RESUMO: O presente visa verificar os limites impostos, no que diz respeito às biografias não autorizadas diante da liberdade de expressão. Para tanto, tratará a respeito do que dispõe os artigos 20 e 21, do Código Civil, analisando por conseguinte a (in)constitucionalidade dos mesmos quando colocados diante de outros direitos e garantias fundamentais elencadas no texto constitucional. Adiante, o presente trabalho ainda abordará a opinião da Suprema Corte Brasileira quanto ao tema das biografias não-autorizadas, ocasião em que o direito à liberdade de expressão conflita com a vida privada e tudo isso, com a finalidade de analisar os limites impostos quando da ocorrência de conflitos entre dois direitos fundamentais, quais sejam, a liberdade de expressão e o direito à intimidade e privacidade, ambos tutelados constitucionalmente.
Palavras-chave: Biografias não autorizadas; liberdade de expressão; privacidade; intimidade.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 BREVE ANÁLISE A RESPEITO DAS BIOGRAFIAS. 2 UMA ANÁLISE CRÍTICA DA TUTELA CONFERIDA À IMAGEM. 3 DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL. 4 UMA ANÁLISE DO CONFLITO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS. 5 DOS LIMITES IMPOSTOS À LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO CASO DAS BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal da República aborda um rol de direitos e garantias fundamentais no artigo 5º, a exemplo do direito à privacidade, direito à intimidade, liberdade de expressão, dentre outros que são tutelados.
No presente trabalho, esses direitos anteriormente mencionados ganham importante destaque, uma vez que possuem tutela dada especificamente pelo texto constitucional.
Além da proteção Constitucional dada à intimidade e vida privada, o Código Civil expôs situações em que esses direitos devem ser resguardados e atribuiu a eles uma proteção intensa e aprofundada, conforme se pode conferir nos artigos 20 e 21 do referido diploma.
Ocorre que por vezes, esses direitos fundamentais entram em conflito em casos concretos e se torna necessária a análise a respeito de qual direito deve prevalecer e ser aplicado concretamente e para tanto são utilizados alguns métodos e realizadas algumas análises.
O Supremo Tribunal Federal se manifestou acerca do tema algumas vezes e uma das manifestações mais significativas foi no julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 4.815 em que se analisou a (in)constitucionalidade dos artigos 20 e 21, do Código Civil.
Em se tratando da prática desses direitos, é importante mencionar que quando o exercício de um passa a interferir na esfera do exercício de outro, é de rigor a análise e abordagem de qual/quais seriam as limitações impostas no caso de exercício da liberdade, uma vez que esta pode ferir a privacidade de outrem – a exemplo do caso em que são publicadas biografias sem autorização do biografado.
Frise-se que o tema possui grande relevância uma vez que diz respeito ao exercício de direitos fundamentais e, tendo em vista o cenário atual, onde o exercício do direito de um pode ocasionar lesões ao direito de um outro, a discussão passa a ter importância ainda maior.
Com isso, o presente trabalho tem por escopo a análise do tema das biografias não autorizadas, sob o prisma da proteção conferida a direitos fundamentais e, por conseguinte, a análise dos limites impostos à liberdade de expressão exteriorizada quando da publicação de uma biografia sem autorização.
1 BREVE ANÁLISE A RESPEITO DAS BIOGRAFIAS
A respeito das biografias, os autores Kunde e Adolfo fazem importante contribuição mencionando o seguinte:
Biografia compõe um gênero literário caracterizado por ser a narração da trajetória de pessoas que, por terem desempenhado um importante papel na história do país ou por terem ocupado posições notórias em um contexto social, compõe a identidade cultural de um povo, despertando o interesse do público. O conhecimento de sua trajetória torna-se importante para a composição histórico-social de um povo (KUNDE; ADOLFO, 2014, p. 481-488).
As biografias encontram-se classificadas como sendo “gênero jornalístico” e são tuteladas pela liberdade de expressão e informação. No entanto, carregam particularidades, que segundo Cunha (2018, p. 108), são exteriorizadas pela circulação de informações que não integram o interesse da sociedade, mas somente expõem dados que atendem à curiosidade pública e visam auferir vantagem financeira
Ainda, relativamente ao tema, Lira faz a seguinte crítica:
[...] o gênero biográfico se presta a dar vida e nova percepção às histórias reais, observando-as com o olhar de alguém que não as vivenciou. Trata-se de uma experiência complexa e bastante problemática, tendo em vista que os acontecimentos são cercados por circunstâncias, sentimentos e caracteres muita {sic} vezes não captados por aqueles que apenas os transcrevem (LIRA, 2014, p. 73).
As biografas publicadas sem autorização constituem uma clara demonstração da cansativa necessidade da sociedade de se ver informada e é através dessas biografias que as pessoas podem ter contato com informações da vida de outros (quer sejam públicos ou não), o que pode ferir a intimidade desses indivíduos (REMÉDIO; REIS, 2018, p. 127).
Barcellos (2014, p. 66) faz um paralelo entre as biografias publicadas pela imprensa e as que são publicadas em livros, mencionando inclusive, a ADI[1] nº 4.815 em que o autor da ação buscou equipará-las. Nestes termos, a autora faz forte crítica que vai de encontro à equiparação destas duas aduzindo não ser plausível a comparação de “uma biografia com o ofício diário próprio da imprensa, de modo que a posição preferencial reforçada que se reconhece à liberdade de imprensa não pode ser aplicada em toda a sua extensão e, sem maiores reflexões, às biografias”.
