RESUMO: Tipicamente conhecida e propalada como Reforma Trabalhista, a Lei federal n° 13.467/2017 tem protagonizado uma série de polêmicas a seu respeito. Uma destas se trata do tratamento outorgado ao dano extrapatrimonial (expressão ampla, que inclui o dano moral). Enquanto os defensores da mencionada Reforma agarram-se ao discurso que a nova legislação seria importante para a retomada do crescimento econômico brasileiro, a partir da retomada de empregos, a polêmica levantada em torno da questão do dano extrapatrimonial com o advento da Lei n° 13.467, em especial, tem demonstrado que o substrato reformista da legislação provocou certos prejuízos na relação laboral. A partir disso, o presente trabalho se propõe a analisar as novidades trazidas com a Lei n° 13.467 no contexto do dano extrapatrimonial na seara trabalhista, antes analisado sob a ótica de dispositivos da Constituição Federal e do Código Civil, mas que hoje possui regulamentação própria na Consolidação das Leis do Trabalho.
Palavras-chave: Dano extrapatrimonial. Reforma Trabalhista. Análise.
ABSTRACT: Typically known and proclaimed as Labor Reform, Federal Law n° 13467/2017 has carried out a series of controversies about it. One of these is the treatment granted to off-balance damage (which includes moral damage). While the proponents of the aforementioned Reform are clinging to the discourse that the new legislation would be important for the resumption of Brazilian economic growth, starting with the resumption of jobs, the controversy raised about the issue of off-balance damage with the advent of Law n° 13.467, in particular, has demonstrated that the reformist substratum of the legislation has caused certain damages in the labor relation. From this, the present work intends to analyze the novelties brought with Law n°. 13.467 in the context of the extrapatrimonial damage, previously analyzed under the provisions of the Federal Constitution and the Civil Code, but which today has its own regulations in the Consolidation of Labor Laws.
Keywords: Extrapatrimonial damage. Labor Reform. Analysis.
Sumário: Introdução. 1. A caracterização do dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho antes da Lei n° 13.467. 2. O dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho a partir da Lei n° 13.467 e o debate a respeito. Conclusão. Referências. Notas.
É cediço que a Lei federal n° 13.467 (reforma trabalhista) tem protagonizado uma série de discussões polêmicas a seu respeito. Uma destas se trata do tratamento outorgado ao dano extrapatrimonial (que possui um sentido amplo, a abranger várias espécies de dano, como o estético e o moral). Enquanto os defensores da mencionada Reforma apoiam-se no discurso de modernização que a nova legislação teria conduzido, argumentando que a mesma deteria suma importância para a retomada do crescimento da economia brasileira, a qual por anos ficou estagnada, a polêmica levantada em torno da questão do dano moral com o advento da Lei 13.467, em especial, tem demonstrado que o tom reformista da legislação provocou certos prejuízos na relação laboral.
Há de se citar, por oportuno, o verdadeiro déficit popular da referida lei, que introduziu profundas mudanças no panorama trabalhista nacional. Atente-se que não se fala em falta de legitimidade, vez que os legisladores pátrios o possuem para legislar amplamente, desde que observando a Constituição. O que se aponta é o fato de que a Lei 13.467 ter sido aprovada, em linguagem popular, “do dia para a noite”. O legislador não abriu uma ponte de diálogo com a sociedade para incorporar alterações em uma das marcas no âmbito dos direitos sociais, que é o Direito do Trabalho. Por esse motivo, vários aspectos da Reforma foram revistos pela Medida Provisória 808, que perdeu sua vigência em abril de 2018, sem aprovação pelo Legislativo.
Diante desse contexto pós-Reforma, este trabalho se propõe a investigar as novidades trazidas com a Lei n° 13.467 no contexto do dano extrapatrimonial na seara trabalhista, antes analisado sob a ótica de dispositivos da Constituição Federal e do Código Civil, mas que, hoje, detém regulamentação própria na Consolidação das Leis do Trabalho (arts. 223-A a 223-G).
Não obstante, conforme será demonstrado, a nova realidade legislativa do Direito Laboral não obsta a leitura da Consolidação das Leis Trabalhistas à luz de preceitos constitucionais e demais ordenamentos nacionais, ainda que aquela legislação infraconstitucional diga o oposto.
