RESUMO: O Código de Defesa do Consumidor introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de responsabilização dos fornecedores de produtos e serviços em razão de condutas distintas. Esta distinção tem como pressuposto a avaliação da natureza jurídica da atividade comercial/empresarial desenvolvida pelo fornecedor, se fornecedores de mercadoria ou prestadores de serviços, bem como acerca da distinção da origem de vício. A relevância dessa distinção surge a partir do momento em que a responsabilidade por fato do produto ou do serviço, disciplinada nos artigos 12 a 17 da Lei n.º 8.078/90 enquanto a responsabilidade por vício do produto ou do serviço estão previstas nos artigos 18 a 23 da mencionada legislação. A presente artigo busca analisar características legislativas introduzidas pela Lei 8.078/90 no que diz respeito à distinção jurídica entre a responsabilidade pelo fato do produto e a responsabilidade pelo vício do produto.
Palavras Chave: Direito do Consumidor – responsabilidade – circulação de mercadorias – produção – vício.
ABSTRACT: The Consumer Defense Code introduced into the Brazilian legal system the possibility of liability of suppliers of products and services due to different conduct. This distinction presupposes the assessment of the legal nature of the commercial / business activity developed by the supplier if goods suppliers or service providers, as well as about the distinction of vice source. The relevance of this distinction arises from the moment in which the liability for fact of the product or service, disciplined in articles 12 to 17 of Law no. 8.078 / 90 while the liability for product or service defect is foreseen in articles 18 23 of that legislation. This monograph seeks to analyze legislative features introduced by Law 8.078 / 90 regarding the legal distinction between the responsibility for the fact of the product and responsibility for the defect of the product.
Keywords: Consumer Law - Accountability - movement of goods - production - addiction.
INTRODUÇÃO
As mudanças ocorridas na sociedade, notadamente após a Revolução Industrial, caracterizadas pelo aumento do consumo de produtos e serviços, marcam o nascimento e o desenvolvimento do Direito do Consumidor no Brasil.
Essa nova realidade social, mais industrializada e consumista provocou a necessidade de se tutelar as relações travadas entre os fornecedores e os consumidores desses produtos e serviços.
Nesse contexto, adveio o Código de Defesa do Consumidor – Lei n.º 8.078/90, cujo objetivo é restabelecer o equilíbrio e a igualdade nas relações de consumo, mormente pela condição de vulnerabilidade atribuída ao consumidor frete ao poderio financeiro do fornecedor.
O Código de Defesa do Consumidor, partindo da premissa de ser o consumidor a parte mais fraca da relação contratual, impõe aos fornecedores de produtos e serviços, atuação limitada pelo princípio da boa-fé, responsabilizando-os pelos danos causados aos consumidores, de modo a combater os abusos decorrentes da atividade empresarial.
Nessa linha, o legislador consumerista adotou, como sistema geral, a responsabilidade civil objetiva, independente de culpa, onde o fornecedor, por auferir lucro em razão de sua atividade empresarial, responde pelos ônus causados por essa atividade. Assim, o consumidor terá que provar apenas o dano e o fato que o gerou, não havendo que se falar em culpa do fornecedor.
Entre as hipóteses de responsabilidade civil previstas no Código da Defesa do Consumidor, temos a responsabilidade por fato do produto ou do serviço, disciplinada nos artigos 12 a 17, e a responsabilidade por vício do produto ou do serviço, prevista nos artigos 18 a 23 da mencionada legislação, sendo, neste último caso, a responsabilidade definida como responsabilidade solidária, que será objeto de estudo mais detalhado no presente trabalho.
Ou seja, o fornecedor – aqui entendido como pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (artigo 3º) - fica responsável pelas garantias dos produtos e serviços que oferece no mercado, respondendo tanto pela qualidade, quanto pela segurança deles.
Da análise dos supracitados artigos, infere-se que no caput do artigo 18, o legislador definiu a responsabilidade solidária dos fornecedores quanto aos vícios do produto e do serviço
Dessa forma, a norma disposta no artigo 18 aloca todos os envolvidos na cadeia de produção e circulação de produtos como responsáveis diretos pelo seu vício (o comerciante, o fabricante, o incorporador da peça etc), de modo que o consumidor poderá ingressar na justiça contra qualquer um deles para exigir seus direitos.
