RODOLFO PAMPLONA FILHO[1]
(Coautor)
Resumo: O presente artigo dedica-se à investigação acerca do conteúdo jurídico do princípio da função social da propriedade, bem como da sua eficácia no ordenamento pátrio.
Sumário: 1 Introdução. 2 Achegas para a compreensão da função social da propriedade. 3 A constitucionalização da função social da propriedade. 4 Dimensões eficaciais da função social da propriedade. 5 Função social da propriedade e função social do contrato. 6 Conclusões. Referências bibliográficas.
1 Introdução
Há cerca de trinta anos, a Constituição Cidadã, ao consagrar o princípio da função social da propriedade nos Títulos destinados aos Direitos e Garantias Fundamentais e à Ordem Econômica e Financeira, determinou uma revolucionária alteração de perspectiva, no Direito Constitucional e no Direito Civil, em relação à propriedade.
Compreendida não como uma limitação externa a um direito subjetivo, mas como aspecto integrante de uma situação jurídica complexa, a função social da propriedade impõe nova configuração a um instituto milenar.
No presente trabalho, enfrentaremos as desafiadoras questões da sua delimitação conceitual e das potencialidades das suas dimensões eficaciais.
Para tanto, cumpre-nos examinar, em um primeiro momento, a construção histórica da noção de função social da propriedade. É o que realizaremos a seguir.
2 Achegas para a compreensão da função social da propriedade
Historicamente, atribui-se a Leon Duguit a maior influência e inspiração da produção doutrinária e legislativa brasileira acerca da teoria da função social da propriedade[2]. Sua concepção de que os direitos somente se justificam pela missão social para a qual devem contribuir, devendo o proprietário se comportar e ser considerado, em relação a seus bens, como alguém que realiza uma função é fundamental para a compreensão do tema. Nessa linha, confira-se o seguinte texto, trazido à tona por Orlando Gomes:
A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se tornar a função social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária; a propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a propriedade não é, de modo algum, um direito intangível e sagrado, mas um direito em contínua mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais deve responder[3].
Assim, temos que a funcionalização da propriedade traz conformação ao seu exercício, uma vez que a expressão função sobrepõe-se à tradicional ideia de estrutura com que se vislumbravam tradicionalmente os institutos jurídicos.
Norberto Bobbio, insuperável jusfilósofo, em obra lapidar, há muito destacou a prevalência das abordagens estruturalistas na construção da visão moderna do Direito, sublinhando que “aqueles que se dedicaram à teoria geral do direito s preocuparam muito mais em saber ‘como o direito é feito’ do que ‘para que o direito serve’. A consequência disso foi que a análise estrutural foi levada muito mais a fundo do que a análise funcional”[4].
O perfil funcional dos institutos jurídicos, consoante nos esclarece Pietro Perlingieri, expressa sua razão de ser, concorre para a definição da sua estrutura e, em tal processo, concebe, relativamente à respectiva situação jurídica, um plexo de poderes, deveres e ônus ao seu titular[5]. Daí a proposta do ilustrado jurista napolitano de compreensão da noção de função como “síntese causal do fato, a sua profunda e complexa razão justificadora”, referindo-se “não somente à vontade dos sujeitos que o realizam, mas ao fato em si, enquanto social e juridicamente relevante”[6].
Nessa toada, a função social da propriedade não pode ser visualizada como um fator externo que vem a constranger o proprietário, impondo-lhe artificialmente limites aos quais, originariamente, não estaria adstrito.
Em verdade, a função social integra a conformação interna do instituto da propriedade, sendo dela indissociável. Não se trata, pois, de figura “autônoma, mas sim parte essencial da garantia e do reconhecimento da propriedade privada, a razão da própria tutela da apropriação privada”[7]. Não há, pois, espaço para cogitar-se do proprietário como sujeito dotado de poderes ilimitados, condicionados apenas por seu próprio arbítrio[8].
Logo, consoante pondera Gustavo Tepedino, a propriedade
não seria mais aquela atribuição de poder tendencialmente plena, cujos confins são definidos externamente, ou, de qualquer modo, em caráter predominantemente negativo, de tal modo que, até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para suas atividades e para a emanação de sua senhoria sobre o bem. A determinação do conteúdo da propriedade, ao contrário, dependerá de centros de interesses extraproprietários, os quais vão ser regulados no âmbito da relação jurídica de propriedade[9].
A partir de tais constatações, duas relevantes conclusões devem ser objeto de detida atenção.
A primeira delas diz respeito à crítica (doutrinária e política) à positivação da função social da propriedade como um flerte do legislador com ideologias de matiz comunista.
A precipitada objeção revela-se irremediavelmente equivocada. Não se propugna, por incidência do princípio da função social, a abolição da apropriação particular. Bem ao revés: a função social pressupõe a propriedade privada dos bens[10].