Conforme corrente doutrinária majoritária, o termo “dano extrapatrimonial”, adotado pelo legislador da Reforma Trabalhista, é, deveras, amplo. Dentro da expressão caberiam subgêneros, como dano físico ou estético, existencial e moral. A diferenciação entre esses subtipos decorre, dentre outros fatores, da possibilidade de se cumular indenizações por diferentes danos, como o estético e o moral, nos termos da Súmula 387 do STJ. Também há, na doutrina, defensores de que a expressão “dano moral” seria gênero da espécie “dano estético” (CAIRO JÚNIOR, 2017).
Mais especificamente sobre dano moral, entende-se como sendo o “resultado de uma ação ou omissão que implique, de forma necessária, ofensa a um bem não avaliável economicamente” (CAIRO JÚNIOR, 2017, p. 1029). Interessante reparar que a mencionada conceituação é ampla, abrangendo tanto condutas comissivas (um fazer) quanto omissivas (não fazer).
Com a promulgação a Emenda Constitucional 45, de 2004, não restaram dúvidas a respeito da competência da Justiça do Trabalho para julgar ações de indenização por dano moral decorrentes da relação de trabalho, com a inclusão do inciso VI ao artigo 114 da Carta Magna, fixando expressamente essa possibilidade.
Não obstante, até os nossos dias, ainda é significativa a dificuldade encontrada para fixar parâmetros seguros a respeito do dano moral, tendo em vista que a legislação não traça critérios objetivos para sua configuração. A esse respeito, Elpídio Donizetti e Felipe Quintanella (2017, p. 435) explicam ser “da própria essência dessa indenização a ausência de medidas concretas e aritmeticamente precisas”, cabendo ao julgador precisá-las, de acordo com o caso concreto, observando os cânones da razoabilidade e da proporcionalidade. Nesse mesmo sentido dispõe o Enunciado n° 550, aprovado na VI Jornada de Direito Civil, realizado pelo CJF em 2013: “a quantificação da reparação por danos extrapatrimoniais não deve estar sujeita a tabelamento ou a valores fixos”.
Deve o juiz, portanto, ponderar a respeito do valor devido a ser recebido, observando-se a razoabilidade, a proporcionalidade, o nexo causal, a extensão do dano, o grau de culpa e a capacidade financeira das partes (CAIRO JÚNIOR, 2017).
No contexto trabalhista pré-Reforma de 2017, era pacífico ser o dano moral decorrente do contrato de trabalho devido em uma série de circunstâncias, como no fato de o empregado não ser registrado ou de o empregador não ter dado baixa na CTPS do empregado (MARTINS, 2012a, p. 91-96). A propósito, a ausência de anotação na carteira de trabalho tem sido entendida pelos Tribunais brasileiros como fato ensejador do dito dano moral presumido (in re ipsa), conforme se conclui do julgado:
VÍNCULO DE EMPREGO. ANOTAÇÃO NA CTPS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. A ausência de registro do contrato de trabalho, assim como a subsequente falta de recolhimentos previdenciários e do FGTS não se traduz em simples aborrecimento, visto que a informalidade, o desamparo, o tratamento de descaso e descuido dispensado pela empresa causa angústia, desgosto e aflição, o que enseja o pagamento de indenização por dano moral. […] (TRT-1/RO: 00019074920135010471 RJ, Data de Julgamento: 28/06/2016, 9ª Turma, Data de Publicação: 07/07/2016)
Em semelhante sentido, a CLT veda que o empregador efetue anotações desabonadores à conduta do empregado em sua carteira de trabalho (art. 29, § 4°), o que também pode acabar por ensejar dano extrapatrimonial (MARTINS, 2012a, p. 102).
Na argumentação da formação do dano moral, em época anterior à Lei 13.467, como já adiantado, os obreiros se resguardavam sob dispositivos constantes do Código Civil (arts. 186 e 927), que tratam do fato ilícito, e da Constituição Federal, que asseguram a indenização por danos morais e materiais (art. 5°, V e X) e legitimam a Justiça do Trabalho para julgar ações fundadas nessas temáticas, decorrentes da relação de trabalho (art. 114, VI). Flávio Tartuce (2018), inclusive, recorda que a Constituição Federal serviu de verdadeiro marco para pacificar a questão dos danos extrapatrimoniais no Brasil, até mesmo expandindo o seu cabimento para além do âmbito meramente cível, enquadrando-se em situações do próprio Direito de Família e do Direito do Trabalho.
No mesmo sentido, com essa expansão da aceitação da tese do dano moral no Brasil, o artigo 927 do Código Privado prevê que, aquele que causar dano a outrem, em virtude de ato ilícito, fica obrigado a repará-lo. E por ato ilícito, trata o mesmo Codex de regulamentar que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (grifamos).
