Resumo: Este artigo faz parte de um trabalho entregue como requisito parcial de nota para conclusão do 4º bimestre da Disciplina de Dogmática Jurídica. Aqui, de forma dogmática, irá discursar-se sobre os defeitos dos negócios jurídicos, seguindo a ordem lógica do próprio Código Civil. O método utilizado foi a revisão bibliográfica e a análise de legislação.
Palavras-chave: Direito Civil; Negócios Jurídicos; Defeitos.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 ERRO OU IGNORÂNCIA; 2 DOLO; 2.1 Dolo Principal e Dolo Acidental; 2.2. Dolo Bom (dolus bonus) e Dolo Mau (dolos malus); 2.3 Dolo Positivo e Dolo Negativo; 2.4 Dolo do Representante; 2.5 Dolo Bilateral; 3 COAÇÃO; 4 O ESTADO DE PERIGO; 5 LESÃO; 6 FRAUDE CONTRA CREDORES; 6.1 Atos de transmissão gratuita de bens e remissão de dívida; 6.2 Atos de transmissão onerosa; 6.3 Pagamento antecipado de dívida; 6.4 Concessão fraudulenta de garantias; REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Os defeitos do negócio jurídico encontram-se no Livro III, Título I, Capítulo IV do Código Civil Brasileiro de 2002. O próprio código enuncia do que se trata o defeito do negócio jurídico, in verbis, “são anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio” (grifo nosso).
Partindo do enunciado do art. 138, percebe-se então, que o defeito do negócio jurídico é oriundo de vício da vontade, essa, essencial para existência do negócio jurídico. Ainda, estabelece o Código seis defeitos, divididos em seções: Seção I, do Erro ou Ignorância; Seção II, do Dolo; Seção III, da Coação; Seção IV, do Estado de Perigo; Seção V, da Lesão; e Seção VI, da Fraude Contra Credores.
A doutrina, ainda, divide os vícios em: vício do consentimento, colocando o erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão; e o vício social, estabelecido pela fraude contra credores.
Discursará esse trabalho na ordem das seções do código civil.
1 ERRO OU IGNORÂNCIA
Segundo Gonçalves, “o erro consiste em uma falsa representação da realidade”[1]. Para Tartuce “o erro é um engano fático, uma falsa noção, em relação a uma pessoa, ao objeto do negócio ou a um direito, que acomete a vontade de umas das partes que celebrou o negócio jurídico”[2].
De acordo com Venosa, “o erro manifesta-se mediante compreensão psíquica errônea da realidade, ou seja, a incorreta interpretação de um fato. A ignorância é um nada a respeito de um fato, é o total desconhecimento”[3].
Estabelece o Código Civil de 2002, que os negócios jurídicos somente se tornarão anuláveis quando houver erro substancial. Gonçalves coloca que o “erro substancial ou essencial é o que recai sobre circunstâncias e aspectos relevantes do negócio”[4]. Dessa forma, difere-se do erro acidental, que ocorre nos elementos secundários do negócio jurídico, não gerando anulabilidade[5].
Precisamente, são três os incisos que tratam do erro substancial, in verbis:
Art 139. O erro é substancial quando:
I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;
III – sendo de direito e não implicando à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico;
Dessa forma, coloca Tartuce[6] que há erro substancial quando houver: error in negotia (quando o erro interessa ao negócio jurídico); error in corpore (quando o erro interessa ao objeto principal); error in substantia (quando o erro interessa qualidades essencial, substanciais); error in persona (quando o erro é relativo a pessoa); e error iuris (quando o erro é jurídico).
Salienta-se, todavia, que o error in persona e o error in corpore “somente é essencial quando não se tem como apurar quem seja, realmente, a pessoa ou a coisa que se refere a manifestação da vontade”[7], assim estabelece o art. 142 do Código Civil, in verbis:
Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada. (grifo nosso)
O Código Civil ainda traz o falso motivo, transmissão errônea da vontade e o erro de cálculo, nos arts. 140, 141 e 143, respectivamente.
No que se refere o falso motivo, “o erro quanto ao objeto colimado não vicia, em regra, o negócio jurídico, a não ser quando nele figurar expressamente, integrando-o, como sua razão essencial ou determinante”[8]. Estabelece o Código Civil, art. 140, in verbis, que “o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.”
