Resumo: A Emenda Constitucional nº.: 41/2003 introduziu o instituto do abono de permanência ao ordenamento jurídico brasileiro, por meio do § 19 do artigo 40 da Constituição Federal. Tal abono consiste em incentivo ao servidor que, mesmo tendo reunido as condições legais para aposentar-se voluntariamente, opta por permanecer em atividade em detrimento do ócio remunerado. Contudo, sua natureza jurídica é controversa, uma vez que a sua definição determinará ou não a incidência de imposto de renda sobre os valores recebidos pelos servidores. Atualmente podemos identificar duas correntes distintas sobre o tema: ser o abono de natureza indenizatória e, portanto, não pode ser tributado, tendo como defensores inclusive os Ministros da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça; e ser de natureza remuneratória, por não ser reparação ou reposição, acrescendo patrimônio ao beneficiário e configurando-se fato gerador do imposto de renda, defendida pelos Ministros da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. As controvérsias geradas pelas diversas concepções jurídicas acerca da incidência de tributação sobre o abono permanência do servidor público e a ausência de consenso ou legislação específica sobre o tema justificam a discussão cientificamente conduzida sobre o assunto.
Palavras Chave: Abono de Permanência; Natureza Jurídica; Imposto de Renda; Remuneração; Indenização.
As regras dos regimes próprios de previdência dos servidores públicos, trazidas pela Constituição Federal de 1988, divergem das regras do Regime Geral da Previdência Social em diversos aspectos, tais como limite dos proventos, regras de aposentadoria e quanto a existência do benefício denominado abono de permanência (BRASIL, 1988).
O regime previdenciário típico dos servidores, desde sua instituição até os dias atuais, sofreu diversas reformas, sendo as Emendas Constitucionais nº.: 20/1998; nº.: 41/2003 e nº.:47/2005 as principais alterações constitucionais relativas ao tema (BRASIL, 1988).
O texto original não previa nenhum tipo de benefício para o servidor que, atendendo aos requisitos para aposentadoria, optasse por permanecer em atividade. Assim, a primeira inovação constitucional no sentido de incentivar de alguma forma esses servidores a continuar na ativa foi a EC nº.: 20/1998 que introduziu a possibilidade de isenção da contribuição previdenciária à hipótese citada.
Contudo, ainda que o art. 176 do Código Tributário Nacional disponha que a isenção tributária sempre decorre de lei, o constituinte reformador equivocou-se ao usar o termo isenção tributária, pois ainda que as contribuições previdenciárias tenham natureza jurídica de tributos, uma vez que integram o rol de contribuições sociais, não compete à Constituição afastar a incidência do tributo por meio do instituto da isenção, mas tão somente por instituição de imunidade tributária (MARTINS, 2006, p.32).
Segundo Difini (2008, p.156) ocorrendo o fato definido “como hipótese de incidência pela lei tributária e sendo afastada a obrigação de pagar tributo por norma constitucional, estaríamos diante de um caso de imunidade tributária, contudo, se a obrigação for afastada por lei ordinária seria caso de isenção.”
Dessa forma, tentando reparar a falha técnica e o prejuízo aos cofres públicos trazido pela referida emenda, uma vez que abrangia todos os casos de aposentadoria, inclusive os casos de direito adquirido e da regra de transição dos art. 3º e 8º da EC nº.: 20/1998, a EC nº.: 41/2003, introduziu o instituto do abono de permanência ao ordenamento jurídico brasileiro, conferindo a seguinte redação ao § 19 do artigo 40 da Constituição Federal:
Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, são asseguradas regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
(...)
§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecida no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contida no § 1º, II. (BRASIL, 1988, p. 25)
Tal abono consiste em incentivo ao servidor que, mesmo tendo reunido as condições legais para aposentar-se voluntariamente, opta por permanecer em atividade em detrimento do ócio remunerado.
Conforme se depreende do art. 40, § 1º, III, da Constituição da República, são requisitos para a aposentadoria voluntária dos servidores públicos: o cumprimento do tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher ou sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.
Conforme se verifica pela análise detida da legislação, a idade mínima para a aposentadoria voluntária dos servidores públicos é baixa, pois uma pessoa com 55 ou 60 anos de idade mantém sua capacidade laborativa e é plenamente capaz de continuar a exercer suas atividades. Somado a isso, é extremamente interessante para o poder público manter em atividade servidor com mais de trinta anos de carreira e experiência, que conhece o serviço que presta e está inserido no ambiente de trabalho.
O incentivo criado pela supracitada Emenda Constitucional visa exatamente isso, manter esse servidor em atividade, para que ele não opte pela aposentadoria, evitando assim a investidura de novo servidor sem experiência, que levará tempo e despenderá gastos para ser treinado e adequar-se ao trabalho, bem como arcará o poder público com a aposentadoria e o salário do novo servidor, onerando ainda mais o Estado.
A necessidade do abono de permanência e sua ampla aplicação são indiscutíveis, pois, de acordo com reportagem publicada no site do Correio Brasiliense, atualmente o instituto beneficia aproximadamente 89 mil funcionários públicos apenas no âmbito federal, e permite que funcionários qualificados e em plena capacidade laborativa não recorram à aposentadoria.
Assim, a divergência sobre este tema reside na sua natureza jurídica, uma vez que a sua definição determinará ou não na incidência de imposto de renda sobre os valores recebidos pelos servidores.