Eis os dispositivos frequentemente utilizados em ações trabalhistas para fundamentar as ações fundadas em dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho. Porém, a partir da Reforma Trabalhista, houve evidente mobilização legislativa para restringir a aplicação das normas civis e, até mesmo, constitucionais no âmbito trabalhista.
Desde logo, esclareça-se que a aplicação de tais dispositivos na seara trabalhista encontra várias justificativas. A primeira delas versa sobre a impossibilidade do Direito ser “fracionado”: pelo contrário, o Direito deve ser visto como um todo, sob uma ótica panorâmica (REALE, 2002). Outro fator de grande importância a se constar é que o Código Civil se trata, à luz de preceitos clássicos, de um ordenamento privado, tendente a regular tais relações. Tal classificação de direito privado também é atribuída ao Direito do Trabalho, pelo menos por parte de parcela majoritária da doutrina (MARTINS, 2012b, p. 26). Aliás, a relação trabalhista nada mais é do que uma relação contratual, sinalagmática, em que ambas as partes se obrigam a determinadas prestações. Desse modo, justifica-se perfeitamente a aplicação do Código Civil no que se refere à fundamentação do dano moral no âmbito trabalhista.
Atinente à utilização de dispositivos da Constituição Federal, poder-se-ia dispensar quaisquer comentários, mas, por apego ao argumento, frise-se que a Norma Fundamental comporta paradigmas normativos supremos no interior do Estado brasileiro, sendo que estes não podem ser, em caso algum, desconsiderados ou infringidas por preceitos ordinários da legislação comum, seja ela federal, estadual ou municipal. Importa expressar, assim, que os dispositivos constitucionais são verdadeiramente cogentes, vinculando todo o ordenamento nacional, até mesmo a legislação trabalhista.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu repetidas vezes que os direitos fundamentais previstos na Carta Magna de 1988 se aplicam às relações privadas, o que a doutrina reconhece como sendo a “eficácia horizontal dos direitos fundamentais” (STF, RE 201.819-8/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 11.10.2005, DJ de 27.10.2006), em que os valores existenciais da pessoa humana estariam acima de valores puramente patrimoniais típicos do meio privado (SOUZA NETO; SARMENTO, 2012). O direito à indenização por dano moral proporcional ao agravo, simplesmente por estar no artigo 5° da Constituição, sem maiores esforços interpretativos, configura um direito fundamental, passível de ser aplicável, portanto, nas relações trabalhistas. Tais lembranças, inclusive, serão de fundamental importância para análise das desafortunadas disposições acrescidas à CLT, a partir da Reforma Trabalhista, para regular o dano extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho.
Dentre as várias alterações e inovações trazidas pela Lei n° 13.467, encontra-se a inclusão do Título II-A na Consolidação Trabalhista (arts. 223-A a 223-G), que cuida de tratar do dano extrapatrimonial.
Em seu artigo 223-A, prescreve-se que, in verbis: “Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título”. Em inegável intenção de restringir a aplicação da legislação brasileira na tutela dos justrabalhistas, o mencionado artigo, visivelmente, trata-se de um esforço para afastar a utilização dos dispositivos do Código Civil e, até mesmo, da Constituição, outrora usados para a configuração do dano extrapatrimonial, conforme já demonstrado.
À vista da concepção unitária do Direito, a norma do artigo 223-A se demonstra afrontosa às mais básicas regras jurídicas, não obstante seja possível de ser editada e, até mesmo, defendida. A lei, por ser dotada de eficácia, deve ser aplicada. No entanto, não se deve olvidar a Constituição, que assegura em diversas passagens a proteção ao obreiro.
Ainda a respeito do artigo 223-A da CLT, na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, promovida pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), em 2017, aprovou-se o Enunciado n° 18, que questiona a constitucionalidade do mencionado artigo adicionado pela Reforma. Destaque-se que, embora esses Enunciados não possuam efeito vinculante, representam importante objeto de análise por representar a concepção de juristas do Direito do Trabalho.
