RESUMO: O presente artigo busca analisar e expor os possíveis efeitos e litígios jurídicos gerados diante da dissolução de união estável ocorrido na vigência de um contrato de financiamento de bens móveis e imóveis. Destarte, verificar-se-á os aspectos gerais da união estável institucionalizada como entidade familiar e sua dissolução, bem como, os conflitos resultantes da partilha de bens financiados mutuamente. E o que está previsto na legislação atual, jurisprudência e posicionamento dos tribunais acerca da questão.
Palavras-chave: União Estável. Dissolução. Bens. Financiamento.
Abstract: This article seeks to analyze and expose the possible legal effects and litigation generated after the dissolution of a stable union that occurred in the period of a contract for the financing of movable and immovable property. Thus, the general aspects of the stable union institutionalized as a family entity and its dissolution will be verified, as well as the conflicts resulting from the sharing of mutually financed goods. And what is provided in the current legislation, jurisprudence and positioning of the courts on the issue.
Key words: Stable union. Dissolution. Bens. Financing.
SUMÁRIO: Introdução; 1. A união estável e sua dissolução envolvendo partilha de bens financiados; 2. Os efeitos da dissolução de união estável inerente a partilha de imóvel financiado e a solução jurídica; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO
O conceito de matrimônio dos que desejam iniciar uma entidade familiar sofreu transformações e um dos reflexos é que ao instituto do casamento por registro civil público acresceu uma nova espécie, a união estável, sendo reconhecida como forma de constituir família pela Constituição Federal de 1988.
E quando ocorre a dissolução de uma união estável, divide-se tanto os bens quanto as dívidas adquiridas pelo casal, e dependendo do regime de bens adotado a partilha do ativo e passivo podem ser distintas. E não havendo estipulação por um dos regimes disponíveis, a união estável se equipara ao regime da comunhão parcial de bens.
E diante da dissolução, surgem controvérsias quanto ao imóvel adquirido mediante financiamento, necessitando-se assim, deliberar quanto a divisão desse imóvel financiado em comum.
No presente artigo tratar-se-á dos efeitos do rompimento da união estável, bem como as hipóteses e formas de partilhar os bens financiados com ênfase ao financiamento de imóvel e as soluções cabíveis.
1. A UNIÃO ESTÁVEL E SUA DISSOLUÇÃO ENVOLVENDO PARTILHA DE BENS FINANCIADOS
O casamento é um dos institutos mais antigos no direito, servindo como base na construção e evolução da sociedade até nos dias de hoje. E ao longo dessa evolução, o instituto do casamento tomou novas formas, conforme novos hábitos e comportamentos dos indivíduos, surge uma nova opção àqueles que desejam uma vida em comum como cônjuges, a união estável.
Esta célebre forma de entidade familiar teve amparo na Constituição Federal, em seu artigo:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (grifamos)
A união estável se difere do casamento pela não vinculação dos cônjuges, ou seja, não existe o registro civil, contudo, vai além de um simples namoro ou noivado, uma vez que há a intenção somada à habitualidade de ambos conviventes conviverem sob o mesmo teto como se casados fossem, tem-se a união estável, não formal, pois não houve a celebração para tal estabelecida em lei.
E no mesmo artigo supracitado, a Constituição Federal assegura o direito à dissolução do casamento pelo divórcio, mas não descreve a possibilidade da dissolução da união estável, que, através da redação do §3°, do artigo 226, foi regulamentada pela lei 9.278 de 1996, na qual, prevê o direito aos conviventes de dissolverem a união informal.
O Código Civil brasileiro, dispõe nos artigos 1.723 a 1.727 e 1.790, os requisitos fundamentais para a constituição da união estável entre homem e mulher, e seus efeitos patrimoniais no caso de dissolução por convenção entre os conviventes ou pela morte de um deles. Dentre as disposições, é facultado aos conviventes elaborar contrato particular com o propósito de estipular como será a relação patrimonial, tal como o pacto antenupcial, porém, caso não estipulem tais condições ou inexista contrato escrito, é aplicado o que consta no artigo 1.725, do Código Civil, ou seja, aplica-se a essas relações patrimoniais no que couber o regime da comunhão parcial de bens.
