LELAND BARROSO DE SOUZA[1]
(Orientador)
RESUMO: Este artigo tem como objetivo mostrar qual efeito da súmula vinculante nas lides e seus desdobramentos à luz da Constituição. Quanto às súmulas de efeito vinculante podem apresentar uma ação que usurpa o legislativo, pois, ultrapassa sua finalidade extra legis?. Foi elaborado de acordo com o método de abordagem indutivo, procedimento descritivo e através de documentação indireta. A edição de súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal tem por objetivo a padronização das decisões judiciais e a pacificação de temas controvertidos, de modo a promover maior segurança e relevância jurídica. Além disso, a jurisprudência consolidada visa garantir a certeza, a previsibilidade e a igualdade dos jurisdicionados, evidenciando a submissão moral de respeito à sabedoria acumulada pela experiência, além de construir uma presunção em prol do acerto do precedente. Para este fim, foram utilizados a jurisprudência, súmulas, enunciados e entendimentos de casos recorrentes que tem sido parâmetro para solucionar as divergências encontradas nas doutrinas, assim como doutrinas e artigos já publicados. Resta-se certo as súmulas são entendimentos pacificados dos Tribunais, oriundos das reiteradas decisões em um mesmo sentido acerca de tema específico de sua competência, cujo objetivo é servir de referencial ao mundo jurídico, sem, contudo, ser de observância obrigatória. Por oportuno, é importante consignar que está consagrado no direito pátrio o princípio do livre convencimento fundamentado do juiz. Em razão disso, o julgador não está compelido a aplicar a matéria sumulada pelo Tribunal, uma vez que o entendimento então cristalizado somente serve de orientação, cabendo ao julgador acatar ou não tais entendimentos nos casos sub judice.
Palavras-chave: efeito; inconstitucionalidade; súmulas; vinculantes.
ABSTRACT: This article aims to show what effect of the binding precedent on the dealings and its consequences in the light of the Constitution. With regard to binding effect precedents, they may present an action that usurps the legislature, since it goes beyond its purpose extra legisl? It was elaborated according to the inductive approach method, descriptive procedure and through indirect documentation. The edition of binding precedents by the Federal Supreme Court aims to standardize judicial decisions and pacify controversial issues, in order to promote greater security and legal relevance. In addition, consolidated case law aims to ensure the certainty, predictability and equality of the judiciary, highlighting the moral submission of respect to the wisdom accumulated by experience, as well as building a presumption in favor of the precedent. To this end, we used the case law, summaries, statements and understandings of recurring cases that has been a parameter to resolve the differences found in doctrines, as well as doctrines and articles already published. It remains certain that the summaries are pacified understandings of the Courts, deriving from the repeated decisions in the same sense about a specific subject of its competence, whose objective is to serve as a reference to the legal world, without, however, being of obligatory observance. It is important to note that the principle of free reasoned conviction of the judge is enshrined in national law. As a result, the judge is not compelled to apply the matter summarized by the Court, since the then crystallized understanding is only a guide, and it is up to the judge to abide by such understandings in sub judice cases.
Keywords: effect; unconstitutionality; overlaps; binding.
INTRODUÇÃO
A pesquisa abordou a inconstitucionalidade das súmulas de efeito vinculante. As referidas súmulas coexistem em entendimentos pacificados, expressos de maneira sucinta, acerca de determinado assunto que tiveram solução idêntica e foram inseridas no ordenamento jurídico pátrio. Em razão de seu efeito, as súmulas vinculantes possuem eficácia imediata, salvo em casos de insegurança jurídica ou interesse público.
Por isso, entende-se que elas violam alguns princípios constitucionais, dentre eles o princípio da separação dos poderes, da legitimidade democrática, do livre convencimento e da independência funcional do juiz, além de ofender o duplo grau de jurisdição, a evolução do direito, o acesso à justiça, a inafastabilidade do controle judiciário, a obrigatoriedade de motivações das decisões e o processo democrático.
Em suma, o que se pretende demonstrar é que as súmulas de efeito vinculante, além de violar nitidamente as cláusulas pétreas da Constituição da República, ofendem vários princípios constitucionais. Torna-se necessário o ponto de vista acadêmico ressaltar até que ponto ainda teremos que ser submetidos a tamanha incoerência por parte do judiciário e de forma imanente o Legislativo não toma medidas para restringir tais atos que perpetuam causando distorção frente à Constituição Brasileira.
O problema abordado: as súmulas de efeito vinculante podem apresentar uma ação que usurpa o legislativo, pois, ultrapassa sua finalidade extra legis?
O objetivo geral é mostrar qual efeito da súmula vinculante nas lides e seus desdobramentos à luz da Constituição.
Os objetivos específicos:
- Definir o que é súmula vinculante;
- Apresentar como é aplicada a súmula vinculante nos litígios;
- Caracterizar a inconstitucionalidade das súmulas de efeito vinculante.
Quanto à metodologia o estudo é baseado pelo método indutivo que busca esclarecer a inconstitucionalidade da súmula de efeito vinculante para isso será utilizada à técnica revisão bibliográfica de pesquisa em livros, revistas, artigos e sites especializados na internet, através da leitura documental para compilação dos dados relevantes a pesquisa.
1 DA CRIAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE;
Segundo Resende (2018) a presente pesquisa visa estudar a legitimidade do Poder Judiciário, exercida por meio do Supremo Tribunal Federal, na construção de súmulas vinculantes em face dos princípios constitucionais da tripartição de poderes do Estado e da soberania popular.
Para tanto Nery Jr; Nery (2014) para a compreensão do tema é necessário salientar que a Constituição da República de 1988, que instituiu o Estado Democrático de Direito, outorgou ao povo todo o poder, que deverá ser exercido por meio de representantes eleitos ou diretamente, de acordo com os preceitos constitucionais. Estabeleceu, ainda, que o poder do Estado será “exercido de forma harmônica e tripartida pelo Executivo, Legislativo e Judiciário”.
Neste sentido a soberania popular, de acordo com a norma do artigo 14 da Lei Fundamental, “será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos” e por meio de plebiscitos, referendos e iniciativa popular. (BRASIL, 1988).
Nas palavras de Resende (2018) a função legislativa compete ao Poder Legislativo, composto por representantes do povo, eleitos diretamente para, em nome dele, criar as normas de conduta que regerão o país. A legitimação do processo legislativo se dá quando a criação da norma se sujeita ao crivo democrático da discussão popular.