Para a autora, a liberdade concedida à imprensa não pode se estender à publicação de biografias, uma vez que os autores destas possuem muito mais tempo ao seu dispor para conseguirem informações reais e verdadeiramente legítimas, ao passo que a imprensa não possui tanto tempo disponível, e quando muito, possui dias ao dispor. Portanto, a autora é contra a concessão de maiores liberdades aos biógrafos (BARCELLOS, 2014, p. 67).
No que diz respeito ao tema das biografias publicadas sem autorização a Associação Nacional de Escritores Literários - ANEL, afirma categoricamente que a necessidade de anuência constitui verdadeiro óbice à liberdade de expressão (CUNHA, 2018, p. 107).
Mencione-se que quem decide publicar uma biografia não autorizada sofre limitações desde o início de seu trabalho, até o conteúdo que põe em veiculação, mencione-se, primeiramente ele não pode tomar conhecimento de informações sobre quem deseja escrever por meio de habeas data, não pode ter acesso a informações constantes em bancos de dados sem autorização da pessoa, e por fim, não pode publicar nada que atente contra a honra do indivíduo sujeito à biografia (DIAS, 2012, p. 214).
Deste modo, o que se pode concluir é que o indivíduo que redige biografias passa por muitos percalços (em razão das leis impostas) para poder divulgar uma história de vida sem autorização (DIAS, 2012, p. 214).
Uma vez que o estudo aborda a incidência dos direitos fundamentais no contexto de publicação da publicação de biografias não autorizadas, não se pode deixar de abordá-los e aprofundar a discussão.
2 UMA ANÁLISE CRÍTICA DA TUTELA CONFERIDA À IMAGEM
O direito à imagem, uma das ramificações da proteção conferida ao instituto da personalidade é tema de grande importância no presente trabalho e objeto de grande discussão no que diz respeito ao tema das biografias, onde há conflito entre direitos como imagem, intimidade, vida privada e afins com a liberdade de expressão.
O campo do direito é muito extenso e repleto de detalhes, tanto que é composto por uma série de regulamentos que acabam sendo discordantes e incompatíveis entre si, tanto pela influência do tempo nas relações humanas, quanto pela modificação de interpretações dadas a determinados textos (LIRA, 2014, p. 86).
As Constituições anteriores à de 1988 tutelavam vida íntima e pessoal do indivíduo, mas foi justamente a de 1988 que resguardou de forma bem mais abrangente esse direito. Vale ressaltar também que, o Brasil é subscritor de inúmeros tratados que versam sobre a proteção à vida íntima, e dentre eles se encontram tratados que versam sobre direitos humanos (BARCELLOS, 2014, p. 51-52).
Assim como a liberdade de expressão é necessária em um estado democrático, os direitos à intimidade e privacidade constituem importantes peças em uma democracia. O ser humano deve ter esses direitos protegidos perante os outros indivíduos e a fim de evitar as investidas desnecessárias e inconvenientes do Estado (FACHIN, 2016, p. 101).
Conforme menciona a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988).
Deste modo, o direito à intimidade e à vida privada também constituem uma garantia do indivíduo que é protegida constitucionalmente (incisos X ao XII, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988). No entanto, frise-se que o direito à intimidade não é absoluto, podendo ser limitado em algumas situações a fim de que prevaleça o que for mais benéfico à coletividade (MORENO; AMARAL, 2014).
A privacidade, um direito ligado à personalidade, se encontra tutelada também pela Constituição e no artigo 21, do Código Civil, e muito embora o dispositivo possibilite a utilização de medidas necessárias para afastar alguma ação que atente contra a privacidade individual, acaba sendo omissa quanto à adoção dos métodos necessários ao alcance desse direito (CUNHA, 2018, p. 103).
No que diz respeito à personalidade, os artigos 20 e 21, do Código Civil, apresentam verdadeiro impedimento formal à publicação e circulação de biografias que sejam feitas sem anuência do biografado (SOARES; FREITAS, 2015, p. 92),sendo, portanto, a autorização um fator fundamental para a possibilidade de publicação.
Mencione-se o que dispõem os artigos 20 e 21, do Código Civil:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes (BRASIL, 2002).
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma (BRASIL, 2002).
Roberto Dias menciona o seguinte quanto ao referido artigo:
[...] praticamente impede a publicação de biografias não autorizadas ao prever, no artigo 20, que a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais, salvo se autorizadas ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública (DIAS, 2012, p. 213).
Pela leitura dos artigos 20 e 21, do Código Civil, o que se pode compreender é que a vida privada é priorizada pelo Código em relação a outras liberdades, o que poderia ferir o exercício de liberdades garantidas constitucionalmente (TEPEDINO, 2016, p. 27).
Assim, surgem questionamentos problemáticos, pois para Fachin (2016, p. 105) este dispositivo simboliza uma opção desvinculada de constitucionalidade que o legislador fez deixando de lado outros direitos que são previstos constitucionalmente e tão importantes quanto o direito à privacidade. Essa preferência atribuída pelo legislador, não leva em conta particularidades que permeiam o contexto desses direitos, razão pela qual necessita ser desconsiderada quando se analisa a Constituição.