Atualmente podemos identificar duas correntes distintas sobre o tema, a primeira defende a não incidência do imposto, por ter o abono de permanência natureza jurídica de verba indenizatória e, portanto, não pode ser tributado, tendo como defensores inclusive os Ministros da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2010). Já a segunda defende ser o abono caracterizado como verba remuneratória, por ser uma faculdade do servidor e, por isso, não consiste em reparação ou reposição, acrescendo patrimônio ao beneficiário e configurando-se fato gerador do imposto de renda, defendida pelos Ministros da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2008).
As controvérsias geradas pelas diversas concepções jurídicas acerca da incidência de tributação sobre o abono permanência do servidor público e a ausência de consenso ou legislação específica sobre o tema justificam a discussão cientificamente conduzida sobre o assunto.
Este estudo visa, além de expor a diferentes visões acerca do tema, explicitando cada uma delas, apresentar incongruências e incoerências existentes, buscando alternativas pertinentes e aplicáveis aos servidores públicos, e, sobretudo, buscar referencial teórico que contribua para a formulação de definição uníssona sobre o abono de permanência e se este consiste ou não em fato gerador do imposto de renda, uma vez que apesar de extremamente discutido, o tema não foi pacificado.
De acordo com o art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN), "Tributo é toda prestação pecuniária, compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada" (BRASIL, 1966)
Assim, para se enquadrar no conceito de tributo é necessário que seja coativamente imposto ao contribuinte pelo Estado por intermédio de Lei, independentemente da prática de ato ilícito e pago em dinheiro, não sendo admitida prestação in natura ou in labore. Deverá também ser pago em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, ou seja, por meio da utilização de indexadores, que, por operação aritmética, na data do pagamento, são convertidos em moeda.
A necessidade de instituição por lei decorre do princípio da legalidade inerente ao Direito Tributário, contido no art. 150 da Constituição Federal, segundo o qual o tributo só pode ser instituído ou aumentado por lei. Pelo mesmo princípio constitucional, temos que a cobrança deve ser realizada mediante atividade plenamente vinculada, carecendo de atos administrativos vinculados, sem espaço para escolhas discricionárias, políticas ou administrativas, baseadas no juízo de conveniência ou oportunidade do administrador ou agente político (BRASIL, 1988).
Os tributos não têm natureza sancionatória, diferenciando-se assim, das multas de direito público, que também são prestações pecuniárias compulsórias, previstas em lei e cobradas mediante atividade vinculada, mas cujo fato gerador é ato ilícito.
O fato gerador foi definido pelo art. 114 do Código Tributário Nacional como sendo a situação definida em lei como necessária e suficiente à ocorrência da obrigação principal (BRASIL, 1966). Assim, serão definidos em lei, novamente por força do principio constitucional da legalidade, os casos que, uma vez ocorridos no mundo jurídico, darão origem ao dever de tributar.
Essa definição legal dos fatos que serão tributados recebe o nome de hipótese de incidência, ou seja, descreve determinado fato de forma precisa e detalhada, para garantir segurança jurídica ao contribuinte.
A hipótese de incidência deve sempre conter o elemento pessoal, determinando os sujeitos da obrigação tributária; o elemento temporal para se identificar a lei aplicável ao fato; o elemento espacial, pois a tributação só pode incidir sobre fato que ocorra no âmbito espacial de competência do legislador que editar a norma; e o elemento material, descrevendo todos os dados fundamentais para delimitar a hipótese, incluindo elementos materiais quantitativos como bases de cálculo e alíquotas (DIFINI, 2008, p.154).
Dessa forma, a lei, ao descrever os casos que deverão ser tributados, está estabelecendo as hipóteses de incidência e, os fatos ocorridos que se subsumam a essas normas, serão denominados fatos geradores e originarão a obrigação tributária.
Dentro do Direito Tributário, os impostos, a espécie tributária que interessa a este estudo, são definidos pelo art. 16 do Código Tributário Nacional como o tributo cuja obrigação tem por fato gerador situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte, ou seja, são tributos não vinculados (BRASIL, 1966). Por certo que, ainda que os valores arrecadados não venham a ser direcionados ao custeio de ação estatal especifica, na forma de contraprestação, os impostos destinam-se à prestação de serviços públicos indivisíveis como segurança ou para custear o aparelho estatal.
Alguns doutrinadores, como Luiz Felipe Silveira Difini (2008), defendem que os impostos podem ser instrumentos de justiça tributária e distribuição de renda, pois se baseiam na capacidade contributiva e serão empregados em serviços públicos indivisíveis que atenderão prioritariamente às necessidades das populações.
Os impostos podem ser classificados em reais, que incidem sobre objeto material, e pessoais, cuja tributação deriva de certas características do sujeito passivo; diretos, que possuem como fato gerador situação permanente ou ao menos durável ou continuada no tempo, e indiretos cujo fato gerador é situação instantânea; fixos cujo quantum é estabelecido em valores fixos e determinados; proporcionais cujo valor a pagar é obtido pela aplicação de alíquota em percentual constante sobre a base de cálculo; progressivos nos quais a alíquota cresce à medida que aumenta a respectiva base de cálculo; e regressivos cuja a alíquota decresceria à medida que aumentasse a base de cálculo (DIFINI, 2008).
Nesse contexto, o imposto de renda é um tributo que, como o próprio nome determina, deve incidir sobre a renda, definida pelo art. 43, I, do Código Tributário Nacional como o produto do capital, do trabalho ou de ambos, bem como sobre os demais proventos que acresçam patrimônio ao servidor, mas que não se enquadrem no conceito de renda (BRASIL, 1966, p.236).
