Resumo: Trata-se o presente trabalho sobre o benefício da isenção de imposto de renda, para os portadores de doenças graves, abordando o recente posicionamento jurisprudencial da desnecessidade de comprovação da manutenção dos sintomas da doença para continuar tendo direito à isenção e a discussão acerca da interpretação restritiva do rol das enfermidades graves previsto em lei.
Palavras-chaves: Direito Tributário. Isenção. isenção para portadores de doenças graves. Interpretação restritiva.
Sumário: 1. Introdução. 2. Isenção no Direito Tributário. 2.1 Causas de Exclusão do Crédito Tributário. 2.2 Isenção do IR para doenças graves. 2.3 – Críticas ao rol exaustivo. 3. Conclusão. 4. Referências Bibliográficas.
A isenção é uma espécie das causas de exclusão do crédito tributário, configurando-se pela dispensa do pagamento, em virtude da ausência de formação do crédito tributário.
Este benefício apenas pode ser concedido por meio de lei específica, visto que assim determina o art. 150, §6º, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), a fim de evitar que normas que concedam incentivos fiquem dispersas na legislação ordinária.
Dentre as diversas isenções, o presente trabalho tem como objeto a isenção do imposto de renda para as pessoas portadoras de doenças graves, nos moldes do art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88.
Este dispositivo enumera um rol exaustivo das consideradas doenças graves cujos portadores aposentados e pensionistas detêm o direito a dispensa do pagamento do imposto de renda, desde a comprovação da referida causa. A jurisprudência dominante veda qualquer tipo de interpretação ampliativa, além de fixar como termo inicial para requisitar o direito que começa da aposentação.
Ademais, em recentes julgados, vem se formando posicionamento mais favorável aos portadores de doenças graves, no sentindo da desnecessidade de comprovar a persistência dos sintomas da mesma, quando já tinha sido provado por laudo médico válido.
2. Isenção no Direito Tributário
2.1 Causas de Exclusão do Crédito Tributário
Inicialmente, é importante salientar que a isenção do crédito tributário é uma espécie de exclusão do crédito tributário.
A exclusão do crédito tributário consiste em impedir a constituição do crédito tributário, ou seja, o fato gerador do tributo ocorre, bem como o “nascimento” da obrigação tributária, no entanto não acontece o lançamento, de maneira que o crédito tributário não se constitui, consequentemente não há a obrigação principal do pagamento.
As causas de exclusão do crédito tributário, então, evitam a sucessão do fenômeno que gera a cobrança das obrigações, podendo ser vista como uma barreira à constituição do crédito tributário.
Além disso, diferenciam-se as causas de extinção do crédito tributário das causas de exclusão do mesmo. As primeiras são situações após o lançamento do crédito tributário, isto é, o crédito tributário foi constituído e a partir deste momento pode se ocorrer a causa de extinção, enquanto as segundas são antes do lançamento, logo não há constituição do crédito tributário.
Nas palavras de Hugo de Brito Machado, “extinção do crédito tributário é o desaparecimento deste. Como nas obrigações, em geral sua forma mais comum de extinção é o pagamento, que significa a satisfação do direito creditório.”[1], depreende-se, o porquê de as causas de extinção ocorrerem após o lançamento do crédito tributário, devido a fazerem parte da sucessão normal de formalização e finalização do crédito tributário. O doutrinador ainda expõe que existem casos de extinção do crédito tributário sem a extinção da obrigação tributária, quando se afeta apenas a forma do crédito. Essa situação resulta em a Fazenda Pública ainda possuir direito de novo lançamento, constituindo outro crédito, quando tão somente atingiu a formalização do primeiro crédito tributário.[2]
O art. 156, do Código Tributário Nacional (CTN) disciplina as espécies de extinção do crédito tributário, quais sejam:
“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I - o pagamento;
II - a compensação;
III - a transação;
IV - remissão;
V - a prescrição e a decadência;
VI - a conversão de depósito em renda;
VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;
IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X - a decisão judicial passada em julgado.
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.”