A transmissão errônea da vontade ocorre quando, segundo Gonçalves, a declaração é feita por meio de outra pessoa ou por meio de comunicação, não tendo a vontade fidelidade, estabelecido divergência entre o que o declarante queria e o que foi transmitido, esse fato propicio anulação do negócio[9]. O dispositivo pode ser aplicado aos contratos eletrônicos[10]. Assim diz o Código Civil, art. 141, in verbis, “a transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta”.
Por fim, o erro de cálculo não gera anulabilidade do negócio jurídico, “mas apenas autoriza a possibilidade de retificação da declaração de vontade, hipótese de convalidação prévia”[11].
Cabe ressaltar que o prazo para anular o negócio jurídico realizado com erro possui decadência de quatro anos, conforme art. 178, inciso II, do Código Civil, in verbis, “é de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se anulação do negócio jurídico, contado [...] no de erro, [...] do dia em que se realizou o negócio jurídico”.
COMPRA E VENDA IMOBILIÁRIA. ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. ERRO OU IGNORÂNCIA. RESCISÃO CONTRATUAL. O prazo decadencial para anulação de negócio jurídico decorrente de vício de consentimento (erro) é de quatro anos, nos termos do artigo 178 do Código Civil. Entre a data da celebração do contrato de permuta e a data do ajuizamento da ação decorreu prazo superior a quatro anos. Ainda que considerada a pretensão de rescisão do contrato, fundada em inadimplemento contratual, deve ser observado o prazo prescricional de 10 (dez) anos (art. 205 do CC), também superado no caso. Recurso desprovido.[12]
2 DOLO
Conforme art. 145 do Código Civil, in verbis, “são os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a causa”. A doutrina colo o dolo civil, diferente do dolo penal e do dolo processual, como um artifício que o agente utiliza para enganar outrem, com objetivo de alcançar benefício próprio[13].
APELAÇÃO CÍVIL. NEGÓCIO JURÍDICO. DEFEITO. DOLO. MÁ-FÉ DOS CONTRATANTES. MOTIVO DETERMINANTE PARA REALIZAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA. ÔNUS QUE COMPETE A QUEM ALEGA. RECURSO IMPROVIDO. O dolo civil para nulificar o negócio jurídico, além de ser verificável no momento da contratação, deve ser o motivo determinante que levou a parte a realizar o negócio jurídico questionado. Ausente a prova de que houve má-fé dos contratantes pela parte que levanta a ocorrência do dolo, a improcedência de seu pedido é à medida que se impõe.[14]
Segundo Tartuce[15], o dolo de que se trata o artigo é o dolus causum (dolo substancial), e pode ser realizado por terceira, não sendo exclusivo do agente, conforme estabelece o art. 148 do Código Civil, in verbis, “pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.”
Para Venosa, “dolo consiste em artifício, artimanha, engodo, encenação, astúcia, desejo maligno tendente a viciar a vontade do destinatário, a desviá-la de sua correta direção”[16].
Gonçalves[17] subdivide o dolo em 7 espécies: principal e acidental; dolus bonus e dolus malus; positivo e negativo; do outro contratante e de terceiro; da própria parte e do representante; unilateral e bilateral; e dolo de aproveitamento. Para Tartuce[18], o dolo é divido em dois grupos, que se subdividem: dolo quanto ao conteúdo – dolo bom e dolo mau; dolo quanto à conduta das partes – dolo positivo, dolo negativo e dolo bilateral.
2.1 Dolo Principal e Dolo Acidental
Para Gonçalves, “somente o dolo principal, como causa determinante da declaração de vontade, vicia o negócio jurídico”[19]. Em contraponto, o dolo acidental, aquele que mesmo com malícia pode ser realizado, não gera anulabilidade do negócio jurídico, todavia, obriga à satisfação das perdas do dano, como coloca o art. 146 do Código Civil, in verbis, “o dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo”.
2.2 Dolo Bom (dolus bonus) e Dolo Mal (dolus malus)
O dolus bonus é aquele que, embora tenha tido malícia, pode ser tolerado, tendo em vista que não houve gravidade suficiente para constituir vício de vontade[20]. Ainda, Tartuce[21] divide o dolo bom em dois grupos: o primeiro denomina-se tolerável e, o segundo em conduta que visa trazer vantagem a outrem.
O dolus malus é aquele que, dotado de ludibriosidade, é grave o suficiente para gerar anulabilidade do negócio jurídico. Dessa forma, “quando se tem dolo mau, o negócio jurídico poderá ser anulado se houver prejuízo ao induzido e benefício ao autor do dolo ou a terceiro”[22] e, conforme coloca Gonçalves, ao autor do dolo gera-se a “obrigação de satisfazer as perdas e danos, conforme a intensidade da gravidade”[23].