Neste mesmo sentido o autor supracitado inferiu que a edição de súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal tem por objetivo a padronização das decisões judiciais e a pacificação de temas controvertidos, de modo a promover maior segurança e relevância jurídica. Além disso, a jurisprudência consolidada visa garantir a certeza, a previsibilidade e a igualdade dos jurisdicionados, evidenciando a submissão moral de respeito à sabedoria acumulada pela experiência, além de construir uma presunção em prol do acerto do precedente.
Assim, abordar-se-á a natureza jurídica e os termos em que a súmula de efeito vinculante foi inserida na Constituição da República, passando-se à análise dos princípios constitucionais violados, entre eles o da separação dos poderes, da independência do Juiz, da imparcialidade, do devido processo legal e do livre convencimento. (RESENDE, 2018, p.1).
Silva (2016, p.703) define "a palavra súmula tem sua raiz no latim (summula). De Plácido e Silva, conceitua súmula como sendo algo que de modo abreviadíssimo explica o teor ou o conteúdo integral de uma coisa. Assim, a súmula de uma sentença, de um acórdão, é o resumo, ou a própria ementa da sentença ou do acórdão".
(...) é preciso lembrar que há certa confusão no uso do termo súmula. Consagrou-se algo, a bem da verdade, errado, que é a prática de chamar-se determinado verbete (ou seu enunciado) de súmula X ou Y. Ao contrário, do que muitos pensam, o termo súmula quer significar o conjunto da jurisprudência dominante de um tribunal, abrangendo os mais variados ramos do nosso Direito, organizado por verbetes numerados sem compromisso com a temática dos assuntos, e não cada um desses verbetes (os seus enunciados) que trazem o entendimento do órgão acerca de determinada questão de direito. Na verdade, o conteúdo do verbete individualmente, que expressa o entendimento do tribunal sobre determinada questão de direito, deve ser chamado, por precisão técnica, de enunciado. (CARVALHO, 2008, p.38).
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº. 45, de 2004 – politicamente conhecida como a “Reforma do Judiciário” – é que surgiu, no ordenamento jurídico pátrio, o instituto da “súmula vinculante”.
Embora o Brasil adote o civil law, verifica-se, contudo, que o instituto da “súmula vinculante” guarda estreita relação é com o sistema anglo-americano do common law.
De acordo com Carvalho (2008, p.7), vários são os motivos que justificaram e, ainda hoje, justificam a origem da súmula no direito brasileiro: a consolidação de interpretação – todavia, mutável quando necessária; a previsibilidade na solução de litígios; a igualdade na aplicação do direito e solução de conflitos; o acúmulo de processos e a celeridade na prestação jurisdicional. A súmula no Brasil tem sua origem em 1963, e como seu mentor e propagador o Ministro Victor Nunes Leal, do Supremo Tribunal Federal.
O conceito de “súmula vinculante” adotado é o de MORAES (2008, p.566):
As súmulas vinculantes surgem a partir da necessidade de reforço à idéia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal, de maneira a assegurar-se a segurança jurídica e o princípio da igualdade, pois os órgãos do Poder Judiciário não devem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, devendo, pois, utilizar-se de todos os mecanismos constitucionais no sentido de conceder às normas jurídicas uma interpretação única e igualitária.
A Lei nº. 11.417, de 2006, é a que regulamenta o artigo 103-A da Constituição, que trata da “súmula vinculante”, e pode ser considerada uma lei curta, posto que de apenas 11 (onze) artigos que, no mais das vezes, são meros repetidores do texto constitucional.
Apesar das inúmeras críticas que tal instituto tem recebido – do propalado engessamento do Judiciário à positivação do direito por este Poder, como por exemplo, na edição da “Súmula Vinculante” nº 13, a verdade é que desde a entrada em vigor da Lei nº 11.417, de 2006, tem-se percebido o seu avanço.
Vários são os motivos que justificaram e, ainda hoje, justificam a origem da súmula no direito brasileiro: a consolidação de interpretação – todavia, mutável quando necessária; a previsibilidade na solução de litígios; a igualdade na aplicação do direito e solução de conflitos; o acúmulo de processos e a celeridade na prestação jurisdicional. (CARVALHO, 2008).
O estudo da Súmula Vinculante transcende á análise de seu objeto, a norma jurídica individual materializada em uma decisão proferida por um magistrado. Para além disso, ter-se-á como primado maior sua finalidade última, conferir estabilidade ás relações jurídicas desagregadas pela aplicação do ordenamento de forma desigual para casos análogos. A estabilidade jurisprudencial propiciada, portanto, pela edição de uma súmula vinculante firma o postulado da segurança jurídica em um sociedade, sendo que confere ao jurisdicionado previsibilidade nas decisões dos denominados processos repetitivos. (KRUG, 2015).
1.1 Conceito de Sumula com efeito Vinculante
Para Carvalho (2008, p. 120), o conceito de “súmula vinculante” é o seguinte:
(...) apenas e tão-somente isso: síntese de orientações jurisprudenciais do STF a respeito de matéria constitucional que, a despeito de sua força vinculativa e de seu caráter interpretativo, não deixa de ser subordinada à lei, da qual ela é mera tradução enunciativa.
Não obstante a propriedade de tais conceitos, adotar-se-á, neste trabalho, o conceito mais abrangente de MORAES (2008, p.566), para quem:
As súmulas vinculantes surgem a partir da necessidade de reforço à idéia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal, de maneira a assegurar-se a segurança jurídica e o princípio da igualdade, pois os órgãos do Poder Judiciário não devem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, devendo, pois, utilizar-se de todos os mecanismos constitucionais no sentido de conceder às normas jurídicas uma interpretação única e igualitária.
2 SÚMULA DE EFEITO VINCULANTE SEUS EFEITOS E SUA IMPORTÂNCIA
Para Jambo (2005) em termos jurídicos, súmulas são entendimentos jurisprudenciais pacificados, criados por certo Tribunal, as quais servem de orientação aos magistrados para formarem seu convencimento nas soluções das lides.
Em síntese, as súmulas são entendimentos pacificados dos Tribunais, oriundos das reiteradas decisões em um mesmo sentido acerca de tema específico de sua competência, cujo objetivo é servir de referencial ao mundo jurídico, sem, contudo, ser de observância obrigatória. Por oportuno, é importante consignar que está consagrado no direito pátrio o princípio do livre convencimento fundamentado do juiz. Em razão disso, o julgador não está compelido a aplicar a matéria sumulada pelo Tribunal, uma vez que o entendimento então cristalizado somente serve de orientação, cabendo ao julgador acatar ou não tais entendimentos nos casos sub judice. (RESENDE, 2018, p.3).
