CARLOS ALBERTO RODRIGUES DE SOUZA[1]
(Orientador)
RESUMO: Este artigo tem como objetivo de reconhecimento da paternidade afetiva versus registral e seus efeitos jurídicos. Foi elaborado de acordo com o método de abordagem indutivo, procedimento descritivo e através de documentação indireta. A filiação foi regulada com base na orientação advinda do direito romano, segundo a qual, da união do homem com a mulher decorriam dois tipos de filho: legítimo, se os pais eram casados entre si; e ilegítimo, caso havido fora do casamento. Os ilegítimos compreendem dois grupos: naturais, oriundos do concubinato, haja vista a inexistência de impedimento para o casamento de seus pais, sendo esta uma terceira classe que surgiu no direito pós-clássico; e espúrios, assim considerados devido a impedimento de os pais casarem-se à época de sua concepção. Para este fim, foram utilizados a jurisprudência, súmulas, enunciados e entendimentos de casos recorrentes que tem sido parâmetro para solucionar as divergências encontradas nas doutrinas, assim como doutrinas e artigos já publicados. Resta-se certo mostram que o sistema da filiação é um significativo exemplo do distanciamento que a construção da civilística tradicional operou. Filhos de pessoas não casadas entre si não eram reconhecidos pela lei porque a ilegitimidade despia-lhe da condição jurídica de “filho”. O sistema do parentesco foi emoldurado para sustentar uma concepção matrimonial de família, que desconsidera a verdade fática ao transpor fatos reais para o universo do não-direito quando estes não correspondem as suas regras, procedendo de forma à exclusão e à marginalização: Não sendo fruto do acaso, aquela “realidade jurídica” emergiu assentada no sentido clássico da família monolítica e autoritária, hierarquizada e transpessoal, na qual a norma jurídica resta servindo de instrumento para dedicar capítulos inferiores a sujeitos naturais que não passam ao estatuto de efetivo sujeito de direito. Esse regime de exclusão se funda num assento tripartite que une sexo, sangue e família, e propicia que as formulações jurídicas privadas modelem as relações de direitos sob um padrão social de interesses dominantes.
Palavras-chave: afetiva; paternidade; reconhecimento; registral; efeitos.
ABSTRACT: This article aims to recognize affective versus registry paternity and its legal effects. It was elaborated according to the method of inductive approach, descriptive procedure and through indirect documentation. Affiliation was regulated on the basis of Roman law, according to which, from the union of the man with the woman, two types of son were born: legitimate, if the parents were married to each other; and illegitimate if there had been out of wedlock. The illegitimate comprise two groups: natural, from the concubinage, since there is no impediment to the marriage of their parents, this being a third class that arose in post-classical law; and spurious, thus considered due to the inability of parents to marry at the time of their conception. For this purpose, jurisprudence, precedents, statements and understandings of recurrent cases have been used which have been a parameter to solve the differences found in doctrines, as well as doctrines and articles already published. It remains to be seen that the system of membership is a significant example of the detachment that the construction of traditional civilization operated. Children of unmarried persons were not recognized by law because illegitimacy deprives them of the legal status of "son." The system of kinship has been framed to support a family conception of marriage, which ignores the factual truth in transposing real facts into the universe of non-law when they do not conform to its rules, proceeding in a way to exclusion and marginalization: Not being a fruit of chance, this "legal reality" emerged in the classic sense of the monolithic and authoritarian family, hierarchical and transpersonal, in which the legal norm remains serving as an instrument to dedicate lower chapters to natural subjects that do not pass to the status of effective subject of law. This system of exclusion is based on a tripartite seat that unites sex, blood and family, and allows private legal formulations to model the relations of rights under a social pattern of dominant interests.
Keywords: affective; paternity; recognition; registry effects.
INTRODUÇÃO
A preocupação em investigar a paternidade, afinal, desatende os interesses de sociedades mais conservadoras. A certeza da maternidade e incerteza da paternidade levaram à instituição da presunção da paternidade com relação aos filhos concebidos durante o casamento. Ao fim, nada mais do que a presunção da fidelidade da mulher. Daí a extrema valorização da virgindade feminina e a exigência de uma postura recatada, como atributos de mais valia.
Filiação jurídica, derivada da ficção que visava garantir o que a doutrina jurídica conservadora denominava de paz das famílias legítimas, eliminava a incerteza acerca da paternidade do marido em relação aos filhos havidos de sua esposa com o escopo de manter a moral imposta na sociedade do início do século, visto que, na época, a ciência não era capaz de determinar a ascendência genética.
Sob a justificativa de regulamentar a ordem social, a lei formalizou os vínculos afetivos, prejudicando a vida dos filhos havidos fora do casamento, posto que estes não podiam buscar o reconhecimento de sua própria identidade.
Este artigo visa mostra os pontos relevantes quais são efeitos do reconhecimento socioafetivo quanto ao procedimento registral expondo seus efeitos e desdobramentos nas famílias e no aspecto jurídico.
Quanto ao problema da pesquisa foi abordado Reconhecimento da paternidade afetiva versus registral e seus efeitos jurídicos.
Tendo como objetivo geral caracterizar o reconhecimento da paternidade afetiva versus registral e seus efeitos jurídicos.
E nos seus objetivos específicos:
- Apontar o reconhecimento paternidade;
- Diferenciar o que vem a ser paternidade socioafetiva e registral;
- Determinar quais são os efeitos jurídicos do reconhecimento da paternidade socioafetiva em função da registral e seus desdobramentos jurídicos.
Quanto a metodologia da pesquisa a presente pesquisa está definida pelo método indutivo que visa o reconhecimento da paternidade socioafetiva em contra posição registral mostrando seus desdobramentos jurídicos para esta pesquisa será utilizado a técnica bibliográfica de pesquisa em livros, revistas, artigos e sites especializados na internet, através da leitura documental para compilação dos dados relevantes a pesquisa.
1 PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
1.1 Aspectos da Filiação
Fachin (1992) nos relata que a filiação foi regulada com base na orientação advinda do direito romano, segundo a qual, da união do homem com a mulher decorriam dois tipos de filho: legítimo, se os pais eram casados entre si; e ilegítimo, caso havido fora do casamento. Os ilegítimos compreendem dois grupos: naturais, oriundos do concubinato, haja vista a inexistência de impedimento para o casamento de seus pais, sendo esta uma terceira classe que surgiu no direito pós-clássico; e espúrios, assim considerados devido a impedimento de os pais casarem-se à época de sua concepção.
Neste mesmo contexto denota o autor acima, com base no Código Civil de 1916:
A filiação espúria, por sua vez, subdivide-se em espúrio incestuoso, cujo impedimento decorre de parentesco próximo dos genitores, ou de afinidade, conforme enumeração constante do art. 183, I a V, do Código Civil; e espúrio adulterino, cujo impedimento é em razão de um deles já ser casado com outra pessoa e violação, destarte, do dever de fidelidade. Os filhos ilegítimos, em razão de não se enquadrarem no modelo desenhado pelo sistema, sequer eram reconhecidos pela original família codificada, de modo que somente os legítimos poderiam fazer parte daquela unidade familiar de produção. Destarte, a noção de legitimidade provocava uma discrepância entre a verdade jurídica e a social, pois “Sob a alcunha de ilegitimidade, a regulação jurídica dos papéis definidos às pessoas depende da função que, em abstrato, o próprio sistema define”14. Prova disso é que os filhos ilegítimos não sujeitavam suas vidas ao domínio paterno, realidade típica patriarcal. (FACHIN, 1992, p.101).