Outrossim, faz-se mister ressaltar que apenas por meio de lei específica é possível conceder ou revogar incentivos fiscais ou tributários, inclusive isenção de tributos, nos moldes do art. 150, §6º, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB):
“§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.”
Este dispositivo impede, portanto, que normas de incentivos fiquem dispersas em infindáveis leis ordinárias, como ocorria anteriormente a Constituição Federal de 1988.
Como ressalva, há as isenções do ICMS que seguem o estabelecido na Lei Complementar nº 24/1975, segundo o art. 155, § 2º, XII, “g”, da CRFB. Essa lei determina que as isenções do ICMS dependem convênios com decisão unânime entre os Estados e o Distrito Federal.
As espécies das causas de exclusão do crédito tributário são a isenção e a anistia, nos moldes do art. 175, do CTN. A isenção é um benefício fiscal que se configura por dispensar o pagamento de tributos. Bernardo Ribeiro de Moraes explica mais detalhadamente:
“A isenção tributária consiste num favor concedido por lei, no sentido de dispensar o contribuinte do pagamento do imposto. Há a concretização do fato gerador do tributo, sendo este devido, mas a lei dispensa o seu pagamento. É o benefício fiscal da dispensa do pagamento de um tributo devido. Implica a isenção, sempre, na incidência do tributo, pois somente se pode dispensar o pagamento de um imposto realmente devido. Caracteriza-se a isenção pelos seguintes elementos: (...)c) Não permite a exigibilidade do tributo. A isenção não transforma o fato gerador do tributo em fato não imponível. Na isenção há a incidência do tributo, sendo seu pagamento dispensado por lei.”[3]
Enquanto a anistia é o perdão das multas, que ainda não foram lançadas, ou seja “Trata-se, no caso, da relação jurídica sancionatória, implicada pelo descumprimento da relação jurídica tributária a que nos referimos.”[4] Observa-se, nesse sentido:
“Pela anistia, o legislador extingue a punibilidade do sujeito passivo infrator da legislação tributária, impedindo a constituição do crédito. Se já está o crédito constituído, o legislador poderá dispensá-lo pela remissão, mas não pela anistia. Esta diz respeito exclusivamente a penalidade e há de ser concedida antes da constituição do crédito.”[5]
Nos termos do CTN, há várias classificações para as isenções, a seguir destacaremos:
“1 - Quanto à forma de concessão:
a) absolutas, ou em caráter geral ~ concedidas diretamente pela lei;
b) relativas, ou em caráter específico - concedidas por lei, mas efetivadas mediante despacho da autoridade administrativa.
II - Quanto à natureza:
a) onerosas ou condicionadas - concedidas sob condição que implique ônus para o interessado;
b) simples - sem a imposição de condições ao interessado.
III - Quanto ao prazo:
a) por prazo indeterminado;
b) por prazo certo.
IV - Quanto à área:
a) amplas - prevalentes em todo o território da entidade tributante;
b) restritas ou regionais - prevalentes apenas em parte do território da entidade tributante.
V - Quanto aos tributos que alcançam:
a) gerais - abrangem todos os tributos;
b) especiais - abrangem somente os tributos que especificam.”[6]
Sem explicitação no CTN, há também a classificação quando ao elemento que a isenção pode ser objetiva, quando é conferida em função de certos bens ou subjetiva, em função de certas pessoas, embora sempre visando ao interesse público. O objetivo principal da isenção não está relacionado a proceder com o desenvolvimento regional do Brasil, muito menos a incrementar certa atividade econômica, como já acontece com o incentivo fiscal. Percebe-se, assim, que a isenção é mais semelhante com a imunidade, apesar de esta ter sua abrangência na competência tributária, já que a partir delas se retira o poder tributário em relação a determinados bens, serviços ou pessoas.[7]
Existem ainda as isenções autonômicas e heterônomas. Enquanto as primeiras são concedidas apenas pelo ente que pode instituir o tributo, já as heterônomas podem ser por ente diverso. Via de regra a União está vedada de conceder isenções heterônomas, com exceção do art. 155, §2º, XII, “e”, da CRFB e a de impostos estaduais ou municipais concedida pela União por meio de tratado internacional.