Ademais, preceitua o art. 5°, II, da Constituição da República de 1988 que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. (BRASIL, 1988).
Com base neste princípio, pode-se afirmar que as súmulas, em regra, não exercem o poder de obrigatoriedade, tendo em vista que em sua criação não são exigidos e observados os mesmos requisitos para edição de uma lei e, tampouco, expressam a vontade geral. (BRASIL, 1988).
Tratam-se somente de entendimentos pacificados dos Tribunais sobre uma lei ou alguns de seus dispositivos em que existam constantes controvérsias. (Brasil, 1988).
O vocábulo jurisprudência tem sua gênese no latim, jurisprudentia, em que jus é direito, ciência do direito, e prudentia significa sabedoria. Literalmente, jurisprudência é “o Direito visto com sabedoria”. No tocante ao conceito em análise, vejamos o que diz Silva:
Assim é que se entende a jurisprudência como sábia interpretação e aplicação das Leis a todos os casos concretos que se submetam a julgamento da justiça. Ou seja, o hábito de interpretar e aplicar as leis aos fatos concretos, para que assim, se decidam as causas. Desse modo a jurisprudência não se forma isoladamente, isto é, pelas decisões isoladas. É necessário que se firme por sucessivas e uniformes decisões, constituindo-se em fonte criadora do Direito e produzindo um verdadeiro jus novum. (SILVA, 2014, p.420).
Resende (2018) ressalta que, em nosso país, a jurisprudência é apenas uma fonte de apoio e, portanto, não é criadora do direito.
Note Vieira (1996), denota que a súmula é "um curto enunciado que, de maneira objetiva, explicita a interpretação de um tribunal superior a respeito de determinada matéria".
Discorre Lisboa (2013) que “a criação jurisprudencial (no mesmo sentido encaixam-se as súmulas) há de ser apenas interpretativa, nunca ab-rogativa da lei. Se o for, será ilegal e não deve ser acatada. Mas se apenas a interpreta, os tribunais estão na sua função legítima e é para isto que existem”.
Síntese da jurisprudência pacificada no STF, a súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como gestada, desde sua criação, mostrou-se um importante instrumento de uniformização da interpretação do texto constitucional e é o instrumento jurídico que antecede no Brasil, lógica e historicamente, a criação da súmula vinculante. Sobre isso, acode dizer que, da mesma forma que a súmula vinculante – a qual, embora baseada em alguns instrumentos jurídicos de uniformização e vinculação jurisprudencial do common law, é uma criação tipicamente brasileira – a súmula de jurisprudência do STF se apresenta como “ um instituto de nítidas raízes brasileiras, sem cópia do stare decisis nem filiação a the restatment of the Law”. (CARVALHO, 2008, p.38).
Por fim Resende (2018), vê-se que o instituto jurídico da súmula é apenas uma síntese da jurisprudência, ou seja, trata-se de um enunciado resumido, sintetizado, do entendimento uniformizado de determinado tribunal acerca de um tema jurídico específico.
Já quanto ao efeito vinculante, Carvalho (2008, p. 41) autor leciona:
Já efeito vinculante significa algo diverso. Em resumo, ele é um plus em relação à eficácia erga omnes e significa a obrigatoriedade da Administração Pública e dos órgãos do Poder Judiciário, excluindo o Supremo Tribunal Federal, de submeter-se à decisão proferida na ação direta. Em termos práticos, significa que o Poder Executivo e os demais órgãos judicantes, nos julgamentos de casos de sua competência em que a mesma questão deva ser decidida incidentalmente, devem, obrigatoriamente, aplicar o provimento contido nessa decisão. Se não o fizerem, afrontam autoridade de julgado do Supremo Tribunal Federal, o que “abre as portas” para Reclamação, conforme prevista no art. 102, I, l da Constituição Federal, além, naturalmente, do cabimento dos recursos cabíveis às instâncias superiores. Ou seja, se não for respeitada a decisão proferida na ação direta, o prejudicado poderá valer-se de um instituto próprio, denominado Reclamação, requerendo ao Supremo Tribunal Federal que garanta, de uma vez, a autoridade de sua decisão. Em outros termos, como se observa, o efeito vinculante ultrapassa o alcance do efeito erga omnes – ou seja, a abrangência daquele é bem maior do que este, pois atinge não só o Poder Judiciário e eventuais destinatários da lei ou do ato normativo, em controle concentrado e em abstrato no STF, ou em controle difuso, incidentalmente em casos concretos, nos mais diversos órgãos judicantes do país, mas a Administração Pública em sua totalidade.
Convencionou-se, em razão de construção legislativa, doutrinária e jurisprudencial, uniformemente denominar o instituto que aqui se colaciona como “súmula vinculante” – embora assim não o seja no próprio texto constitucional, e, ademais, quando se entende que o deveria sê-lo súmula com efeito vinculante.
A Súmula Vinculante, sendo assim, pode ser definida como um instrumento, a ser utilizado exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal, hábil a padronizar a exegese de uma norma jurídica controvertida, evitando insegurança e desigualdades de aplicação de entendimentos diversos em questões idênticas. (BULOS, 2014)
O autor supracitado vaticina que as súmulas podem ser classificadas em: persuasivas, vinculantes e obstativas ou impeditivas de recurso:
- Persuasivas são aquelas que não dependem de observância em sua aplicação, ou seja, não são de utilização compulsória. Servem apenas para nortear o julgador quando da formação de sua convicção ao decidir uma lide. Em síntese, as súmulas persuasivas são tidas como um entendimento firmado por um Tribunal Superior, acerca de determinada matéria, destinada a orientar o julgador quando da decisão do caso que lhe foi exposto, sem serem, no entanto, de aplicação obrigatória.
Muscari (1999), define que as vinculantes são “as súmulas dotadas de força obrigatória, se não para o órgão jurisdicional que as emitiu (ao qual sempre restaria a possibilidade de alterá-las por maioria simples ou qualificada), ao menos para os juízos monocráticos e colegiados que lhe são inferiores.”
Silveira Neto (2001) ensina que súmula vinculante é “um enunciado sintético e objetivo exarado por um Tribunal, com o escopo de uniformizar o entendimento reiterado em inúmeros e semelhantes julgados (jurisprudência), que obrigam todos a harmonizarem suas condutas com o declarado pelo Tribunal”.