Nesse sentido, comprovada a união estável, pressupõe-se o esforço comum dos conviventes na aquisição de bens a título oneroso durante a união, bens esses, que devem ser partilhados igualmente havendo dissolução litigiosa, eis que, há a forma consensual de dissolução, onde consensualmente os conviventes acordam acerca da divisão dos bens como melhor lhes convir, como também, um dos conviventes pode abrir mão de um ou mais bens em favor do outro.
Acerca dos bens na dissolução da união estável, é fundamental observar os direitos que envolvem a partilha de bens financiados pelos conviventes durante a união.
Se o financiamento foi realizado conjuntamente pelos conviventes, ambos são mutuários e a dissolução da união estável não liquida o pagamento das parcelas do bem financiamento, logo, os conviventes que não mais desejam manter a união, a condição de mutuários perante a instituição financeira não se altera, ou seja, não os exime do pagamento do bem financiado, podendo o nome de ambos serem negativados, na falta deste.
Existe a problemática de, como se proceder na divisão de um bem financiado. Pois bem, o bem, sendo móvel ou imóvel, normalmente veículos, motocicletas ou terreno, casa e apartamentos, torna-se objeto de litígio adquirido mediante financiamento através de contrato que estipula o valor, quantidade e o vencimento das parcelas a serem pagas.
A partilha pode ser oficializada por acordo ou não entre os conviventes, e é importante destacar, mesmo que só um dos conviventes tenha pago as parcelas do financiamento, na união estável em que não foi estipulado pacto nupcial diferente, reger-se-á pela comunhão parcial de bens, e assim será partilhado igualmente o passivo e ativo do casal, pois como já dito, se pressupõe o esforço em comum, independentemente da origem dos recursos, se de ambos ou se de um só, referente ao pagamento para aquisição dos bens.
Com efeito, com relação a financiamento de imóvel, o Sistema Financeiro de Habitação, este regulamentado pela Lei n° 8.004 de 1990, dispõe em seu artigo 1º, parágrafo único:
“Art. 1º O mutuário do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) pode transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato, observado o disposto nesta lei.
Parágrafo único. A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado através do SFH dar-se-á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora.
Não obstante, não existe lei que dispõe sobre uma solução jurídica quanto à partilha de bens financiados, há falta de previsão legal em qualquer um dos dispositivos legais supracitados para solucionar de fato, um conflito de partilha por casal que desfez a união estável, perante um contrato de financiamento de um imóvel frente a dissolução da união estável.
Todavia, verifica-se decisões consolidadas por tribunais sobre a questão, a ser demonstrada a seguir.
2. OS EFEITOS DA DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL INERENTE A PARTILHA DE IMÓVEL FINANCIADO E A SOLUÇÃO JURÍDICA
É comum nos dias atuais, casais adquirirem a casa própria por meio de financiamento, diante de facilidades e benefícios oferecidos pelas instituições financeiras, contudo, também é comum que a união dure menos tempo que próprio tempo do financiamento. Advinda a dissolução desta sociedade de fato, via de regra o imóvel resta com a posse em favor de apenas um dos conviventes, o qual reputa que, ao assumir a dívida, ficará para si com o bem, sem qualquer outra despesa além dos encargos inerentes ao imóvel e ignorando a parte que cabe ao companheiro que deixou o lar.
Entretanto quando há financiamento na divisão de imóvel, podem ocorrer algumas particularidades, de modo que o montante já pago, no qual, pode compreender entrada somado a parcelas pagas, compõem um ativo passível de divisão. Então, aquele que abrir mão do imóvel em favor do outro, tem direito de recuperar 50% do valor empregado no financiamento.
Posto isso, se no momento da dissolução não houver possibilidade de saldar o restante da dívida, para vender o bem e dividir o valor entre eles, ambos continuarão devedores, essa conjuntura só se altera no caso da formalização de um acordo ou de decisão judicial, em que apenas um dos conviventes permaneça com o imóvel, porém, aquele que permanecer deve então ao outro a parte que lhe cabe do valor pago conjuntamente até a dissolução.