2.3 Dolo Positivo e Dolo Negativo
Tartuce[24] coloca que o dolo positivo é o praticado por ação, e o dolo negativo é o praticado por omissão. Complementa-se que, “para a caracterização desse dolo omissivo [dolo negativo] é preciso que o prejudicado prove que não celebraria o negócio jurídico se a omissão não ocorresse”[25].
O Código Civil, em seu art. 147, coloca que o silêncio intencional constitui omissão dolosa do agente, a respeito de fato ou qualidade que outra parte ignorava, in verbis, “nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado”.
2.4 Dolo do Representante
É o dolo cometido não por terceiro, mas pelo representante da parte. O dolo do representante é previsto no art. 149 do Código Civil, e condiz que “se o representante induz em erro a outra parte, constituindo-se o dolo por ele exercido na causa do negócio, este será anulável. Sendo o dolo acidental, o negócio subsistira, ensejando a satisfação das perdas e danos”[26].
2.5 Dolo Bilateral
Enuncia o art. 150 do Código Civil que, “se ambas as partes procederem com o dolo, nenhuma poderá alega-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização”. Nessa linha, seguindo o estrito sentido, Gonçalves coloca que “se ambas as partes têm culpa, uma vez que cada qual quis obter vantagem em prejuízo da outra, nenhuma delas pode invocar o dolo para anular o negócio ou reclamar indenização”[27]. Para Tartuce, “haverá uma compensação total das condutas movidas de má-fé, consagração da regra pela qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza”[28].
3 COAÇÃO
A coação “é toda a ameaça ou pressão injusta exercida”[29] sobre “o negociante, visando obriga-lo a assumir uma obrigação que não lhe interessa”[30]. Pode ser classificada enquanto coação absoluta, não gerando anulabilidade do negócio jurídico, mas sim a sua nulidade, visto que não há manifestação da vontade para ser viciada[31]; e coação relativa, “que constitui vicio da vontade e torna anulável o negócio jurídico”[32]. Na coação, “a vontade deixa de ser espontânea como resultado de violência contra ela. A figura da coação não é reduzível a qualquer outro vicio, guardando visível autonomia”[33].
Conceituando, a vis absoluta (coação física/absoluta) é aquela mediante “constrangimento corporal que venha retirar toda a capacidade de querer de uma das partes, implicando na ausência total de consentimento, o que acarretará na nulidade absoluta do negócio”[34].
Enquanto, a vis compulsiva (coação moral/relativa) é “efetiva e presente, causa fundando temor de dano iminente e considerável à pessoa do negociante, à sua família, à pessoa próxima ou aos seus bens, gerando anulabilidade do ato”[35].
Segundo Gonçalves[36], para caracterizar coação são necessários os seguintes requisitos: deve ser a causa determinante do ato; deve ser grave; deve ser injusta; deve dizer respeito a dano atual ou iminente; deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens, da vítima ou a pessoa de sua família.
Ainda, o Código Civil permite a coação exercida por terceiro, conforme dita, in verbis, o art. 154: “vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos”. Como aponta Gonçalves, “prevaleceu, desse modo, o princípio da boa-fé, a tutela da confiança da parte que recebeu a declaração de vontade sem ter, nem podendo ter, conhecimento do mencionado vício do consentimento”[37].
4 O ESTADO DE PERIGO
O Código Civil é sucinto ao tratar do estado de perigo, colocando, no art. 156, que “configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”. Negócio jurídico celebrado sob estado de perigo gera anulabilidade.
Nesse sentido, “constitui o estado de perigo a situação de extrema necessidade que conduz uma pessoa a celebrar negócio jurídico em que assume obrigação desproporcional e excessiva”[38].
Para caracterizar estado de perigo, são necessários os seguintes elementos estruturais: situação de necessidade; iminência de dano atual e grave; nexo de causalidade entre a declaração e o perigo de grave dano; incidência da ameaça do dano sobre a pessoa do próprio declarante ou de sua família; conhecimento do perigo pela outra parte; e assunção de obrigação excessiva e onerosa[39].