Para Silva citando Fachin; Lira de mostram que o sistema da filiação é um significativo exemplo do distanciamento que a construção da civilística tradicional operou. Filhos de pessoas não casadas entre si não eram reconhecidos pela lei porque a ilegitimidade despia-lhe da condição jurídica de “filho”. O sistema do parentesco foi emoldurado para sustentar uma concepção matrimonial de família, que desconsidera a verdade fática ao transpor fatos reais para o universo do não-direito quando estes não correspondem às suas regras, procedendo de forma à exclusão e à marginalização:
Não sendo fruto do acaso, aquela “realidade jurídica” emergiu assentada no sentido clássico da família monolítica e autoritária, hierarquizada e transpessoal, na qual a norma jurídica resta servindo de instrumento para dedicar capítulos inferiores a sujeitos naturais que não passam ao estatuto de efetivo sujeito de direito. Esse regime de exclusão se funda num assento tripartite que une sexo, sangue e família, e propicia que as formulações jurídicas privadas modelem as relações de direitos sob um padrão social de interesses dominantes. (SILVA, 2016, p.21 apud FACHIN; LIRA, 1999, pp.15-16).
Segundo Silva (2016) e consoante Fachin; Lira (1990) o princípio da defesa da instituição matrimonial, que implica, numerosas vezes, um fechar de olhos à realidade, inspirou duas características marcantes em matéria de filiação: a legitimidade exclusiva do marido para contestar a paternidade do filho tido por sua esposa e anunciação taxativa dos motivos aptos a ensejar tal contestação. O Código incorporou a regra pater is est sob tais características, induzindo até mesmo que a “mentira jurídica” poderia ser essencial à paz familiar. A proteção da legitimidade da filiação foi nitidamente severa, com indisfarçável desvantagem aos filhos ilegítimos. Mas a ciência jurídica não dispunha de outras soluções, impondo à sociedade o critério adotado pela lei. Destarte, “A aplicabilidade da presunção decorre da inexistência de outro instrumento que proceda ao automático estabelecimento e que, daí, poderia substituí-la.”
Nas palavras de Fachin (1992) a situação considerada normal na sociedade era a do marido como pai biológico dos filhos do cônjuge, o que explica a tentativa da regra pater is est em coincidir a verdade jurídica com a biológica. No entanto, a proibição de reconhecimento jurídico do filho gerado entre pessoas não comprometidas perante o ordenamento ou por um dos cônjuges com terceira pessoa acarretou um grande número de nascimentos marginalizados, apontando a incapacidade do sistema de corrigir a falta de coincidência entre a paternidade jurídica e a real - biológica. Observa-se uma paternidade presumida, que passou a inclinar-se a outros interesses:
O sistema do Código, ainda que quisesse buscar através da regra pater is est a coincidência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica, na ocorrência de dúvida entre a verdade da filiação e a suposta paz familiar, sacrifica a primeira em favor da segunda. Dá, assim, preferência a um critério “nupcialista de paternidade” (segundo o qual é reconhecido como pai aquele que contraiu núpcias com a mãe) e não a um critério “biologista da paternidade”, que atende à verdadeira filiação do ponto de vista biológico. (FACHIN, 1992, p.21).
1.2 Direito e Afetividade
Artoni (2019) cita que, compreender a trajetória percorrida pela afetividade nas ciências jurídicas exige analisá-la não como uma emoção ou sentimento, mas sim como um fenômeno sociológico. É a isso que se dedica este trabalho no presente momento: observar o modo como a afetividade se fez presente (ou ausente) no cotidiano humano ao longo dos tempos e como foi possível que a mesma atingisse tamanha importância a ponto de o direito voltar seus olhos a ela e reconhecê-la como princípio jurídico.
Calderon (2011) alega que, primeiramente é preciso romper com a romântica visão sobre a história da humanidade e enfrentar objetivamente o fato de que nem sempre o afeto demonstrou-se um elemento relevante para as relações humanas e familiares tal como hoje é. Muitíssimo pelo contrário, segundo indica, a afetividade apenas ganhou valorização social a partir do século XVIII, em decorrência de mudanças tais como a revolução industrial, o processo de urbanização e as conquistas femininas.
Nos primórdios os homens eram primitivos, nômades e apresentavam hábitos essencialmente rudimentares, logo, os relacionamentos sociais por eles vivenciados eram instintivos e bárbaros. Segundo expõe, os “ensaios de relações familiares” por eles vivenciados eram extremamente precários e consistiam em grupos marcados por absoluta promiscuidade sexual. Isso porque os indivíduos apenas vivenciavam os papéis de “homem” e “mulher”, os papéis de “pais”, mães”, “filhos” e “irmãos” eram absolutamente inexistentes, o que acarretava na constância de relações sexuais de forma não criteriosa entre ascendentes, descendentes e irmãos. (MACHADO, 2012, p.5).
1.3 A Afetividade Aplicada às Relações de Filiação
Segundo Dias; Chaves (2016) o conceito clássico filiação encerra a relação parentesco de primeiro grau que conecta ascendentes e descentes. Tanto no direito brasileiro quanto na imensa maioria dos demais países, há uma predileção histórica pela compreensão de que o vínculo da filiação é composto preferencialmente pela biologia (origem genética) ou pelo vínculo civil (procedimento de adoção).
Calderon (2011) alega que, meados do século XVIII, a humanidade vem passando por um processo de mudança de mentalidade que acarretou na valorização do afeto e no reconhecimento do eudemonismo como filosofia a nortear os relacionamentos humanos.
Artoni (2019) ressalta que, desse modo, o reflexo das mudanças mencionadas no parágrafo supra também atingiu a concepção de filiação
Impondo à sociedade novas percepções sobre quais os elementos essenciais para a caracterização das relações de parentalidade. Dentro da atual filosofia eudemonista, é indiscutível que o desenvolvimento adequado de um filho e a sua realização dentro do seio familiar exige muito mais do que as condições objetivas básicas de subsistência. Além dos aspectos materiais básicos, é preciso que esse filho se sinta amado, querido e cuidado, que alguém o ensine e eduque com verdadeiro carinho e dedicação, ou seja, é necessário que os responsáveis pela criança em formação disponham de muito mais do que material genético e bens econômicos, é preciso doar-se. (ARTONI, 2019, p. 23).
Sobre o tema, Campos (2006) afirma que os tempos hodiernos demonstram que a filiação passa a gozar de verdadeira função social, sendo construída pela afetividade e convívio em detrimento da semelhança genética entre prole e genitores:
A filiação tem perdido sua função biológica (garantida pelos laços de sangue e genéticos) para exercer sua função social (garantida pelos laços de afeto). Assim, a identidade biológica entre pais e filhos não garante mais a convivência e o reconhecimento da relação, pois as necessidades que envolvem essa relação são muito mais de cunho social, afetivo, cultural e ético que de cunho biológico. Com isso, a desbiologização da paternidade é cada vez mais crescente no núcleo familiar, que passa a adotar seus filhos muito mais por opção que pela falta dela. (CAMPOS, 2006, p.326).