É pertinente observar, que a transferência do financiamento para o convivente que não seja o titular do contrato e que deseja assumir sozinho o bem, terá de ter seu nome aprovado em análise feita pela instituição financeira, alterando-se assim, o mutuário responsável pela dívida do financiamento. E caso não venha ser aprovado ou ele não concorde, o contrato do financiamento continuará em nome de ambos até ser liquidado.
Pode ser uma hipótese nos casos em que, na impossibilidade de vender e dividir o valor igualmente, pelo fato do imóvel ser financiado, um dos conviventes permanecer morando no imóvel, e posteriormente quitado, então ser vendido e partilhado, descontando a parte paga enquanto residiu no imóvel sozinho. Contudo, este que permanecer no imóvel, pode se dispor de seus recursos para ajudar a custear o aluguel de um imóvel para outro convivente.
O custeio de aluguel ao ex-companheiro ou ex-companheira, não depende da partilha de bens na dissolução de união estável, eis que, o bem passa a ser considerado bem em condomínio, e aquele que não habitar o imóvel pode reclamar na Justiça o pagamento de aluguel, na qualidade de coproprietário.
Uma solução cabível para tal circunstância, nota-se o adotado pelo STJ:
Em seu voto, a relatora frisou que não há impossibilidade jurídica no pedido de aluguéis pelo fato de a divisão do patrimônio comum não ter sido concluída. O pedido é uma forma de se reparar quem não pôde utilizar o bem e precisa comprar ou alugar um outro imóvel.
“Se apenas um dos condôminos reside no imóvel, abre-se a via da indenização àquele que se encontra privado da fruição do bem, reparação essa que pode se dar, como busca o recorrido, mediante o pagamento de valor correspondente à metade do valor estimado ou efetivamente apurado do aluguel do imóvel”, justificou a ministra.
[...]
Nancy Andrighi destacou que há, no acórdão recorrido, provas inequívocas de direito do ex-cônjuge à metade do imóvel, situação que possibilita o pedido de aluguéis.[1]
O Superior Tribunal de Justiça colaciona que o convivente que se beneficia sozinho do bem, sem ajudar a custear nova moradia ao outro, está se enriquecendo ilicitamente. A ministra ainda destaca, que a jurisprudência do STJ é clara em relação a obrigação (de ajudar financeiramente o outro convivente) imposta àquele que ocupa exclusivamente o imóvel era moradia comum dos conviventes, mesmo antes da partilha.
Outra hipótese é, como proceder se o imóvel foi adquirido por um dos conviventes antes de constituir união estável, no entanto, pago por ambos durante a vida em comum. Neste caso, é razoável que a partilha do imóvel decorra na proporção da contribuição de cada um dos conviventes.
É compreensível que divisão de imóvel financiado após a dissolução da união estável, é complexo e causa dissabores, pois são diversas situações distintas que surgem com o rompimento da vida em comum, daí a atuação de um advogado se faz necessário, a fim de ajudar as partes a resolverem a questão da forma mais harmoniosa possível, eis que, pode disponibilizar aos conviventes meios oficiosos, como por exemplo uma dissolução consensual.
A hipótese de realizar um acordo, torna a procedimento da dissolução envolvendo bens mais tranquilo, rápido e até mais eficaz e satisfatória para ambas as partes, é o que vem se praticando muito nos escritórios modelos de advocacia vinculados às universidades públicas e particulares, sem custo algum aos que procuram se preenchidos certos requisitos, como baixa renda e os respectivos bens não ultrapassem certo montante na sua totalidade.
Em consequência, a forma consensual é um acordo entre os conviventes, onde se faz um levantamento dos bens e dividas do casal, e se estipula quem fica com o que, pode ser na presença do advogado, na qual este, ajuda as partes entrarem em um consenso acerca da divisão dos bens.
No caso de imóvel financiado, podem acordar que um permanece com o bem e o outro com os demais bens que perfazem o valor já pago sobre o imóvel (entrada e parcelas já pagas) que lhe caberia, ou pode até ultrapassar esse valor, sendo assim o outro abre mão de algo a mais em detrimento de continuar com o imóvel.