Frise-se que não se está a mencionar que os direitos à personalidade são menos importantes que o direito à liberdade ou a demais direitos, mas o que se tem por objetivo expor, é que a proteção resguardada pelo artigo 20, acabou dando um caráter quase absoluto à personalidade em detrimento de outras questões.
Segundo a análise feita por Gustavo Tepedino (2013, p. 306), no que tange à privacidade individual, “para o direito civil contemporâneo, em contrapartida, deve-se compreender a privacidade não mais como o direito estático de estar só, senão em perfil dinâmico, despida do paradigma da propriedade”.
No caso das biografias, o Código Civil atribuiu ao direito da personalidade uma posição quase absoluta de permanência deste em relação a outros direitos, o que acabaria por trazer consequências ao exercício de direitos que também são fundamentais, razão pela qual o artigo 20, do referido diploma é considerado inconstitucional (FACHIN, 2016, p. 103).
Afirmar que o artigo 20, do Código Civil é constitucional seria uma afirmação de que existe apenas uma possibilidade capaz de responder aos reclamos que envolvem o direito à livre expressão e à vida privada daquele que é sujeito a uma biografia. Por conseguinte, estar-se-ia tornando absoluto o direito à intimidade, conflitando assim, com a ordem constitucional pátria (FACHIN, 2016, p. 105).
Na ADI[2] 4.815 a parcela que entendia pela inconstitucionalidade do dispositivo, afirmou que a necessidade de autorização prévia para a publicação do material bibliográfico constituía verdadeira censura. A Associação Nacional de Escritores Literários alegou que as biografias publicadas sem autorização deveriam ser uma exceção, pois fatos narrados por um “protagonista” não costumam ser fiéis à realidade (CUNHA, 2018, p. 99).
No julgamento da referida ADI[3], o STF atribuiu aos artigos 20 e 21, do Código Civil, uma compreensão diversa da que é expressa originalmente pelo texto. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Suprema Corte entendeu que o texto deve ter correlação com a Constituição, afirmando direitos que são por esta tutelados (TEPEDINO, 2016, p. 26).
A desautorização expressa no artigo 20, tem por finalidade a proteção da personalidade do indivíduo. Para Roberto Dias (2012, p. 218-219) a vedação parece ser um meio razoável para alcançar o fim desejado. Ocorre que analisando apenas sob esse prisma, acaba-se por ignorar o exercício da liberdade de expressão, com isso “a interpretação da lei civil que ignora esses valores causa desvantagens superiores aos benefícios que proporciona”.
Muito embora existam direitos relacionados à personalidade – e muito importantes para a efetivação da dignidade da pessoa humana – não se pode deixar de abarcar e respeitar outros direitos que também são inerentes ao indivíduo. Ao que parece, o Código Civil prestigia o direito à personalidade em detrimento do direito à liberdade e a análise seguinte gira em torno desse assunto.
3 DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL
O Código Civil criou embaraços muito intensos à publicação de materiais que versem sobre a vida e intimidade de uma outra pessoa e com isso, acabou por ignorar a existência de outros direitos que entram em campo, a exemplo da liberdade de expressão, que necessita ser exercida pelo indivíduo, caso contrário estar-se-ia diante de um capítulo de censura de direitos.
O artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal, consagra a liberdade de expressão, mencionando que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (BRASIL, 1988).
Liberdade de expressão pode ser conceituada como uma a garantia que o indivíduo tem de expressar de forma livre o seu ponto de vista sobre assuntos diversos, e esta expressão não só se realiza verbalmente, mas por diversas formas de comunicação. Vale ressaltar que, é um direito muito protegido e afirmado pelo texto constitucional (ESPÍNDOLA; IVANOFF, 2015, p. 164).
Por mais que a liberdade seja fundamental, é importante ressaltar que se trata de um direito relativo e que o homem, pelo bem-estar social, abriu mão do exercício pleno desse direito, por meio do chamado contrato social. Com isso, entrou em ação a lei, de modo a garantir que o direito de um indivíduo não prejudicasse o de outro (CUNHA, 2018, p. 94).
Ana Paula de Barcellos (2014, p. 53) menciona a liberdade de informação como um direito fundamental - o que é previsto constitucionalmente - e menciona que essa liberdade precisa coexistir juntamente com os direitos ligados à intimidade e privacidade, também previstos constitucionalmente.
A liberdade de expressão deve ser exercida, pois caso houvesse censura quanto ao exercício desse direito estar-se-ia diante de um contexto de regressão. No entanto, é evidente que essa liberdade não pode ser exercida de modo descomedido e sem cautela, e sim de forma zelosa e consciente de acordo com as disposições legais (MORENO; AMARAL, 2014).
Para que se possa falar em um Estado democrático de direito é preciso haver mínimas garantias ao indivíduo no que tange ao seu direito de expressão e de posição de acordo com aquilo que entende ser adequado. Frise-se que sem um Estado de usufruto das liberdades individuais, não há que se falar em democracia (ESPÍNDOLA; IVANOFF, 2015, p. 165).
Não há que se falar em um sistema democrático de direito onde não está presente a liberdade de expressão. Rememore-se a década de 1960, época em que se instituiu um regime militar no Brasil - momento em que havia intensa repressão e censura ao exercício de liberdades individuais, especialmente a liberdade de expressão (DIAS, 2012, p. 206).