Ressalta-se que, de acordo com a Teoria do Acréscimo Patrimonial defendida pelo Professor Paulo de Barros Carvalho (2002, p. 422), renda é todo acréscimo patrimonial, todo ingresso líquido, em bens materiais, imateriais ou serviços avaliáveis em dinheiro, periódico, transitório ou acidental, de caráter oneroso ou gratuito, que importe um incremento líquido do patrimônio de determinado indivíduo, em certo período de tempo.
Os proventos, por sua vez, constituem resultado, lucro, crédito, como o fruto da não realização imediata e simultânea de um patrimônio, mas sim o acréscimo patrimonial resultante de uma atividade que já cessou, mas que ainda produz rendimentos, como os benefícios de origem previdenciária, pensões e aposentadoria, ou seja, são acréscimos patrimoniais não resultantes do capital ou do trabalho (GARCIA, 2011, p.12).
Dessa forma o referido imposto incide somente sobre o acréscimo patrimonial e não sobre o patrimônio em si, levando em consideração a essência da receita e não sua denominação, localização, condição jurídica, nacionalidade da fonte, da origem ou da forma de percepção, uma vez que a natureza jurídica da verba não necessariamente se revela por sua designação, mas sim pela efetiva análise do instituto, e, nesse caso, se acresce ou não patrimônio (art. 43, §1º CTN) (BRASIL, 1966).
Conforme dispõe o artigo 153, § 2º, inciso I da Constituição Federal, o imposto sobre a renda será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, pelos quais podemos inferir que o imposto deve incidir sobre todas as espécies de renda, isto é, todo acréscimo patrimonial deve ser submetido ao mesmo tratamento, não podendo o imposto sobre a renda ser seletivo, onerando mais algumas espécies de acréscimos patrimoniais e menos de outras; todas as rendas do contribuinte deverão ser tributadas, aplicando-se a tabela crescente de alíquotas uma única vez sobre a totalidade do acréscimo patrimonial; as alíquotas serão proporcionais ao montante da renda.
A análise dos rendimentos e sua classificação são de suma importância para averiguar se estamos diante do fato gerador desse tributo, pois as verbas que indenizam não podem ser consideradas renda e assim, não podem ser tributadas por esse imposto, uma vez que a indenização visa recompor o patrimônio do contribuinte e não acrescer, fazendo apenas com que seja recobrado o status quo.
Dentre os indivíduos sujeitos ao imposto de renda, o servidor público são definidos pelo art. 2º da Lei nº.: 8429/92 como:
Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior (BRASIL, 1992).
Assim, agente público é a designação mais abrangente que abarca os agentes políticos, os servidores públicos e os particulares em colaboração com o Estado (DI PIETRO, 2004).
Os servidores públicos são os agentes permanentes, profissionais, a serviço da Administração Pública, que possuem algumas características específicas além das citadas, como vincular-se ao Estado por uma relação remunerada e permanente de trabalho com o intuito de exercer função pública, integrando assim, o quadro funcional das pessoas jurídicas de direito público.
Dentro do serviço público é possível identificar diversas categorias de servidores públicos considerados em seu sentido amplo, tais como efetivos, temporários, comissionados, estatutários e celetistas (DI PIETRO, 2004).
A efetividade, apesar de ser atributo do cargo, refere-se ao servidor, que, ao ser aprovado em concurso público, passa a deter uma série de prerrogativas e, após cumprir o estágio probatório, será dotado de estabilidade.
Os servidores estatutários efetivos são aqueles servidores cuja relação jurídica de trabalho é regulada por diplomas legais denominados Estatutos, nos quais estão inscritas todas as regras, direitos e deveres desses agentes administrativos. São os agentes públicos que de fato interessam a este estudo, uma vez que são os que se submetem ao Regime Próprio de Previdência Social, por serem efetivos e contarem na maioria das vezes com estabilidade, não sendo sua relação jurídica com o Poder Público efêmera.
Na Administração Pública, os cargos são criados por lei, a qual define de antemão a remuneração que será paga ao seu ocupante, que não poderá ser inferior ao piso salarial da categoria também definido em lei, bem como qualquer alteração relativa ao tema necessitará de edição de lei específica, conforme de depreende da análise do art. 37, X, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Assim, será denominado vencimento o valor pago pelo ao servidor pelo exercício do cargo nele investido, de acordo com o art. 40 da Lei nº.: 8112/90 (BRASIL, 1990). Essa retribuição pecuniária refere-se diretamente ao cargo, pois como dito acima o vencimento dos cargos é previamente estipulado por lei.
Diferente é a denominação vencimentos, agora no plural, comumente utilizada para classificar a remuneração dos servidores, que consiste na soma de todas as vantagens pecuniárias percebidas em razão de sua situação funcional, somando-se inclusive o vencimento.
São vantagens pecuniárias os adicionais e as gratificações, as quais Hely Lopes Meirelles define como:
O que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é ser aquele uma recompensa ao tempo de serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor (MEIRELLES, 2004, p.405).
Ainda que o Estatuto Federal (Lei nº.: 8122/90) defina a remuneração como a soma do vencimento do cargo às vantagens permanentes, coaduno do entendimento do doutrinador José dos Santos Carvalho Filho (2004), pois ser a vantagem permanente ou transitória não a descaracteriza como parcela remuneratória, caso ela consista em retribuição pelo desempenho do serviço em condições específicas.