A segunda importante conclusão diz respeito à percepção de que a função social incide sobre as variadas espécies de propriedade[11], observando-se, naturalmente, suas peculiaridades, características e utilidades.
Na lição de Perlingieri, a função social é uma
constante de qualquer estatuto proprietário, cada um dos quais tem uma função peculiar de acordo com o tipo de pertinência (appartenenza), a entidade e a extensão do bem, a unidade ou a pluralidade dos sujeitos titulares ou a sua qualificação, isto é, de acordo com as circunstâncias históricas que caracterizam a concreta composição de interesses; de modo que a função social não é rígida, mas flexível, capaz de se adequar às mudanças legislativas e de fato[12].
É dizer: assim como é possível vislumbrar a existência de distintas propriedades, dotadas de regimes jurídicos (ou estatutos) específicos, é imperioso reconhecer a existência de distintas conformações da função social, adequadas às especificidades de cada propriedade[13]. Daí, por exemplo, a diversidade de tratamento conferido pela Carta de 1988 à função social em relação à propriedade urbana (art. 182) e à propriedade rural (art. 186).
Precisamente por isso, está condenada ao fracasso qualquer tentativa de enumeração exaustiva e apriorística, aplicável genericamente a qualquer modalidade de bem jurídico, do conjunto de deveres, faculdades e ônus decorrentes da função social da propriedade.
A partir de tais considerações, é possível, antes de avançarmos ao exame do fenômeno da constitucionalização do instituto em estudo, estabelecer as seguintes conclusões provisórias:
a) A inclusão da função social da propriedade no art. 5º da Constituição Federal, nomeadamente no Título reservado aos Direitos e Garantias Fundamentais, evidencia que ela não desnatura a condição de direito individual do direito de propriedade;
b) A função social da propriedade integra a configuração interna do direito de propriedade, não podendo ser compreendida como simples fator de limitação externa;
c) A função social da propriedade condiciona a legitimidade do exercício do direito de propriedade à maximização do bem-estar social, à luz dos interesses da coletividade consagrados no ordenamento jurídico.
3 A constitucionalização da função social da propriedade
A Constituição Federal de 1988 consagrou, de maneira expressa, a função social da propriedade nos arts. 5º, inciso XXIII, 170, inciso III (como princípio da ordem econômica), 182 (propriedade urbana), 184 (desapropriação de imóvel rural) e 186 (propriedade rural).
Se, no passado, havia quem se assustasse com tal menção, atribuindo-lhe uma perspectiva de sucumbência ao “medo do perigo vermelho”, o fato é que a compreensão da propriedade não pode prescindir da concepção social.
E não é de agora. Com efeito, a vinculação do exercício da propriedade privada ao interesse social pode ser identificada na tradição do constitucionalismo pátrio.
A Constituição de 1934 previa a impossibilidade de emprego da propriedade em desfavor do interesse social, in verbis:
Art. 113, 17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.
A Constituição Polaca, outorgada em 1937, assegurou, em seu art. 122, o direito de propriedade, sem, contudo, destacar expressamente o condicionamento da legitimidade da sua utilização à proteção do interesse social, limitando-se a prever que “seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício”.
Restaurada a ordem democrática no Brasil, a Carta de 1946 estabeleceu, no art. 147, que o “uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social”.
A Lei Maior de 1967 garantiu o direito de propriedade (art. 150) e, ao fixar o regime jurídico da Ordem Econômica, elencou, como um dos seus princípios, a função social da propriedade (art. 157, inciso III).
A (formalmente considerada) Emenda Constitucional n.º 01/1969 manteve a referida diretriz, consoante se depreende dos seus arts. 153 e 160, inciso III.
Sendo assim, a consagração, quase vinte anos depois, da função social da propriedade na Carta Cidadã não deveria surpreender a quem quer que seja. É bem verdade que o constituinte de 1988 optou por restringir a margem de conformação do legislador ordinário ao estabelecer diretrizes específicas no tocante à matéria (vide arts. 182, 184 e 186). No entanto, a ideia central já estava presente em todas as Constituições do século XX (ressalvada a de 1937), em consonância, registre-se, com uma tendência verificável em diversas nações ocidentais.
Aqui, outro aspecto merece atenção: a elevação da função social da propriedade ao status constitucional não consiste em uma idiossincrasia brasileira, estando, em verdade, inserida no contexto do constitucionalismo contemporâneo.
Deveras, a Constituição Mexicana de 1917 previa, no art. 27, que “la Nación tendrá en todo tiempo el derecho de imponer a la propiedad privada las modalidades que dicte el interés público (...)”.
Por sua vez, a Constituição de Weimar, de 1919, dispunha, em art. 153, que a “propriedade obriga. Seu uso deve servir também ao bem comum”[14]. A fórmula veio a ser repetida na Lei Fundamental alemã de 1949 (art. 14, 2).