O acesso direto a diversas fontes de informação é o que possibilita a criação de um pensamento crítico e conhecimento acerca de diversas ideias, não é por outro motivo que a Constituição Federal de 1988 garantiu aos indivíduos o acesso à informação e ao exercício de liberdade de expressão, tendo o direito de não ser censurado em razão disso (DIAS, 2012, p. 207).
No Supremo Tribunal Federal a opinião de alguns ministros quanto ao tema é que proibir a circulação seria uma forma de censura, e seria tornar a desrespeitar direitos tal como feito no passado (SOARES; FREITAS, 2015, p. 93).
O texto da Constituição afasta preceitos que possam criar óbices ao exercício de liberdades individuais, e é justamente por esse motivo que no julgamento da ADPF de número 130, decidiu-se por não recepcionar a anterior Lei de Imprensa, uma vez que essa impedia o exercício de garantias e liberdades individuais que a atual Constituição resguarda (DIAS, 2012, p. 208).
O Poder Judiciário tem utilizado o Código Civil para realizar censuras a biografias que são publicadas sem autorização do biografado, exemplos nesse sentido podem ser extraídos da proibição relativa à publicação da biografia de Garrincha, jogador de futebol, que, no entanto, teve a decisão modificada, e, o caso do cantor Roberto Carlos, esse último tem a biografia censurada desde o ano de 2007 (MORENO; AMARAL, 2014).
A criação de óbices para a publicação de biografias sem a autorização de quem está sendo biografado - ou de seus entes, em caso de morte -, fere a liberdade de informação, uma vez que escolhe situações que são passíveis de divulgação e em contrapartida renuncia o exercício da livre expressão ao proibir a publicação de informações malquistas pelo sujeito ou sua família (TEPEDINO, 2013, p. 300).
O autor Roberto Dias (2012, p. 210-211) expõe de forma muito conclusiva que quando o Estado permite a publicação de textos em que se conhece apenas uma versão da história, certamente a democracia acaba sendo ferida. Nestes termos:
Portanto, ao admitir apenas as publicações de biografias autorizadas pelos biografados ou seus herdeiros, o Estado brasileiro admite a censura privada, suprime o pluralismo, garantido pelo art. 1º, inciso V, da Constituição Federal, impõe a visão única – a do biografado – e afeta o regime democrático (DIAS, 2012, p. 210-211).
Uma vez que a liberdade de expressão é elemento essencial em um Estado Democrático de Direito, é preciso ponderar que ela não é absoluta e, portanto, possui limitações em seu desempenho, pois um exercício desmedido dessa liberdade pode trazer prejuízo ao exercício de outros direitos (MORENO; AMARAL, 2014).
Frise-se que se expressar da maneira como bem lhe convém e sem ponderação ou ressalvas, não constitui liberdade de expressão. Excesso no exercício desse direito ou imoderações geram para o indivíduo o direito de ser reparado pelo dano, pois o direito busca a justiça, e esta não se efetiva tomando-se um direito como absoluto e criando prejuízo a um outro (SOARES; FREITAS, 2015, p. 93).
Seixas e Souza (2016, p. 457) entendem que deve ser dada vantagem à liberdade de expressão em relação à privacidade, pois esta – assim como os direitos à personalidade – também possui resguardo no texto constitucional.
Para a análise do tema, não se pode fugir de uma análise constitucional, uma vez que entram em conflito direitos fundamentais do indivíduo. Desse modo, deve haver uma análise acurada a fim de evitar ofensa à direitos que são inerentes ao indivíduo.
4 UMA ANÁLISE DO CONFLITO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Quando direitos tão importantes entram em conflito, torna-se necessária a análise em torno da temática a fim de que, verificando-se os limites impostos resolva-se qual direito deve prevalecer no caso concreto.
Quanto maiores forem a hipóteses de exploração do direito à liberdade alheia, maior se torna a possibilidade de que esse direito seja atingido e, por conseguinte, ferido e é justamente a partir dessa questão que se torna possível a discussão do tema relativo às biografias que são publicadas sem autorização, uma vez que atinge a privacidade alheia (LIRA, 2014, p. 70-71).
Pela leitura dos artigos 20 e 21, do Código Civil, o que se pode compreender é que a vida privada é priorizada pelo Código em relação a outras liberdades, o que poderia ferir o exercício de liberdades garantidas constitucionalmente (TEPEDINO, 2016, p. 27).
Os direitos fundamentais, embora de profunda importância, não são absolutos, mas possuem limitações quanto ao exercício; a análise da proporcionalidade é justamente um limite a direitos fundamentais. No entanto, mencione-se que “a restrição somente é aceita quando não atingir o núcleo essencial do direito fundamental” (ESPÍNDOLA; IVANOFF, 2015, p. 171).
Quando há conflito entre direitos à liberdade de expressão e intimidade, passa-se por uma ponderação em que ao final é analisado qual direito prevalece no caso concreto, nesse sentido mencionam José Antonio Remédio e Jordana Maria Mathias dos Reis (2018, p. 128):
[...] no caso das biografias não autorizadas existe uma tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido de que o direito à liberdade de expressão deve prevalecer sobre o direito à intimidade, inclusive porque este direito está intimamente ligado ao direito à memória coletiva, que mantém o direito de os cidadãos terem acesso às informações para preservar uma memória social. Todavia, é necessário ressaltar que as informações devem ser relevantes para a sociedade, não podendo, por isso, estar relacionadas apenas ao atendimento de mera curiosidade (REMÉDIO; REIS, 2018, p. 128).