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SEGURO SAÚDE ANTERIOR À LEI 9.656/98. SUBMISSÃO DO SEGURO À CIRURGIA QUE SE DESDOBROU EM EVENTOS ALEGADAMENTE NÃO COBERTOS PELA APÓLICE. NECESSIDADE DE ADAPTÇÃO A NOVA COBERTURA, COM VALORES MAIORES. SEGURADO E FAMILIARES QUE SÃO LEVADOS A ASSINAR ADITIVO CONTRATUAL DURANTE ATO CIRURGICO. ESTADO DE PERIGO. CONFIGURAÇÃO. É EXCESSIVAMENTE ONEROSA O NEGÓCIO QUE EXIGE DO ADERENTE MAIOR VALOR POR AQUILO QUE JÁ LHE É DEVIDO DE DIREITO. DANO MORAL CONFIGURADO.[40]
5 LESÃO
A lesão encontra-se respaldada no art. 57 do Código Civil, que segundo a doutrina[41], encaixa-se no vício do consentimento. Em literalidade, a norma estabelece:
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
Dessa forma, a doutrina coloca que “lesão é, assim, o prejuízo resultante da enorme desproporção existente entre as prestações de um contrato no momento de sua celebração, determinada pela premente necessidade ou inexistência de uma das partes”[42]. Destaca-se, portanto, dos demais vícios do negócio jurídico,
por acarretar uma ruptura do equilíbrio contratual na fase de formação do negócio [...] e da onerosidade excessiva ou cláusula rebus sic stantibus por caracterizar-se esta pelo surgimento de fatos supervenientes à celebração do negócio, possibilitando a invocação da teoria da imprevisão para embasar a revisão somento nos contratos de execução deferida e nos de trato sucessivo.[43]
Assim, a lesão acarretará em anulabilidade do contrato salvo “se for oferecido suplemente suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”.
NULIDADE. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA, EM RAZÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. INEXISTÊNCIA. NEGÓCIO JURÍDICO. DEFENDO DE CONSENTIMENTO DA LESÃO. PRAZO DE DECADÊNCIA DE 4 ANOS. ADMISSÍVEL O RECONHECIMENTO DE DECADÊNCIA, QUE PODE ATÉ SER DECRETADA DE OFICIO, NO JULGAMENTO DE APELAÇÃO OFERECIDO CONTRA SENTENÇA, QUE JULGOU IMPROCEDENTE A AÇÃO, COM BASE NO ART. 269, I, DO CPC, APÓS REJEITAR ARGUIÇÃO DE PRESCRIÇÃO OFERECIDA PELA PARTE VENCEDORA. DECORRIDOS MAIS DE QUATRO ANOS, O PRAZO PREVISTO NO ART. 178, II, DO CC/2002, ENTRE O ENCERRAMENTO DO CONTRATO E O AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE COBRANÇA, DE RIGOR, O RECONHECIMENTO DA DECADÊNCIA PARA PLEITEAR A ANULAÇÃO DO AJUSTE DE SUPRESSÃO DO REAJUSTE PREVISTO NO CONTRATO ORIGINÁRIO E, CONSEQUENTEMENTE, DE COBRAR AS DIFERENÇAS DAÍ DECORRENTE. ALTERAÇÃO DO DISPOSTO DA SENTENÇA DE JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO COM FUNDAMENTO NO ART. 269, I, DO CPC, PARA O ART. 269, IV, DO CPC. RECURSO DESPROVIDO.[44]
Além disso, a lesão é constituída de elementos subjetivos e objetivos. Trata o elemento objetivo formado pela desapropriação das prestações que geram prejuízo a uma das partes, e o elemento subjetivo trata da premente necessidade ou inexperiência[45].
Segundo Venosa, lesão
consiste no prejuízo que um contratante experimenta em contrato comutativo quando não recebe da outra parte valor igual ou proporcional ao da prestação que forneceu. Nos contratos aleatórios, apenas excepcionalmente pode ser tipificada a lesão, quando a vantagem obtida é frontalmente superior à álea do contrato. A lesão tem seu campo de atuação, de fato, como modalidade de aplicação da decantada boa-fé objetiva nos contratos sinalagmáticos ou comutativos.[46]
6 FRAUDE CONTRA CREDORES
A fraude contra credores é o último vício previsto no Código Civil que acarreta anulabilidade do negócio jurídico. A doutrina coloca a fraude contra credores enquanto vício social, e não do consentimento, “uma vez que não conduz a um descompasso entre o intimo querer do agente e a sua declaração”[47]. Em Venosa, “é fraude contra credores qualquer ato praticado pelo devedor já insolvente ou por esse ato levado à insolvência com prejuízo de seus credores”[48].