A Constituição italiana de 1948, a seu turno, estabelece, no art. 42, que a “propriedade privada é reconhecida e garantida pela lei, que determina os modos de aquisição, de gozo e limites, a fim de assegurar a sua função social e torná-la acessível a todos”[15].
A Constituição espanhola de 1978, como um último exemplo, expressamente reconhece os direitos à propriedade e à herança, determinando que a “función social de estos derechos delimitará su contenido, de acuerdo con las leyes”.
A constitucionalização da função social trata-se, como dito, de fenômeno intimamente atrelado ao movimento do constitucionalismo contemporâneo.
Assentada tal premissa, cumpre-nos avançar para a compreensão das variadas dimensões de eficácia assumidas pela função social da propriedade.
4 Dimensões eficaciais da função social da propriedade
O princípio da função social integra, como visto, o conteúdo dos direitos de propriedade, gerando múltiplos efeitos jurídicos no ordenamento. A partir da análise da natureza dos efeitos produzidos em decorrência da sua incidência, é possível identificar as dimensões eficaciais da função social da propriedade a seguir expostas.
a) Dimensão restritiva do exercício de posições jurídicas: A função social da propriedade impõe, numa primeira perspectiva, um plexo de limitações à atuação do proprietário, proscrevendo condutas incompatíveis com a contribuição para o bem-comum. Na lição de Pietro Perlingieri, a “função social, construída como o conjunto dos limites, representaria uma noção somente de tipo negativa voltada a comprimir os poderes proprietários, os quais, sem os limites, ficariam íntegros e livres”[16].
Assim, por exemplo, não poderá o proprietário de imóvel urbano conferir-lhe destino incompatível ou adotar comportamento em desconformidade com as determinações contidas no plano diretor, em virtude do disposto no art. 182, §2º, da Constituição Federal, que estabelece que a “propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”.
Condutas conflitantes com o plano diretor não se inserem, portanto, no âmbito do lícito exercício do direito de propriedade urbana.
Em verdade, de maneira geral, quaisquer atos em descompasso com a função social da propriedade estão vedados no ordenamento pátrio, conclusão extraível dos arts. 5º, inciso XXIII, e 170, inciso III, da Carta Constitucional e que, posteriormente, veio a ser consagrada no art. 2.035, parágrafo único, do CC/02.
Novamente acompanhando a ponderação de Perlingieri, é necessário compreender que a “autonomia não é livre arbítrio: os atos e as atividades não somente não podem perseguir fins anti-sociais ou não-sociais, mas, para terem reconhecimento jurídico, devem ser avaliáveis como conformes à razão pela qual o direito de propriedade foi garantido e reconhecido. A autonomia não se opõe ao controle”[17].
Outra hipótese de limitação fundada na Constituição ao exercício de posições jurídicas decorrente da função social diz respeito ao tombamento (art. 216, §1º), voltado à preservação do patrimônio cultural brasileiro.
É interessante observar, aqui, que a incidência da função social não redundará apenas na restrição à atuação do proprietário privado da coisa, mas, de acordo com o caso, também aos demais entes particulares e públicos em seu entorno, uma vez que o Decreto-Lei n.º 25/37, responsável pela disciplina do tombamento, exige, em seu art. 18, autorização administrativa para, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade.
Verifica-se, portanto, que, sob a dimensão restritiva do exercício de posições jurídicas, a função social da propriedade não afeta apenas a esfera jurídica do seu titular, mas também de terceiros, adstritos à sua observância.
b) Dimensão promocional (ou impositiva do exercício de posições jurídicas): sob a ótica em tela, a função social da propriedade impõe, por intermédio do exercício desta, o alcance de determinadas finalidades reputadas socialmente úteis. A titularidade da propriedade não está apenas inexoravelmente acompanhada de um conjunto de restrições, mas, também, de um plexo de deveres, concebidos de acordo com o perfil de cada espécie de propriedade, com o propósito de colaboração para a obtenção do bem-estar da coletividade. É dizer: conforme adverte a Lei Fundamental alemã, a propriedade obriga.
Nessa ordem de ideias, assenta Pietro Perlingieri que o “conteúdo da função social assume um papel de tipo promocional, no sentido de que a disciplina das formas de propriedade e as suas interpretações deveriam ser atuadas para garantir e para promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento. E isso não se realiza somente finalizando a disciplina dos limites à função social”[18].
A dimensão promocional da função social da propriedade recebeu acentuado destaque na Carta de 1988.