Havendo conflito, o ordenamento tem a possibilidade de determinar critérios e opções de escolha, sem conferir a um dos direito certa superioridade em relação ao outro, uma vez que são fundamentalmente previstos no texto constitucional (BARCELLOS, 2014, p. 81).
Importante mencionar o julgamento do Habeas Corpus[4] em que entrou em conflito a liberdade de expressão do indivíduo diante da difusão de material de conteúdo racista. Nessa ocasião, julgou-se pela não concessão do pedido de liberdade, uma vez que a Corte entendeu que se tratava de conteúdo com finalidade criminosa, e não apenas a fim expressar uma opinião ou um pensamento (TEPEDINO, 2016, p. 34-35).
No caso SiegfriedEllwanger, o que ficou expresso pela Suprema Corte é que “a liberdade de expressão jamais pode ser previamente tolhida e que, quando abusiva, se ocultar propósitos criminosos, estes serão desvendados, voltando-se o Judiciário, de forma rigorosíssima [...] para a repressão da conduta nociva” (TEPEDINO, 2016, p. 35).
Esse caso vem mostrar que muito embora a liberdade de expressão seja um direito fundamental priorizado quando do julgamento de muitos casos, nem sempre será priorizada, e nesse caso especificamente, o Tribunal entendeu haver finalidades que iam além da liberdade de expressão, mas que afetava outras órbitas.
Poderia haver autenticidade no caso Ellwanger se não houvesse qualquer intuito cometer crimes por meio de seus relatos e publicações, neste sentido:
O caso em análise é mesmo paradigmático: estivesse o senhor Ellwanger no exercício regular da atividade editorial, sem o propósito criminoso, suas publicações seriam legítimas ainda que ferissem, por seu conteúdo, a personalidade daqueles diretamente atingidos pelo preconceito, ou, pior, daqueles que sofreram, na própria carne, a ação hedionda do nazismo. Nos limites da liberdade de expressão, os danos que aqui fossem perpetrados não seriam considerados, tecnicamente, injustos, sendo certo que o deplorável livro de Adolf Hitler, MeinKampf, se encontra disponível nas livrarias nacionais, traduzido provavelmente em todos os idiomas dos países democráticos (TEPEDINO, 2016, p. 35-36).
Conforme menciona Melina GirardiFachin (2016, p. 103) a liberdade para se expressar, bem como os direitos relacionados à personalidade, coexistem dentro de uma relação mútua, mas que também é envolta por limites.
No julgamento da ADI 4.815, a Ministra relatora limitou o direito à intimidade e privacidade e fortaleceu a liberdade de expressão, evitando incorrer em censura. Para tanto, utilizou em seu raciocínio os critérios de ponderação apresentados por Robert Alexy (ESPÍNDOLA; IVANOFF, 2015, p. 172-173).
Roberto Dias (2012, p. 208-209) menciona que no julgamento da ADPF 130, o Supremo Tribunal Federal deixou claro que o texto da Constituição quando consagrou a liberdade na manifestação de pensamento, priorizou esse direito em relação à privacidade do indivíduo, e complementou mencionando que o Estado não é responsável por estabelecer o que deve e o que não deve ser falado na sociedade.
Devem ser sopesados os benefícios e malefícios decorrentes da limitação de cada um dos direitos, quais sejam, liberdade de expressão e privacidade (ESPÍNDOLA; IVANOFF, 2015, p. 172-173).
Já a autora Melina GirardiFachin entende que não há um sopesamento dos direitos, e sim uma escolha de qual direito deve prevalecer de acordo com o caso concreto e de acordo com as disposições previstas na Constituição (FACHIN, 2016, p.103).
Um grande impedimento quanto à publicação das biografias que não permitidas se encontra no artigo 20, do Código Civil. Nesse caso, é importante analisar se o referido artigo viola a proporcionalidade, devendo-se analisar, portanto, se há adequação dos meios utilizados para atingir determinado fim. Ainda, é preciso analisar se há necessidade da tomada da medida e por fim ponderar se é legítima a interferência na vida do indivíduo (DIAS, 2012, p. 216 -217).
A crítica mais problemática e intensa que é feita quanto ao artigo 20 é de que este dispositivo iria contra o direito à informação (de transmiti-la) – corrente apoiada por alguns que entendem ser justificável a circulação de notícias e imagens em razão do interesse da sociedade (CUNHA, 2018, p. 102).
O magistrado fazendo a análise de critérios estabelecidos pelo ordenamento jurídico terá a possibilidade de solucionar o confronto entre as normas no caso concreto. Frise-se que “a diferença fundamental entre os autores é a ênfase maior ou menor no caráter excepcional da tutela específica – isto é, a proibição de divulgação – como forma de lidar com o conflito” (BARCELLOS, 2014, p. 81).
Não há um direito que se apresenta superior ao outro, mas o que se pretende é encontrar um ponto comum e de justiça na aplicação de um ou outro direito, a fim de que se impeça a publicação de notícias íntimas e que não haja acobertamento de questões que são importantes para a sociedade (MOURA; OLIVEIRA, 2015, p. 86).
Frise-se que o conflito entre a intimidade e o direito da sociedade se ver informada ganha contornos ainda mais conflituosos quando se trata da publicação de uma biografia que revela traços muito íntimos da vida pessoal de um terceiro (CUNHA, 2018, p. 95).