Tartuce conceitua que,
Constitui fraude contra credores a atuação maliciosa do devedor, em estado de insolvência ou na imanência de assim tornar-se, que dispõe de maneira gratuita ou onerosa o seu patrimônio, para afastar a possibilidade de responderem os seus bens por obrigações assumidas em momento anterior à transmissão.[49]
Assim, o art. 158 do Código Civil, coloca que “Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos”.
A doutrina[50] estabelece dois elementos constitutivos da fraude contra credores: eventos damni (elemento objetivo), caracterizado pela insolvência que prejudica o credor; e consilium fraudis (elemento subjetivo), caracterizado pela má-fé do devedor. O estado de insolvência refere-se a débitos superiores a importância dos bens do devedor[51].
Em suma, o elemento subjetivo é a má-fé, e o elemento objetivo o prejuízo oriundo da má-fé.
Gonçalves[52] coloca que existem, além da transmissão onerosa, outras espécies passíveis de fraude:
6.1 Atos de transmissão gratuita de bens e remissão de dívida
São casos em que “os credores não precisam provar o conluio fraudulento, pois a lei presumo a existência do proposito de fraude”[53]. Ainda, há de se dizer que o art. 158 inclui como “ato fraudulento toda vez que o devedor estiver insolvente ou beirando à insolvência, [cabendo] ação anulatória por parte dos credores quirografários eventualmente prejudicados”[54].
Denomina-se ação paulina a ação anulatória por parte dos credores quirografários prejudicados por ato fraudulento[55]. Maria Helena Diniz coloca que,
A fraude contra credores, que vicia o negócio jurídico de simples anulabilidade, somente é atacável por ação paulina ou revocatória, movida pelos credores quirografários, que já o eram ao tempo da prática desse ato fraudulento que se pretende invalidar. O credor com garantia real não poderá reclamar anulação, por ter ônus real a segurança de seu reembolso, salvo se, executada a sua garantia, o bem onerado não for suficiente para satisfazer seus direitos creditícios.[56]
6.2 Atos de transmissão onerosa
Coloca o art. 159 do Código Civil que para gerar anulabilidade do negócio jurídico oneroso, “exigindo, além da insolvência, o conhecimento dessa situação pelo terceiro adquirente. [...] Não se exige conluio entre as partes, bastando a prova da ciência dessa situação pelo adquirente”[57].
6.3 Pagamento antecipado de dívida
Recebe respaldo no art. 162 do Código Civil, “o credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acerto sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu”.
Dessa forma, coloca Gonçalves que “o credor quirografário é o que tem seu crédito decorrente de um titulo ou documento escrito, a ele se refere o estatuto civil como aquele que tem como única garantia o patrimônio geral do devedor, ao contrário do credor privilegiado, que possui garantia especial”[58]. Ainda, “presume-se, na hipótese, a intuito fraudulento e o credor beneficiado ficará obrigado a repor, em provento do acervo, o que recebeu, instaurando o concurso de credores”[59].
6.4 Concessão fraudulenta de garantias
Estabelece o art. 163 do Código Civil que “presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dividas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor”. Dessa forma, coloca Gonçalves que o artigo faz menção a garantias reais, “pois as fidejussórias não prejudica os credores em concurso. [...] A presunção, in casu, resulta do próprio ato, uma vez demonstrada insolvência do devedor, sendo juris et de jure”[60].
Ainda se ressalta que somente a garantia é anulada, continuando o credor qualificado como quirografário. Ainda, a fraude cometida nas alienações onerosas são as que exigem má-fé do adquirente, nas demais situações ela fica presumida[61].
REFERÊNCIAS
ALVES, J. F; DELGADO, M. L. Código Civil Anotado. São Paulo: Método, 2005.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 2002.
DINIZ, M. H. In: SILVA, R. B. T. (coord.). Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 14. ed, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2016.
STJ. REsp: 918392 RN 2007/0011488-6. Relator: Ministra Nancy Andrighi, 11 de março de 2008.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 8. ed. São Paulo Método, 2018.
TJ-MS. AC: 10794 MS 2005.010794-5. Relator: Desª Tânia Garcia de Freitas Borges, 20 de junho de 2006.
TJ-SP. 1017721-05.2015.8.26.0007, Relator J. B. Paula Lima, 19 de junho de 2018.