Importante ressaltar que as vantagens pecuniárias não podem ser acrescidas à remuneração qualificada pela Carta Magna como subsídio, pago aos membros dos Poderes, detentores de cargos eletivos, Ministros de Estado, Secretários Estaduais e Municipais, membros do Ministério Público, integrantes das Defensorias Públicas e Advocacia Pública, pois é parcela única de acordo com o art. 39, §4º, da CF/88.
Dessa forma, aos subsídios não deve ser somado nenhum tipo de vantagem de caráter remuneratório, porém, por força do art. 39, § 3º da CF/88, devem ser aplicados aos servidores públicos vários direitos concedidos aos trabalhadores celetistas como, por exemplo, adicional de férias, 13º salário e adicional noturno. Assim, é indiscutível que em alguns casos haverá acréscimo pecuniário de caráter remuneratório aos subsídios (CARVALHO FILHO, 2010, p.376).
A regra do teto remuneratório para os servidores públicos está contida no art. 37, XI, da CF/88 que limita as remunerações dos servidores públicos evitando assim prejuízo ao erário e discrepância entre os vencimentos dos cargos semelhantes dos três poderes (BRASIL, 1988).
Cabe ressaltar que se submetem ao teto remuneratório quaisquer tipos de remuneração dos servidores públicos, bem como suas pensões e aposentadorias, incluídas as vantagens pessoais de qualquer natureza, salvo as de caráter indenizatório, de acordo com o art. 37, §11, da CF/88.
A resolução nº 14 de 2006 do Conselho Nacional de Justiça em seu art. 4º, IV, é categórica ao excluir da incidência do teto remuneratório constitucional as verbas percebidas como abono de permanência em serviço. Nesse mesmo sentido estão também as resoluções nº 13 de 2006 também do CNJ e a 09 de 2006 do Conselho Nacional do ministério Público.
Assim, surge o questionamento do motivo pelo qual o abono de permanência foi excluído do teto remuneratório ao lado das demais verbas indenizatórias.
Diversas são as verbas que integram o contracheque dos servidores como o vencimento, adicionais diversos, comissões, gratificações, diárias, ajuda de custo, e outras. Essas, por sua vez, são divididas, principalmente, em duas espécies, as verbas remuneratórias e as indenizatórias.
As verbas denominadas remuneratórias são aquelas destinadas a retribuir trabalho prestado, seja ele intelectual ou oriundo de força física, configurando-se contraprestação.
Já as verbas indenizatórias não são contraprestação, mas reparação por um dano, material ou moral, sofrido pelo empregado; por uma situação menos vantajosa imposta a ele; ou pelo não usufruto de um direito. O recebimento da verba não depende de uma ação do trabalhador, mas sim de uma situação adversa, sendo obrigatório o seu pagamento para reparar o dano sofrido, ou ao menos amenizá-lo.
De acordo com a Juíza Federal Maria Cecília de Marco Rocha as verbas indenizatórias visam ressarcir direito não fruído em sua integralidade, seja para reparar a garantia jurídica desrespeitada, seja em face de outros fundamentos normativamente tidos como relevantes (processo nº. 2007.34.00.040552-0).
Assim, a classificação e diferenciação das verbas percebidas pelos servidores em remuneratórias e indenizatórias é de suma importância para este estudo, uma vez são inúmeros os reflexos que a determinação da natureza jurídica de cada uma acarreta, principalmente no que diz respeito à incidência de contribuições sociais como o INSS e Imposto de Renda.
Em regra, sobre as verbas que possuem cunho remuneratório incidirão tais descontos, enquanto sobre as verbas indenizatórias não incidirão. Isso é ponto pacífico na doutrina e jurisprudência (STF, RE 228.083-RS,RE 277.766-8, TRF4 1ª. T. AC 2000.70.00.031332.61PR).
A previdência social destinada aos servidores públicos têm seu contorno definido pela Constituição Federal, cabendo aos estatutos funcionais regulamentá-la de forma mais específica e suplementar.
Tal regime previdenciário teve suas regras básicas definidas pela Lei Federal nº.: 9717/98, e desde sua instituição até os dias atuais sofreu diversas reformas, sendo as Emendas Constitucionais nº.: 20/1998; nº.: 41/2003 e nº.: 47/2005 as principais alterações relativas ao tema (BRASIL, 1998).
O Regime Próprio abrange os servidores da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, bem como os militares, e caso optem por esse regime previdenciário para seus servidores em detrimento do regime geral, ele deverá ser o único adotado pelas entidades públicas, não podendo haver distinções entre as categorias funcionais.
O sistema previdenciário do regime próprio será custeado pelas entidades públicas, pelos servidores ativos, pelos inativos e pensionistas, sendo pautado pela contributividade, por meio de contribuições paulatinas e sucessivas pagas pelo servidor no curso de sua relação de trabalho, sempre preservando o equilíbrio financeiro e atuarial, a fim de evitar disparidade entre as contribuições e os benefícios pagos (art. 40 da CF/88).
Com a EC nº.: 41/2003 a contribuição do servidor ativo da União ficou estabelecida em 11% (onze por cento) de sua remuneração, estando a União, suas autarquias e fundações obrigadas a contribuir com o dobro da contribuição desse servidor. Ressalta-se que a Constituição facultou aos Estados, Distrito Federal e Municípios instituírem a contribuição de seus servidores para custear os respectivos regimes, desde que a alíquota não seja inferior à fixada para a União (art. 149, §1º, da CF/88) (CARVALHO FILHO, 2010, p. 489).
