MARIA DO SOCORRO RODRIGUES COELHO [1]
(Orientadora)
RESUMO: A pesquisa tem por intento analisar os estudos feitos sobre novas entidades familiares, especificamente sobre a união poliafetiva. Partindo desse objetivo, adota-se como metodologia de pesquisa a descritiva, bibliográfica e qualitativa. Por meio do estudo de doutrinas e jurisprudências, foi possível verificar a existência de afinidades poliafetivas consentidas, quando existe a simultaneidade de três ou mais companheiros partilhando do mesmo afeto e união, necessitando de respaldo jurídico e, acima de tudo, reconhecimento como família. Na presente pesquisa, buscou-se também compreender essas novas entidades analisando o Código Civil junto à Constituição Federal, tratando o Direito como um acontecimento social, cujo intento é acompanhar as evoluções da sociedade e garantir a preservação da Dignidade da Pessoa Humana. Desse modo, por meio de todo o estudo realizado, chegou-se à conclusão de que há uma necessidade legislativa de regulamentação dessas novas constituições de família, vez que a ausência da lei sobre essas novas formas de constituição familiar provoca insegurança, cerceia o direito à felicidade, fere o princípio da autonomia da vontade, ou seja, provoca a discriminação ou exclusão social, o que é atentatório ao Estado Democrático de Direitos.
Palavras-chave: entidades familiares, dignidade da pessoa humana, constituição.
ABSTRACT: The research aims to analyze the studies made about new family entities, specifically about the polyfective union. Based on this objective, the research methodology is descriptive, bibliographic and qualitative. Through the study of doctrines and jurisprudences, it was possible to verify the existence of consented polyaffective affinities, when there is the simultaneity of three or more partners sharing the same affection and union, requiring legal support and, above all, recognition as a family. . In the present research, we also sought to understand these new entities by analyzing the Civil Code with the Federal Constitution, treating Law as a social event, whose purpose is to follow the evolution of society and ensure the preservation of the dignity of the Human Person. Thus, throughout the study, it was concluded that there is a legislative need to regulate these new family constitutions, since the absence of the law on this new family constitution causes insecurity, limits the right to happiness, hurts the principle of the autonomy of the will, that is, causes discrimination or social exclusion, which is harmful to the Democratic State of Rights.
Keywords: family entities, dignity of the human person, constitution.
Sumário: 1 Introdução. 2 Conceito, Terminologia e a Evolução Histórica da Família. 3 Pluralidade Familiar. 4 Princípios Constitucionais. 4.1. Princípio da Dignidade da pessoa humana. 4.2 Princípio da Igualdade 5. Família Homoafetiva. 6 Jurisprudências envolvendo a família Poliafetiva. 7 Considerações Finais. 8 Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo visa analisar as uniões poliafetivas no ordenamento jurídico Brasileiro. O conceito de família é um conceito que há anos existe no mundo, entretanto a Constituição Federal Brasileira e o âmbito civil não trazem consigo a relação poliafetiva como família.
O tema escolhido tem ampla importância, averiguando e refletindo sobre as consequências sociais oriundas das relações poliafetivas, que constituem nova composição de unidade familiar. É importante ressaltar que na atualidade e em tempos modernos ainda há quem se oponha em relação a isto, as teses jurídicas referentes ao tema tentam de alguma maneira solucionar os conflitos existentes entre a realidade e a lei.
Ademais esta relação é a prática e o desejo de obter mais de um relacionamento íntimo simultaneamente com duas ou mais pessoas, exigindo o conhecimento e consentimento de todos que estão na relação.
A sociedade e as relações mudam com o passar dias, os relacionamentos de mais de duas pessoas surgem como uma figura ainda mais controversa nos tempos atuais e cada vez mais há uma cobrança por parte de quem não tem amparo jurídico.
As mudanças familiares são constantes, por isso é necessário que se tenha maior estudo e conhecimento, levando-se em conta que seus membros devem ser tratados de maneira respeitosa como todas as espécies existentes de família, mesmo que não tenham perfil tradicional diante dos olhos da sociedade.
O papel do direito é evoluir conforme a sociedade evolui e, para isso, é importante discutir desde já as deficiências que vêm surgindo com cada vez mais frequência na vida cotidiana das pessoas. É indispensável que esta discussão se dê enquanto o tema é relativamente emergente, pois muitos já conhecem que este é um direito ultrapassado em relação à sociedade.