Diniz (2009) nos mostra que a “súmula vinculante é aquela que, emitida por Tribunais Superiores depois de reiteradas decisões uniformes sobre um mesmo assunto, torna obrigatório seu cumprimento pelos demais órgãos do Poder Judiciário".
Superficialmente, entende-se por súmula vinculante a editada pelo Supremo Tribunal Federal, cuja aplicação é obrigatória pelo julgador quando da decisão de um caso concreto em que a matéria a ser analisada seja substancialmente análoga à sumulada. Por oportuno, desde já, observa-se que aplicação da súmula de efeito vinculante restringe o âmbito de atuação jurisdicional das instâncias inferiores e da administração pública, uma vez que os órgãos destes deverão aplicar o disposto na súmula, sem contrariá-la. Por sua vez, as súmulas obstativas ou impeditivas de recursos são aquelas que impedem o jurisdicionado de buscar o reexame da decisão pela instância superior (acesso ao duplo grau de jurisdição), por não ser passível a interposição de recurso, já que a matéria decidida se encontra em conformidade com entendimento sumulado por Tribunal Superior. (RESENDE, 2018, p.18).
Ainda de acordo com anterior a súmula vinculante nasce das reiteradas decisões sobre matéria de ordem constitucional proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, a qual exige aprovação de dois terços dos ministros daquela Corte. No tocante ao efeito, a súmula vinculante, como se depreende do próprio nome, possui vinculação obrigatória a ser observada pelo Poder Judiciário, bem como pela Administração Pública (direta e indireta), conforme preceitua o art. 3º da Constituição da República de1988. Vejamos:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. (BRASIL, 1988).
Para Tavares a construção de um anunciado com força vinculativa a partir de uma decisão não constitui atividade legislativa ou jurisdicional. A atividade distingue-se da função legislativa pelo fato de que ao legislador é conferido vasto leque de opções em que pode atuar de modo, relativamente, discricionário, enquanto o poder judiciário está restrito a um quadro limitado de opções, sendo que, o papel da súmula é fixar uma interpretação possível acerca de um texto normativo prévio, excluindo-se as restantes. Sendo assim, devido a limitação imposta ao STF na edição de um enunciado interpretativo com força vinculante, este não pode atuar extra legem ou contra legem. Para o autor, o ato interpretativo configura um ato de criação, sendo que não é só o legislador que cria o direito. (TAVARES, 2014).
2.1 A Súmula Vinculante como um Problema de Método: a Comparação entre o Sistema Romano-germânico e o Stare decisis
Grande parte dos trabalhos sobre súmula vinculante costumam lançar uma crítica a este instituto devido à sua origem no stare decisis, o qual possui uma matriz interpretativa muito diferente da brasileira que assenta suas bases no sistema romano-germânico. Esses trabalhos pretendem demonstrar que os erros de aplicação e excessos nas pretensões postas nas súmulas vinculantes se originam numa visão do direito muito diferente da brasileira, o que pode ser identificado como um problema de método. (BULOS, 2014).
O direito brasileiro está fundado no direito romano-germânico conhecido como direito europeu-continental. No centro desse sistema de direito encontram-se as normas escritas produzidas pelo legislador que emprestam fundamento à existência do direito. A vida é regulada por uma série de normas escritas organizadas em Códigos específicos às quais o julgador se encontra naturalmente vinculado. Os precedentes judiciais são periféricos no sistema romano-germânico e possuem apenas a finalidade de reforçar a decisão emanada com base na legislação. Por isso, os julgadores devem fundar seus julgamentos na legislação escrita e recorrer aos precedentes judiciais apenas subsidiariamente, para efeitos de convencimento de sua decisão. (BUSETTI, 2017).
No sistema do stare decisis adotado pelo direito inglês e pelos sistemas jurídicos dele derivados como o norte-americano, os precedentes judiciais possuem importância determinante no Direito. Nesse sistema, a legislação é escassa e em alguns níveis inexistentes como é o caso da Inglaterra que não possui Constituição escrita, o que justifica a relevância que o precedente judicial agrega na composição desse sistema jurídico. (CARVALHO, 2008).
A jurisprudência é a principal fonte do direito no stare decisis e como tal adquire força vinculante para a solução dos casos futuros. A obrigatoriedade de os julgadores adotarem conclusões jurisprudenciais pré-existentes aplicando-as a questões análogas é denominada stare decisis, termo proveniente da expressão latina stare decisis et non quieta movere (mantenha-se a decisão e não perturbe o que já foi decidido). (BUSETTI, 2017).
Dessa forma, nos Estados Unidos, a tradição jurídica impõe que as decisões emanadas das cortes superiores federais e estaduais sejam observadas pelos juízes de hierarquia inferior. As decisões destes, contudo, não geram precedentes. As cortes podem revogar precedentes anteriores que entendam em desuso ou obsoletos e mesmo a legislação pode revogá-los. (CHIARINI JÚNIOR, 2003).
Atualmente, há uma aproximação entre os sistemas do stare decisis e o romano-germânico, uma vez que este último passou a adotar a jurisprudência como forma de fundamento das decisões judiciais, assim como, no stare decisis, a produção legislativa tem percebido destaque. (BUSETTI, 2017).
Em que pese a aproximação entre os sistemas, os objetivos a que se presta a súmula vinculante no stare decisis são diferentes daqueles que pretende atingir no sistema romano-germânico. Naquele sistema, o precedente funciona como uma sentença que se amolda a determinado caso concreto em vista de que é ela quem faz as vezes da regulação, estabelecendo os pressupostos da segurança jurídica, da igualdade e da coerência. Note-se que no stare decisis o precedente possui sua força coercitiva deferida sobretudo pela comunidade que o respeita como uma regra de regulação da vida em sociedade e nela credita a força estruturante do direito. O direito no stare decisis é aquilo que os tribunais interpretam que é e esse pressuposto de legitimidade está muito bem incorporado na cultura desse sistema. Por outro lado, no sistema romano-germânico as normas escritas são fartas, as Constituições são expansivas e convivem com a interpretação dos tribunais, gerando uma composição do direito em que a regra positivada ainda possui legitimidade sobressalente. O direito positivo exerce uma influência determinante na conformação do sistema jurídico romano-germânico e mesmo a interpretação jurisprudencial que afaste a incidência das regras positivadas ou negue a sua existência está pressuposta num esquema de direito em que essas regras se não exercem uma influência maior na cultura da sociedade, existem. (JAMBO, 2005).