Conforme mencionado, quando do conflito entre direitos de tão grande importância, são feitas análises através da aplicação de critérios, em que se decide qual direito deve prevalecer no caso concreto. Adiante, serão verificadas algumas limitações aos direitos fundamentais (liberdade de expressão e vida íntima) que ganham enfoque especial neste trabalho.
5 DOS LIMITES IMPOSTOS À LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO CASO DAS BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS
O direito a se expressar livremente é passível de limitações no contexto em que surgem inúmeros desacordos quando do exercício de outros direitos que possuem a mesma importância (previstos na Constituição). Esses limites existem a fim de tornar viável a coexistência de direitos que muitas vezes são considerados antagônicos (FERREIRA, 2018, p. 50).
Importante ainda mencionar que, há disposição legal expressa quanto às limitações impostas a essas liberdades quando o indivíduo se excede nesse exercício. Nesse sentido, são indicados “alguns instrumentos, que disciplinam formas de limitações, podendo citar a vedação ao anonimato, o direito de resposta, bem como a possibilidade de indenização [...]” e isso com a finalidade de indenizar caso ocorra algum dano ao indivíduo (MORENO; AMARAL, 2014).
Nesse sentido, mencione-se o artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal, “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (BRASIL, 1988).
Quanto ao conflito existente entre a liberdade de expressão e a intimidade, é de rigor mencionar que “existem limites prévios do que pode ser falado”, pois caso assim não fosse, haveria uma presunção de que o indivíduo poderia causar dano quando quisesse, desde que indenizasse o outro pelo dano causado (FACHIN, 2016, p.106).
Espíndola e Ivanoff (2015, p. 174) expõem o entendimento do Ministro Luiz Roberto Barroso no que toca à ADI 4.815 ao mencionar em sua fundamentação que “exigir autorização prévia para a produção de biografias ocasionaria um desestímulo à produção de obras biográficas, um incentivo à proliferação de biografias tendenciosas e um comprometimento da história e da memória nacionais”.
Caso o indivíduo se sinta prejudicado pela publicação de determinado conteúdo, é assegurado a ele o direito recorrer ao Poder Judiciário a fim de que se utilize dos mecanismos necessários e capazes de reparar os prejuízos que lhe foram ocasionados (SOARES; FREITAS, 2015, p. 93).
A regra referente ao artigo 20 é de que a publicação de determinado conteúdo, disseminação ou exibição de assuntos sobre determinada pessoa são passíveis de proibição (caso o sujeito exija) nas situações em que: houver ofensa à sua honra, reputação e dignidade, ou quando da difusão dessas informações existir finalidade comercial (CHINELLATO, 2015, p. 213).
Gustavo Tepedino menciona uma interpretação que pode ser atribuída ao artigo 20, do Código Civil. Nestes termos:
A dicção literal desse dispositivo, associada ao disposto no art. 21 do Código Civil, que autoriza ao juiz a cessar ameaças à privacidade, atribuiria ao magistrado o poder de proibir, mediante valoração subjetiva, a divulgação de qualquer informação que potencialmente pudesse prejudicar a privacidade, aniquilando o trabalho jornalístico e a publicação de biografias, condicionadas ao prévio assentimento do biografado ou de seus familiares, na hipótese de pessoa falecida (TEPEDINO, 2013, p. 302).
Situações em que o publicador tem por objetivo a transmissão de informações negativas e inexatas, com o dolo de gerar dano, são as que possuem devido amparo pelos artigos 20 e 21, do Código Civil, o que estabelece certa relação com o texto da Constituição (TEPEDINO, 2016, p.37) e, por conseguinte, acabam constituindo limitação à liberdade de expressão.
Em determinados casos o Poder Judiciário tem a possibilidade de fazer controle jurisdicional no que tange à liberdade de expressão e, essas ocorrências podem ser permitidas, quando há abuso no exercício da referida liberdade (situação em que se publica propositalmente algum dado conhecidamente falso e que atente contra a honra daquele que está sujeito à biografia). Nesses casos, pode haver indenização, bem como decisão contra a publicação da obra, circunstância essa em que há intervenção sem necessariamente haver censura (DIAS, 2012, p. 220).
Em razão da liberdade de expressão não se tratar de um direito absoluto, é importante ressaltar o que mencionam Moreno e Amaral (2014) ao aduzirem que “a liberdade deve ser exercitada com responsabilidade, se estabelecendo a partir de princípios e regras estabelecidas no ordenamento jurídico” – caso contrário, pode-se incorrer em dano à personalidade do indivíduo, sendo, portanto, aplicável o que dispõe o Código Civil quanto à proteção desse bem.
A Constituição apresenta restrições ao direito de se expressar livremente quando proíbe o anonimato e determina que o indivíduo tem direito de ser indenizado quando é lesado, assim como protege “o direito de resposta, o direito à honra e o direito à privacidade”, uma vez que o exercício dessa liberdade por uns indivíduos pode ocasionar prejuízos a outros (FERREIRA, 2018, p. 49-50).
Frise-se que o indivíduo ao usar de sua liberdade de expressão deve se ater a limites que são impostos quando do exercício desse direito, devendo sempre respeitar princípios “morais, éticos e sociais, para que não cause danos a outrem” (FERREIRA, 2018, p. 49).