A contribuição deverá incidir em todas as verbas percebidas pelo servidor que possuam caráter remuneratório, excluindo-se assim, as diárias de viagem, ajuda de custo, indenização de transporte, salário-família, auxílio alimentação, auxílio creche, parcelas pagas em razão do local de trabalho, pelo exercício de cargo em comissão ou função de confiança e abono de permanência (BRASIL, 1988).
A não incidência de contribuição previdenciária sobre o abono de permanência é uma isenção concedida por lei e que preserva a coerência do instituto, já que esse se presta exatamente a liberar o servidor de pagar a contribuição previdenciária sobre sua remuneração. Decorre do art. 4º, §1º, IX, da Lei 10.887/04, que dispõe ser a contribuição social do servidor público 11% da totalidade de sua base de contribuição, sendo essa constituída pelo vencimento do cargo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, adicionas de caráter individual e quaisquer outra vantagens, excluído, entre outros, o abono de permanência.
Quanto aos servidores inativos, a EC nº.: 41/2003, ao incluir o caráter solidário ao Regime Próprio de Previdência, bem como ao elencar os inativos e pensionistas como contribuintes, afastou as discussões acerca do tema. Dessa forma, conforme a Lei nº.: 10887/04, tais beneficiários deverão contribuir com no mínimo 11% (onze por cento) de seus proventos, uma vez que essa é a alíquota prevista para aqueles vinculados à União (BRASIL, 2004). Contudo, será considerado como base de incidência o valor dos proventos e pensões que ultrapassem o limite máximo dos benefícios previstos pelo Regime Geral, de acordo com o art. 5º da supracitada Lei.
Dentre os benefícios previdenciários concedidos pelos Regimes Próprios, podemos destacar a aposentadoria em todas as suas modalidades, a pensão por morte, o auxílio doença, salário família, salário maternidade e auxílio reclusão (MARTINS, 2006, p. 38).
Assim, a aposentadoria consiste em direito subjetivo do servidor que, após cumpridos certos requisitos, passa à inatividade e continua recebendo, até sua morte ou evento superveniente que cause a extinção do benefício, prestação pecuniária paga pelo fundo previdenciário do ente ao qual estava vinculado e para o qual contribuiu por último.
Trata-se de ato administrativo formalizado pela autoridade competente e apreciado pelo Tribunal de Contas, que deverá verificar sua legalidade (art. 71, III, CF/88), sendo que, uma vez aposentado, o servidor extingue seu vínculo com o Estado, conservando-se apenas os direitos relativos ao seu benefício (MARTINS, 2006, p.46).
A aposentadoria pode ser compulsória, cabendo ao ente federado aposentar o servidor, ainda que contra vontade desse, quando ele atingir 70 (setenta) anos de idade; voluntária, requerida pelo servidor quando preenchidos os requisitos previstos pela Constituição Federal; ou por invalidez, decorrente da impossibilidade física ou psíquica, em caráter permanente, para exercer qualquer atividade (BRASIL, 1988).
Para este estudo nos vamos nos ater a análise da aposentadoria voluntária, uma vez que, dentre as modalidades de aposentadoria citadas acima, é a única que se vincula ao instituto do abono de permanência, objeto deste trabalho.
Essa modalidade de aposentadoria é faculdade do servidor público e, portanto, depende da manifestação livre de vontade, pois caso não a exprima poderá continuar em atividade e, nos casos da alínea “a” supracitada, ainda fará jus ao benefício do abono de permanência.
Dessa forma, podemos identificar duas possibilidades de aposentadoria voluntária: com proventos integrais ou proporcionais ao tempo de contribuição.
A aposentadoria com proventos proporcionais, também chamada de aposentadoria por idade, leva em consideração a idade do servidor, os dez anos de serviço público e os cinco anos no cargo em que se dará a aposentadoria. Contudo, conforme ressalta Bruno Sá Freire Martins, em seu livro Direito Constitucional Previdenciário do Servidor Público, tal modalidade só é possível até se atingir o tempo de contribuição exigido para aposentadoria voluntária com proventos integrais, pois caso o servidor manifeste sua vontade de se aposentar após atingidos concomitantemente os tempos de idade e contribuição exigidos pela lei, não há que se falar em proventos proporcionais (MARTINS, 2006).
Ressalta-se que, de acordo com a Orientação Normativa nº.: 03/SSP/2004, expedida pelo Ministério da Previdência Social, considera-se como tempo de exercício no serviço público todo o tempo exercido em cargo, função ou emprego público, na Administração Direta, Autárquica e Fundacional, ainda que descontinuado e que o servidor por algum tempo não estivesse vinculado ao Regime Próprio de Previdência Social, (MARTINS, 2006, p. 41). Bem como, para contagem do tempo de contribuição, caso o servidor tenha trabalhado fora do serviço público, será levado em consideração o tempo trabalhado sob o regime próprio e sob o regime geral, de acordo com a Lei nº.: 9796/99 (BRASIL,1999)
Os tempos de contribuição para aposentadoria integral foram reduzidos em casos específicos pelo texto constitucional, como é o caso dos professores que, para compensar o maior desgaste provocado pela função de magistério, tiveram a redução de cinco anos no tempo de contribuição necessário, desde que comprovado o exercício da função de magistério na educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, durante todo o período. Outra hipótese é a de aposentadoria especial para os trabalhadores que exerçam atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas, reduzindo o tempo de contribuição, nos termos das leis complementares relativas a essas atividades (MARTINS, 2006, p. 41)
Nesse contexto, o abono de permanência é uma inovação trazida pela EC nº.: 41/2003, que entrou em vigor em 01 de janeiro de 2004 e conferiu a seguinte redação ao §19 do artigo 40 da Constituição Federal:
(...)