Com efeito, seu art. 182 institui como pressupostos ao cumprimento da função social da propriedade rural o aproveitamento racional e adequado do solo, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho, bem como a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Resta evidenciado, portanto, em coerência com os objetivos fundamentais da República (art. 3º da Lei Maior), que a preocupação do constituinte não estava limitada à obtenção de proveito econômico pelo uso da propriedade rural (conquanto tal elemento seja igualmente valioso à Ordem Econômica estabelecida pela Constituição Cidadã), mas também direcionada à concretização da proteção ao meio ambiente, à utilização sustentável dos recursos naturais e à melhoria das condições sociais da comunidade de trabalhadores e proprietários envolvidos com a exploração do imóvel rural.
No meio urbano, a realização da função social da propriedade está condicionada ao atendimento das imposições de ordenação da cidade expressas no plano diretor, sendo possível ao Poder Público municipal exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento (art. 182, §§2º e 4º).
Sem desprestígio à dimensão restritiva do exercício de posições jurídicas, não há dúvidas de que é na dimensão promocional que a função social da propriedade revela com maior intensidade seu potencial transformador da realidade, impondo a compreensão de que propriedade não se destina exclusivamente à satisfação individual, como também à concretização do ideal de solidariedade social preconizado como objetivo fundamental da República (art. 3º) e finalidade da Ordem Econômica.
c) Dimensão sancionatória negativa: Umbilicalmente ligada à dimensão promocional, apresenta a função social da propriedade uma dimensão sancionatória negativa[19], consistente na imposição de consequências gravosas ao titular da propriedade que não realiza os ditames do princípio da função social. Trata-se, inquestionavelmente, de relevante instrumento voltado a assegurar que a função social da propriedade não seja reduzida a uma mera declaração de boas intenções.
Nessa linha de intelecção, o art. 182, §4º, da CF/88 prevê a possibilidade, em meio urbano, de utilização, sucessivamente, das seguintes medidas em relação à propriedade de solo não edificado, subutilizado ou não utilizado: parcelamento ou edificação compulsórios; imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais
No plano infraconstitucional, o Estatuto das Cidades (Lei n.º 10.257/01) prevê, no art. 4º, tais sanções negativas como instrumentos da política urbana, detalhando, a partir do art. 5º, os procedimentos para seu manejo.
A seu turno, o art. 184 da Lei Maior fixa a competência da União para a desapropriação por interesse social, para realização de reforma agrária, do “imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”.
O Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504/64), a propósito, prevê ainda a utilização da tributação progressiva como mecanismo para “desestimular os que exercem o direito de propriedade sem observância da função social e econômica da terra” (art. 47).
A Constituição de 1988 prevê, ainda, a expropriação e destinação à reforma agrária e a programas de habitação popular das propriedades rurais e urbanas de onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo, a evidenciar, também aqui, o necessário tratamento rigoroso aos agentes que promovem, mediante sua atividade, resultados altamente nocivos ao interesse da coletividade.
d) Dimensão interpretativa: Conquanto as reflexões em torno da função social da propriedade frequentemente sejam destinadas aos impactos da sua incidência em relação aos particulares, tal princípio impõe condutas também ao Poder Público, inclusive ao Judiciário, nomeadamente em sua dimensão interpretativa.
Compete ao julgador, ao interpretar leis e atos privados submetidos à sua apreciação, assegurar o resultado que promova a realização, na maior medida possível, do princípio da função social da propriedade.
Na lição de Perlingieri, a
função social é também critério de interpretação da disciplina proprietária para o juiz e para os operadores do direito. O intérprete deve não somente suscitar formalmente as questões de dúbia legitimidade das normas, mas também propor uma interpretação em conformidade com os princípios constitucionais. A função social é operante também à falta de uma expressa disposição que a ela faça referência; ela representa um critério de alcance geral, um princípio que legitima a extensão em via analógica daquelas normas, consideradas excepcionais no ordenamento pré-constitucional, que têm um conteúdo que, em via interpretativa, resulta como concretizador do princípio[20].
Sob a perspectiva da funcionalização, a própria metodologia do processo interpretativo deve ser reavaliada pelo julgador, consoante adverte Gustavo Tepedino:
A adoção desta perspectiva funcional enseja, igualmente, a necessidade de revisão de diversos cânones do direito privado. Primeiramente, impõe-se a superação da utilização da técnica da subsunção para a aplicação das normas jurídicas. Tal método, baseado no raciocínio silogístico, limita-se a enquadrar o fato (premissa menor) à fattispecie abstrata prevista na norma (premissa maior), daí decorrendo a conclusão, pretensamente rigorosa, de modo a mascarar as escolhas ideológicas do intérprete. Deve-se, ao revés, no processo unitário de interpretação e qualificação do fato, confrontar o fato com o inteiro ordenamento jurídico, com vistas a determinar a disciplina jurídica aplicável para a hipótese concreta[21].
e) Dimensão legitimadora de intervenções legislativas: A função social da propriedade, consoante já ressaltado, não produz efeitos somente em face dos particulares, mas também do Poder Público, conformando, inclusive, o âmbito de atuação do legislador infraconstitucional.