A súmula vinculante pretende instituir um método novo de interpretação do direito pautado na autoridade do precedente do Supremo Tribunal Federal. Conforme a crítica acima lançada não se pode conceber que este método obtenha a eficácia que encontra no stare decisis. O método da súmula vinculante não é adequado pelos motivos já expostos, mas, principalmente, devido à pretensão uniformizadora do pensamento jurídico a que se propõe, como se em uma síntese lingüística descritiva pudessem estar contidas todas as interpretações do direito para a imensa gama de casos que demandam apreciação particularizada pelo poder judiciário. (BUSETTI, 2017).
2.2 Súmula Vinculante como um Problema a partir do Método
A súmula de efeitos vinculantes se conforma como um enunciado geral e abstrato que resume o tratamento que o Supremo Tribunal Federal entende que se deva firmar a um determinado conjunto de casos que apresentem em comum a identidade da discussão jurídica abrangida no preceito. A Corte redigirá um enunciado após a apreciação de um significativo número de demandas que versem sobre “idêntica” controvérsia constitucional. (BUSETTI, 2017).
A intenção planificadora do método proposto pela súmula vinculante revela o problema jurídico-filosófico de se restringir as possibilidades de interpretação do direito, reduzindo-o à linguagem proposta no enunciado, normando assim de forma genérica um conjunto de casos concretos que sempre reclamam solução particularizada. (DIAS, 2004).
O método oferecido pela súmula é o da norma geral e abstrata tal como foi concebida por Kelsen. Para a Teoria Pura do Direito de Kelsen, a norma superior regula o ato por meio do qual a norma inferior é criada. Na criação da norma inferior, a norma superior determina não apenas o procedimento por meio do qual a norma inferior é criada, mas eventualmente também o conteúdo desta. (CARVALHO, 2008).
Segundo a Teoria Pura do Direito, na relação entre a Constituição e a lei, o procedimento regulamentador é predominante. O conteúdo das futuras leis é determinado também pela Constituição. Na relação entre a lei e a decisão judicial o conteúdo da norma individual é determinado. Essa determinação que nunca é completa, pois a norma não prevê todos os detalhes, deixa uma margem de arbítrio, de modo que a norma superior em relação ao ato que a implementa (seja de criação da norma inferior ou de simples implementação), tenha apenas o caráter de uma moldura a ser preenchida por esse ato. A edição da norma geral sempre se opera mantendo sua essência através da pressuposição de que a norma individual editada na implementação da norma geral continuará o processo de determinação, o processo subjacente ao ordenamento hierárquico das normas legais. (BUSETTI, 2017).
Verifica-se que a súmula vinculante bem se adéqua à doutrina da Teoria Pura do Direito criada por Kelsen porque nela a subordinação hierárquica do comando particular que será a decisão judicial do caso concreto não apenas já contempla a direção que a norma particularizada (inferior) deverá seguir harmonicamente com aquela, senão, de antemão, determina e esgota o próprio conteúdo desta norma. (JAMBO, 2005).
A estrutura da súmula vinculante se identifica com os comandos gerais e abstratos da legislação criada pelo Poder Legislativo porque se utiliza da mesma técnica utilizada pelo legislador na criação das leis. Note-se que a faculdade ativa está deslocada para o Poder Judiciário, o que poderia ensejar discussões acerca da legitimidade deste Poder na utilização de argumentos próprios ao legislador como o são os argumentos de justificação para a criação das leis. (KHOURI; TAVARES, 2015).
Defendem alguns autores que os críticos ao instituto da súmula vinculante estariam apegados ao modelo de Estado Legalista por entenderem que a jurisprudência não pode servir de fonte do direito. Ao revés, se compreendermos que toda a possibilidade de interpretação construtiva ficará obstada pelo entendimento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal a despeito de unificar o entendimento sobre o direito constitucional, então podemos afirmar que a súmula, esta sim, encerra uma lei cuja legitimação ativa é restrita e a interpretação já está contida na própria lei que é imperativa – deve ser observada, do contrário prevê uma sanção – possui efeitos vinculantes – gera observância obrigatória - e não enseja novas interpretações pelos magistrados de instâncias inferiores. (KRUG, 2015).
As características de abstração e generalidade que se vislumbram na súmula de efeitos vinculantes criada pela Emenda Constitucional nº 45/2004 fundamentam o argumento de que se criou no direito brasileiro um instituto que em lugar de funcionar como jurisprudência dominante, pode bem ser compreendido como uma fonte abstrata legislativa a cargo do Poder Judiciário. A natureza da súmula vinculante seria, pois, de norma jurídica, devido às características de generalidade e abstração. (LISBOA, 2013).
A matriz positivista ainda é prevalecente em nossa tradição jurídica e ignorá-la não reduz o extenso caminho a ser percorrido pelo nosso Direito para conceber que as decisões judiciais precisam ser suficientemente fundamentadas em argumentos interpretativos comprometidos com a melhor solução do caso em exame - como defende a doutrina do Direito como Integridade de Ronald Dworkin -, independentemente de estarem baseadas na lei ou no precedente jurisprudencial vinculante da Corte Suprema. (BUSETTI, 2017).
As normas de aplicação controvertida pelos juízos e tribunais assim o são porque são interpretadas por seus intérpretes. Com o esquema da súmula vinculante, criou-se um padrão interpretativo, ele ditará como determinadas normas devem ser interpretadas frente à Constituição. Há um segundo comando geral e abstrato sobreposto ao primeiro para fins de dizer o que aquele primeiro deseja externar. Entretanto, o instituto não consegue afastar que esta segunda norma também merece interpretação, retornando ao problema anterior de que poderão surgir ainda quanto à súmula vinculante controvérsias inevitáveis. A vontade planificadora esbarra num problema inerente de hermenêutica: o de que não é possível cercear na totalidade as possibilidades da interpretação, ainda que este seja o propósito maior do método. (PASSOS; FIORATTO, 2007).
2.3 Natureza jurídica
Segundo Resende (2018) a súmula vinculante trata-se de um enunciado de conteúdo normativo, vez que é editada em termos de compulsoriedade. Aliás, o próprio artigo 103-A da Constituição dispõe que “a súmula terá efeito vinculante (...)”.