2.2 Isenção do IR para doenças graves
O fato gerador do imposto de renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda, que pode ser compreendida como o produto do capital, do trabalho ou de ambos; ou de proventos de qualquer natureza, nos termos do art. 43 do CTN.[8]
Nas palavras de Roque Antonio Carazza, as isenções apenas são concedidas a fim de favorecer indivíduos que estão com capacidade econômica reduzida no suporte do encargo fiscal, sendo também relacionado a finalidades garantidas pela Constituição, dentre as quais: proteção à velhice, à família, à cultura, aos deficientes mentais, aos economicamente mais fracos, aos gravemente doentes.[9]
Ademais, Aliomar Baleeiro demonstra que a isenção “não é privilégio de classe ou pessoas, mas uma política de aplicação da regra da capacidade contributiva ou de incentivos de determinadas atividades, que o Estado visa incrementar pela convivência pública”[10] Percebe-se, assim, o objetivo de tal isenção é desonerar indivíduos com as condições determinadas, que por causa delas, possuem capacidade contributiva reduzida, sendo um instrumento de extrafiscalidade.[11]
O benefício da isenção do Imposto de Renda, que incide sobre renda e proventos de qualquer natureza, tem base normativa no art. 6º, da Lei nº 7.713/88. Mais especificamente no inciso XIV do mesmo dispositivo, o legislador isentou do referido imposto os portadores de doenças graves, com o objetivo de resguardar essas pessoas acometidas de situação de bastante debilidade, fundamentando-se no direito à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana.
“Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte [sic] rendimentos percebidos por pessoas físicas:
XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;”
Desta forma, percebe-se que a referida lei possui um rol exaustivo das doenças graves que darão direito ao benefício, desde que os indivíduos sejam pensionistas ou aposentados, ou seja, a isenção é exclusivamente para o benefício previdenciário. Observa-se, assim, que não ocorre a constituição do crédito, não tendo a cobrança da obrigação tributária, devido a um estado de saúde que a lei considerou dispensar o pagamento.
Vale salientar que também se insere nesta isenção quem está recebendo auxílio-doença, auxílio-acidente ou aposentadoria por invalidez decorrente de acidente de trabalho, embora, para esses últimos, a isenção do citado tributo seja automática e independente de terem ou não doenças graves.
O aposentado ou pensionista portador de doença grave apenas será isento do imposto de renda, se comprovar a doença por meio de laudo médico de profissional de órgão público, além de ter de requerer especificamente a isenção com base na doença grave em uma unidade do INSS com responsabilidade pelo benefício previdenciário.
A documentação, então, será avaliada por médico do INSS podendo ter deferido ou não seu requerimento. Em caso de deferimento, o próprio órgão efetuará o desconto do imposto de renda. Já em hipótese de indeferimento, pode-se recorrer à Junta de Recursos da Previdência Social.
Além disso, pode haver situação na qual o INSS reconheça a isenção para período anterior ao requerimento, é facultado a pessoa requerer a Receita Federal a restituição do que já foi pago.
O Superior Tribunal de Justiça entende que o art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 configura um rol exaustivo; vendando-se, portanto, qualquer interpretação ampliativa e com analogia, nos termos do seguinte julgado:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º DA LEI 7.713/88 COM ALTERAÇÕES POSTERIORES. ROL TAXATIVO. ART. 111 DO CTN. VEDAÇÃO À INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. 1. A concessão de isenções reclama a edição de lei formal, no afã de verificar-se o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos para o gozo do favor fiscal. 2. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, com as alterações promovidas pela Lei 11.052/2004, é explícito em conceder o benefício fiscal em favor dos aposentados portadores das seguintes moléstias graves: moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma. Por conseguinte, o rol contido no referido dispositivo legal é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a concessão de isenção às situações nele enumeradas. 3. Consectariamente, revela-se interditada a interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. (...)[12] (grifos do autor)
Outrossim, o STJ também possui o entendimento de que a isenção apenas é sobre os proventos de aposentadoria e de pensão – benefícios previdenciários. Depreende-se, portanto, que a referida isenção possui termo a quo no início da aposentação, de maneira que qualquer tipo de renda ou proveito anterior deve ser normalmente tributado.