Nesta dimensão, a função social da propriedade impõe a criação, em conformidade com seus ditames, de estatutos jurídicos adequados a cada espécie de propriedade, operando em dois distintos sentidos: evitando que o regime da propriedade considere exclusivamente os interesses do seu titular, de modo a eliminar a possibilidade de proveito social decorrente do seu exercício; evitando que a preocupação legislativa com a promoção do bem-estar social importe, na prática, em supressão das potencialidades da fruição individual do bem. Em outras palavras: sob a perspectiva em comento, a função social veda excessos e insuficiências na concepção legislativa dos estatutos das propriedades, seja sob a ótica do aproveitamento individual, seja sob a do interesse da coletividade[22].
Permite-se, assim, consoante assinala Perlingieri,
verificar se o órgão legislativo, ao realizar uma valoração dos fins de utilidade geral e dos meios para realizá-los, não tenha sido orientado por critérios ilógicos, arbitrários e contraditórios, e verificar se os meios predispostos sejam idôneos para realizar as finalidades que a normativa constitucional indica. Esta última impõe ao legislador ordinário a prefixação não somente de um estatuto que não conceda ao titular poderes supérfluos ou contraproducentes em relação ao interesse positivamente tutelado, mas também um estatuto que, em positivo, conceda ao titular os poderes necessários para perseguir o interesse (determinável a cada vez e) constitucionalmente relevante[23].
Nesse diapasão, vide, por exemplo, as medidas específicas dirigidas à atuação do legislador para assegurar a concretização da função social da propriedade nos arts. 2º, § 2°[24], e 47[25] da Lei n.º 4.504/64 (Estatuto da Terra) e nos arts. 2º[26], 39[27], e 47[28] da Lei n.º 10.257/01 (Estatuto das Cidades).
Assentadas tais premissas, cumpre-nos, por fim, desenvolver algumas reflexões a respeito da função social do contrato.
5 Função social da propriedade e função social do contrato
A socialização do contrato não é ideia nova.
A partir do momento em que o Estado passou a adotar uma postura mais intervencionista, abandonando o ultrapassado papel de mero expectador da ambiência econômica, a função social do contrato ganhou contornos mais específicos.
Registre-se, nesse ponto, a arguta observação da magistral GISELDA HIRONAKA a respeito da intelecção da palavra “social”:
Ainda que o vocábulo social sempre apresente esta tendência de nos levar a crer tratar-se de figura da concepção filosófico-socialista, deve restar esclarecido tal equívoco. Não se trata, sem sombra de dúvida, de se estar caminhando no sentido de transformar a propriedade em patrimônio coletivo da humanidade, mas tão apenas de subordinar a propriedade privada aos interesses sociais, através desta idéia-princípio, a um só tempo antiga e atual, denominada ‘doutrina da função social’[29].
O contrato é figura que acompanha as mudanças de matizes da propriedade, experimentando inegável interferência deste direito.
Ora, ao constatarmos o inafastável conteúdo político da propriedade, erigida à condição de direito fundamental na Carta da República, é forçoso convir que as modificações no seu trato ideológico refletir-se-iam na seara contratual.
A partir do momento em que se começou a perceber que a propriedade somente mereceria tutela se atendesse a uma determinada finalidade social, abandonou-se o antigo modelo oitocentista de concepção desse direito, que cederia lugar a uma doutrina mais afinada aos anseios da sociedade atual.
Com isso, socializando-se a noção de propriedade, o contrato, naturalmente, experimentaria o mesmo fenômeno, ainda que o reconhecimento legal dessa alteração no seu trato ideológico não houvesse se dado de forma imediata.
Humberto Theodoro Jr., citando o competente professor curitibano Paulo Nalin, na busca por delimitar as suas bases de intelecção, lembra-nos, com acerto, que a função social manifesta-se em dois níveis[30]:
a) intrínseco – o contrato visto como relação jurídica entre as partes negociais, impondo-se o respeito à lealdade negocial e à boa fé objetiva, buscando-se uma equivalência material entre os contratantes;
b) extrínseco – o contrato em face da coletividade, ou seja, visto sob o aspecto de seu impacto eficacial na sociedade em que fora celebrado.
De fato, são perfeitamente adequados a sistematização e o trato ideológico da função social do contrato, segundo a doutrina de Nalin.
Sem pretender exaurirmos esforços na hercúlea tarefa de definir, a função social do contrato poderá, por outro lado, ser delimitada no espaço jurídico de atuação em que se projeta.
Em um primeiro plano, a socialização da ideia de contrato, na sua perspectiva intrínseca, propugna por um tratamento idôneo das partes, na consideração, inclusive, de sua desigualdade real de poderes contratuais.