Trata-se, sem dúvida, de poderoso instrumento de salvaguarda dos direitos do consumidor, que ganha contornos diferenciados quando envolve fato do produto.
Isso porque, o artigo 12 do citado Código não fala em fornecedor como gênero, mas especifica que a responsabilidade por defeito do produto, quando este não oferece a segurança que dele se espera, será do fabricante, do produtor, do construtor nacional ou estrangeiro e do importador, excluindo a figura do comerciante, que somente será responsável quando não houver a possibilidade de identificação dos fabricantes ou importadores e quando houver má conservação de produto perecível (artigo 13).
Tal especificação sinaliza que, no caso de defeito do produto, a solidariedade somente se estabelece em relação aos entes expressamente nominados no artigo 12, o que limita o consumidor no seu direito de buscar o ressarcimento pelos danos a ele causados.
Desse modo, de suma importância o estudo e análise da responsabilidade dos envolvidos na cadeia de produção e circulação de produtos e serviços, haja vista que a responsabilidade solidária pelo fato do produto tem limites rígidos estabelecidos na lei e se diferencia de outros casos de responsabilidade tratados no Código de Defesa do Consumidor.
Portanto, com esse artigo, pretende-se acrescentar conhecimento sobre a responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor, forma eficaz de garantir a segurança e os direitos básicos do consumidor.
1 - A Responsabilidade Civil no Direito do Consumidor.
1.1 Evolução histórica do Direito do Consumidor no Brasil.
No Brasil, os primeiros indícios legislativos ou normativos que de alguma forma protegiam os consumidores remontam às Ordenações Filipinas, que vigoraram no Brasil até a promulgação do Código Civil de 1916.
Também foi importante para a implementação na legislação brasileira de conceitos e institutos consumeristas o Código Comercial brasileiro, Lei 556/1850, que, de forma esparsa, disciplinava sobre direitos relativos a juros contratuais e criminalização da usura. Como exemplo podem ser citados os artigos 206, 213 e 253 daquela Legislação Imperial.
Com clara inspiração no Código Comercial, surgiu legislação própria o Decreto 22.626/1933, também chamada de Lei de Usura, ainda vigente, regulamentou os juros nos contratos comerciais e tipificou condutas delituosas.
Não obstante o claro viés nacionalista e liberal, a Constituição da República de 1934 fixou competência exclusiva da União para legislar sobre normas geras de trabalho, produção e consumo, com expressa possibilidade de inserir limitações exigidas pelo interesse público.
Conceitos de existência digna, economia popular, desenvolvimento, liberdade econômica e vedação de usura também foram inseridos de forma vigorosa e clara na Constituição de 1934, com a inclusão de um Título para tratar especificadamente sobre “Ordem Econômica e Social”:
Também são de relevante contribuição para fortalecimento dos direitos consumeristas no Brasil os Decretos-Lei 869/38 e 9.840/46 que, de forma não exclusiva, criam regramentos e tipificavam os crimes contra a economia popular, e cuja relevância do tema fez surgir em 1951 legislação específica em vigente até a presente data, conhecida como Lei de Economia Popular – Lei 1.521/1951.
O próprio CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, criado pela Lei n° 4.137/62, conhecida como Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico, sendo inquestionável que suas originárias disposições legais que buscavam fiscalizar a gestão econômica e regime de contabilidade das grandes empresas indiretamente beneficiava o consumidor.
Sob o Governo Militar, a Constituição de 1967 expressamente fixou a competência da União para legislar sobre produção e consumo (artigo 8º, inciso XVII, alínea “d”), mas nada dispôs sobre garantias constitucionais dos consumidores no trecho que tratava da ordem econômica (artigo 157).
A Lei de Ação Civil Pública – Lei 7.437/85 – expressamente introduziu o a proteção aos consumidores a à ordem econômica, antes da promulgação da Constituição da Republica de 1988, ainda que de forma difusa e coletiva, constante aos danos causados aos consumidores, conforme consignado nos incisos II da redação original do artigo 1º da referida Lei:
A efetiva e especifica tutela aos consumidores, quer de forma difusa e coletiva quer de forma individual surge em 1988 com a promulgação da chamada Constituição Cidadã, e posteriormente se consolida em 1990, com um sistema legislativo próprio, o Código de Defesa do Consumidor – Lei n.º 8.078/90.