Na mesma linha, manifesta-se Almeida (2001) quando afirma que, dentro da atual concepção de família enquanto núcleo formador do indivíduo e instrumento para se lograr a felicidade, o conceito de paternidade (e por conseguinte de maternidade, ousa-se incluir neste momento) não pode mais se resumir apenas a dados biológicos, devendo ser construído dentro de um contexto fático afetivo e social em que se dê prioridade absoluta à pessoa do filho.
Para Lobo (2006a) toda paternidade é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não; ou seja, a paternidade socioafetiva é gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a não biológica.
Ainda no contexto de que a paternidade é ato volitivo e não biológico, Lobo (2006b) também afirma que, o convívio é um dos elementos mais relevantes à constituição dos vínculos entre pais e filhos:
A paternidade é muito mais que o provimento de alimentos ou a causa de partilha de bens hereditários. Envolve a constituição de valores e da singularidade da pessoa e de sua dignidade humana, adquiridos principalmente na convivência familiar durante a infância e a adolescência, lobo
Welter (2008) afirma que, a real paternidade e maternidade encontram fundamento no desejo de ser pai e de ser mãe. Sendo a afetividade intrínseca a tal desejo. Nesse sentido, restando presente o ato volitivo de assunção dos papéis inerentes à paternidade e maternidade ficando preenchidas as figuras paternas e maternas, sendo a existência de afetividade absolutamente presumida pelo desejo.
Para o autor, a real filiação se constitui no mundo dos fatos e do afeto, e não no mundo jurídico; logo, o assento de nascimento não conseguiria, por si só, refletir se no mundo fático as pessoas constantes no assento exercem efetivamente os papéis de pai e mãe. Numa só palavra, não há sequer necessidade de registro ou de exercício da função de pai para averiguar se houve afetividade na medida em que isso ocorre na medida em que o pai ou a mãe decide ser pai, decide ser mãe, não importando a sua origem (genética, afetiva, sexual ou assexual). Isso ocorre porque o jeito-de-ser-pai, de ser-mãe, de ser-em-família está delineado muito antes do exercício da função de pai, de mãe. (DINIZ, 2014, p.469).
2 PATERNIDADE REGISTRAL
2.1 Considerações Iniciais
Nesse contexto Silva (2016) ressalta que a preservação familiar, apenas os filhos concebidos por genitores casados foram reconhecidos perante a sociedade. Alegando uma suposta paz familiar, que para a sociedade seria abalada com o público reconhecimento de um adultério ou de relações incestuosas praticadas por seus membros, não se reconhecia aos filhos extranupciais direitos básicos à sobrevivência, relegando-os à execração pública em virtude de um comportamento tido como altamente reprovável, praticado por seus pais ao gerá-los, que se convencionou manter segredo. A culpa - ou crime dos pais - foi, então, punida na pessoa dos filhos.
2.1.1 Finalidade do casamento
Rocha; Pamplona Filho (2017) citam que, o instituto do casamento trata-se da mais antiga forma de se constituir uma família e, até a Constituição Federal de 1988, a única entidade familiar juridicamente reconhecida. Em razão da ausência de um conceito legal, a definição de casamento sempre suscitou controvérsias doutrinárias.
Segundo Farias; Rosenvald (2015) a natureza contratual, em virtude da necessidade de consentimento dos nubentes para sua formalização, e de outro, atribui-se um caráter institucional, em razão das normas de ordem pública que impõem uma série de direitos e deveres recíprocos entre os cônjuges limitadores da sua autonomia privada.
Como um meio termo entre essas duas orientações, uma boa parcela da doutrina brasileira adota a natureza híbrida do casamento, explicado por Gagliano; Pamplona Filho (2018) como “um contrato especial de Direito de Família, por meio do qual os cônjuges formam uma comunidade de afeto e existência, mediante a instituição de direitos e deveres, recíprocos e em face dos filhos, permitindo, assim, a realização dos seus projetos de vida”.
2.1.2 Efeitos da separação de fato
A separação de fato, tal qual o casamento, não goza de uma definição legal. Não obstante, pode ela ser entendida como o desfazimento informal da sociedade conjugal identificada na intenção de rompimento da união do casal não declarada judicialmente.
Doutrina e jurisprudência encontram no tempo e nos fatos em concreto as fronteiras justas e reais de qualquer sociedade afetiva, que antes de ser encerrada pela intervenção do legislador, procuram atribuir novo valor e efeito jurídico à antecipada volição dos cônjuges e conviventes, porquanto eles sim, e não outros, são os reais senhores da certeza e exatidão temporal em que sua sociedade afetiva e seus interesses comuns verdadeiramente se dissolveram. Ninguém discorda que a separação de fato gera importantes efeitos jurídicos, por ela os consortes e conviventes assumiram e aceitaram não mais prolongarem sua vida conjugal ou sua sociedade informal, liberando-se mutuamente da assistência espiritual, da afetividade e do desejo societário que serve de mola mestra, incentivo e consequência direta da comunicabilidade patrimonial. (MADALENO, 2018, p. 166).
Apesar de a lei não mencionar a separação de fato como causa do fim da sociedade conjugal, dela devem advir os mesmos efeitos jurídicos atribuídos à separação de direito (CC art. 1.576), conclusão que se mostra ainda mais viável, segundo Tartuce (2018a), diante da extinção da separação judicial como categoria do Direito de Família brasileiro após a Emenda Constitucional 66/2010.
Quanto a estes efeitos, Nader (2016, p. 230) esclarece que a separação de fato põe fim ao dever de coabitação, mas não deve ser confundida com a sua simples interrupção, a qual pode originar-se da necessidade ou conveniência da própria família, ao passo que também não exige que o casal esteja vivendo em residências distintas, desde que haja prova da interrupção da convivência.
Tartuce (2018b) salienta que, em relação ao fim do dever de fidelidade recíproca, este pode ser identificado na medida em que o sistema jurídico autoriza a pessoa casada, desde que separada de fato, a constituir uma união estável (CC, art. 1.723, § 1º), que, tal qual o casamento, constitui entidade familiar juridicamente reconhecida, considerada base da sociedade e merecedora de proteção estatal.
2.1.3 O cônjuge e seu direito sucessório
Existem várias definições para o termo sucessão Silva (2016) a define como sendo “a transmissão de bens e de direitos de uma pessoa a outra, em virtude da qual esta última, assumindo a propriedade dos mesmos bens e direitos, pode usufruí-los, dispô-los e exercitá-los em seu próprio nome”. Em sentido estrito, a sucessão é a transmissão do patrimônio de uma pessoa em razão da sua morte, abrangendo bens, direitos e obrigações pertencentes àquele no momento de seu óbito.
Pereira (2010) cita que, a passagem do patrimônio na sucessão causa mortis tem por fundamento jurídico a convocação do sucessor pelo falecido ou pela lei. Na primeira situação, o chamamento se dá em razão da expressa e real manifestação de vontade do titular do patrimônio, através de testamento, nos limites e formas admitidas em lei, a chamada sucessão testamentária. Na segunda hipótese, a indicação se opera por meio de critérios estabelecidos pelo legislador que, baseado numa vontade presumida do falecido, convoca a herdar pessoas que compõem o seu núcleo familiar, a chamada sucessão legítima.
Segundo Dias (2017) ocorre que, nem todos os familiares do falecido serão beneficiados através da sucessão legítima, uma vez que o Código Civil, através da ordem de vocação hereditária, estabelece um critério de prioridade de acordo com as classes sucessórias.