2. CONCEITO, TERMINOLOGIA E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA
A família é considerada como a unidade social mais antiga do ser humano, na qual, historicamente, antes do homem se organizar em comunidades, era constituído em grupo de pessoas associadas a partir de seus antecessores comuns ou através de algum matrimônio. Para Miranda (2011) os membros da família assumiam obrigações entre si, com liderança de seu antecessor comum, o seu patriarca, normalmente do gênero masculino, constituindo assim um símbolo da entidade social, eram unidos em uma mesma comunidade todos seus descendentes, os quais compartilhavam de uma identidade cultural e patrimonial.
Miranda (2011) entende também que as primeiras famílias eram unidas por laços sanguíneos de parentesco, recebendo assim o nome de clãs. Após o crescimento territorial e populacional dos clãs, estes chegaram a ter milhões de membros, tais entidades familiares passaram a se unir, formando as primeiras tribos como grupos sociais compostos de corporações resultantes de grupos de descendentes.
A terminologia “família” vem da expressão latina “fâmulos”, cujo significado é escravo doméstico, ou seja, os escravos que trabalhavam de forma legal na agricultura familiar das tribos situadas na Itália. Família em sentido genérico e biológico é o conjunto de pessoas que antecedem do tronco ancestral comum, a família se restringindo ao grupo formado pelos pais e filhos, considerado a célula social.
O conceito mais amplo de família revela-se na formação por todas aquelas pessoas que tem vínculo sanguíneo, ou seja, todas aquelas pessoas sobrevindas de um tronco ancestral comum, incluindo, dentro do conceito familiar, todos os parentes consanguíneos. Em sentido estrito, é constituída a família o conjunto de pessoas pelos pais e sua prole. Maria Helena Diniz (2012) fala da família no sentido amplo como todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos. No sentido restrito é o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole.
Ademais, para a sociedade a família é uma possibilidade para que os integrantes desenvolvam a sua personalidade, com a finalidade de que cada um, através de elos como a afetividade, possa atingir a felicidade do ser humano. O direito visando e regulando cada um não deixa pesar como prioridade conceitos religiosos ou morais de tempos superados.
Na concepção de Paulo Nader (2006), a família consiste em uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente descendem uma da outra ou de um tronco comum.
Por outro lado, Carlos Roberto Gonçalves (2018, p. 29) aduz que:
A família constitui o alicerce mais sólido em que se assenta toda a organização social, estando a merecer, por isso, a proteção especial do Estado, como proclama o art. 226 da Constituição Federal, que a ela se refere como “base da sociedade”.
A partir dos conceitos acima citados, é possível perceber que família é uma unidade básica da sociedade, formada por vários indivíduos com antecedentes comuns e ligados por meio de laços afetivos. Desta forma, as alterações nas tradições, costumes e também na cultura trouxeram significativas mudanças não só no âmbito familiar, como também na sua percepção legal.
3. PLURALIDADE FAMILIAR
A nova definição de família, fundamentada no afeto, sugere uma diversidade de formações possíveis, não havendo que se falar, necessariamente, em uma estrutura ou origem singular. A multiplicidade de formas não é um assunto novo, ao contrário, evidencia-se durante a evolução da sociedade. Exemplo disso são as famílias formadas fora do casamento, que já se mostravam uma realidade, fruto dos divórcios em grande escala, quando foram legitimadas pela Constituição da República de 1988. Ao lado do casamento, a união estável e a família monoparental, passaram a ser protegidas de forma exemplificativa. Positivando uma realidade já existente, a Carta Magna abandonou, definitivamente, a estrutura singular do matrimônio, para abarcar uma diversidade de formações possíveis, desde que fundamentada no afeto.
O texto constitucional concedeu caráter inclusivo e a organização familiar passa a ser instrumental, afetiva, constituindo-se meio de desenvolvimento da dignidade dos indivíduos, uma entidade pluralizada, igualitária, democrática, hétero ou homoparental, voltada para a busca da felicidade. Seguindo essa linha de raciocínio, não pode haver escolha de promoção da dignidade, na realidade, o que o comando constitucional determina é a proteção da dignidade inserida na família que melhor atenda ao indivíduo. A concepção eudemonista da família, pela qual os arranjos familiares passam a levar em conta a realização dos interesses afetivos e existenciais de seus integrantes, assegura ao indivíduo relações de igualdade e de respeito mútuo, fundamentos que protegem a família poliafetiva.