Além disso, a súmula vinculante é um enunciado jurídico e não moral ou de outra grandeza. Acrescenta-se, ainda, que, por ser criada pelo órgão de cúpula do judiciário brasileiro, nos termos do 103-A da Constituição da República, a natureza jurídica da súmula vinculante mais reafirma ser uma norma jurídica. (SAADI, 2007).
O Supremo Tribunal Federal tem como competência precípua a guarda da Constituição, ou seja, é ele quem tem nas mãos em última instância a Constituição, é a ele que cabe tornar efetiva a aplicação e interpretação do direito constitucional positivo. A palavra final, no que diz respeito à Constituição, cabe a ele, STF. Conseqüentemente, ao editar súmula com efeito vinculante, a matéria tratada será de norma constitucional. Logo, a súmula não terá apenas “força de lei”, mas “força de norma constitucional” somente modificável pelo Poder Legislativo por emenda constitucional. (RESENDE, 2018, p.10).
As súmulas vinculantes, além de serem dotadas de caráter geral e abstrato, possuem o efeito vinculativo que muito se assemelha às normas elaboradas pelo Legislativo. Acerca da semelhança entre as súmulas vinculantes e as normas jurídicas, cabe mencionar as palavras de Tavares (2012):
Assim como a violação à lei autoriza propositura de ações judiciais corretivas – haja vista a característica da imposição, coerção e sanção inerentes ao ordenamento jurídico –, a violação às súmulas autoriza a propositura da reclamação para correção da desconformidade. Portanto, as súmulas de efeito vinculante possuem força de Lei Constitucional, sendo indevidamente criadas pelo Supremo Tribunal Federal, o qual compete resguardar a correta aplicação do Direito e não criá-las. Acrescenta-se, ainda, que é inconcebível atribuir às súmulas de efeitos vinculantes igual hierarquia ou valor das normas jurídicas.
3 CARACTERIZAR A INSCONTITUCIONALIDADE DA SÚMULA DE EFEITO VINCUNLANTE SOB ENFOQUE DA CONSTITUIÇÃO.
Desta forma Resende (2018), vislumbra-se que a súmula vinculante é a jurisprudência criada pelo Supremo Tribunal Federal, cuja aplicação do entendimento sumulado é de cumprimento obrigatório pelo Judiciário e pela Administração Pública em geral. Assim, na prática, a súmula vinculante possui força de lei, uma vez que cria um vínculo jurídico e possui efeito erga omnes.
Denota-se, conforme autor supra mencionado ainda, que a súmula vinculante é um instrumento que impede juízes de instâncias inferiores decidir diversamente do Supremo Tribunal Federal quando a questão sub judice envolver entendimento já expresso por meio dela.
Ainda neste o autor supramencionado que a súmula vinculante trata-se de um enunciado de conteúdo normativo, vez que é editada em termos de compulsoriedade. Aliás, o próprio artigo 103-A da Constituição dispõe que “a súmula terá efeito vinculante.
Acerca da semelhança entre as súmulas vinculantes e as normas jurídicas, cabe mencionar as palavras de Passos; Fiorrato (2007, p.13):
"Assim como a violação à lei autoriza propositura de ações judiciais corretivas – haja vista a característica da imposição, coerção e sanção inerentes ao ordenamento jurídico –, a violação às súmulas autoriza a propositura da reclamação para correção da desconformidade".
Portanto Resende (2018), as súmulas de efeito vinculante possuem força de Lei Constitucional, sendo indevidamente criadas pelo Supremo Tribunal Federal, o qual compete resguardar a correta aplicação do Direito e não criá-las. Acrescenta-se, ainda, que é inconcebível atribuir às súmulas de efeitos vinculantes igual hierarquia ou valor das normas jurídicas.
Quanto às violações Constitucionais em decorrência da adoção da súmula de efeito vinculante, vale colacionar as palavras de Maria Helena Mallmann Sulzbach, apud Dalmo de Abreu Dalari, na matéria "Efeito vinculante: prós e contras", em especial sobre a Reforma do Judiciário na Revista Consulex nº 3 de 31/3/1997:
(...) significa alterar o princípio constitucional que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (art. 5º, inc. II, da CF/88), cláusula pétrea não passível de alteração pelo poder constituinte derivado. Materializando a interpretação obrigatória que deve ser dada à lei, a súmula com efeito vinculante gera efeito que nem a lei provinda do Parlamento tem capacidade de produzir. Torna-se uma superlei, concentrando no Judiciário poderes jamais concedidos sequer ao poder constituinte originário, o qual não pode impor interpretação obrigatória às normas que disciplinam as relações sociais. A possibilidade de edição de súmula com efeito vinculante pelos tribunais de cúpula significa atribuir a esses competência de cassação e afirmação das normas, com evidente fragilização do Poder Legislativo e, acima de tudo, subtração de sua prerrogativa formal de legislar. Trata-se, ao nosso ver, de sucedâneo judiciário de Medida Provisória e, portanto, é mais uma forma de usurpação das funções legislativas do Congresso Nacional. E mais, sob o enfoque das consequências da edição de comando legislativo compulsório, ao qual o juiz se submete obrigatoriamente, há evidente supressão do processo de renovação do direito através da jurisprudência. Suprimindo-se o princípio do livre convencimento do juiz, suprime-se também uma das principais fontes desse processo que tem, em sua origem o exercício da advocacia, que fica restrito e limitado a requerer ao Judiciário simplesmente a aplicação do enunciado vinculativo. Com o engessamento do processo de renovação do direito fica a indagação: de que realidade e em que fatos sociais dinâmicos os tribunais de cúpula irão buscar inspiração para editar os seus comandos legislativos? Não tenho qualquer dúvida de que a busca da solução justa de cada processo é inerente à democracia, que não pode ser abalada a pretexto de descongestionamento do Judiciário." (DALARI, 1997, p.15).
Conforme Resende se verá adiante, a adoção das súmulas de efeito vinculante acaba por violar diversos princípios consagrados Constitucionalmente. Demonstra-se:
A separação dos poderes do Estado originou-se de uma teoria (Tripartição dos Poderes) que foi se desenvolvendo ao longo da história por meio de estudos de filósofos, tendo efetivamente se consagrado no século XVIII, após a conclusão de Montesquieu. A doutrina de Montesquieu não só especificou as funções a serem exercidas pelo Estado (como fizera Aristóteles), como também mostrou a necessidade de ser atribuído a titulares diferentes o exercício das funções. A idéia da separação dos poderes, além de visar a liberdade individual, também estava voltada para o aumento da eficiência do Estado, uma vez que cada órgão do Estado se especializaria em uma função. (RESENDE, 2018, p.25).