Para Nader (2016, p. 152), leva em conta “os graus de parentesco em que se torna provável o nexo de solidariedade entre sucessor e sucedido”. Todavia, a proximidade dos laços familiares não é necessariamente fundada em parentesco, privilegiando-se na atualidade os vínculos afetivos, na medida demonstrada no atual regramento da sucessão do cônjuge a partir do art. 1.829 do Código Civil.
Rocha; Pamplona Filho, (2017) citam o Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. Vê-se que, na classificação deste dispositivo, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes (inciso I), com os ascendentes (inciso II) e herda, isoladamente, na falta de parentes da linha reta (inciso III), afastando os colaterais da sucessão (inciso IV). (ROCHA; PAMPLONA FILHO, 2017, p.47).
Conforme Coelho (2016) o importante destacar que o direito à sucessão do cônjuge sobrevivente não se confunde com o seu direito à meação. Não sendo o regime patrimonial do casamento o de separação de bens, cada um dos consortes receberá a metade dos bens comuns da sociedade, em razão do desfazimento do vínculo matrimonial, que pode se dar em decorrência da morte de um deles. Além disso, em razão do mesmo fato jurídico (morte), o cônjuge sobrevivente poderá herdar o patrimônio do cônjuge falecido, de acordo os parâmetros estabelecidos no artigo acima transcrito.
Oliveira (2009) Segundo este dispositivo legal, se, ao tempo do falecimento, o de cujus encontrava-se separado judicialmente, o cônjuge sobrevivente não terá direito à sucessão.
Mesmo após a promulgação da EC 66/2010 e a extirpação da separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro, embora não seja mais possível pleiteá-la, esta continua a ser causa de extinção de direito sucessório em razão da manutenção do estado civil de separados para aqueles que se separaram no regime anterior, bem como pelo fato de não haver divórcio automático decorrente da incidência da referida Emenda. Não se deixe de frisar ainda que, com vistas à atualização do artigo em comento, deve ser incluída a hipótese de separação extrajudicial, incorporada ao ordenamento pela Lei 11.441/2007, como causa de afastamento da legitimidade sucessória do cônjuge sobrevivente. (OLIVEIRA, 2009, p.127).
Tartuce (2018a) O mesmo efeito deve ser atribuído ao divórcio, ou seja, o cônjuge que já esteja divorciado à época da abertura da sucessão não tem direito a suceder, embora o art. 1.830 não faça referência a esta situação explica que:
A ausência de menção ao divórcio se dá “por razões óbvias, uma vez que dissolvidos o casamento e o vínculo matrimonial não há que falar em direito sucessório do ex-cônjuge que, com o falecido, não mantém mais qualquer vínculo familiar”. É preciso esclarecer que o direito sucessório do cônjuge sobrevivente somente estará afastado se, ao tempo da morte do autor da sucessão, já se encontrava homologada a separação/divórcio consensual, transitada em julgado a sentença da separação/divórcio litigioso ou lavrada a escritura pelo tabelião na hipótese de separação/divórcio extrajudicial. Se o óbito do cônjuge tiver ocorrido no curso da separação judicial ou do divórcio, o estado civil do sobrevivente não será de separado judicialmente ou divorciado, mas de viúvo e, consequentemente, de herdeiro. (TARTUCE, 2016, p. 209).
Segundo Rocha; Pamplona Filho, (2017) será reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se não se encontrava separado de fato há mais de dois anos à época da abertura da sucessão, salvo se provar não ter sido culpado por esta separação.
Tartuce (2018b) cita que, pela dicção do dispositivo, a mera separação de fato não é causa suficiente para afastar o direito sucessório do cônjuge sobrevivente, sendo necessária a investigação de critérios objetivos (lapso temporal) ou subjetivos (culpa) do rompimento informal da vida em comum. Esta parte final do dispositivo recebe severas críticas da doutrina, seja quanto à exigência de prazo mínimo da separação de fato, seja no que se refere à averiguação de um culpado no fim da relação conjugal.
2.2 Conceito de Família
De acordo com Alves; Alves (2002) nas suas palavras define que família, como realidade sociológica, apresentou, em sua evolução histórica, desde a família patriarcal romana até a família nuclear da sociedade industrial contemporânea, íntima ligação com as transformações operadas nos fenômenos sociais. À ciência jurídica coube a regulação das relações patrimoniais privadas, bem como das novas situações surgidas no âmbito do direito de família no interior das castas econômicas que se formavam. Cabe destacar, na metade do século XX, a intensificação das famílias estruturadas independentemente das núpcias ou conduzidas por um único membro, o pai ou a mãe.
2.3 Aspecto Constitucional do Direito da Família
Nas palavras Salet (2001, p.80) o primeiro destaque é o art. 226, caput, da Constituição que, ao prever que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, compromete-se pela sua integridade. Adota, ao longo de seus parágrafos, a concepção eudemonista, equiparando-a e reconhecendo efeitos jurídicos à união estável entre homem e mulher (§ 3º) e ao grupo monoparental, em que vive apenas um dos genitores e descendentes, filhos ou netos (§ 4º). Constitui “uma Constituição de cunho marcadamente compromissário, mas que erigiu a dignidade da pessoa humana à condição de fundamento de nosso Estado democrático de Direito”.
Note que a CF/88 mostra alguns pontos relevantes que devem ser suscitadas como quanto à família perceba seus artigos retratados e elencados abaixo:
a) A proteção de todas as espécies de família é retratada no (art. 226, caput, CF/88);
b) Sendo reconhecimento expresso de outras formas de constituição familiar ao lado do casamento, como as uniões estáveis e as famílias monoparentais (art. 226, §§ 3º e 4º, CF/88);
c) A Igualdade entre os cônjuges (art. 5º, caput, I, e art. 226, §5º, CF/88);
d) A dissolubilidade do vínculo conjugal e do matrimônio (art. 226, § 6º, CF/88);
e) Dignidade da pessoa humana e paternidade responsável (art. 226, § 5º, CF/88);
f) Assistência do Estado a todas as espécies de família (art. 226, § 8º, CF/88);
g) Dever de a família, a sociedade e o Estado garantirem à criança e ao adolescente direitos inerentes à sua personalidade (art. 227, §§ 1º, 2º, 4º, 5º, 7º, CF/88);
h) Igualdade entre os filhos havidos ou não do casamento, ou por adoção (art. 227, § 6º, CF/88);
i) Respeito recíproco entre pais e filhos; enquanto menores é dever daqueles assisti-los, criá-los e educá-los, e destes os de ampararem os pais na velhice, carência ou enfermidade (art. 229, CF/88);
j) Dever da família, sociedade e Estado, em conjunto, ampararem as pessoas idosas, velando para que tenham uma velhice digna e integrada à comunidade (art. 230, CF/88). (BRASIL, 1988).
2.4 Monossistema e Polissistema Direito da Família
Apresentou-se, também, uma legislação extravagante com características de especialização, formando um direito especial, paralelo ao direito comum estabelecido pelo Código Civil. Neste cenário, enquanto o Código preocupava-se em garantir a estabilidade das normas, as leis especiais as alteravam sem cerimônia, visando à garantia de objetivos sociais e econômicos definidos pelo Estado, constituindo sua segunda fase interpretação:
Não há dúvida que a aludida relação estabelecida entre o Código Civil e as leis especiais, tanto na fase da excepcionalidade quanto na fase da especialização, constituía uma espécie de monossistema, onde o Código Civil era o grande centro de referência e as demais leis especiais funcionavam como satélites, ao seu redor. Com as modificações aqui relatadas, vislumbrou-se o chamado polissistema, onde gravitariam universos isolados, que normatizariam inteiras matérias a prescindir do Código Civil. Tais universos legislativos foram identificados pela mencionada doutrina como microssistemas, que funcionariam com inteira independência temática, a despeito dos princípios do Código Civil. O Código Civil passaria, portanto, a ter uma função meramente residual, aplicável tão-somente em relação às matérias não reguladas pelas leis especiais (TEPEDINO, 2001, pp.11-12).