O Estado deve proteger a família em todas as suas modalidades. A pluralidade familiar ampliou os parâmetros que norteiam o conceito de formação de família, motivo pelo qual não é possível negar tutela às diversas formas de constituição de família, principalmente, uma realidade sociológica representada pela família poliafetiva.
4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
4.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
De acordo com o art. 1º, III da Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana é um conjunto de direitos e valores que são amparados e protegidos pelo Estado. Desta forma, é patente que para viver com dignidade é preciso que a república federativa do Brasil por meio de seus governantes mantenha seus direitos fundamentais assegurados, a saber:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Como se pode observar, o estado é garantidor da dignidade dos cidadãos, é notório que a sociedade encontra-se em um processo, pois cada dia que passa as pessoas constituem valores morais diferentes, por este motivo o direito manifesta-se frequentemente por atualizações, para assim estar apto a fornecer os meios necessários para proteção da sociedade de seus próprios membros.
É imperioso destacar que a poliafetividade vem se destacando cada vez mais em forma de jurisprudências, pois se verifica uma importante mudança sobre o âmbito e conceito de família, existindo, portanto, novos relacionamentos que merecem o reconhecimento estatal, visto que no Brasil tem como fundamento democrático a dignidade humana.
Desta forma, pode-se enfatizar que a poliafetividade possui uma interação saudável, pois há consentimento e conhecimento por todos aqueles que estão ligados em relação aos seus gostos afetivos.
A psicanalista Regina Navarro Lins (2016) defendia que o poliamor é uma “opção ou modo de vida que defende a prática sustentável de se estar envolvido de modo responsável em relações íntimas, profundas e eventualmente duradouras com vários parceiros e simultaneamente”. Sendo assim é importante explicar que para a psicanalista essa mais nova entidade é um fruto positivo, pois uma pessoa pode amar mais de uma pessoa, constituindo, portanto, uma família segundo seus paradigmas.
Destarte a dignidade humana é essencial para proteger este sentimento novo e complexo que permeia a sociedade.
4.2 Princípio da Igualdade
A igualdade é extremamente ligada a dignidade da pessoa humana, posto que são previstas no mesmo artigo da Constituição Federal, artigo este, inerente aos direitos fundamentais do ser humano, aduzindo que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Desta forma de acordo com os pressupostos acima mencionados, a lei estabelece que todos são iguais, independente de condição social, orientação sexual, raça, cor, todos possuem os mesmos direitos e obrigações, devendo ser tratados de maneira igual.
É importante destacar que no Brasil a família poliafetiva não se insere no conceito de família, segundo a república federativa do Brasil, essas famílias não são vistas como entidade familiar. É notório essa concepção que fere o princípio da igualdade, pois se todos são iguais perante a lei e declaram a sua vontade, devem possuir os mesmos direitos e obrigações como aduzido acima.
Foi analisado na pesquisa que a igualdade não pode ser discriminada, pelo fato do indivíduo ter escolhido tal forma familiar, é fundamental que as normas sejam executadas para regulamentar a vida das pessoas.
5. FAMÍLIA HOMOAFETIVA
A Família Homoafetiva é resultado da união de duas pessoas do mesmo sexo. É vista historicamente de maneira preconceituosa pela sociedade, pois no passado a igreja limitava conceito de família como uma união estável entre homem e mulher. Desta forma as relações homossexuais, como classificadas, se tornaram centro de repulsa da sociedade, resultando mais preconceitos.
Com o passar dos anos, as pessoas que possuem esta relação começaram a cobrar recursos do estado para que pudessem ser amparadas na forma legal de nossa legislação, mesmo enfrentando dificuldades de se relacionar e demonstrar seu afeto.
Por isto o STF, a partir desta deficiência e este conceito de família não amparado pelo Código Civil Brasileiro, por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade nº 4.277/DF ampliou e reparou este conceito. O Supremo Tribunal Federal evoluiu e enfim reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, passando a tutelar direito desta nova família.
Além disso, é necessário que as famílias possuam direitos iguais, independentemente de suas escolhas sexuais, pois na sociedade em que se vive não mais se considera o caráter sanguíneo e sim afetivo.
Logo, após esta então positiva decisão é de se esperar que a união poliafetiva também seja amparada juridicamente, já que uma forma de família também já foi aceita nos mesmos parâmetros.