Em suma, a teoria surgiu com o fito de assegurar as liberdades individuais e, ainda, para concentrar a atividade estatal em “três poderes” distintos. Nesse sentido, as palavras de Charles-Louis de Secon-dant apud Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias:
Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se o judiciário se unisse com o executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. E tudo estaria perdido se a mesma pessoa, ou o mesmo corpo de nobres, de notáveis, ou de populares, exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de ordenar a execução das resoluções públicas e o de julgar os crimes e os conflitos dos cidadãos. (DIAS, 2004, p.134).
Resende (2018) expõe que com essa idéia, o filósofo criou o sistema de freios e contrapesos, sendo conferido ao executivo participação legislativa e ao legislativo a fiscalização da execução.
O princípio da separação das funções do Estado está expressamente previsto no artigo 2° da Constituição Federal de 1988. Prevê o referido dispositivo legal que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. (BRASIL, 1988).
Para Montesquieu apud Resende, as três funções estatais (Legislativo, Executivo e Judiciário) seriam harmônicas e independentes entre si, não sendo permitido uma sobrepor a outra. Contudo, haveria uma complementação de desempenhos entre eles. (RESENDE, 2018, p.30).
O princípio do livre convencimento também é conhecido como princípio da persuasão racional do juiz. Segundo Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, "tal princípio regula a apreciação e a avaliação das provas existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção".
Conclui-se deste princípio que "o juiz não é desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos (quod non est in actis non est in mundo), mas a sua apreciação não depende de critérios legais determinados a priori. O juiz só decide com base nos elementos existentes no processo, mas os avalia segundo critérios críticos e racionais". (SILVEIRA NETO, 2001).
O princípio em questão também aponta a independência do juiz em relação aos Tribunais Superiores. Em razão disso, está o referido princípio diretamente ligado à garantia de independência dos juízes, "a qual retira o magistrado de qualquer subordinação hierárquica no desempenho de suas atividades funcionais; o juiz subordina-se somente à lei, sendo inteiramente livre na formação de seu convencimento e na observância dos ditames de sua consciência." (TAVARES, 2012).
Facilmente nota-se que o princípio constitucional do livre convencimento do juiz é ofendido com a adoção de súmulas de efeitos vinculantes. A incompatibilidade se evidencia na medida em que o juiz, mesmo convencido do contrário, terá que decidir o processo de acordo com o entendimento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, ante a força de vinculação da súmula. (PASSOS; FIORATTO, 2007).
O princípio do duplo grau de jurisdição está previsto implicitamente na parte final do inciso LV, do art. 5º da
Constituição da República de 1988, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Verifica-se ser garantida a ampla defesa "com os meios e recursos a ela inerentes", sendo assegurado o reexame da decisão por um órgão superior, cuja previsão e competência estão reguladas nos artigos 5º, LV, 92, 102, 105 e 108, todos da Constituição da República de 1988.
O princípio em comento tem por objetivo evitar decisões erradas ou injustas, já que abre ao jurisdicionado a possibilidade de reexame da decisão por um órgão colegiado que, em tese, julga com menor margem de erros, por ser constituído por julgadores com maior experiência jurídica. incompatibilidade entre o princípio do duplo grau de jurisdição e o efeito vinculante das súmulas é clara, uma vez que não seria necessária a interposição de recurso pela parte desfavorecida pela decisão, pois o provimento final da instância a que se recorreu já seria conhecido de antemão. (MUSCARI, 1999).
Em termos práticos, o duplo grau de jurisdição fica violado na medida em que, ao interpor um recurso para Tribunal Superior, poderá o relator negar seguimento ao recurso, ao argumento de que a matéria a ser reexaminada é contrária ao conteúdo de súmula vinculante. Além de se estar inviabilizando o duplo grau de jurisdição, as provas produzidas no processo, que poderiam mudar a decisão, sequer são analisadas, restando impossível até mesmo alterar o entendimento de determinada súmula vinculante. (RESENDE, 2018).
O artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal Brasileira de 1988, expressamente prevê o princípio da garantia de acesso ao judiciário. O referido dispositivo legal define que a “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
O princípio em análise resguarda o direito ao indivíduo de ingressar em juízo em busca de proteção de seus interesses. Trata-se de uma garantia fundamental que tutela, além do acesso à justiça, a correta prestação jurisdicional em garantia ao respeito dos direitos fundamentais previstos em nossa Constituição. (SAADI, 2007).
A prestação jurisdicional, baseada neste princípio, deve estar centrada na legítima atividade, sustentada nas garantias previstas na Constituição, não sendo permitida, sob qualquer pretexto, a realização de atos contrários às necessidades dos litigantes em um processo. Ademais, é dever do Estado garantir aos indivíduos o acesso à justiça, sendo proibida qualquer disposição legal contrária à garantia de acesso à função jurisdicional democrática.(MORÃES, 2008).
O postulado do acesso à justiça, além de assegurar o acesso ao juízo e a plena atividade do judiciário, também garante proteção ao indivíduo no que se refere aos atos abusivos porventura praticados pelo poder público, como, por exemplo, os atos que proíbam a análise de demandas judiciais ou que não respeitem as garantias fundamentais tuteladas por nossa Constituição. (NERY JÚNIOR; NERY, 2014).
Na linha de pensamento tradicional a motivação das decisões judiciais era vista como garantia das partes, com vistas à possibilidade de sua impugnação para efeito de reforma. Era só por isso que as leis processuais comumente asseguravam a necessidade de motivação (...) mais modernamente foi sendo salientada a função política da motivação das decisões judiciais, cujos destinatários não são apenas as partes e o juiz competente para julgar eventual recurso, mas com a finalidade de aferir-se em concreto a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça das decisões. (LISBOA, 2013).
Além disso, o princípio em comento expressa a importância da fundamentação das decisões que serão proferidas pelo julgador, sob pena de nulidade caso assim não o faça. Desta forma, além de atentar para a garantia do devido processo legal, o julgador deverá analisar as questões levantadas no decorrer da prestação da atividade jurisdicional, para que o provimento final esteja em harmonia com o produzido democraticamente pelas partes litigantes do processo. (KRUG, 2015).