3 MEDIDAS DE RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E DESDOBRAMENTOS DA REGISTRAL E AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS.
3.1 A mudança do registro de nascimento na adoção à brasileira.
Na adoção à brasileira, o Superior Tribunal de Justiça está construindo sua jurisprudência no sentido de que é possível que o adotado receba a herança dos seus pais biológicos, ainda que tenha formado com os seus pais adotantes à brasileira o vínculo socioafetivo. Acerca desse assunto destaca-se o seguinte julgamento proferido no Recurso Especial nº 1.274.240/SC, Dje: 15/10/2013:
FAMÍLIA. FILIAÇÃO. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E PETIÇÃO DE HERANÇA. VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE. DIREITOS SUCESSÓRIOS. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 1.593; 1.604 e 1.609 do Código Civil; ART. 48 do ECA; e do ART. 1º da Lei 8.560/92 BRASIL (1992).
1. Ação de petição de herança, ajuizada em 07.03.2008. Recurso especial concluso ao Gabinete em 25.08.2011. 2. Discussão relativa à possibilidade do vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica. 3. A maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-filho. 4. A prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade, quando é inequívoco (i) o conhecimento da verdade biológica pelos pais que assim o declararam no registro de nascimento e (ii) a existência de uma relação de afeto, cuidado, assistência moral, patrimonial e respeito, construída ao longo dos anos. 5. Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão. 6. O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. 7. A paternidade traz em seu bojo diversas responsabilidades, sejam de ordem moral ou patrimonial, devendo ser assegurados os direitos sucessórios decorrentes da comprovação do estado de filiação. 8. Todos os filhos são iguais, não sendo admitida qualquer distinção entre eles, sendo desinfluente a existência, ou não, de qualquer contribuição para a formação do patrimônio familiar. 9. Recurso especial desprovido. 10. Esse amplo reconhecimento da paternidade⁄maternidade socioafetiva pela doutrina e jurisprudência, bem como a possibilidade dela, inclusive, prevalecer sobre a verdade biológica, em algumas hipóteses, trata-se de uma quebra de paradigmas, haja vista que o direito brasileiro, notadamente em razão do desenvolvimento tecnológico, que permitiu a realização de exames genéticos precisos acerca do vínculo biológico (DNA), tinha a tendência de sempre priorizar a genética. Um exemplo disso é a própria possibilidade de rescisão da sentença transitada em julgado, quando lhe sobrevém prova que definitivamente exclui a paternidade. 11. Trata-se do fenômeno denominado pela doutrina como a “desbiologização da paternidade”, o qual leva em consideração que a paternidade e a maternidade estão mais estreitamente relacionadas à convivência familiar que ao mero vínculo biológico. (BRASIL, 2013a).
No mesmo sentido, em uma decisão sem unanimidade, com um voto vencido, foi julgado o caso expresso pelo Recurso Especial de nº 1.167.993/RS, Dje: 15/03/2013, ementado da seguinte maneira:
DIREITO DE FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE E MATERNIDADE AJUIZADA PELA FILHA. OCORRÊNCIA DA CHAMADA "ADOÇÃO À BRASILEIRA". ROMPIMENTO DOS VÍNCULOS CIVIS DECORRENTES DA FILIAÇÃO BIOLÓGICA. NÃO OCORRÊNCIA. PATERNIDADE E MATERNIDADE RECONHECIDOS. 1. A tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto. É que, em diversos precedentes desta Corte, a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica foi proclamada em um contexto de ação negatória de paternidade ajuizada pelo pai registral (ou por terceiros), situação bem diversa da que ocorre quando o filho registral é quem busca sua paternidade biológica, sobretudo no cenário da chamada "adoção à brasileira". 2. De fato, é de prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, a assertiva seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva. No caso de ser o filho - o maior interessado na manutenção do vínculo civil resultante do liame socioafetivo - quem vindica estado contrário ao que consta no registro civil, socorre-lhe a existência de "erro ou falsidade" (art. 1.604 do CC⁄02) para os quais não contribuiu. Afastar a possibilidade de o filho pleitear o reconhecimento da paternidade biológica, no caso de "adoção à brasileira", significa impor-lhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da lei. 3. A paternidade biológica gera, necessariamente, uma responsabilidade não evanescente e que não se desfaz com a prática ilícita da chamada "adoção à brasileira", independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram. E, do mesmo modo, a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo, no caso, haver equiparação entre a adoção regular e a chamada "adoção à brasileira". 4. Recurso especial provido para julgar procedente o pedido deduzido pela autora relativamente ao reconhecimento da paternidade e maternidade, com todos os consectários legais, determinando-se também a anulação do registro de nascimento para que figurem os réus como pais da requerente. (Brasil, 2013b).
3.2 Princípio da Defesa Familiar
Segundo Silva (2016) e consoante Fachin; Lira (1990) o princípio da defesa da instituição matrimonial, que implica numerosas vezes, em um fechar de olhos à realidade, inspirou duas características marcantes em matéria de filiação: a legitimidade exclusiva do marido para contestar a paternidade do filho tido por sua esposa e anunciação taxativa dos motivos aptos a ensejar tal contestação. O Código incorporou a regra pater is est sob tais características, induzindo até mesmo que a “mentira jurídica” poderia ser essencial à paz familiar. A proteção da legitimidade da filiação foi nitidamente severa, com indisfarçável desvantagem aos filhos ilegítimos. Mas a ciência jurídica não dispunha de outras soluções, impondo à sociedade o critério adotado pela lei. Destarte, “a aplicabilidade da presunção decorre da inexistência de outro instrumento que proceda ao automático estabelecimento e que, daí, poderia substituí-la.”
3.3 Valor Jurídico do Afeto
Dias (2016) cita que, o afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares, como um direito fundamental, o afeto decorre da valorização constante da dignidade humana.
No entanto, para Calderon (2011), o amor, tanto para o ser humano, como para a sociedade organizada é muito importante. É, sem sombra de dúvida, o mais alto sentimento despertado na vivência em comunidade.
Almeida (2001) ressalta que o amor deve ser a mais estimada de todas as coisas existentes. Esclareça-se que o amor, assim como os outros valores, é uma coisa, mas não algo concreto, palpável. Por sua própria natureza é inexaurível, jamais se esgota, sempre podemos amar mais e melhor.
Welter (2008) relaciona que, a relação de paternidade sempre aflorou importantes discussões na seara jurídica. Isto ocorre porque as relações pai e filho sempre são atuais, haja vista as modificações de pensamento e de cultura de nossa sociedade. Os conceitos de paternidade e maternidade ultrapassaram a biologia, saindo dela para adentrar ao mundo fático contemplando a convivência e o sentimento de afeto em contraposição à relação biológica estabelecida, por vezes forçosa do exame de compatibilidade genética para auferir paternidade.