Não obstante serem indiscutíveis a relevância, abrangência e efetividade da Lei 8.078/90, é importante a crítica de Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves sobre efeitos contrários que a abundância de sujeitos e excessos de fatores tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor podem nas relações jurídicas comerciais tuteladas por este Diploma.
1.2. Da responsabilidade civil nas relações jurídicas tuteladas pelo Código de Defesa dos Consumidores.
Para caracterização da responsabilidade civil, e do dever de indenizar, é necessária a demonstração da presença concomitante de três elementos jurídicos essenciais: a presença de um ato ilícito ou antijurídico comissivo ou omissivo, praticado mediante culpa ou dolo civil, relação de causalidade e os danos material ou imaterial sofrido pela vítima.
Inexistindo demonstração da presença de algum destes elementos jurídicos, não será admitida a responsabilização do suposto agente e consequentemente inexistirá dever de indenizar.
O Código Civil de 2002 inseriu no artigo 186 o elemento “culpa” como critério indispensável para caracterização da responsabilidade civil subjetiva. O conceito de culpa empregado neste artigo é gênero, abrangendo condutas culposas como também dolosas:
Portanto, em uma relação jurídica entre particulares, a vítima somente terá seus prejuízos ressarcidos se restar comprovada, além da presença dos três elementos supracitados, a efetiva presenta da culpa do agente.
Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor exige a comprovação da culpa por parte do consumidor somente nas relações consumeristas relativas às atividades dos profissionais liberais, como se percebe da regra inserida do §4º do Artigo 14.
Sob este aspecto, a responsabilidade subjetiva nas relações de consumo entre profissional liberal e o tomador de serviço somente estará presente, no microssistema de defesa do consumidor, nos casos responsabilidade pelo fato do serviço.
Ou seja, nas situações jurídicas referenciadas no artigo 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, inserem-se apenas os de serviços de profissionais liberais cuja responsabilidade será apurada mediante verificação de culpa.
Segundo Zelmo Denari (Forense Universitária, 2005. Pág. 193) esta diferenciação é justificável em razão da natureza personalíssima dos serviços prestados por estes profissionais, vez que são contratados ou constituídos exclusivamente em razão da confiança que causam aos seus clientes.
Assim sendo, nas relações jurídicas submetidas ao tratamento do Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente aquelas relativas aos profissionais liberais, conforme artigo. 14, §4º, somente surgirá o deve de indenizar ou reparar danos quando ficar demonstrada a ocorrência de culpa subjetiva, em quaisquer de suas modalidades: negligência, imprudência ou imperícia.
De outra parte, apesar da Lei nº 8.078/90 ter afastado, para as atividades ligadas aos profissionais liberais, a responsabilidade objetiva, é importante frisar que se aplica de toda mesma forma o princípio da inversão do ônus da prova, incumbindo ao prestador de serviços eventualmente comprovar que não cometeu equívoco, nem agiu com imprudência ou negligência no desempenho de suas atividades.
Já a responsabilidade civil objetiva possui previsão legal genérica no Artigo 927 do Código Civil de 2002 que, reportando-se expressamente aos artigos 186 e 187 do mesmo diploma, afirma que, qualquer pessoa, natural ou jurídica, será obrigada a reparar os danos que causar.
Em complementação a referida norma, o parágrafo único do Artigo 927 do CC/2002 estabelece previsão legal, segundo a qual em casos específicos e também previamente previstos em lei, será possível pleitear a reparação de danos, independente de culpa do agente causador do prejuízo, em razão de atividade por ele desenvolvida.
Como dito, referida norma inserida no parágrafo único do Artigo 927 do Código Civil de 2002 traz expressamente a possibilidade de se responsabilizar alguém por prejuízos, independente de comprovação de culpa na pratica de ato ilícito ou antijurídico, em casos expressamente previstos em lei e em função de terminada relação jurídica.
O que se vê com o Código de Defesa do Consumidor, que também traz expressa previsão legal no sentido de impor ao causador do dano a obrigação de reparar prejuízos sofridos pelo consumidor, independentemente de culpa, desde que a relação jurídica originária seja uma relação de consumo para todos os efeitos.
Diferentemente do que exigido pelo Código Civil, no que diz respeito à exigência da prova da culpa a ser demonstrada por aquele que alega ter sofrido prejuízos, na relação meramente consumerista esta prova é desnecessária, sendo bastante a comprovação do dano sofrido pelo consumidor/ofendido e sua extensão.