Quando existe um conflito entre dois direitos tão importantes torna-se necessária a análise de alguns critérios, que se baseiam “na análise de alguns pontos relevantes da notícia veiculada, a saber, a relevância da informação, o interesse público e a legitimidade da matéria” (LIRA, 2014, p. 82) – tornando-se essas questões, preceitos que orientam quando do conflito entre esses direitos.
Assim ficou firmado no entendimento exposto pelo Supremo Tribunal, ao mencionar que se deve considerar se os fatos expostos nas biografias publicadas sem autorização possuem alguma importância e/ou interesse para a sociedade (SOARES; FREITAS, 2015, p. 93).
Na compreensão de Lira (2014, p. 85) mesmo havendo contato do público com essas informações, passa a ser necessária a conservação dos fatos que não possuem relevância pública. Com isso, a grande problemática passa a residir na distinção entre o que é de relevância pública e o que passa por mera curiosidade do povo.
Para Chinellato (2015, p. 215) uma informação verdadeiramente revestida de interesse público, é aquela que trata a respeito de saúde, seguridade, cautela para evitar notícias que afetem ou enganem a convicção do povo, bem como a finalidade dada ao dinheiro público.
Dessa forma, a fim de que essas biografias que são publicadas sem autorização fossem tidas como fruto da liberdade da expressão seria necessário o cumprimento de exigências como “relevância, interesse e legitimidade”, que, no entanto, não é de costume acontecer (LIRA, 2014, p. 83).
A autora dá continuidade ao raciocínio dizendo que não existe interesse da coletividade em um assunto que diz respeito a questões tão íntimas do indivíduo e ainda menciona não haver legitimidade em um arquivo que contém memórias de um terceiro que nem mesmo concordou com a circulação do material (LIRA, 2014, p. 83).
Em contrapartida, a restrição de publicação apenas diante da autorização anterior constitui censura (o que é evidentemente proibido pelo texto constitucional), mas não se pode deixar de mencionar que, por outro lado, o uso descomedido e abusivo da liberdade de expressão não é aceitável (SOARES; FREITAS, 2015, p. 93).
Frise-se ainda, que o exercício da liberdade de expressão encontra limites em expor o que é verdadeiro em relação à história que se conta, e desta forma, não pode haver a circulação de informações que não tenham relação com o que é verídico (SEIXAS; SOUZA, 2016, p. 455).
É importante dizer que condicionar a publicação das biografias à anuência do biografado, certamente prejudica a produção do trabalho literário e reduz significativamente o direito à informação – tanto no sentido da transmissão da informação quanto no da recepção desta (SOARES; FREITAS, 2015, p. 93) – logo, publicar um texto apenas com a anuência, acaba constituindo mais um limite à liberdade de expressão.
É valido mencionar que o direito à informação não permite um exercício que vai de encontro com a lei ou com a moral, e, caso esse direito seja exercido excedendo limites, quem é lesado pode se utilizar de instrumentos judiciais para refrear e limitar o exercício dessa liberdade (MOURA; OLIVEIRA, 2015, p. 86).
No caso de ponderação entre os direitos fundamentais, entende-se pela prevalência da informação e circulação de biografias sem autorização, porém deve haver análise anterior caso a publicação resulte em ultraje a grupos minoritários, e este teor segue a “Convenção Interamericana de Direitos Humanos”, justamente porque a estas minorias é dado um tratamento diferenciado de cautela preventiva (MOURA; OLIVEIRA, 2015, p. 92).
Portanto, de acordo com o que fora abordado, verifica-se que os tribunais, especialmente a Suprema Corte, tem afastado a obrigatoriedade de anuência para a publicação de biografias a respeito da vida de determinadas pessoas.
Assim, embora não seja exigível a autorização do biografado para que se ponha em circulação determinada obra, não fica, entretanto, prejudicada para ele a possibilidade de recorrer ao judiciário a fim de ser indenizado; de igual modo, o biografado pode exercer o conhecido direito à resposta, bem como é possível a tomada de outras providências mais extremas (FACHIN, 2016, p. 108).
A ausência de autorização não afasta possível direito à indenização quando o biógrafo se exceder, tendo então, o dever de reparar o dano causado, quando os fatos expostos, ainda que “verdadeiros ou verossímeis, não tenham pertinência com os aspectos da vida do biografado que fundamentam sua notoriedade ou relevância” (CHINELLATO, 2015, p. 227).
Importante mencionar que, esse direito à intimidade – protegido formalmente pela Constituição – garante o direito à indenização, ainda que se trate de uma ofensa apenas na esfera moral (LIRA, 2014, p. 74).
A aplicação de limites pode se caracterizar como uma proteção especial à privacidade, e por meio dessa proteção são evitados desrespeitos a esse direito, através da aplicação de restrições quando determinado ato ofende a honra e a vida privada, bem como garante proteção repressiva - a exemplo de indenização - que serve para aplacar possíveis ofensas ocasionadas ao direito fundamental alheio (MOURA; OLIVEIRA, 2015, p. 88).
Não é possível afirmar que o indivíduo que é figura pública – tão somente por conta disso – deixa de lado a sua intimidade e, portanto, não faz jus à proteção desse direito. Frise-se que, se trata de direito fundamental e assim, possui como característica a indisponibilidade (LIRA, 2014, p. 80).
Para Cunha (2018, p. 106) reduzir direitos de personalidade de um indivíduo em razão de ser uma figura muito exposta, se equipara a compreensão de que se tratam de pessoas que são poucos dignas da proteção do Estado. A isonomia é um princípio garantidor de igualdade a todos, ainda para aqueles que possuem um espaço na sociedade diferenciado (CUNHA, 2018, p. 106).