Calderan (2011) cita que, hoje, a família é vista não apenas como a união de pessoas para fins de continuidade patrimonial, a família é o alicerce psicológico e emocional dos seres humanos civilizados.
Hogemann (2006) cita que, o valor do afeto está cada vez mais em evidência no que tange à família, podendo, inclusive ser base para o estado de filiação, tanto quanto o critério biológico.
Segundo Calderon (2011) O reconhecimento do valor jurídico do afeto, como sendo essencial para a determinação da filiação, já está consolidado por grande parte da jurisprudência. Assim observa-se:
NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PROVA PERICIAL FRUSTRADA. LIAME SOCIOAFETIVO. 1. O ato de reconhecimento de filho é irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do CCB). 2. A anulação do registro civil, para ser admitida, deve ser sobejamente demonstrada como decorrente de vício do ato jurídico (coação, erro, dolo, simulação ou fraude). 3. Em que pese o possível distanciamento entre a verdade real e a biológica, o acolhimento do pleito anulatório não se justifica quando evidenciada a existência do liame socioafetivo. 4. Inexistência de prova do vício induz à improcedência da ação. Recurso desprovido. (TJRS, 2006).
Segundo Welter (2008) com o defraldamento do afeto a direito fundamental, resta enfraquecida a resistência dos juristas que não admitem a igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva, havendo a necessidade de ser formatada uma parceria, um espaço de convivência recíproca.
Lôbo (2006a) faz menção ao princípio da afetividade quando considera na Constituição Federal de 1988 a existência de quatro fundamentos essenciais que apontam para este princípio. Primeiramente, o autor aponta a igualdade de todos os filhos independentemente da origem (art. 227, §6º, CF/88), em seguida, a adoção como escolha manejada em virtude do afeto, oferecendo ao filho adotado direitos iguais ao do filho biológico (art. 227, §§ 5º e 6º, da CF/88), alude, também, o reconhecimento e a tutela estatal da comunidade formada por quaisquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos (art. 226, §4º, CF) e, por fim, o direito à convivência familiar, como prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, CF).
Seguindo o raciocínio, SARMENTO, também entende ser o afeto um dos fundamentos mais expressivos da família moderna, para além da dimensão ética, na medida em que verdadeiro valor jurídico de perfil constitucional:
Enfim, se a nota essencial das entidades familiares no novo paradigma introduzido pela Constituição de 1988 é a valorização do afeto, não há razão alguma para exclusão das parcerias homossexuais, que podem caracterizar-se pela mesma comunhão e profundidade de sentimentos presentes no casamento ou na união estável entre pessoas de sexos opostos, não existindo, portanto, qualquer justificativa legítima para a discriminação praticada contra os homossexuais (SARMENTO, 2008, p.643).
3.4 Principio da Igualdade Entre os Filhos (Art. 227, § 6º, da Constituição Federal de 1988 e art. 1.596 do Código Civil)
Machado (2012) prevê o art. 227, § 6º, da Constituição Federal que os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Complementando o texto constitucional, o art. 1.596 do Código Civil em vigor tem exatamente a mesma redação, consagrando, ambos os dispositivos, o princípio da igualdade entre filhos.
Segundo Calderan (2011) esses comandos legais regulamentam especificamente a isonomia constitucional, ou igualdade em sentido amplo, constante do art. 5º, caput, do Texto Maior, um dos princípios do Direito Civil Constitucional. Em suma, juridicamente, todos os filhos são iguais, havidos ou não durante o casamento.
Fachin (2008) alega que, essa igualdade abrange também os filhos adotivos e aqueles havidos por inseminação heteróloga (com material genético de terceiro). Diante disso, não se pode mais utilizar as expressões filho adulterino ou filho incestuoso, as quais são discriminatórias. Também não podem ser utilizadas, em hipótese.
3.5 Da Filiação e Reconhecimento dos Filhos
Calderon (2011) salienta que, o direito de filiação revela-se como uma situação de estado em que investe uma determinada pessoa, o estado de filiação é a situação de fato em que se encontra uma pessoa na qualidade de filho, ou ainda, é a situação que vincula uma pessoa a uma família do qual se originam efeitos e conseqüências jurídicas.
Para Hogemann (2006) existem três tipos de filiação genérica: a adotiva, a presumida e a natural. A filiação adotiva é a resultante do instituto da adoção, a presumida é determinada por dispositivos legais que se presumem naturais aos filhos no qual poderiam ser gerados na constância do casamento, já a filiação natural é a que diz respeito à questão biológica e que tem provocado diversas ações de investigação de paternidade.
Sales (2010) ressalta que, a filiação, que existia no Código Civil de 1916, tendo sido regulada com base no Direito Romano, discriminava que havia dois tipos de filhos: o legítimo, aquele concebido na constância do casamento e o ilegítimo concebido fora da convenção do casamento.
Lobo (2006a) cita que, também, segundo a doutrina, há a filiação legítima e ilegítima, contudo, essas designações são usadas apenas para determinar em qual situação se encontra o vínculo de família, pois, a Constituição Federal de 1988, como antes descrito, proíbe qualquer descriminação relativa à filiação no seu artigo 227, parágrafo 6º.
Entretanto, para Lobo (2006b) o legítimo e o ilegítimo a fim de se precisar um melhor entendimento, sendo que se considerava filiação legítima aquela em que o filho nascia de um casal legalmente casado e filiação ilegítima os filhos nascidos de um casal que não procederam ao casamento, como acima explicado.
Segundo Oliveira (2009) na filiação legítima existe a modalidade da filiação legitimada, que acontece quando os pais se unem em matrimônio após a concepção ou o nascimento do filho. A filiação ilegítima subdivide-se em: naturais e espúrios, sendo esses últimos assim considerados devido ao impedimento dos pais de contraírem núpcias na época da concepção do filho.
Welter (2008) salienta que, a filiação ilegítima natural é aquela em que o filho nasce de um casal com o qual não existe impedimento matrimonial, ou seja, os pais poderiam realizar o casamento, porém não o fizeram.
Campos (2006) ressalta que, a filiação ilegítima espúria subdivide-se em: espúrio incestuoso e espúrio adulterino, sendo que o incestuoso é aquele em que os pais são parentes em grau muito próximo, o qual impede o enlace matrimonial e o espúrio adulterino ocorre quando o pai ou a mãe ao tempo da concepção ou parto se encontrava ligado devido ao casamento com outrem.
3.6 Do Reconhecimento dos Filhos
Segundo Pereira (2010) os filhos de pais casados não precisam ser reconhecidos, devido à presunção de paternidade existente nos filhos oriundos do enlace matrimonial ou na constância deste, contudo o filho concebido fora do casamento, não é beneficiado por tal presunção legal de paternidade. Sendo que, embora existindo o enlace biológico entre pai e filho, resta o vínculo jurídico de parentesco, que só deriva do reconhecimento.
Conforme Sales (2010) o reconhecimento, então é o ato pelo qual o pai ou a mãe, em conjunto ou separadamente, admite como sendo sua a filiação através de um ato espontâneo e por escrito, é este o reconhecimento voluntário, também designado de perfilhação, existindo, também, o reconhecimento coativo, qual seja quando a admissão de filiação é obtida por meio de sentença em processo regular, denominado também de judicial ou forçado, sendo de qualquer forma, o reconhecimento voluntário ou judicial dos filhos, é irrevogável.