Essa é a normatização inserida nos artigos 12 e 14 do CDC.
Referidos dispositivos legais objetivam resguardar, de forma diferenciada, os interesses do consumidor que, normalmente, é a figura hipossuficiente da relação de consumo, propondo-se a impedir abusos dos prestadores de serviços comerciantes e fabricantes de produtos, que são, inquestionavelmente, a parte visivelmente mais fortes desta relação jurídica.
Assim, reclamada e demonstrada a existência de um dano por parte de um consumidor, sempre e necessariamente originada de uma relação de consumo constatado, bem como demonstrada a extensão deste dano, caberá àquele responsável pela inserção do produto ou serviço na cadeia de consumo a sua reparação, sendo desnecessária a comprovação pelo consumidor da culpa pelo agente.
Nesse sentido, qualquer mercadoria colocada na cadeia e mercado de consumo, ou o serviço prestado de forma profissional e continuada, deve receber condições mínimas de qualidade, de forma a impedir que o consumidor sofra prejuízos, sob pena de incorrer o comerciante ou empresário nas situações previstas nos artigos.12 e 14 do CDC.
Deste modo, o fornecedor, comerciante ou empresário, responderá, independentemente de comprovação de culpa por suas condutas antijurídicas, por todos os danos causados aos consumidores, sob o amparo da teoria do risco empresarial, que transfere àquele a obrigação de assumir o dano em razão da atividade que realiza. Vejamos as palavras do Professor Sergio de Cavalieri a respeito do tema:
Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco do negócio. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa.
Pelo exposto, temos que a intenção subjetiva ou conduta culposa do empresário que redunde em uma conduta antijurídica é irrelevante para as relações jurídicas protegidas pelo Código de Defesa do Consumidor, pois não são elementos determinantes para a constatação da existência da responsabilidade civil e do dever de indenizar, já que, existindo ou não a pretensão de lesar, estando demonstrada a existência do prejuízo, o seu causador será obrigado a repará-lo.
1.3. Definição de cadeia de produção e circulação de mercadorias e a Responsabilidade no Direito do Consumidor
Cadeia produtiva ou de fornecimento, no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, pode ser definido como o conjunto de etapas de produção, consecutivas e progressivas, através das quais as matérias primas e mão de obra vão se transformando e assemblando, até que se constitua um produto final, de bem ou serviço, incluindo o transporte das mercadorias e venda em estabelecimento comercial físico ou virtual até a efetiva entrega do produto ao consumidor A Cadeia Produtiva engloba todas as etapas da produção de um bem.
O conceito de cadeia de fornecimento carrega o conceito de que um produto, ou serviço, é uma sequência de etapas desenvolvidas em diversas etapas, interligadas direta ou indiretamente, de forma a criar uma sequência que vem desde a extração da matéria prima até a distribuição e comercialização ao consumidor final.
Ademais, a cadeia de fabricação necessariamente é constituída por várias empresas ou produtores, onde cada etapa é desenvolvida por um fornecedor ou por um conjunto de empresas que, após o devido planejamento, produzem um bem ou serviço.
Dai decorre o conceito que as cadeias de produção se caracterizam pela capilaridade da produção, de modo que a venda de um produto final dependa das atividades de vários sujeitos e personagens anteriores, inclusive mão de obra e subcontratações.
Sem explicitar ou conceituar terminologias para fins de sua aplicação, o que parece correto no caso concreto, o Código de Defesa do Consumidor introduziu em seu artigo 25, e parágrafos, impotente disposição importante legal aplicável tanto aos defeitos quanto aos vícios do produto e do serviço.
Apesar do relevante direito inserido no caput do referido artigo, que proíbe, em qualquer relação de consumo, a inserção de cláusulas que afastem ou atenuem a responsabilidade dos fornecedores, o presente estudo se foca sua atenção nas importantes disposições legais contidas nos parágrafos primeiro e segundo.
No parágrafo primeiro está inserida importante regra que expressamente consigna a responsabilidade solidária de todos os participantes da cadeia de produção de determinado produto ou serviço de determinado bem responsáveis pelo dano, o que de certa forma já estava presente no enunciado do parágrafo único do artigo 7º também do Código de Defesa do Consumidor.