Nesse sentido, repercute necessariamente no trato ético e leal que deve ser observado pelos contratantes, em respeito à clausula de boa-fé objetiva.
E nessa perspectiva, temos que a relação contratual deverá compreender, não apenas os deveres jurídicos gerais e de cunho patrimonial (de dar, fazer, ou não fazer), bem como deverão ser levados em conta os deveres anexos ou colaterais que derivam desse esforço socializante.
Com isso, obrigações até então esquecidas pelo individualismo cego da concepção clássica de contrato ressurgem gloriosamente, a exemplo dos deveres de informação, confidencialidade, assistência, lealdadeetc. E todo esse sistema é, sem sombra de dúvidas, informado pelo princípio maior de proteção da dignidade da pessoa humana.
Em um segundo plano, o contrato é considerado como um instrumento de circulação de riquezas, mas, também, de desenvolvimento social.
Isso mesmo: desenvolvimento social.
Sem o contrato, a economia e a sociedade se estagnariam por completo, fazendo como que retornássemos a estágios menos evoluídos da civilização humana.
Ocorre que todo desenvolvimento deve ser sustentado, racionalizado e equilibrado.
Por isso, ao concebermos a figura do contrato – quer seja o firmado entre particulares, quer seja o pactuado com a própria Administração Pública – não poderíamos deslocá-lo da conjuntura social que lhe dá ambiência.
Consoante inferimos linhas acima, como chancelar como válido, por exemplo, um negócio que, posto atenda aos seus pressupostos formais de validade, desrespeite leis ambientais ou pretenda fraudar leis trabalhistas?
Na mesma linha, não se pode admitir contratos que violem a livre concorrência, as leis de mercado ou os postulados de defesa do consumidor, sob o pretexto de se estar incentivando a livre iniciativa.
Nessa mesma linha de intelecção, é o pensamento de EDUARDO SENS DOS SANTOS:
O contrato não pode mais ser entendido como mera relação individual. É preciso atentar para os seus efeitos sociais, econômicos, ambientais e até mesmo culturais. Em outras palavras, tutelar o contrato unicamente para garantir a equidade das relações negociais em nada se aproxima da idéia de função social. O contrato somente terá uma função social – uma função pela sociedade – quando for dever dos contratantes atentar para as exigências do bem comum, para o bem geral. Acima do interesse em que o contrato seja respeitado, acima do interesse em que a declaração seja cumprida fielmente e acima da noção de equilíbrio meramente contratual, há interesse de que o contrato seja socialmente benéfico, ou, pelo menos, que não traga prejuízos à sociedade – em suma, que o contrato seja socialmente justo[31].
Com isso, repita-se, não se está pretendendo aniquilar os princípios da autonomia da vontade (ou autonomia privada) ou do pacta sunt servanda, mas, apenas, temperá-los, tornando-os mais vocacionados ao bem-estar comum, sem prejuízo do progresso patrimonial pretendido pelos contratantes.
Em outras palavras: não pode ser considerado justo o modelo de contrato que só contemple a manifestação de vontade da parte declarante, seguindo diretriz tipicamente liberal, impondo-se, outrossim, a observância dos limites traçados pela própria ordem social, a fim de que a perseguição dos interesses das partes contratantes não esbarre em valores constitucionais superiores, condensados sinteticamente no princípio da dignidade da pessoa humana.
6 Conclusões
Ao consagrar o princípio da função social da propriedade, a Constituição Cidadã, determinou uma revolucionária alteração de perspectiva em relação a um instituto milenar.
Sua inclusão no art. 5º da Constituição Federal, nomeadamente no Título reservado aos Direitos e Garantias Fundamentais, evidencia que ela não desnatura a condição de direito individual do direito de propriedade.
Em verdade, a função social da propriedade integra a configuração interna do direito de propriedade, não podendo ser compreendida como um fator externo que vem a constranger o proprietário, impondo-lhe artificialmente limites aos quais, originariamente, não estaria adstrito.
A função social da propriedade condiciona a legitimidade do exercício do direito de propriedade à maximização do bem-estar social, à luz dos interesses da coletividade consagrados no ordenamento jurídico.
Ao incidir, a função social da propriedade pode assumir variadas dimensões eficaciais, a) restringindo o exercício de certas posições jurídicas, b) compelindo o titular do bem à realização de certas obrigações, com o propósito de alcance de determinadas finalidades reputadas socialmente úteis, c) impondo consequências gravosas ao titular da propriedade que não concorre para a concretização do bem-estar social, à luz do estatuto jurídico respectivo, d) condicionando a interpretação por parte dos órgãos julgadores, bem como e) impondo ao legislador a criação, em conformidade com seus ditames, de estatutos jurídicos adequados a cada espécie de propriedade, vedando excessos e insuficiências no regime jurídico fixado pela lei, seja sob a ótica do aproveitamento individual, seja sob a do interesse da coletividade.