3.7 Reconhecimento Voluntário
Calderon (2011) salienta que o reconhecimento voluntário pode ser realizado no registro de nascimento; por escritura pública ou escrito particular; por testamento; por manifestação direta e expressa perante o juiz (artigo 1.609, incisos I, II, III, IV do Código Civil). Sendo que a finalidade é a aquisição de estado de filiação.
Para Dias (2016) o reconhecimento ocorre no termo de nascimento quando o pai ou a mãe, juntos ou separadamente, declaram a maternidade ou paternidade perante o oficial do Registro Civil, assinando a lavratura do respectivo termo de nascimento, sem se exigir uma solenidade especial.
Coelho (2016) cita que, o reconhecimento por escritura pública é lavrado por instrumento público, podendo ser lavrada especificamente para o reconhecimento, ou pode-se fazer incidentalmente em escritura que tenha outros objetivos imediatos. A lei não exige a anuência da mãe do reconhecido. Por escrito particular também se pode dar o reconhecimento, a ser arquivado em cartório, é aceito como forma de reconhecimento, desde que expresso.
Diniz (2014) alega que, o reconhecimento dos filhos através de manifestação direta e expressa perante o juiz, sendo uma manifestação de vontade em reconhecer alguém como filho, podendo ocorrer de forma incidental ou principal. Quando se da por iniciativa do próprio perfilhante ou do juiz é principal e de forma incidental ocorre quando um determinado processo judicial possui objeto principal distinto do reconhecimento de filiação.
Para Madaleno (2018) o reconhecimento apesar de ser irrevogável e perpétuo, poderá ser anulado por inobservância das formalidades legais, ou então, se conter alguns dos defeitos dos atos jurídicos.
Dais (2017) salienta que, o reconhecimento do filho maior de idade não pode ser realizado sem seu consentimento, e o menor pode impugnar seu reconhecimento nos quatro anos que se seguirem à maioridade ou à emancipação (artigo 1.614, CC) por meio da ação de contestação ou impugnação de reconhecimento, alegando incapacidade do reconhecente ou inverdade da afirmação de paternidade ou maternidade. Também, em relação ao menor, nada obsta que ingresse com a ação, enquanto incapaz, desde que devidamente assistido ou representado.
Diniz (2014) cita que, o reconhecimento pode preceder o nascimento do filho já concebido, porém o filho que já seja falecido só poderá ser reconhecido se este tiver deixado descendentes, evitando, desta forma, reconhecimentos por interesse.
Segundo Calderan (2011) o reconhecimento produz todos os efeitos a partir do momento de sua realização. Sendo que o filho havido fora do casamento, tendo sido reconhecido por apenas um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem a anuência do outro cônjuge (artigo 1.611, CC), contudo o artigo 15 do Decreto-Lei 3.200/41 determina que caberá ao pai ou a mãe prestar ao filho reconhecido, fora do lar, igual tratamento ao que dispensa ao filho havido no casamento, se assim o tiver, correspondente à condição social e de afeto.
3.8 Reconhecimento Judicial
Sarmento (2008) salienta que, aquele filho que não obtiver o reconhecimento espontaneamente pode adquiri-lo através do reconhecimento via judicial, por intermédio da ação de investigação de paternidade, de natureza declaratória e imprescritível, tratando se de direito personalíssimo e indisponível, conforme disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1992, no seu artigo 27.
Campos (2008) cita que, uma vez determinada à igualdade entre os filhos havidos ou não na constância do casamento torna-se evidente os direitos do filho à dignidade, ao convívio familiar, à alimentação, além de outras garantias determinadas pela Constituição Federal de 1988.
Art. 227, caput – E dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Parágrafo 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 1998, p. 116-117).
Almeida (2001) aborda que, a investigação de paternidade também tem amparo no Estatuto da Criança e do adolescente, no Novo Código Civil e na Lei 8.560/92. A dita ação pode ser ajuizada sem restrição, por qualquer filho havido fora do casamento. A legitimidade ativa para intentar ação de investigação de paternidade é do filho, se menor, será representado pela mãe ou tutor, caso o filho morrer antes de intentá-la, seus herdeiros e sucessores ficarão impedidos para o ajuizamento, salvo quando ele morrer menor e incapaz (artigo 1.606, CC), se o filho já tiver iniciado a ação os seus herdeiros poderão continuá-la. Além disso, a ação pode ser ajuizada sem qualquer restrição, sendo que os filhos adulterinos e incestuosos também podem intentar o que não podia ser realizado antes.
Alves (2002) ressalta que, a legitimidade passiva é do suposto pai, se este já for falecido, a ação deverá ser interposta contra os seus herdeiros. No entanto, não se pode mover a ação contra o espólio do de cujus, pois este não possui personalidade jurídica.
No antigo Código Civil de 1916 estavam especificados os casos em que caberiam as investigações de paternidade, quais sejam: a) o concubinato dos pais no tempo da concepção, devendo ser provado de forma convincente, com relação sexual continuada, habitual e com exclusividade, sendo que, atualmente, a interpretação de concubinato é mais liberal, não se exigindo convivência permanente debaixo do mesmo teto; b) quando do rapto da mãe pelo suposto pai coincidir com a época da concepção do filho, ou de suas relações sexuais com ela, sendo que o autor da ação em relação ao rapto deverá provar o tempo em que a raptada ficou em seu poder e a data do nascimento do filho; c) quando o pai reconhecer expressamente por escrito, podendo ser um documento público ou particular, emanado do próprio pai e que contenha sua assinatura. Em relação ao exame de sangue, este, quando o resultado era positivo, significava apenas a possibilidade de o réu ser o pai, mas essa não afirmava a paternidade absolutamente, sendo que, somente quando o exame restava negativo é que a paternidade excluía-se. (CALDERON, 2011, p.67).
Para Almeida (2001) levando em consideração a pretensão do direito descrito na ação de investigação de paternidade pode-se afirmar que esta ação é declaratória, cuja função é obtenção de uma sentença que, simplesmente, declare a existência de uma relação jurídica.
Hogemann (2006) salienta que, a ação declarativa é ação a respeito do ser ou não-ser a relação jurídica por ele, não se pede condenação, nem constituição, nem mandamento, nem execução. Só se pede que se torne claro, que se ilumine o recanto do mundo jurídico para se ver se é, ou não é, a relação jurídica de que se trata.
Segundo Sarlet (2001) assim, a ação de investigação de paternidade visa declarar um direito dos litigantes, sendo que, no que concerne a existência ou não da relação jurídica entre as partes, não haverá mais a discutir uma vez prolatada a sentença declaratória.
Alves (2002) salienta que, quanto à atividade probatória da paternidade, antes esta era realizada através de indícios, como testemunhos e exames de sangue, porém não apresentavam 100% de comprovação. Com a evolução da ciência e a descoberta do exame de DNA tem-se uma pequena margem de erro quanto à comprovação da paternidade, possibilitando assim, a descoberta do pai biológico. Contudo, não existem exames que possam assegurar a futura aproximação afetiva entre o pai e o filho, pois o vínculo não se manifesta através de um papel e sim advém de um relacionamento.