O Enunciado n° 18 diz precisamente o seguinte:
DANO EXTRAPATRIMONIAL: EXCLUSIVIDADE DE CRITÉRIOS
Aplicação exclusiva dos novos dispositivos do Título II-A da CLT à reparação de danos extrapatrimoniais decorrentes das relações de trabalho: inconstitucionalidade. A esfera moral das pessoas humanas é conteúdo do valor da dignidade humana (art. 1.º, III, da CF) e, como tal, não pode sofrer restrição à reparação ampla e integral quando violada, sendo dever do Estado a respectiva tutela na ocorrência de ilicitudes causadoras de danos extrapatrimoniais nas relações laborais. Devem ser aplicadas todas as normas existentes no ordenamento jurídico que possam imprimir, no caso concreto, a máxima efetividade constitucional ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 5.º, V e X, da CF). A interpretação literal do art. 223-A da CLT resultaria em tratamento discriminatório injusto às pessoas inseridas na relação laboral, com inconstitucionalidade por ofensa aos arts. 1.º, III; 3.º, IV; 5.º, caput e incisos V e X e art. 7.º, caput, todos da Constituição Federal. [1]
O artigo seguinte do Título II-A, o 223-B, a ser interpretado em consonância com a norma restritiva do art. 223-A, determina que dano de natureza extrapatrimonial se trata de “ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são titulares exclusivas do direito à reparação”.
Além de representar esforço de afastar a aplicação dos arts. 186 e 927 do Código Civil, que tratam do ato ilícito, o novel artigo 223-B da CLT, manifestamente, busca conter o chamado “dano moral reflexo”. Essa espécie de dano se trata de uma construção jurisprudencial, conforme se retira do julgado do Tribunal Regional do Trabalho de Rondônia (TRT – RO), citado abaixo:
RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS POR RICOCHETE. AUSÊNCIA DE PROVA DE OFENSA À HONRA, DIGNIDADE E MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. Conhecido como dano moral reflexo ou indireto, o dano moral por ricochete (ou préjudice d’affection) decorre do princípio da dignidade da pessoa humana e consubstancia-se no dano praticado em relação à vítima, ou seja, o ilícito tem por vítima determinada pessoa, mas acaba por atingir (ricochetear) terceiros. Assim como o dano moral direto, a ideia de dano moral reflexo está indiscutivelmente associada à experiência de profundo e grave sofrimento, duradouro ou não, considerado à luz das expectativas normais do homem médio, e seu contorno jurídico tem por base os chamados direitos da personalidade, consoante a inteligência do artigo 5°, inciso X, da Magna Carta (TRT-17 – RO: 00004632920175170007, Rel. José Luiz Serafini, Data de Julgamento: 15.05.2018, Data de Publicação: 04.06.2018).
Ao determinar que são titulares exclusivas do direito à reparação os ofendidos na esfera moral ou existencial, uma interpretação restritiva do artigo 223-B da CLT acaba por tentar restringir o preceito do dano moral ricochete, que encontra sede constitucional e, portanto, não possui base normativa para sua existência. De acordo com o enunciado 20, aprovado na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada pela Anamatra, buscou esclarecer:
DANOS EXTRAPATRIMONIAIS: LIMITES E OUTROS ASPECTOS
O artigo 223-B da CLT não exclui a reparação de danos sofridos por terceiros (danos em ricochete), bem como a de danos extrapatrimoniais ou morais coletivos, aplicando-se quanto a estes, as disposições previstas na lei 7.437/1985 e no Título III do Código de Defesa do Consumidor. [2]
Entende-se que essa interpretação é a que deve prosperar, tendo em vista uma visão panorâmica do ordenamento legislativo.
Em seguida, o artigo 223-C da CLT sentencia, igualmente em tendência restritiva, que a “honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física”. A Medida Provisória n° 808, de 2017, alargou esse rol, incluindo outros direitos, como por exemplo a etnia, a idade e a nacionalidade. Todavia, a referida MP teve sua vigência encerrada, sem que fosse convertida em lei pelo Congresso, mas seu propósito de expandir a listagem do artigo já deixa claro que a intenção legislativa, a partir da Lei 13.467, era de tornar taxativo o rol citado.
Na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, aprovou-se o enunciado n° 19, que patrocina a tese de exemplificatividade do rol do artigo 223-C da CLT, tendo em vista a plenitude da tutela jurídica à dignidade da pessoa humana, firmemente resguardada pela Constituição Federal (art. 1°, III).
Por sua vez, o artigo 223-D, trata de mencionar os bens juridicamente tutelados da pessoa jurídica, que seriam a “imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência”. Entende-se que tal rol, assim como o constante do art. 223-C, foi criado tendente a ser taxativo. Todavia, em decorrência de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, o art. 223-D deve ser visto como portador de um rol meramente exemplificativo, tal qual o constante do art. 223-C.