§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecida no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contida no § 1º, II (BRASIL,1988).
Tal abono, também encontrado no art. 7º da Lei 10887/04, consiste em incentivo ao servidor que, mesmo tendo reunido as condições legais para aposentar-se voluntariamente com proventos integrais, opta por permanecer em atividade.
O abono de permanência deriva de condições pessoais do servidor, aferidas individualmente no momento da concessão do benefício, e consiste em vantagem pecuniária equivalente à sua contribuição previdenciária que deveria ser paga. Hely Lopes Meirelles define vantagem pecuniária como:
Vantagens pecuniárias são acréscimos ao vencimento do servidor, concedidas a título definitivo ou transitório, pela decorrência do tempo de srviço (ex facto temporis), ou pelo desempenho de funções especiais (ex facto officii), ou em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter laborem), ou, finalmente, em razão de condições pessoais do servidor (propter personam) (MEIRELLES, 2004, p. 456).
Uma vez adquirido o direito ao abono de permanência, por meio do cumprimento dos requisitos para a aposentadoria voluntária com proventos integrais (art. 40, §1º , III, a CF/88), seu pagamento perpetuará enquanto o servidor permanecer em atividade no serviço público ou até completar os requisitos para a aposentadoria compulsória, momento no qual voltará a ser descontada a contribuição previdenciária (BRASIL,1988).
Muito tem se discutido a respeito do momento no qual o benefício passa a ser devido ao servidor. Alguns órgãos administrativos efetuam o pagamento do abono de permanência a partir da data de seu requerimento, já outros consideram a data em que o servidor implementou as condições para aposentar-se.
A esse respeito, o Ministério da Previdência Social baixou a Portaria nº.: 402/08, que disciplina os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos ocupantes de cargo efetivo da União, Estados e Municípios, e estabeleceu no art. 12 que o pagamento do abono permanência será devido a partir do cumprimento dos requisitos para obtenção do benefício, mediante opção expressa pela permanência em atividade (BRASIL, 2008).
No mesmo sentido, o Estado de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Planejamento e Gestão (SEPLAG) editou a Resolução nº.: 60, de 08 de junho de 2004, cujo § 2° do art. 2° prevê que, depois de concedido, o abono será pago somente a partir do mês de protocolo de requerimento (BRASIL, 2004)
Como se vê, seria necessário que, após o cumprimento dos requisitos para a aposentadoria voluntária com proventos integrais, o servidor expressasse sua vontade de permanecer em atividade, por meio de requerimento escrito. Porém, alguns estudiosos do Direito, como Gustavo Terra Elias, defendem que essa não é uma interpretação conforme a Constituição da República, pois essa não exige nenhum requisito formal para a concessão do abono, a não ser que o servidor permaneça em atividade após a implementação das condições para a aposentadoria, aceitando também a opção tácita do servidor, a qual se consuma quando ele simplesmente permanece em atividade sem requerer sua aposentadoria (ELIAS, 2009).
O abono de permanência deve ser aplicado em conformidade com a Constituição, pela qual, uma vez cumpridos os requisitos para a aposentadoria, deverá o órgão, ao tomar ciência, conceder o benefício e, se for o caso, com efeitos retroativos à data em que o servidor já dispunha de condições para se aposentar.
A respeito desta questão não é diverso o entendimento de Bruno Sá Freire Martins:
(...) o texto constitucional em momento algum fala em opção expressa por permanecer em atividade (...) a interpretação que mais se adequa ao ordenamento pátrio é aquela segundo a qual o direito ao abono se incorpora ao patrimônio do servidor quando este alcança os requisitos para se aposentar e continua trabalhando, optando por permanecer em atividade de forma tácita (MARTINS, 2006, p. 45).
Quando concedido o abono de permanência, o servidor continua a contribuir para o regime próprio de previdência ao qual esteja vinculado, ficando por conta do tesouro do ente público ao qual se vincula o encargo de restituir-lhe o valor no mesmo montante da contribuição.
Ressalta-se que o pagamento do abono de permanência ficará a cargo do ente perante o qual o servidor adquiriu o direito ao benefício, mesmo que ao longo de sua vida funcional tenha prestado serviços para outros órgãos, se vinculado a vários regimes previdenciários. Nesse sentido estão os ensinamentos de Wladimir Novaes Martinez, que diz: “Não interessa saber a quais entes políticos o servidor, no passado, tenha se filiado; o último, aquele para o qual presta serviços em que consumou o direito, responsabilizar-se-á pela quitação do abono de permanência” (MARTINEZ, 2004)
Conforme exposto, a idade mínima para a aposentadoria voluntária dos funcionários públicos é baixa, pois uma pessoa com 55 ou 60 anos de idade mantém sua capacidade laborativa e é plenamente capaz de continuar a exercer suas atividades. Somado a isso, é extremamente interessante para o poder público manter em atividade um servidor com mais de trinta anos de carreira e experiência, que conhece o serviço que presta e está inserido no ambiente de trabalho.
A lógica desse benefício reside na economia que a permanência do servidor traz, visando exatamente isso, manter esse servidor em atividade, para que ele não opte pela aposentadoria, evitando assim a contratação de um novo servidor sem experiência, que levará tempo e despenderá gastos para ser treinado e adequar-se ao trabalho, até mesmo porque, com a aposentadoria do servidor, o poder público passa a arcar com duas remunerações, a do aposentado e a de seu substituto. Assim leciona Fábio Zambitte Ibrahim, que afirma:
(...) é interessante para o Poder Público, pois fixa um servidor trabalhando e ainda adia o pagamento de um benefício, e bom para o servidor, que poderá receber uma remuneração superior.