Por sua vez, o parágrafo segundo do artigo 25 deixa claro que não há hipótese, nas relações comerciais e jurídicas regradas pelo Código de Defesa do Consumidor, de exclusão ou atenuação de responsabilidades dos fornecedores de produtos ou mercadorias, ainda que se tratem apenas de uma pequena parte de uma cadeia de montagem ou serviço complexo, ficando inquestionável a solidariedade se o dano for causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, sendo que nesse caso serão solidários: fabricante, construtor, importador, transportador, vendedor etc.
Ficou, portanto, demonstrado pelo exposto até o momento, que a evolução legislativa da proteção do consumo e do consumidor foi se intensificando ao ponto de tornar-se o sistema legal consumerista uma garantia constitucional e uma legislação codificada, que buscou ampliar ainda mais a proteção do elo mais frágil da cadeia de consumo e produção, mas que é, por outro lado, o detentor do “insumo” mais relevante desta cadeia, que é exatamente o recurso financeiro para executar e concluir o consumo.
Estabeleceu-se que o fornecedor não ficará isento de responsabilidades mesmo que desconheça o vício de qualidade por inadequação no produto ou no serviço e mesmo que o vício tenha origem um pequeno componente produzido por terceiros. Sendo a responsabilidade objetiva do fornecedor é a regra vigente nas relações jurídicas consumeristas, não será necessário em caso de constatação do dano sofrido pelo consumidor, perquirir a fundo elemento culpa em sentido amplo, que engloba dolo e culpa, bastando que seja identificado o responsável para que haja o dever de indenizar.
2. Distinção entre a responsabilidade pelo fato do produto e pelo vício do produto.
As relações jurídicas comerciais merecem tutela especifica pois ocorrem a todo momento no cotidiano em todo o planeta, impulsionado nos últimos nos pelo comercio eletrônico que impõem desafios para ajustar a nova realidade da convivência entre os sujeitos desta relação, com nosso ordenamento jurídico.
Para que a tutela seja realizada sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, é indispensável a presente, nestas relações comerciais, de sujeitos que se enquadrem nos conceitos legais de consumidor e fornecedor, além da presença do concreto fornecimento de um produto ou serviço.
Como dito supra, no ordenamento jurídico brasileiro, diante da extrema relevância e frequência destas relações jurídicas consumeristas, o legislador entendeu por bem alçar a proteção ao consumidor, e ao consumo, à posição de garantia constitucional, recebendo o consumidor, tal qual legalmente classificado, um tratamento especial por ser a parte mais vulnerável desta relação contratual.
Fica evidente, desta forma, que nas relações de consumo não há igualdade entre os sujeitos do contrato, diferentemente do que ocorre na maioria das relações jurídicas.
Portanto, o consumidor passou a receber uma tutela específica e diferenciada, tanto de forma individual quanto coletiva, tanto é que, como já dito supra, a proteção deste sujeito de direitos foi alçada a garantia constitucional.
O legislador do Código de Defesa do Consumidor sentiu e percebeu a premente necessidade se se criarem mecanismos de forma a garantir e elastecer a gama de meios de defesa ao consumidor, criando e modificando, para tanto, mecanismos processuais específicos para garantir a mais prática e acessível forma de reclamar perante os órgãos competentes quando tiverem seus direitos desrespeitados em uma relação consumerista.
Como exaustivamente demonstrado acima, dentre as medidas mais efetivas introduzidas pelo legislador consumerista está a previsão da responsabilidade solidária da cadeia de fornecimento perante o consumidor, contidas de forma geral no art. 7º, parágrafo único, e nos parágrafos primeiro e segundo do artigo 25.
As responsabilidades dos fornecedores de serviços e produtos pelas relações consumeristas abrange tanto os fatos do produto e do serviço como também os vícios do produto e do serviço.
Estudar com clareza os efeitos e consequências de cada uma destas modalidades de responsabilização é de extrema relevância considerando as nuanças e sutilizes que distinguem cada uma delas.
Primeiramente, destaca-se que responsabilidade pelo fato do produto está positivada na Seção II do Código de Defesa do Consumidor, entre os artigos 12 a 17.
Por outro lado, a responsabilidade pelo vício do produto foi tratada na Seção III do Código de Defesa dos Consumidores, entres os artigos 18 e 25:
O que irá diferenciar substancialmente a ocorrência de vício do produto ou fato do produto será o desdobramento verificado após a constatação do defeito ou vício.
