilizar os pais por abandono afetivo aos filhos menores, se embasam no princípio que foi apresentado durante a elaboração desta pesquisa, e de total importância para o ordenamento jurídico, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, além de outros princípios constitucionais, como o princípio da paternidade responsável, etc.
Além dos princípios citados, os que defendem a possibilidade de reparação do abandono afetivo por indenização, defende que a criança não tem culpa pela irresponsabilidade dos pais, fundamentando no princípio da paternidade responsável, e que o instituto da responsabilidade civil é claro ao afirmar que sempre que alguém causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, pois comete ato ilícito.
É certo que a argumentação é respeitável, porém, em se tratando de responsabilização civil, não são corretas tais considerações.
Conforme foi analisado no segundo capítulo desta pesquisa, para que reste configurada a Responsabilidade Civil é indispensável que estejam presentes a conduta, o dano e o nexo de causalidade.
O questionamento a ser feito é se no abandono afetivo estão presentes as exigências para configuração da responsabilidade civil. Se a obrigação de reparar o abandono afetivo através de indenização por danos morais atinge o objetivo da responsabilidade civil.
É inquestionável que o abandono afetivo gera diversos danos aos filhos. Esses prejuízos sofridos, as consequências variam de pessoa para pessoa.
O assunto debatido neste trabalho é complicado, assim como as relações humanas também são. Apesar de o senso comum entender que o amor de um pai para um filho deve ser incondicional, isso não é uma obrigação dos pais. Não há como cobrar amor ou afeto.
O direito não deveria regular as relações de afeto entre os seres humanos. Pois não há um jeito certo de amar ou sentir afeto por alguém. O amor e o afeto não devem ser passíveis de imposições.
A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e o do Adolescente, asseguram diversos direitos aos menores, como exaustivamente demonstrado no decorrer desta pesquisa, como o direito à educação, à convivência familiar, à dignidade da pessoa humana, dentre outros direitos essenciais. Desse modo, é correto impor aos pais o dever de ter os filhos em sua presença física, o que não se pode é obrigar que seja prestado uma assistência afetiva considerada ideal. Mas considerada ideal por quem?
As pessoas passam diariamente por diversas situações difíceis no dia a dia, e nem todas as pessoas tem a capacidade de dar afeto e amor. Então, os pais não devem ser responsabilizados por abandono afetivo, porque não há como mensurar se a falta de afeto ao filho, tenha sido de forma intencional, ou não. Ou mesmo se essa pessoa tem ou não capacidade de amar e ser amado.
Em relacionamentos entre marido e esposa, não é reconhecido o direito à reparação por danos morais em caso de algum deles sofrer após o término do relacionamento. Não se repara o sofrimento causado pelas relações afetivas, pois a dor, o sofrimento advindo das relações, são eventualidades que podem vir a ocorrer nas relações de afeto.
No vínculo entre pais e filhos, o entendimento deve ser o mesmo. O não recebimento de afeto dos pais, não deve gerar obrigação de reparar o abandono afetivo com uma indenização. Porém, se houver de fato abuso praticado pelo genitor, é plenamente justificável a obrigação de reparar, através do instituto da Responsabilidade Civil.
CONCLUSÃO
Os Princípios Constitucionais foram motivadores do atual perfil da família. Pois antes do advento da Constituição Federal a família era alicerçada no poder patriarcal, onde apenas o varão resolvia o que era necessário para a família. Com a promulgação da Carta Maior de 1988, todos os integrantes da família são iguais em direitos e obrigações.
Com esse progresso, a Criança e o Adolescente devem ser preservados de qualquer violência física ou psicológica, por parte da comunidade como um todo, ou até mesmo de seus próprios progenitores. Se assim não o fizer, estarão transgredindo o princípio da dignidade da pessoa humana, tão resguardado pela Constituição Federal.
Quando ocorre o abandono afetivo dos genitores para os filhos menores, surge a grande discussão de se existe a possibilidade da monetarização ao afeto. Vários Tribunais entendem que não se pode responsabilizar civilmente os pais por abandono afetivo aos filhos, por não ser possível indenizar o afeto.
Há Doutrinadores que defendem a ideia de que negar afeto ao filho, gera várias consequências psicológicas, e isso, por si só, representa uma ação contrária à Lei, e por esse motivo deve ser sancionado na seara da responsabilidade civil.
Já os Doutrinadores que se opõem a responsabilização civil aos pais por abandono afetivo aos filhos, o fazem sob o argumento de que não há como se estimar quantidade e qualidade ao afeto dedicado por uma pessoa a outra, que o afeto deve ser voluntário e não um dever jurídico.
Desse modo, o abandono afetivo dos pais por mais censurável que seja, o simples fato do filho ficar frustrado por não ter tido o afeto dos seus genitores, não devem acarretar responsabilização civil, com indenização por danos morais, pois o Estado não é capaz de obrigar alguém a amar e sentir afeto pelo filho.
A admissão do direito à indenização, além de ir de encontro com o instituto da responsabilidade civil, só acarretaria total insegurança jurídica. E não diz respeito ao Estado estabelecer a maneira correta que um pai deve prestar assistência afetiva ao seu filho.
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Pós Graduanda em Direito Imobiliário - Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTI, Flávia Caroline Batista de Sá. Responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo aos filhos menores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jul 2019, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53203/responsabilidade-civil-dos-pais-por-abandono-afetivo-aos-filhos-menores. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
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