O artigo 223-E da CLT esclarece que são “responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão”. Tartuce (2018) aponta que o referido dispositivo, ao estabelecer um fracionamento da responsabilidade dos responsáveis pela ofensa do bem jurídico do obreiro, aparenta romper com a responsabilidade solidária em caso de vários agentes causarem o dano.
De forma apenas a adicionar na CLT algo que já ocorria há tempos na seara prática, consolidando-se na Súmula 37 do STJ, o art. 223-F determina que a reparação por danos extrapatrimoniais “pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo”.
Não obstante, maior parte das críticas referentes ao Título II-A da CLT, acrescido pela Reforma Trabalhista reside no art. 223-G na Consolidação Trabalhista, que determina uma série de elementos a serem considerados pelo juiz na apreciação do pedido de dano extrapatrimonial por parte da pessoa física ou jurídica. Tanto se pretendeu a ser taxativo que os incisos do mesmo artigo elencam, até mesmo, fundamentos óbvios, como os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão (art. 223-G, IV, CLT). Eis o artigo, in verbis:
Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:
I - a natureza do bem jurídico tutelado;
II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação;
III - a possibilidade de superação física ou psicológica;
IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;
V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;
VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;
VII - o grau de dolo ou culpa;
VIII - a ocorrência de retratação espontânea;
IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa;
X - o perdão, tácito ou expresso;
XI - a situação social e econômica das partes envolvidas;
XII - o grau de publicidade da ofensa.
Com evidentes intenções restritivas, também foram acrescidos ao artigo 223-G três parágrafos que tratam de estabelecer parâmetros à indenização por dano extrapatrimonial, no caso de o pedido seja julgado procedente, sendo vedada sua acumulação:
I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;
II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;
IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido (art. 223-G, § 1°, CLT).
Tratam-se de uma série de conceitos jurídicos indeterminados, a serem arbitrados pelo juiz e, data maxima venia, não encontram necessidade de serem expressos na legislação trabalhista. Apesar de não ser estabelecido o que pode configurar cada uma dessas ofensas, o § 1° do art. 223-G restringe em demasia o princípio do convencimento fundamentado do juiz, tarifando o dano extrapatrimonial, algo que já ocorreu no passado com relação ao dano moral e foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, no RE 396.386-4/SP.
Transcreve-se a ementa do julgado:
CONSTITUCIONAL. CIVIL. DANO MORAL: OFENSA PRATICADA PELA IMPRENSA. INDENIZAÇÃO: TARIFAÇÃO. Lei 5.250/67 – Lei de Imprensa, art. 52: não recepção pela CF/88, artigo 5°, incisos V e X. RE interposto com fundamento nas alíneas a e b.
I. - O acórdão recorrido decidiu que o art. 52 da Lei 5.250, de 1967 – Lei de Imprensa – não foi recebido pela CF/88. RE interposto com base nas alíneas a e b (CF, art. 102, III, a e b). Não-conhecimento do RE com base na alínea b, por isso que o acórdão não declarou a inconstitucionalidade superveniente. É que não há falar em inconstitucionalidade superveniente. Tem-se, em tal caso, a aplicação da conhecida doutrina de Kelsen: as normas infraconstitucionais anteriores à Constituição, com estas incompatíveis, não são por ela recebidas. Noutras palavras, ocorre derrogação, pela Constituição nova, de normas infraconstitucionais com esta incompatíveis. II. - A Constituição de 1988 emprestou à reparação decorrente do dano moral tratamento especial – C.F., art. 5°, V e X – desejando que a indenização decorrente desse dano fosse a mais ampla. Posta a questão nesses termos, não seria possível sujeitá-la aos limites estreitos da lei de imprensa. Se o fizéssemos, estaríamos interpretando a Constituição no rumo da lei ordinária, quando é de sabença comum que as leis devem ser interpretadas no rumo da Constituição. III. - Não-recepção, pela CF/88, do art. 52 da Lei 5.250/67 – Lei de Imprensa. IV. - Precedentes do STF relativamente ao art. 56 da Lei 5.250/67: RE 348.827/RJ e 420.784/SP, Velloso, 2ª Turma, 1°.6.2004. V. - RE conhecido - alínea a -, mas improvido. RE - alínea b - não conhecido (STF, RE 396.386-4, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 29.06.2004, DJ de 13.08.2004).