É clara a desarmonia existente entre a fundamentação das decisões e o efeito vinculante das súmulas. Aceitar a inserção de súmula de efeito vinculante em nosso ordenamento jurídico é autorizar que as decisões judiciais sejam fundamentadas apenas formalmente, já que será necessário apenas alegar consonância entre a decisão e o entendimento de súmula vinculante. (RESENDE, 2018).
Observa-se que, enquanto garantia constitucional, o processo democrático engloba uma série de direitos que não se coadunam com a adoção das súmulas vinculantes, já que, ao decidir com base em entendimento cristalizado em súmula vinculante, o órgão do judiciário sequer terá oportunidade de observar os princípios mencionados. Se isso não bastasse, as súmulas vinculantes também impedem interpretação oposta à matéria sumulada. Assim, obstar o surgimento de entendimento divergente, ainda que de forma fundamentada, estar-se-á ignorando o reexame da matéria (duplo grau de jurisdição). (TAVARES, 2012).
De acordo com Passos; Fioratto (2007, p.115), o efeito vinculante:
(...) é uma extensão da coisa julgada para além da lide singular. A afirmação contém em si, em termos científicos, uma heresia, mas, na prática, este será o efeito do tal efeito vinculante amplo pretendido. E isto é conspirar contra o conceito mesmo da coisa julgada, em todas as latitudes. O mesmo Sérgio Sérvulo da Cunha (...) lembra que ‘os efeitos dessa decisão, porém, são circunscritos àqueles que puderam expor suas razões em juízo, fazer provas, debater o Direito e os fatos e recorrer das decisões contrárias (...) É impossível, em face desse direito fundamental, proferir-se decisão judicial cuja execução alcance quem não foi litigante, quem não teve a oportunidade de se defender, fazer prova, expor suas razões, discutir o fato e o Direito. (...) A força obrigatória (efeito vinculante) das decisões judiciais, o alcance executório da coisa julgada, restringe-se, portanto, aos que foram parte no respectivo processo.’ (...) Tais e pertinentes conclusões vêm secundada pela invocação do texto constitucional, exatamente no que ele contém de mais eloqüente, em torno das inderrogáveis prerrogativas de cidadania, segundo a qual aos litigantes e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, (art. 5º, inciso LV da Carta Política) e, segundo a qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, inciso XXXV, do mesmo texto constitucional).
Por fim, não se pode deixar de mencionar que o processo, por ser garantia constitucional, somente será válido acaso respeitado o princípio do devido processo legal, ou seja, o provimento jurisdicional deve corresponder ao que foi produzido pelos litigantes por meio do contraditório e da ampla defesa.
CONCLUSÃO
Diante deste estudo dirigido, pode-se dizer, seguramente, que a adoção das súmulas de efeito vinculante em nosso ordenamento viola princípios constitucionais e não guarda relação com o sistema jurídico adotado no Brasil. Não há como negar o caráter inconstitucional do referido instituto.
Conforme explanado, as súmulas de efeito vinculante foram inseridas no ordenamento jurídico pátrio por meio da Emenda Constitucional nº. 45/2004, conhecida como “Reforma do Judiciário”. Nos termos em que foi inserida, a súmula vinculante, como próprio nome já diz, possui caráter de obrigatoriedade de aplicação tanto pelo Judiciário quanto pela Administração Pública (direta e indireta), conforme se depreende do artigo 103-A e incisos da Constituição da República.
A inconstitucionalidade das súmulas vinculantes se sustenta, uma vez que diversos princípios constitucionais são violados. Elas afrontam o princípio do devido processo legal e demais princípios correlatos, como a ampla defesa, o acesso à justiça, a inafastabilidade do controle jurisdicional, a fundamentação das decisões judiciais, além de desrespeitar o duplo grau de jurisdição, a separação dos poderes e a legitimidade democrática.
No tocante à violação dos princípios do devido processo legal, cabe registrar que as garantias consagradas em nossa Constituição visam garantir as partes litigantes o acesso à justiça e todos os meios a ela inerentes, além de serem indispensáveis para uma correta prestação jurisdicional.
A súmula vinculante, por sua vez, impede a produção de provas, não garante discussões e apresentação dos entendimentos em juízo. Desta forma, acaba por inibir a possibilidade de entendimentos contrários ao provimento jurisdicional, causando uma estagnação no direito pátrio.
O princípio do livre convencimento do juiz também é afetado com a adoção das súmulas de efeito vinculante, uma vez que o magistrado passa a não ter autonomia diante da coisa julgada, já que fica impedido de analisar o caso de acordo com sua racionalidade e sendo crítico em razão da existência de uma súmula vinculante para aquele caso em decisão.
No que se refere ao duplo grau de jurisdição, de forma simples, temos que este diz respeito à possibilidade de reexame da matéria por um Tribunal superior. Com a adoção das súmulas vinculantes, nenhum sentido terá o recurso para reexame da matéria, haja vista que o assunto recorrido já será de antemão conhecido, pois aquele assunto já se encontra cristalizado em uma súmula, de observância e aplicação obrigatória. Assim, de nada adianta as provas produzidas porque não haverá oportunidade para apreciação das mesmas.
Quanto ao princípio da separação de poderes, a súmula de efeito vinculante atribui poderes ao Judiciário que nunca foram concedidos a outro órgão organizador do Estado. A usurpação de poderes é nítida. A prerrogativa de legislar cabe ao Poder Legislativo, que é composto por representantes do povo eleitos democraticamente para desempenhar suas funções. Contudo, ao editar súmulas com efeitos vinculantes, o judiciário acaba por criar uma “lei”. Destaca-se “lei” por ser de observância obrigatória, já que as referidas súmulas não são criadas de acordo com os mesmos moldes legais que uma lei propriamente dita e, tampouco, é elaborada pelo órgão competente (Legislativo) para tanto.
Note que sumula é enunciado de repercussão devido julgados reiterados em relação aos dispositivos legais, eis que os poderes são harmônicos e independentes entre si, nunca um sobrepondo ao outro. Caso contrário, o próprio Estado se converterá em descrédito perante suas próprias instituições e em relação aos possuidores do poder popular.
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[1] Professor Mestre e Orientador deste artigo. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/6960689508807424
Graduando 2019 em Direito pelo CIESA/AM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, ANDRE LUCAS DOS SANTOS. A inconstitucionalidade das Súmulas de efeito vinculantes à luz do Direito Constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 set 2019, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53449/a-inconstitucionalidade-das-smulas-de-efeito-vinculantes-luz-do-direito-constitucional. Acesso em: 22 nov 2024.
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