(...) Também é benefício importante para a manutenção do adequado funcionamento da máquina administrativa, adiando a saída de pessoas especializadas em seus segmentos de atividades (IBRAHIM, 2005, p. 38).
Dessa forma, é nítida a existência do abono de permanência em nosso ordenamento, seus contornos e sua importância, contudo, resta analisar sua natureza jurídica, ponto controverso, cuja definição determinará ou não na incidência de imposto de renda sobre os valores recebidos pelos servidores.
A definição da natureza jurídica do abono de permanência compete à doutrina e à jurisprudência, uma vez que nem a Lei nº.: 19887/04 nem o art. 40, §19, da Constituição Federal trazem tal definição. Assim, podemos identificar basicamente duas correntes acerca da natureza jurídica do abono de permanência, a primeira que defende a natureza indenizatória e a segunda que defende a natureza remuneratória do benefício.
Os defensores do caráter remuneratório do abono de permanência alegam que esse não consiste em reparação ou recomposição, mas sim em remuneração adicional que acresce patrimônio ao servidor. Nesse sentido, leciona o doutrinador José dos Santos Carvalho Filho (2009), que diz que o valor do abono de permanência equivale à importância da contribuição previdenciária, o que estampa, na prática, verdadeira elevação remuneratória indireta.
Tal benefício não poderia ser considerado verba indenizatória por não ser ressarcimento por gastos realizados no exercício da função ou por supressão de direito, sendo simplesmente produto do trabalho do servidor.
A juíza Federal Rosana Noya Weibel Kaufmann, no Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal nª 2008.70.50.00.7253-0-PR ao defender o caráter remuneratório do abono de permanência disse:
Portanto, como o abono de permanência decorre diretamente da livre manifestação de vontade do servidor, penso que não se mostra adequado interpretar a percepção da respectiva verba como de natureza indenizatória, para o fim de excluir a incidência do imposto de renda, melhor se situando como parcela remuneratória adicional de incentivo à permanência em atividade.
A magistrada entende que por derivar de manifestação livre da vontade do servidor, que podendo escolher, opta por permanecer em atividade, não há que se falar em indenização pelo não gozo de direito.
Reforçando a tese de seu caráter remuneratório, existe Ato declaratório Interpretativo expedido pela Receita Federal do Brasil, SRF nº. : 24/2004, que em seu artigo único dispõe sujeitar-se à incidência do imposto de renda o abono de permanência.
Tendo a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça como principal defensora dessa corrente são os Recursos Especiais nº.: 1192556-PE e 1105814- SC, algumas das principais decisões acerca do tema.
Os defensores do caráter compensatório alegam que o abono não configura acréscimo patrimonial nem produto do capital ou do trabalho, mas tão somente uma recomposição pelo não usufruto do direito à aposentadoria. Quem está recebendo o abono não está sendo remunerado pelo trabalho que presta, não é contraprestação, mas sim indenização pelas contribuições sociais que paga para trabalhar no interesse da administração (ELIAS, 2009, p.17).
Alguns defendem a possibilidade de analogia às súmulas 125 e 136 STJ que prelecionam que o trabalhador que, por necessidade do serviço, deixe de gozar parte de suas férias, tem direito a ser indenizado pelos dias a mais que trabalhou, bem como o servidor público que adquiriu o direito ao gozo de férias prêmio e não venha efetivamente usufruí-las, por ter rompido o vínculo com a administração em razão de aposentadoria ou exoneração, deve ser indenizado pelas férias não gozadas. Assim, seguindo esse raciocínio o abono de permanência seria uma indenização pela aposentadoria não gozada.
As resoluções dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público também são usadas na defesa desta tese, uma vez que excluem da incidência do teto remuneratório constitucional as verbas percebidas como abono de permanência. As referidas resoluções perceberam a natureza indenizatória e, visando o propósito constitucional de efetivamente conceder um prêmio ao servidor que adia sua aposentadoria, decidiram por deixar o abono ileso a abatimentos para efeitos de teto remuneratório.
Tendo como defensores os ministros da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, são as decisões dos Recursos Especiais nº.: 1021817-MG e 83962-SP as principais decisões acerca do tema.
O Superior Tribunal de Justiça publicou em seu sítio eletrônico notícia a respeito de recurso especial repetitivo julgado em sua 1ª Seção que considerou legal o desconto de imposto de renda na fonte sobre o abono de permanência, por ser a referida verba rendimento de natureza remuneratória que acresce patrimônio e configura fato gerador do imposto nos termos do art. 43 do CTN. O Ministro Ari Pargendler sustentou na referida decisão que afastar a incidência do tributo causa lesão à ordem e à economia pública, pois gera queda na arrecadação, comprometendo o equilíbrio orçamentário.
O recurso especial repetitivo (art. 543-C CPC), apesar de ser expressão da aplicação do precedente judicial no ordenamento brasileiro e de visar trazer segurança jurídica para as decisões judiciais, evitando o re-julgamento de matérias semelhantes, reduzindo o fluxo de processos encaminhados para as instâncias superiores, não tem o alcance de súmula vinculante e, portanto, não há vinculação obrigatória das esferas inferiores (TARTUFFO, 2010, p.02), autorizando assim a rediscussão do tema e decisões divergentes, bem como o presente estudo.