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONTRADIÇÃO CONFIGURADA. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º DA LEI 7.713/88. TERMO A QUO DA AQUISIÇÃO DO DIREITO SUBJETIVO AO BENEFÍCIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCIDÊNCIA CONCOMITANTE DA REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA E DA REGRA MATRIZ ISENCIONAL. (...) 2. A concessão de isenções reclama a edição de lei formal, no afã de verificar-se o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos para o gozo do favor fiscal. 3. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, é explícito ao conceder o benefício fiscal em favor dos aposentados portadores de moléstia grave. 4. Consectariamente, revela-se interditada a interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. 5. O caso sub examine tem como ponto nodal a determinação do momento em que se concretizou o direito subjetivo à isenção de imposto de renda ao portador de moléstia grave, nos termos da Lei 7.713/88; vale dizer: se quando do efetivo recebimento das verbas salariais (referentes ao período de novembro/84 a setembro/97) mediante pagamento por precatório em 1999, ou se a partir da aposentadoria do recorrido, que se dera em 1991. 6. É cediço que, assim como a Constituição outorga competência para instituição de tributos, concede também competência também para que se institua a norma de isenção. É dizer: duas são as normas jurídicas distintas entre si - a de instituição de tributos e a de isenção -, restando estreme de dúvidas que a instituição de isenção decorre do mesmo poder que o ente tributante ostenta para estabelecer as regras tributárias. (...) 8. Com efeito, ressoa inequívoco que a realização da regra matriz de incidência tributária é necessária à incidência da norma concessiva do direito à isenção, porquanto esta tem como escopo precípuo reduzir parcialmente o campo de incidência daquela, retirando-lhe um ou alguns elementos que a constituem, e impedindo, portanto a constituição do crédito tributário. 9. Destarte, impende perscrutar o momento em que se realiza a hipótese de incidência tributária do imposto de renda, a fim de se determinar o exato momento em que se deflagra a obrigação tributária, com a ocorrência, no mundo real, do fato que gera a obrigação de pagar o tributo, posto imperativo lógico da norma concessiva de isenção. (...) 10. As verbas salariais, indubitavelmente, são passíveis da incidência de imposto de renda e a isenção opera-se tão-somente naquelas situações elencadas no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, sendo certo que o termo a quo do benefício fiscal é o momento da aposentação. (...) 13. Isto porque o pagamento feito a destempo não tem o condão de fazer a norma isencional retroagir, alcançando fatos anteriores à realização, no mundo fático, de um de seus requisitos essenciais, qual seja, a aposentadoria., uma vez que os rendimentos salariais percebidos à época em que o trabalhador estava na ativa seriam sujeitos à incidência do imposto de renda. (...)[13]
O TRF-1 – Tribunal Regional Federal da 1ª Região – com base em precedentes do STJ reconheceu em recente decisão que a pessoa que já teve comprovadamente câncer não precisa continuar comprovando a persistência dos sintomas, para que tenha direito à isenção do IR por doença grave.
O caso em análise, no supracitado tribunal, era referente a uma pessoa que possuía isenção do imposto de renda desde de agosto de 2004, no entanto foi suspensa a partir de setembro de 2009, com argumento da junta médica de que não se mantinha os sintomas da doença grave, que ensejou o benefício. Essa situação fez com que o autor da ação requeresse a manutenção da isenção independente de demonstrar persistência dos sintomas ou reincidência da doença.
O relator e os demais membros da Turma votaram, no sentido de que não existe motivo, para que não se suspenda a isenção, porque não é preciso que haja reincidência da doença ou manutenção dos sintomas para fundamentar o direito à isenção. Demonstrou que é suficiente o laudo médico, como prova da doença grave do rol do art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88, quando do seu aparecimento.