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SANTOS, Eduardo Sens. O Novo Código Civil e as Cláusulas Gerais: Exame da Função Social do Contrato in Revista Brasileira de Direito Privado, n. 10. São Paulo: RT, Abril-Junho de 2002.
TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada in Estudos em Homenagem ao Professor Caio Tácito. DIREITO, Carlos Menezes (Coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 1997
_________________. Notas sobre a Função Social dos Contratos. Disponível em: http://www.tepedino.adv.br/tep_artigos/notas-sobre-a-funcao-social-dos-contratos/.
THEODORO JR., Humberto. O Contrato e sua Função Social. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
NOTAS:
[1] Juiz Titular da 32a Vara do Trabalho de Salvador/BA. Professor Titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador — UNIFACS. Professor Associado da graduação e pós-graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito da UFBA – Universidade Federal da Bahia. Coordenador dos Cursos de Especialização em Direito Civil e em Direito e Processo do Trabalho da Faculdade Baiana de Direito. Coordenador do Curso de Pós-Graduação on-line em Direito Contratual e em Direito e Processo do Trabalho da Estácio, em parceria tecnológica com o CERS. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Máster em Estudios en Derechos Sociales para Magistrados de Trabajo de Brasil pela UCLM — Universidad de Castilla-La Mancha/Espanha. Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia. Membro e Presidente Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (antiga Academia Nacional de Direito do Trabalho — ANDT). Presidente da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e do Instituto Baiano de Direito do Trabalho. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil, do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) e do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil).
[2] Para um aprofundamento sobre o tema, confira-se o belíssimo artigo de MALDANER, Alisson Thiago; e AZEVEDO, Fatima Gabriela Soares de. León Duguit e a Função Social da Propriedade no Ordenamento Jurídico Brasileiro – uma abordagem crítica na perspectiva da História do Direito. Disponível em <https://www.conpedi.org.br/publicacoes/c178h0tg/405y75l2/pwYDAX1whP0Pqf36.pdf>, acesso em 15.fev.2018.
[3] DUGUIT, Léon. Traité de Droit Constitutionel, t. 3 apud GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19ª ed. Atualizada por Luiz Edson Fachin, Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 126.
[4] BOBBIO, NORBERTO. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri: Manole, 2007, p. 53/54.
[5] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 95/96 e 106/107.
[6] Ibidem, p. 96.
[7] PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 942. A seu turno, assevera Eros Grau que o “princípio da função social da propriedade, desta sorte, passa a integrar o conceito jurídico-positivo de propriedade (destas propriedades), de modo a determinar profundas alterações estruturais na sua interioridade” (A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 14 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 251).
[8] SANTOS, Deborah Pereira Pinto dos; MENDES, Eduardo Heitor. Função, funcionalização e função social in Direito Civil Constitucional. KONDER, Carlos Nelson; SCHREIBER, Anderson (Coord.). São Paulo: Atlas, 2016, p. 105.
[9] TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada in Estudos em Homenagem ao Professor Caio Tácito. DIREITO, Carlos Menezes (Coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 321-322.
[10] “O primeiro ponto a salientar, no tratamento da matéria, respeita ao fato de que, embora isso passe despercebido da generalidade dos que cogitam da função social da propriedade, é seu pressuposto necessário a propriedade privada. (...) Não obstante, embora a afirmação da função social da propriedade compreenda, prévia — porém não declarada, explicitamente — afirmação da propriedade privada, umas tantas vezes a primeira afirmação foi e permanece sendo, tida como ‘revolucionária’” (Grau, Eros Roberto. Op. cit., p. 237).
[11] Em sentido diverso, entendendo pela existência de uma função social e de uma função individual da propriedade, sustenta Eros Grau: “Aí, enquanto instrumento a garantir a subsistência individual e familiar – a dignidade da pessoa humana, pois – a propriedade consiste em um direito individual e, iniludivelmente, cumpre função individual. Como tal é garantida pela generalidade das Constituições de nosso tempo, capitalistas e, como vimos, socialistas. A essa propriedade não é imputável função social; apenas os abusos cometidos no seu exercício encontram limitação, adequada, as disposições que implementam o chamado poder de polícia estatal” (Grau, Eros Roberto. Op. cit., p. 240). Por sua vez, pondera Marcos Alcino de Azevedo Torres que mesmo bens destinados exclusivamente à subsistência do indivíduo cumprem uma função social: “Incide também, em sentido amplo, em bens necessários ao atendimento das necessidades individuais do titular e de sua família, haja vista que, ao atender tais necessidades, estará o bem, necessariamente, cumprindo sua função social” (TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a posse: um confronto em torno da função social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 224).
[12] PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 942.