Percebe-se que o art. 223-G, § 1°, da CLT, repete a mesma regra outrora considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal, ao julgar um dispositivo da Lei de Imprensa.
Baseando-se na tese da reparação integral do dano, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) ajuizou a ADI 5.870 [3], com pedido de medida cautelar, contra o mencionado dispositivo adicionado à CLT pela Lei 13.467 [4].
Ainda no âmbito do artigo 223-G, se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização pelo dano extrapatrimonial deve seguir os parâmetros do § 1°, mas deve considerar o salário contratual do causador do dano, ou ofensor (art. 223-G, § 2°, CLT).
Importante citar que a Medida Provisória n° 808, de 2017, visando conter algumas imoderações no Título, incluiu o § 5° no art. 223 da CLT, estabelecendo que os parâmetros supracitados, constantes do § 1° do mesmo artigo, não se aplicariam aos danos extrapatrimoniais decorrentes de morte, uma vez que essa se trata de uma consequência incalculável ao ofendido, não sendo aplicável a natureza gravíssima, haja vista que a morte ultrapassa em muito essa mera categoria indenizatória. Todavia, a MP 808 caducou, não mais existindo essa possibilidade na CLT. Assim, se levado a cabo o que dispõe o Título, em caso de morte do obreiro, uma vez que este seria titular exclusivo do direito à reparação (art. 223-B), não havendo de se aplicar quaisquer outras normas do Direito (art. 223-A), a família do falecido nada haveria de receber. Obviamente, essa tese não merece prosperar por todo o acima exposto.
O art. 223-G, § 3°, por fim, determina que, em caso de reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização, considerando os critérios do § 1°.
Ao longo do presente trabalho, demonstrou-se que, antes da Lei 13.467 (Reforma Trabalhista), os danos extrapatrimoniais eram configurados, no âmbito da Justiça Trabalhista, a partir de normas do Código Civil e da Constituição Federal, não havendo tratamento específico acerca da matéria na Consolidação das Leis do Trabalho. No entanto, com as profundas mudanças operadas pela Reforma, houve a inclusão, no texto da CLT, do Título II-A, o qual estabeleceu parâmetros ao dano extrapatrimonial decorrente do contrato de trabalho.
Vários dos dispositivos adotados pelo Título II-A da CLT, no entanto, como ficou evidente, colidem com paradigmas constitucionais, de forma a estabelecer rol claramente taxativo de direitos da personalidade a serem tutelados, tanto da pessoa física como da pessoa jurídica, e determinar limites considerando conceitos de dano assentados na pura abstração. Em virtude dessa colisão, várias foram as críticas recebidas e incontáveis são as ações ajuizadas no Supremo visando tornar sem efeito o disposto em alguns dispositivos.
Portanto, torna-se patente que o juízo, ao analisar casos concretos, examine-os não apenas com base na CLT, conforme tentou determinar o seu art. 223-A, mas, também, a partir das normas constitucionais de proteção do trabalhador e de inesgotabilidade dos direitos da personalidade, consignados em vários dispositivos tanto da Constituição Federal quanto do Código Privado de 2002. Isso porque o Direito não deve ser, ou não devia se pretender a ser, uma ciência fragmentada, e sim um ramo unitário, a ser encarado sob uma perspectiva panorâmica. Os dispositivos incluídos no Título II-A da Consolidação das Leis do Trabalho, em muito, corroboram para a afirmação de que tal exercício jurídico nunca foi tão caro e necessário como em nossos dias.
BRASIL. Casa Civil. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 5 dez. 2018.
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NOTAS
[1] e [2] Disponível em <http://www.jornadanacional.com.br/listagem-enunciados-aprovados-vis1.asp>. Acesso em 5 jan. 2019.
[3] Íntegra da peça disponível em <https://www.anamatra.org.br/files/01-Anamatra-STF-ADI-DanoMoral-Tabela-Inicial---Assinado.pdf>. Acesso em 5 jan. 2019.
[4] A esse respeito, confira-se o parecer disponível em <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2018/12/art20181226-01.pdf>. Acesso em 5 jan. 2019.
Bacharelando do curso de Direito na Universidade Estadual do Piauí.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, João Pedro Martins de. O tabelamento do dano extrapatrimonial na relação laboral após a Reforma Trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jul 2019, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53231/o-tabelamento-do-dano-extrapatrimonial-na-relao-laboral-aps-a-reforma-trabalhista. Acesso em: 22 nov 2024.
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