Ocorrerá o vício do produto quando da constatação do defeito não gerar desdobramentos concretos além do produto ou do serviço.
O fato do produto será verificado quando o defeito ou vício no produto ou nos serviços gerarem prejuízos não somente no produto ou serviço em si, mas também externamente ao mesmo, contra o consumidor em si, terceiros ou outros bens.
2.1 Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço
Para que seja constatada situação que se amolde nas classificações de vício por fato do produto ou serviço é necessário que o defeito ou prejuízo ultrapasse a materialidade do próprio bem ou da prestação, e gere de alguma forma, prejuízos indenizáveis ao consumidor.
Nas situações jurídicas que representam ocorrência de um fato no produto, foi mitigada pelo legislador a responsabilização do comerciante/estabelecimento, prevendo o caput do artigo 12 apenas a responsabilização do produtor, construtor, importador e ao fabricante.
O comerciante/estabelecimento nas relações de consumo em massa teve sua responsabilidade mitigada como será visto a seguir, em razão do mesmo ter pouco, ou nenhum, controle qualidade das mercadorias recebidas pelos produtores que já chegam lacrados, fechados, selados e enlatados, como ocorre, por exemplo, nos supermercados.
Ou seja, preferiu-se excluir, ou mitigar, a responsabilidade do comerciante/estabelecimento em razão dos mesmos não terem qualquer meio de controlar ou constatar sem violar os produtos a qualidade das mercadorias recebidas e expostas a venda.
Contudo, de forma a preservar a plena defesa dos consumidores que, repita-se, são os sujeitos da relação consumerista que merecem a maior e diferenciada tutela por parte do legislador, o artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor estabeleceu responsabilidade subsidiária, e não solidária, do comerciante pelo vício de fato de produto, somente podendo ser alçando pelo direito de indenizar o consumidor quando ocorrerem situações de má-conservação dos produtos, ausência de identificações nos produtos quanto a fabricante e origem.
Além disto, o parágrafo único do artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor cria direito de regresso aos comerciantes/estabelecimento contra os demais componentes da cadeia de fornecimento, quanto aqueles tomarem a iniciativa se ressarcirem os consumidores.
Portanto, se a regra geral é de que a responsabilidade na cadeia de fornecimento é solidária, e o sentido dessa solidariedade é beneficiar o consumidor, a subsidiariedade prevista no artigo 13, principalmente no parágrafo único, são claras medidas que visam criar garantias ao consumidor.
Também no artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente nos parágrafos segundo e terceiros, estão inseridas situações classificadas como sendo excludentes de responsabilidade.
O parágrafo segundo reproduz, em abstrato, situação de inexistência de vício ou defeito e expressamente consigna que a existência de um produto ou serviço semelhante, mas de melhor qualidade, não pode transformar em defeituoso o produto ou serviço de pior qualidade, desde que este atinja, de forma satisfatória, a finalidade para a qual foi comercializado.
O parágrafo terceiro, por sua vez, reproduz situações de inexistência de culpa (I - que não colocou o produto no mercado;), novamente inexistência vício (II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;), e fato de terceiro e culpa exclusiva da “vítima” ou do consumidor (III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.)
Comprovadas estas situações, observadas as regras do artigo 6º, inciso VIII, os comerciantes, e toda a cadeia de fornecimento, não poderão ser responsabilizados.
Enquanto que o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor disciplina a responsabilidade da cadeia de fornecedores pelos defeitos e vícios defeitos em produtos, o artigo 14 da Lei 8.078/90 estabelece regras acerca da responsabilidade pelos fatos dos serviços.
Segundo o referido dispositivo legal (artigo 14), o fornecedor de serviços responderá, independente de culpa, por danos decorrentes da prestação de serviços tidos como defeituosos ou imperfeitos, nos termos das situações elencadas no parágrafo primeiro e seus incisos..
Da mesma forma que foi criada no artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor situações de exclusão de responsabilidade para vícios e defeitos em produtos, também nos parágrafos segundo e terceiro do artigo 14 da Lei 8.078/90, estão previstas condições análogas que excluem responsabilidades por vícios e defeitos na prestação de serviços.