Em seu voto, o desembargador Novély Vilanova afirmou:
“Ao contrário do afirmado na sentença, é desnecessário o autor demonstrar a recidiva da doença, sendo suficiente o laudo pericial comprovando a doença desde 2004. A finalidade legal da isenção é garantir o tratamento ao paciente no caso de eventual retorno da enfermidade. Diante disso, o autor tem direito à manutenção da isenção do imposto de renda sobre seus proventos nos termos da Lei 7.713/1988 (…) Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte, a ausência de reaparecimento da enfermidade não afasta o direito à mencionada isenção tributária”.[14]
No mesmo sentido, há o julgado do Mandado de Segurança nº 21.706-DF, do Relator Ministro Mauro Campbell Marques do STJ.
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO COM BASE NO ART. 6º, XIV, DA LEI 7.713/1988. NEOPLASIA MALIGNA. DEMONSTRAÇÃO DA CONTEMPORANEIDADE DOS SINTOMAS. DESNECESSIDADE. 1. O entendimento jurisprudencial desta Primeira Seção é no sentido de que, após a concessão da isenção do Imposto de Renda sobre os proventos de aposentadoria ou reforma percebidos por portadores de moléstias graves, nos termos art. 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/88, o fato de a Junta Médica constatar a ausência de sintomas da doença pela provável cura não justifica a revogação do benefício isencional, tendo em vista que a finalidade desse benefício é diminuir o sacrifícios dos aposentados, aliviando-os dos encargos financeiros. Precedentes: REsp 1125064 / DF, Segunda Turma, rel. Ministra Eliana Calmon, DJe 14/04/2010; REsp 967693 / DF, Segunda Turma, rel. Min. Humberto Martins, DJ 18/09/2007; REsp 734541 / SP, Primeira Turma, rel. Ministro Luiz Fux, DJ 20/02/2006; MS 15261 / DF, Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22.09.2010. 2. Mandado de segurança concedido.[15]
Desta forma, percebe-se que se forma novo posicionamento para se fixar o entendimento pela desnecessidade de demonstrar a persistência dos sintomas, uma vez comprovada a doença grave por laudo médico.
Esse novo entendimento tornou-se consolidado com a Súmula 627, do STJ, do fim de 2018, com o seguinte enunciado: “O contribuinte faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do imposto de renda, não se lhe exigindo a demonstração da contemporaneidade dos sintomas da doença nem da recidiva da enfermidade.”
Ademais, cabe ainda salientar que há projeto de lei (PL 1.227/2019) no Senado Federal, de autoria da Senadora Mara Gabrili, no sentido de ampliar o benefício da isenção do imposto de renda para trabalhadores, mas também aos dependentes, que possuam alguma das doenças graves, de trabalhadores e aposentados, em virtude de o orçamento familiar ser bastante impactado, fazendo jus ao benefício.[16]
Nesse sentido, há a ADI 6.025 proposta pelo Procurador Geral da República, para que se possibilite que as pessoas portadoras de enfermidades graves do rol do artigo 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/88 que permaneçam em suas atividades laborais também tenham direito à isenção do IR sobre o salário.
2.3 – Críticas ao rol exaustivo
Conforme já exposto, o rol do art. 6º, da Lei nº 7.713/88 é considerado exaustivo, embora parte da doutrina considera que essa configuração viole o princípio da igualdade, já que existem outras enfermidades tão graves quanto. Pode-se citar “o enfisema pulmonar como exemplo emblemático; pois nessa condição nosológica há uma incapacidade muito pronunciada do enfermo em gerir sua vida nas atividades comuns da vida civil e existe aumento significativo de gastos com serviços de enfermagem e medicação além dos custos com médicos e hospitais.”[17]
Depreende-se, portanto, que há uma necessidade de interpretação ampliativa, para que se reduza a carga tributária de outros portadores de doenças graves de fora da lista da referida lei.
Apesar dessa necessidade evidente, o entendimento consolidado do STJ ainda é relacionado a interpretação não extensiva, com o argumento baseado na legalidade estrita, que se fundamenta nos art. 150, da CRFB e arts. 97 e 111, do CTN, este último relativo a interpretação literal da isenção, in verbis:
Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II - outorga de isenção;
III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.
