É de conhecimento geral que a Lei nº. 13.467/2017, popularmente conhecida como “Reforma Trabalhista”, trouxe modificações substanciais às relações de trabalho, tendo a geração de emprego e a propulsão econômica do país como escopo principal.
Mesmo após um ano e sete meses de sua vigência, a reforma ainda gera dúvidas sobre as disposições acrescidas à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criando, por consequência, uma verdadeira zona nebulosa e cheia de insegurança jurídica sobre determinados assuntos.
Dentre outros pontos, a lei alterou a redação do parágrafo 2º do artigo 58 da CLT, ao declarar que o tempo despendido pelo empregado, desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho, não deve ser computado na jornada de trabalho por não ser tempo à disposição do empregador. Trata-se das chamadas horas in itinere.
Anteriormente, o tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pela empresa até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, era computável na jornada de trabalho do empregado.
Não obstante à nova roupagem dada pela reforma, que inexoravelmente retirou das horas de trajeto o caráter de “tempo à disposição” do empregador, consequentemente excluindo-as do cômputo da carga horária do empregado, recente julgado proferido pela 10ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região acrescentou um novo capítulo nas discussões advindas da Reforma Trabalhista.
Em sessão realizada no último dia 02 de julho, nos autos da reclamação trabalhista de nº. 0010055-26.2019.5.15.0123, em decisão unânime, a 10ª Câmara decidiu que as alterações lançadas, especificamente no parágrafo segundo do art. 58 da CLT, não atingiram o trabalhador rural, mas tão somente os urbanos. Desse modo, as horas in itinere continuam sendo devidas aos empregados rurais. O fundamento utilizado é de que eles possuem regramento legal próprio, estabelecido na Lei n.º 5.889, de 8 de junho de 1973, regulamentada pelo Decreto n.º 73.626, de 12 de fevereiro de 1974.
Ainda de acordo com a 10ª Câmara, esse diploma legal, em seu artigo 4º, indica os dispositivos da CLT que se aplicam às relações de trabalho rural, dentre os quais não se encontra inserido o artigo 58, da CLT.
A Câmara acrescentou ainda que o citado artigo 4º, do Decreto n.º 73.626/1974, contempla expressamente, dentre as disposições aplicáveis ao trabalhador rural, o artigo 4º, da CLT. O artigo 4º da CLT, por sua vez, estabelece que “considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”.
Portanto, sob essa ótica, em que pese a alteração da redação do parágrafo 2º do artigo 58 da CLT, que visivelmente pôs fim ao cômputo das horas in itinere na jornada de trabalho dos empregados, estas não foram relegadas aos trabalhadores rurais, que continuam fazendo jus ao seu recebimento, agora com substrato do artigo 4º da CLT.
Causa inquietação o fundamento utilizado para deferir aos trabalhadores rurais o pagamento das horas de trajeto, isso porque, mesmo antes da vigência da Reforma Trabalhista, não havia discussão acerca da aplicabilidade do artigo 58 da CLT também aos trabalhadores rurais. Nada era discutido quanto à sua extensão aos empregados rurais. Tanto é verdade que, nos julgamentos pretéritos à vigência da lei, inclusive no próprio Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, invariavelmente o fundamento adotado para conceder aos trabalhadores rurais as horas de trajeto, era o próprio parágrafo segundo do artigo 58 da CLT, associado ainda à Súmula nº. 90 do Tribunal Superior do Trabalho.
A construção do entendimento da 10ª Câmara do TRT da 15ª Região surge justamente quando o legislador, de forma expressa e indiscutível, excluiu da jornada de trabalho as horas de trajeto, frise-se, sem fazer qualquer tipo de distinção entre trabalhadores urbanos ou rurais.
Caso houvesse interesse na preservação do pagamento das horas in itinere tão somente aos trabalhadores rurais, é evidente que tal ressalva estaria expressamente consignada no bojo do parágrafo 2º do artigo 58, o que não é o caso.
Em verdade, pensando no propósito do artigo 4º da CLT, percebe-se que o tempo à disposição a que se refere o legislador diz respeito aos atos preparatórios para o início da prestação de serviços propriamente dita, como o tempo que o empregado despende para se locomover dentro da fábrica até chegar ao seu setor de trabalho, ou o tempo que leva para trocar todo o seu uniforme. Não diz respeito às horas de trajeto.
A discussão desencadeada pelo entendimento da 10ª Câmara do TRT-15 é mais uma amostra das consequências decorrentes do ativismo judicial em excesso, quando, através de interpretações questionáveis, são criadas dúvidas decorrentes de obscuridades e omissões da própria legislação.
Fato é que a discussão certamente está longe de ter um ponto final e o que se espera é um posicionamento claro e firme do Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema, sobretudo, para que se preserve a segurança jurídica mesmo após quase dois anos de Reforma Trabalhista.
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