Como já mencionado, apesar da responsabilidade dos fornecedores de produtos e serviço ser objetiva, sendo, portanto, dispensável a constatação do elemento culpa, tal regra não se estenderá aos profissionais liberais (advogados, médicos, engenheiros, etc.), que somente poderão ser responsabilizados mediante a verificação de culpa, conforme norma contida no artigo 14, parágrafo quarto.
2.2. Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço
A responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço, também conhecidos como vícios de qualidade e quantidade, obriga e vincula, sempre de forma solidária, todos aqueles que participaram de alguma forma da cadeia de fornecimento, em razão de vícios ou defeitos, aparentes ou ocultos identificados em bens ou serviços, nos termos que daquilo que está positivado entre os artigos 18 e 25 do Código de Defesa do Consumidor.
Em que pese a expressa solidariedade prevista no início desta Seção III, há casos em que o próprio artigo 18, cria exceções, como é o caso da situação prevista no parágrafo quinto deste artigo, onde se disciplina que, nos danos e vícios que envolverem produtos in natura, aqueles não industrializado, a responsabilização será limitada ao fornecedor imediato, que via de regra é um pequeno comerciante ou agricultor que revende sua própria produção.
Posição análoga quanto a exclusão da responsabilidade solidária dos participantes de determinada cadeia de fornecimento está prevista no parágrafo segundo do artigo 19 do Código de Defesa do Consumidor, mas também restito a situações que envolvam os comerciantes de produtos in nautura, sempre que se constatar erro na medição ou pesagem e os equipamentos utilizados para medição não estejam em funcionamento adequado.
Apesar de não ter sido inserido nesta Seção III qualquer dispositivo que faça referências à situações excludentes de responsabilidade, é entendimento pacífico na doutrina que todas as situações previstas na Seção II são aplicáveis aos vícios dos produtos e serviço, sem exceções. Até por que se tratam de regras gerais de responsabilidade civil, não exclusivas do direito do consumidor..
O legislador, buscando ampliar ainda mais a proteção do consumidor, estabeleceu também que o fornecedor não se isentará da responsabilidade mesmo que desconheça o vício de qualidade por inadequação no produto ou no serviço. Uma vez que, a responsabilidade objetiva do fornecedor é a regra, não há a necessidade do elemento culpa em sentido amplo, que engloba dolo e culpa. Portanto, a má-fé ou a boa-fé do fornecedor não são levadas em conta para que haja o dever de indenizar.
CONCLUSÃO
A presente pesquisa se propôs a analisar as modalidades de responsabilidade civil previstas no Código de Defesa do Consumidor – Lei n.º 8.078/90.
Em um primeiro momento analisou-se o contexto social, constitucional e legislativo em que foi criada a legislação consumerista.
Fruto de uma política protecionista demonstrou-se que o legislador brasileiro criou no CDC importantes e avançados mecanismos legislativos para equilibrar as relações firmadas entre os fornecedores e os consumidores, responsabilizando os primeiros pelos danos causados aos segundos, de modo a combater os abusos decorrentes da atividade empresarial.
Posteriormente passou-se ao exame das diferenças entre as regras da responsabilidade solidária pelo fato do produto (artigo 12 do CDC) e as regras de responsabilidade solidária pelo vício do produto (artigos 18 e 19 do CDC).
Buscou-se demonstrar que a solidariedade ganha contornos diferenciados quando se trata de fato do produto, pois, nesse caso, a lei limita a responsabilidade pelo defeito do produto ao fabricante, produtor, construtor nacional ou estrangeiro e ao importador, estabelecendo ainda que o comerciante somente será considerado responsável em alguns casos expressos na lei.
Em suma, o que se propôs foi fazer uma análise do contexto histórico/social de criação do Código de Defesa do Consumidor, a regulamentação legal e algumas particularidades dos tipos de responsabilidade civil nele previstas.
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bacharel em direito, advogada com registro cancelado a pedido, analista de Direito no Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VENESIA, Raquel Silvestre Matoso. Da responsabilidade civil no direito do consumidor: a distinção jurídica entre as responsabilidades “pelo fato do produto” e “pelo vício do produto” Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 set 2019, 05:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53395/da-responsabilidade-civil-no-direito-do-consumidor-a-distino-jurdica-entre-as-responsabilidades-pelo-fato-do-produto-e-pelo-vcio-do-produto. Acesso em: 22 nov 2024.
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