Tais dispositivos demonstram a necessidade de estarem a instituição, a majoração e a extinção dos tributos previstas em lei, de forma a passar a ideia de segurança jurídica, embora que no caso em apreço possa se ter um sentido contrário, de maneira que essa literalidade faz com que prevaleça a norma sobre o conteúdo, deixando para segundo plano as valorações jurídicas, que levaram a legislar a norma.[18]
Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet destaca que “[...] justamente em face da instabilidade institucional, social e econômica vivenciada [...] verifica-se que o reconhecimento, a eficácia e a efetividade do direito à segurança cada vez mais assume papel de destaque na constelação dos princípios e direitos fundamentais. Que, além disso, a segurança jurídica não pode ser encarada por um prisma demasiadamente formal e não quer, além disso, significar a absoluta previsibilidade dos atos do poder público e a impossibilidade de sua alteração [...].”[19]
Observa-se que, apesar de se argumentar por meio dos princípios da legalidade, da isonomia e da segurança jurídica, há contrariedade ao princípio da dignidade da pessoa humana, visto que há uma quebra de coerência, que se restringe ao tentar resguardar determinados grupos específicos, ao aplicar regras distintas a pessoas em mesma situação, qual seja: enfermidades graves.
Pelo exposto, observa-se que a isenção do imposto de renda para os portadores de doenças graves começa a ser ainda mais favorável, em virtude de, uma vez concedida o referido benefício aos aposentados e aos pensionistas, não ser preciso posteriormente comprovar a conservação dos sintomas, nem a reincidência da doença.
Faz-se mister ressaltar que a isenção significa, em suma, a dispensa do pagamento, de modo que não há a formação do crédito tributário. Desta forma, quando uma pessoa se insere dentre as possíveis doenças do rol exaustivo do art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88, o fato gerador do imposto de renda ocorreu, entretanto o crédito tributário não “nascerá”, devido a uma determinação legal, com fundamento em auxiliar essas pessoas doentes, que já comprometem a renda com muitos gastos com sua saúde.
Compreende-se que tanto o Poder Legislativo quanto o Judiciário seguem uma interpretação benéfica para os indivíduos em uma situação de bastante dificuldade financeira, para a própria subsistência, devido aos problemas graves de saúde. Percebe-se que não haveria sentindo de o Estado cobrar o tributo de alguém que tem garantia constitucional comprometida. Desta forma, o valor que não será tributado vai auxiliar no tratamento, que, via de regra, é demasiadamente alto.
Nesse sentido, nas palavras de Anderson Bremer, “Tem-se, no caso, garantias de direito fundamental como elemento determinante da reserva de lei. Desse modo, a precisão jurídica da norma, aliada ao seu viés social, garantem-lhe densidade suficiente para alicerçar posições juridicamente protetivas ao cidadão.”[20]
Há, assim, um dever do Estado em proteger essas pessoas com doenças graves, devido ao estado de hipossuficiência, dando isenção ao imposto de renda conforme os termos da Lei e da jurisprudência dominante. Concomitante, há a discussão acerca da interpretação extensiva do respectivo rol, visto que há enfermidades graves que não são abrangidas, embora precisem de mesma proteção por causar diminuição da renda, de forma que o Estado se utiliza dos princípios da legalidade, da isonomia e da segurança ao legislar e criar o benefício legal, bem como ao fixar uma interpretação restritiva vai ao encontro do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde.
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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE). Salvador. n° 32, out/nov/dez, 2012. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-32-DEZEMBRO-2012-INGO-SARLET.pdf>. Acesso em: 14 ago 2019.
STJ - EDcl no REsp: 872095 PE 2006/0175045-3, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 17/06/2008, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/08/2008.
STJ - REsp: 1116620 BA 2009/0006826-7, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 09/08/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 25/08/2010.
VILANOVA, Novely. Desembargador TRF1. Apelação nº 0025833-86.2009.4.01.3800. Data de publicação do acórdão 11 de nov. 2016.
Advogada. Formada em Direito pela UFPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELOS, LARA BEZERRA. Isenção do imposto de renda para portadores de doenças graves Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 set 2019, 04:51. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53451/iseno-do-imposto-de-renda-para-portadores-de-doenas-graves. Acesso em: 22 nov 2024.
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