______. APL: 990093404311 SP. Relator: Robello Pinho, 09 de agosto de 2010.
VENOSA, Silvo de Salvo. Direito civil: parte geral. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil 1: esquematizado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 332.
[2] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 8. ed. São Paulo Método, 2018, p. 273.
[3] VENOSA, Silvo de Salvo. Direito civil: parte geral. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 417.
[4] GONÇALVES, op. cit., p. 333.
[5] GONÇALVES, op.cit; TARTUCE, op. cit.
[6] TARTUCE, op. cit.
[7] GONÇALVES, op. cit., p. 335.
[8] Ibid., p. 338.
[9] Ibid., p. 339.
[10] ALVES, J. F; DELGADO, M. L. Código Civil Anotado. São Paulo: Método, 2005. p. 95.
[11] TARTUCE, op. cit., p. 277.
[12] TJ-SP 1017721-05.2015.8.26.0007, Relator J. B. Paula Lima, 19 de junho de 2018.
[13] GONÇAVELS, op. cit.; TARTUCE, op. cit.;
[14] TJ-MS. AC: 10794 MS 2005.010794-5. Relator: Desª Tânia Garcia de Freitas Borges, 20 de junho de 2006.
[15] TARTUCE, op. cit.
[16] VENOSA, op. cit., p. 431.
[17] GONÇALVES, op. cit.
[18] TARTUCE, op. cit.
[19] GONÇALVES, op. cit., p. 342.
[20] GONÇALVES, op. cit.; TARTUCE, op. cit.
[21] TARTUCE, op. cit.
[22] Ibid., p. 280.
[23] GONÇALVES, op. cit., p. 343.
[24] TARTUCE, op. cit.
[25] Ibid., p. 281
[26] GONÇALVES, op. cit., 345.
[27] Ibid., p. 346.
[28] TARTUCE, op. cit., loc. cit.
[29] GONÇALVES, op. cit., loc. cit.
[30] TARTUCE, op. cit., loc. cit.
[31] GONÇALVES, op. cit.; TARTUCE, op. cit.
[32] GONÇALVES, op. cit., p. 347.
[33] VENOSA, op. cit., p. 445.
[34] DINIZ, M. H. Código Civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 181. apud TARTUCE, op. cit., p. 282.
[35] TARTUCE, op. cit., loc. cit.
[36] GONÇALVES, op. cit.
[37] Ibid., p. 350.
[38] Ibid., p. 351.
[39] Ibid.
[40] STJ. REsp: 918392 RN 2007/0011488-6. Relator: Ministra Nancy Andrighi, 11 de março de 2008.
[41] GONÇALVES, op. cit.; TARTUCE, op. cit.;
[42] GONÇALVES, op. cit., p. 357.
[43] Ibid., p. 358.
[44] TJ-SP. APL: 990093404311 SP. Relator: Robello Pinho, 09 de agosto de 2010.
[45] GONÇALVES, op. cit.; TARTUCE, op. cit.;
[46] VENOSA, op. cit., p. 466.
[47] GONÇALVES, op. cit., p. 361.
[48] VENOSA, op. cit., p. 477.
[49] TARTUCE, op. cit., p. 298.
[50] GONÇALVES, op. cit., TARTUCE, op. cit.
[51] DINIZ, M. H. In: SILVA, R. B. T. (coord.). Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 220
[52] GONÇALVES, op. cit.
[53] ibid., p. 364.
[54] TARTUCE, op. cit., p. 299.
[55] GONÇALVES, op. cit.; TARTUCE, op. cit.
[56] DINIZ, op. cit., p. 221.
[57] GONÇALVES, op. cit., p. 365.
[58] Ibid., loc. cit.
[59] Ibid., p. 366.
[60] Ibid., loc. cit.
[61] GONÇALVES, op. cit.; TARTUCE, op. cit.; VENOSA, op. cit.;
Graduando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Monitor em Teoria Geral do Direito. Pesquisador no Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito Constitucional e Violência (GEPDCV/FURG), Grupo de Estudos sobre o Constitucionalismo Latino-Americano (GEDCONST/FURG) e no Grupo de Pesquisa Sociedade da Informação, Liberdade de Expressão e Democracia Constitucional (SIDC/FMP). Estagiário na Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Rio Grande. http://lattes.cnpq.br/7844682367156320
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Jonathan Morais Barcellos. Defeitos do negócio jurídico: uma breve abordagem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 ago 2019, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53351/defeitos-do-negcio-jurdico-uma-breve-abordagem. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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