O ministro Mauro Campbell Marques, ao julgar o Recurso Especial 1192556-PE, defendeu que não há lei que autorize considerar o abono de permanência rendimento isento, e tendo em vista o art. 176 CTN que dispõe ser a isenção sempre decorrente de lei, não se poderia deixar de tributar o abono. Contudo, acredito que no presente caso não estamos diante de isenção tributária, mas simplesmente existe a impossibilidade de tributação por o abono de permanência não configurar fato gerador do imposto de renda, tratando-se de verba indenizatória.
O abono não se enquadra no art. 43 do CTN pela mesma ratio essendi das súmulas 125 e 136 do STJ, podendo-se afirmar que o abono de permanência é verba indenizatória e sobre ela não incide imposto de renda, pelo mesmo motivo que doutrina e jurisprudência atribuem ao titular de um direito compensação pecuniária pelo não exercício.
O caráter indenizatório do benefício consiste na compensação pelo não usufruto de um direito, no caso de aposentar-se, e não configura acréscimo patrimonial nem produto do capital ou do trabalho. Quem está recebendo o abono não está sendo remunerado pelo trabalho que presta, não é contraprestação, mas sim indenização pelas contribuições sociais que paga para trabalhar no interesse da administração.
Nesse mesmo sentido, não se deve tributar o incentivo ao servidor cujo propósito é neutralizar a cobrança da contribuição previdenciária, uma vez desvirtuar-se-ia a norma constitucional e tornaria o instituto incoerente (ELIAS, 2009, p.15). Foi assim que assentou a jurisprudência da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ABONO PERMANÊNCIA. CF/88, ART. 40, § 19. IMPOSTO DE RENDA. NÃO INCIDÊNCIA. CPC, ART. 535. OFENSA NÃO CARACTERIZADA. CPC, ART. 273. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. SÚMULA 211/STJ.
(...)
III — O constituinte reformador, ao instituir o chamado abono permanência em favor do servidor que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária, em valor equivalente ao da sua contribuição previdenciária (CF/88, art. 40, § 19, acrescentado pela EC 41/2003), pretendeu, a propósito de incentivo ao adiamento da inatividade, anular o desconto da referida contribuição. Sendo assim, admitir a tributação desse adicional pelo imposto de renda, representaria o desvirtuamento da norma constitucional (STJ, AgRg no Resp. 1.021.817/MG, Relator Ministro Francisco Falcão, DJe 01/09/08). (grifos nossos)
Assim, por não compor a base de cálculo para desconto da contribuição previdenciária, a parcela do abono de permanência também não deve compor a base de cálculo para desconto do imposto de renda. Da mesma forma que por não incidir no teto remuneratório do servidor público, descaracterizando o como verba remuneratória, não deveria incidir imposto de renda.
Por mais que a Secretaria da Receita Federal entenda que incide imposto de renda sobre o abono de permanência, cabe à receita apenas arrecadar o tributo e não legislar a respeito, tendo o Ato Declaratório Interpretativo SRF nº.:24/2004 sido considerado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região como uma interpretação equivocada da lei (AGRG 1021817).
Ante o exposto, a incidência do imposto de renda sobre a verbas recebidas a título de abono de permanência é contrária à Constituição Federal, uma vez que desvirtuaria a norma constitucional que pretende neutralizar a contribuição previdenciária, onerando um benefício recebido pelo servidor, bem como ao Código Tributário Nacional, pois não se enquadra na definição do fato gerador do imposto de renda descrita pelo art. 43.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei nº.: 10.887, de 18/06/2004. Dispõe sobre o cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos poderes. <www.presidencia.gov.br/ legislação>. Acesso em abril de 2017.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Nota Técnica nº440/2010/COGES/DENOP/SRH/MP. Assunto: abono de permanência, abril de 2010.
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BRASIL. Resolução nº.: 60, de 08/06/04, da Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado de Minas Gerais. Estabelece procedimentos para a concessão do abono permanência aos servidores titulares de cargos efetivos e função pública no serviço público estadual. <www.fazenda.mg.gov.br>. Acesso em abril de 2017.
BRASIL. Resolução n. 14, de 21/03/06, do Conselho Nacional de Justiça. Dispõe sobre a aplicação do teto remuneratório aos servidores do Poder Judiciário. <www.cnj.gov.br>. Acesso em abril de 2017.
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BRASIL. Seção Judiciária do Distrito Federal. Processo 2007.34.00.040552-0. Juíza Maria Cecília de Marco Rocha, j. 11/12/07. <www.df.trf1.gov.br/>. Acesso em abril de 2017.
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Graduada em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em 2012, tendo prestado o V Exame da Ordem Unificado: aprovada na prova prático-profissional em Direito Empresarial (2011). Especialista Direito Penal e Processual Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus (2014). Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes (2017). Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Milton Campos (2017). Atualmente é analista concursada na área de direito no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), lotada na Procuradoria de Direitos Difusos e Coletivos e aluna do curso de mestrado em Ciência Sociais do UFMG com previsão de conclusão em 2021.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Mariana De Mattia. Considerações sobre a legalidade e a legitimidade da incidência de tributação de imposto de renda sobre o abono de permanência dos servidores públicos estatutários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2019, 04:51. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53417/consideraes-sobre-a-legalidade-e-a-legitimidade-da-incidncia-de-tributao-de-imposto-de-renda-sobre-o-abono-de-permanncia-dos-servidores-pblicos-estatutrios. Acesso em: 22 nov 2024.
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