3.9 Inovações Jurídicas
Farias (2008) salienta que as inovações jurídicas podem compreender:
a) Abre espaço jurídico, sob a rubrica do parentesco de “outra origem”, para o valor constitutivo da posse de estado, nos artigo 1.593 e 1.605, inciso II; a posse de estado de filho, com fulcro na tríade nomen, tractatio e fama, pode dar ensejo à base sócio-afetiva da filiação, em numerosos casos apreendidos e acolhidos pela jurisprudência movida pela força criativa dos fatos;
b) Estabelece presunção de paternidade na fecundação artificial (artigo 1.597, incisos III e V), tanto homóloga quanto heteróloga, dando ensejo ao debate sobre a natureza (relativa ou absoluta) da presunção em tais hipóteses;
a) Encaixa no texto legal princípio de vedação de interferência na vida familiar (artigo 1.513);
b) Prevê a idade núbil aos 16 anos, decorrente da maioridade agora estatuída aos 18 anos (nos termos dos artigo 5o. e artigo 1.517);
c) Abre a possibilidade para qualquer nubente de acrescer o sobrenome do outro (artigo 1.565, parágrafo 1º);
d) Admite o divórcio sem partilha (artigo 1.581);
e) Fixa a guarda para quem tenha melhores condições para exercê-la à luz do melhor interesse da criança (artigo 1.584);
f) Estatui o parentesco por afinidade entre companheiros (artigo 1.595);
g) Inaugura no Brasil a vigência legal do regime de participação final nos aqüestos (artigo 1.672) por pacto antenupcial (artigo 1.656).
3.10 Intervenção do Ministério Público
Segundo Farache (2017) sem dúvidas, a intervenção do parquet no Direito de Família sofreu uma redução sensível. Atualmente, o tema é regido pelo artigo 698 do CPC/2015: “Nas ações de família, o Ministério Público somente intervirá quando houver interesse de incapaz e deverá ser ouvido previamente à homologação de acordo”.
Sobre o assunto, a doutrina ensina que A regra, em boa hora, limita a participação do Ministério Público nas ações de família quando existir no concreto interesse de incapaz em jogo. Pouco importa qual seja a causa da incapacidade, seja pormenoridade, seja por enfermidade ou por deficiência mental. Enfim, a mudança parece chegar em boa hora para os membros do Ministério Público,mas só o tempo dirá se o interesse social foi bem observado e analisado pelo legislador. (ROCHA; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 36).
CONCLUSÃO
Em uma análise histórica sobre a família notamos as evoluções benéficas ocorridas com essa que é a célula mater da sociedade, abandonando seu caráter austero, baseado no patriarcalismo e no casamento para, finalmente tornar-se uma família focando principalmente os laços emocionais. Isso devido em muito ao avanço da sociedade, com a derrubada de preconceitos e a valorização da dignidade humana.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 a família obteve um maior amparo, impondo regras como a igualdade de filiação e, assim, o reconhecimento legal dos filhos havidos fora do matrimônio, além de oportunizar aos mesmos o direito de conhecer o pai biológico.
Contudo, com as transformações na família brasileira evidenciaram-se algumas limitações no que tange a paternidade consangüínea, haja vista que a verdade biológica tem se mostrado insuficiente para garantir os deveres paternais na esfera familiar. Sendo assim buscaram-se outros elementos para definir a relação existente entre pai e filho.
A paternidade é um estado em que alguém se encontra na situação de pai e, sendo assim possui deveres em relação ao seu filho, quais sejam morais, educacionais, alimentares, entre outros. Porém, acima de tudo, deve existir o dever emocional revelado através do afeto, que emana de um ato voluntário, não podendo ser imposto jamais pelo ordenamento jurídico.
As questões sociais reivindicam serias reflexões frente às diversas necessidades da sociedade, desta forma, evitar ou ao menos minimizar o acirramento além de ser uma tarefa imprescindível enquadra-se como desafios à todos os atores políticos, organizações e comunidades empenhadas na construção da democracia enquanto valor social de garantia dos direitos humanos fundamentais, tendo como pano de fundo o Estado Democrático de Direito. Diante desse contexto, é intolerável que se continue perpetrando violações de direitos humanos fundamentais no Brasil e nas mais variadas regiões do globo terrestre.
Desse modo, o descaso com as sociedades é acentuado pelas gritantes injustiças e desigualdades locais, pelas políticas públicas mal implementadas, desencontradas e desconexas. Desse modo, procura-se por uma nova interpretação do mundo contemporâneo a partir de um olhar multidisciplinar, onde o dinheiro e a informação, em inúmeras vezes distorcidas e massificadas, são à base da evolução global, e que, ao mesmo tempo, evidencia uma distorção de valores e regras sociais e morais, entre outras, são condições de que muitos não dispõem.
Nesse contexto, ao responder ao problema identificado inicialmente, o presente estudo teve como objetivo central realizar uma construção acerca da mediação familiar, delimitando as perspectivas e as possibilidades de sua aplicação enquanto mecanismo adequado ao tratamento de conflitos familiares no mesmo instante em que possibilita a concretização de direitos humanos fundamentais, analisando o papel e o desenvolvimento dos operadores do Direito quando da introdução dos princípios da mediação por intermédio das Leis n. 13.104/2015 e nº. 13.105/2015 no ordenamento jurídico brasileiro.
Para arrematar, permitimo-nos voltar à introdução e afirmar que não haverá cidadania na família sem a plena cidadania social. Advogamos a formação de conceitos sempre a posteriori, especialmente para não enjaular, em numerus clausus, a arquitetura que, com base no afeto, pode fazer emergir a família. A jurisprudência deve se abrir para compreender e empreender os novos desafios, sempre conceitos ou visões preconcebidas.
Resistir ao triunfo de uma superficial filosofia de vida que “entroniza o egoísmo como lei superior, porque é o instrumento da buscada ascensão social” e que “privilegia os meios materiais e sedes preocupa com os aspectos finalistas da existência”.
Ao atentarmos à filiação como instituto jurídico que liga os pais e as mães aos seus filhos, chegamos a compreender que a filiação pode se materializar de diversas formas, todavia, filiamonos à idéia de que independentemente da gênese da filiação, todos são iguais perante a lei, quanto aos direitos e deveres, gozando das mesmas garantias, sem submeter-se a valorações hierárquicas discriminatórias entre os distintos tipos de vínculo, pois estes se manifestam em pé de igualdade.
Cientes das distinções entre o vínculo biológico - onde os filhos descendem geneticamente dos seus pais e o vínculo socioafetivo - construído basicamente no convívio cotidiano, calcado nas amplas expressões da voz do amor, bem como no cuidado com a criação, sustento, educação e desenvolvimento físico e psicológico - entendemos, que a manifestação do afeto, eixo central das relações familiares, encontra-se enraizada em todas as espécies de filiação, sendo indiferente às distinções entre os vínculos, pois o papel dos pais desempenhado na sua função familiar é de contribuir com o bem-estar e desenvolvimento da sua prole, garantindo que os laços afetivos são a manifestação natural indispensável às relações familiares.
Em conclusão ao estudo do referencial bibliográfico, verificou-se que mesmo que imperativas e coexistentes a paternidade biológica e a sócio-afetiva, a aplicação de cada uma dependerá de um terceiro item, imprescindível em qualquer ação de paternidade, qual seja, o benefício do menor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Maria Christina de. Investigação de Paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.156.
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[1] Professor Mestre e Orientador do Artigo. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/0756536717104264.
Graduando em Direito 2019 pelo CIESA/AM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, michele costa de. Reconhecimento da paternidade afetiva versus registral e seus efeitos jurídicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 out 2019, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53508/reconhecimento-da-paternidade-afetiva-versus-registral-e-seus-efeitos-jurdicos. Acesso em: 22 nov 2024.
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