[13] “Tal conclusão oferece suporte teórico para a correta compreensão da função social da propriedade, que terá, necessariamente, uma configuração flexível, mais uma vez devendo-se refutar os apriorismos ideológicos e homenagear o dado normativo. A função social modificar-se-á de estatuto para estatuto, sempre em conformidade com os preceitos constitucionais e com a concreta regulamentação dos interesses em jogo” TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada in Estudos em Homenagem ao Professor Caio Tácito. DIREITO, Carlos Menezes (Coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 321-322.
[14] Tradução livre dos autores.
[15] Tradução livre dos autores.
[16] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 226.
[17] PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 947.
[18] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 226.
[19] Norberto Bobbio advertiu, há muito, a respeito da importância da percepção de que o vocábulo sanção não necessariamente está vinculado a uma consequência negativa: “Na literatura filosófica e sociológica, o termo ‘sanção’ é empregado em sentido amplo, para que nele caibam não apenas as consequências desagradáveis da inobservância das normas, mas também as consequências agradáveis da observância, distinguindo-se, no genus sanção, duas species: as sanções positivas e as sanções negativas” (BOBBIO, NORBERTO. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Traduçãod e Daniela Beccaccia Versiani. Revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri: Manole, 2007, p. 7)
[20] PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 947.
[21] TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre a Função Social dos Contratos. Disponível em: http://www.tepedino.adv.br/tep_artigos/notas-sobre-a-funcao-social-dos-contratos/.
[22] “O estatuto normativo, em relação a determinados sujeitos e às particularidades que o caracterizam, deve ter um mínimo, o seu mínimo, isto é, o seu conteúdo. Nesta perspectiva deve ser exercido o controle sobre a atividade do proprietário, sobre os seus comportamentos. A função social não pode, em caso algum, contrastar o conteúdo mínimo: função social e conteúdo mínimo são aspectos complementares e justificativos da propriedade” (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 231).
[23] PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 946/947.
[24] Art. 2º, § 2° É dever do Poder Público:
a) promover e criar as condições de acesso do trabalhador rural à propriedade da terra economicamente útil, de preferencia nas regiões onde habita, ou, quando as circunstâncias regionais, o aconselhem em zonas previamente ajustadas na forma do disposto na regulamentação desta Lei;
b) zelar para que a propriedade da terra desempenhe sua função social, estimulando planos para a sua racional utilização, promovendo a justa remuneração e o acesso do trabalhador aos benefícios do aumento da produtividade e ao bem-estar coletivo.
[25] Art. 47. Para incentivar a política de desenvolvimento rural, o Poder Público se utilizará da tributação progressiva da terra, do Imposto de Renda, da colonização pública e particular, da assistência e proteção à economia rural e ao cooperativismo e, finalmente, da regulamentação do uso e posse temporários da terra, objetivando:
I - desestimular os que exercem o direito de propriedade sem observância da função social e econômica da terra;
II - estimular a racionalização da atividade agropecuária dentro dos princípios de conservação dos recursos naturais renováveis;
III - proporcionar recursos à União, aos Estados e Municípios para financiar os projetos de Reforma Agrária;
IV - aperfeiçoar os sistemas de controle da arrecadação dos impostos.
[26] Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;
VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
h) a exposição da população a riscos de desastres.
VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência;
VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;
IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;
X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;
XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos;
XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;
XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais;
XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;
XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social.
XVII - estímulo à utilização, nos parcelamentos do solo e nas edificações urbanas, de sistemas operacionais, padrões construtivos e aportes tecnológicos que objetivem a redução de impactos ambientais e a economia de recursos naturais.
XVIII - tratamento prioritário às obras e edificações de infraestrutura de energia, telecomunicações, abastecimento de água e saneamento.
[27] Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei.
[28] Art. 47. Os tributos sobre imóveis urbanos, assim como as tarifas relativas a serviços públicos urbanos, serão diferenciados em função do interesse social.
[29] HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. Direito Civil - Estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 105.
[30] THEODORO JR., Humberto. O Contrato e sua Função Social. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pág. 43.
[31] SANTOS, Eduardo Sens. O Novo Código Civil e as Cláusulas Gerais: Exame da Função Social do Contrato in Revista Brasileira de Direito Privado, n. 10. São Paulo: RT, Abril-Junho de 2002, pág. 29.
Juiz do Trabalho Substituto no Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região. Mestre em Relações Sociais e Novos Direitos pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo JusPodivm/BA. Diretor de Prerrogativas da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Sexta Região -- AMATRA VI (gestão 2018/2020). Professor. Membro do Instituto Baiano de Direito do Trabalho (IBDT).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, Leandro Fernandez. A função social da propriedade na constituição de 1988: contornos conceituais e dimensões eficaciais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jul 2019, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53209/a-funo-social-da-propriedade-na-constituio-de-1988-contornos-conceituais-e-dimenses-eficaciais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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