Pode acontece também, de um dos conviventes adotar a parte do outro e assumir as parcelas ainda vincendas, destaca-se que a forma consensual deve ser formalizada como acordo extrajudicial, ou seja, tudo que for acordado entre os conviventes é descrito em uma peça inicial e discriminado os bens e como será a divisão. Posteriormente é protocolada a inicial para o juiz analisar e possivelmente reconhecer e dissolver a união estável, bem como homologar o acordo acerca da partilha dos bens. Por isso, se faz necessária a atuação de um advogado.
Se não há acordo mútuo entre o casal, a opção é ratear a dívida e cada um assumir igualitariamente o valor das parcelas e os encargos do financiamento até a quitação, e caso queiram, vender o imóvel e receber a quota parte que caiba a cada um, voltando à solução discorrida no início do exposto até aqui, em que, até que se liquide a dívida, um dos conviventes permaneça no imóvel, porém, pode ter que custear parte de um aluguel para o ex-companheiro ou ex-companheira, isto claro, se a dívida vier a ser rateada com demais obrigações acessórias tanto do contrato de financiamento como inerentes ao imóvel, como impostos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do discorrido, nota-se a inexistência de previsões legais que dispõe sobre partilha de bens financiados em caso de dissolução de união estável. Foi abordada algumas hipóteses de divisão dos bens e a possível solução, que podem ser diversas, contudo é preciso ampliar a discussão acerca do tema, que evolui a cada dia, uma vez que o direito de família está entrelaçado com os institutos da propriedade e que envolve a parte financeira da família.
Nesse sentido, ao analisar alguns fatores (o regime da união estável, a vontade das partes de como proceder a partilha) as possibilidades para alcançar o melhor resultado devem ser investigadas pelo jurista, ora, pode ser cômodo se pensar que a união estável está equiparada ao casamento e sujeita aos mesmos direitos e deveres, porém há inúmeras possibilidades para satisfazer o anseio das partes, que pode ser desde uma análise humanista de cada caso até a adoção de um procedimento menos moroso, isto é, a forma consensual.
O presente artigo, atenta demonstrar que apesar da união estável ser equiparada a mesma legislação do casamento, é necessária uma regulamentação própria para os casos de dissolução, com o objetivo de cuidar e proteger os interesses de cada convivente, para que não haja prejuízos a favor de um em detrimento do outro no tocante à partilha dos bens.
Defende-se que uma das melhores formas de dissolução e partilha dos bens é a consensual, onde a vontade das partes prevalecerá como melhor lhes convier.
Embora o ponto central em uma dissolução da vida em comum é o patrimônio dos conviventes, que causa disputa e dúvidas acerca da divisão desse patrimônio, deve haver uma certa sensibilidade, uma vez que os dissabores de um rompimento é sempre algo frustrante de suportar.
Assim satisfatoriamente é relevante discutir tal tema, para a melhor resolução dos conflitos que surgem do fim da vida em comum levantada no presente artigo.
REFERÊNCIAS
Tartuce, Flávio. Manual de Direito Civil. VL. único. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019. pg. 1201-1202.
Madaleno, Rolf. Direito de família. 8. ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. pg 1425-1429.
STJ. Uso exclusivo de imóvel é fator determinante para pagamento de aluguéis a ex-cônjuge. Decisão. Disponível em <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Uso-exclusivo-de-im%C3%B3vel-%C3%A9-fator-determinante-para-pagamento-de-alugu%C3%A9is-a-ex%E2%80%93c%C3%B4njuge> Acessado em 31 de maio de 2019.
Gagliano, Pablo Stolze. Pamplona Filho, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Volume VI. São Paulo: Saraiva, 2011. pg. 419-423.
[1] Uso exclusivo de imóvel é fator determinante para pagamento de aluguéis a ex-cônjuge. STJ, 18 de outubro de 2017. Disponível em <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Uso-exclusivo-de-im%C3%B3vel-%C3%A9-fator-determinante-para-pagamento-de-alugu%C3%A9is-a-ex%E2%80%93c%C3%B4njuge> Acessado em 31 de mai2019.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KNOP, Angelica. A dissolução de união estável diante da partilha de bens financiados com destaque aos imóveis adquiridos através de contrato de financiamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53702/a-dissoluo-de-unio-estvel-diante-da-partilha-de-bens-financiados-com-destaque-aos-imveis-adquiridos-atravs-de-contrato-de-financiamento. Acesso em: 22 nov 2024.
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