Na compreensão de Silmara Juny de AbreuChinellato (2015, p. 229-230), quando a circulação de uma obra versar a respeito da vida pessoal de uma figura pública e houver interesse público sobre isso, não haverá necessidade de autorização anterior para a publicação do material, no entanto, quem veicula o material pode ser responsabilizado na esfera civil, caso dessa obra decorra algum dano.
Ora, caso ocorra qualquer situação vexatória decorrente da publicação do texto, desabonando ou denegrindo a imagem do biografado, é mister a aplicação de uma indenização a fim de reparar os danos que foram ocasionados, bem como que seja extirpada da biografia a parte que gerou prejuízo à imagem do indivíduo, sendo inadmissível a circulação da obra por completo (SEIXAS; SOUZA, 2016, p. 455).
Muito embora o Estado seja contra a censura, deve ir muito além disso, isto é, atuando de modo a garantir que não ocorra um monopólio de ideias únicas e parciais impostas pelos meios de comunicação, bem como evitando a difusão de apenas um ponto de vista que agrade somente parcela da população. Frise-se, o Estado, sobretudo, deve atuar a fim de evitar que “os meios de comunicação social [...] sejam objeto de monopólio ou oligopólio” (DIAS, 2012, p. 210).
Quanto aos limites impostos à liberdade de expressão são feitas importantes considerações pelos autores Mendes e Branco (2012, p. 307-308) apud Seixas e Souza (2016, p.445) onde: “a liberdade de expressão [...] poderá sofrer recuo quando o seu conteúdo puser em risco uma educação democrática, livre de ódios preconceituosos e fundada no superior valor intrínseco de todo ser humano [...]”.
Moreno e Amaral (2014) mencionam que, na Constituição há previsão no sentido de que quem vier a sofrer danos causados por aqueles que põem em circulação alguma biografia sem autorização, podem ser indenizados quando se tratarem de situações que atentem contra a honra pessoal. Para os autores, esses meios são capazes de afrontar abusos de direito, sem necessariamente haver uma censura.
CONCLUSÃO
Biografias não autorizadas versam sobre a vida de alguém que ganhou importância social no decorrer do tempo e que, portanto, passa a existir certa relevância em haver uma história escrita a seu respeito.
O respeito à intimidade e à privada envolvem justamente a temática da publicação de biografias não autorizadas, uma vez que a circulação de informações que tocam a esse assunto afeta justamente a privacidade de cada indivíduo, podendo gerar, a depender do caso, direito à indenização.
A questão é que muitas vezes entra em conflito a garantia de intimidade e privacidade com a liberdade de expressão de um outro indivíduo que faz circular informações relativas à vida daquele. É nesse contexto que entra em discussão qual direito deve prevalecer e até qual limite pode ser exercido o direito à liberdade de expressão daquele que veicula informações.
A liberdade de expressão deve ser usada de modo racional e equilibrado, pois não se pode dizer o que se quer desde que, posteriormente, se indenize o indivíduo caso necessário, mas, sobretudo, deve essa liberdade ser revestida de ética e moral, de modo a evitar que sejam ocasionados possíveis prejuízos a outrem.
A colocada em circulação de determinado conteúdo a respeito da vida de outra pessoa não pode deixar de respeitar à figura do indivíduo – ainda que se trate de uma pessoa pública – devendo, desse modo, evitar a geração de um dano.
Caso a informação ou a biografia resulte em dano ao biografado, pode ele recorrer ao Poder Judiciário a fim de se ver reparado, bem como pode requerer a aplicação dos meios necessários postos à sua disposição pela Constituição a exemplo, da indenização e do direito de resposta.
Sempre ocorrerá conflitos na seara de direitos fundamentais, mas o que não se pode é de imediato dar prevalência a um direito, deixando-se o outro à mercê. Deve-se sempre que necessário recorrer a métodos de ponderação a fim de analisar quais direitos devem prevalecer em casos concretos.
De acordo com o que fora abordado, ficou visível que o direito à liberdade vem sendo escolhido pelos tribunais como primordial e prevalecendo em boa parte dos casos concretos de modo a evitar a censura do Poder Judiciário. No entanto, ainda que sopesado e aplicado, deve-se mencionar que não se trata de um direito absoluto, mas que possui critérios limitadores, que em caso de violados, geram direito à indenização.
Não é por vir sendo escolhida em casos concretos que a liberdade de expressão ganha maior importância, mas em razão de uma análise de prevalência e das contribuições sociais que podem decorrer da escolha de determinado direito.
Com isso, frise-se, a liberdade de expressão, assim como a intimidade que é resguardada ao se proibir a publicação de biografias sem autorização, são direitos fundamentais de intensa importância na esfera de proteção do indivíduo, sendo por consequência, direitos relativos e de caráter indisponível.
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Bacharelanda no curso de Direito no Centro Universitário Adventista de São Paulo - CAMPUS UNASP- EC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FUNAYAMA, ELLEN DAYANI AZEVEDO. Os limites à liberdade de expressão em caso de publicação de biografias não autorizadas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53751/os-limites-liberdade-de-expresso-em-caso-de-publicao-de-biografias-no-autorizadas. Acesso em: 22 nov 2024.
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