6. JURISPRUDÊNCIAS NO TOCANTE À FAMÍLIA POLIAFETIVA
De acordo com as doutrinas estudadas para a então realização da presente pesquisa, foram analisadas também jurisprudências acerca da Família poliafetiva, ficou evidente que se deve entender que a manifestação de vontade das partes naquela união, pode ser vista pela palavra falada ou escrita, até mesmo por sinais, conforme resulta o comportamento do agente, para que seja expresso tal ato, deve-se ter a necessidade de conhecimento pela outra parte.
Nos ensinamentos de Pablo Stolze (2013) é correto afirmar que o consentimento é livre, expressamente manifestado, é condição essencial à existência do matrimônio, não havendo espaço para se considerar o silêncio como aquiescência.
É fundamental a manifestação da vontade das partes para que haja um negócio jurídico, no caso da união poliafetiva não é diferente, pois há a vontade de três partes. Fato jurídico é toda conduta, seja de forma natural ou de forma humana, que exista uma norma para regulamentar alguma área do direito. O negócio jurídico é conceituado por Miguel Reale (2015) como uma espécie de ato jurídico que, além de se originar de um ato de vontade, implica a declaração expressa da vontade, instauradora de uma relação entre dois ou mais sujeitos, tendo em vista um objetivo protegido pelo ordenamento jurídico.
Em análise a algumas decisões se percebeu no decorrer da pesquisa que ocorre o impedimento na configuração de provar a relação de união estável aquele que já tinha um relacionamento, então a instituição da nova forma de família desde que todos estivessem de acordo seria o ideal, conforme se ver:
Ementa: apelação cível. união estável. ausência de prova dos requisitos indispensáveis á caracterização da união estável. companheiro casado. impedimento para configuração da união estável. O reconhecimento da união estável depende de prova plena e convincente de que o relacionamento se assemelha, em tudo e perante todos, ao casamento. A existência de relação amorosa entre as partes, sem os requisitos exigidos pela lei, não se caracteriza como união estável. Ausência de prova da coabitação, continuidade, publicidade e objetivo de constituir família, ônus que incumbia à autora. Impossibilidade de reconhecimento de união estável concomitante ao casamento, quando não evidenciada a separação de fato de um dos concubinos. APELAÇÃO PROVIDA. (SEGREDO DE JUSTIÇA). (TJRS, Apelação Cível Nº 70027944925, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz PlanellaVillarinho, Julgado em 16/09/2009).
Percebe-se de acordo com a jurisprudência que existe relação entre as partes, mas há fato impeditivo para que ocorra a união estável destes, logo, mesmo diante da vontade das partes em manter o relacionamento, estas estão impedidas pela lei. Assim, para caracterizar uma entidade familiar, segundo (LOBO, 2009, p.58), faz-se necessário a existência de uma unidade familiar que se apresente assim publicamente, bastando preencher três características, são elas: afetividade, estabilidade, convivência pública e ostensiva.
Destaca-se, então a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a presença do caráter afetivo como sendo a base das relações familiares para caracterizar uma entidade familiar conforme se mostra a seguir.
TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). […]. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas[…]Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. […]. (ADI 4277, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341 RTJ VOL-00219- PP-00212).
Por meio da jurisprudência aqui apresentada, percebe-se que houve alteração do próprio conceito de família não sendo esta constituída necessariamente por um casal heteroafetivo ou até mesmo formal, com bases advindas da igreja como foi imposto nos primeiros conceitos aqui apresentados sobre construção de família.
Para Morais (2006) o alicerce para se abater a condição da monogamia e aceitar a possibilidade de existir uma aderência assente ainda que por diferente comparte houvesse a barreira de ser matrimoniada eram os princípios da dignidade da pessoa humana, bem como do mínimo existencial, corolário do principal, bem como o da vedação ao desenvolvimento ilícito, com o desígnio de não abandonar o comparte para conjugal que, de sinceridade e boa-fé, conjeturava estar convivendo sob aderência assente (MORAES 2006 p.237).
Assim sendo, há inúmeras jurisprudências que reconhecem a existência da união de três pessoas consentidas, dando direito às três, como se pode perceber através do julgado do REsp 742.685 do Supremo Tribunal de Justiça (2009):
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. PARTILHA DA PENSÃO ENTRE A VIÚVA E A CONCUBINA. COEXISTÊNCIA DE VÍNCULO CONJUGAL E A NÃO SEPARAÇÃO DE FATO DA ESPOSA. CONCUBINATO IMPURO DE LONGA DURAÇÃO. "Circunstâncias especiais reconhecidas em juízo". Possibilidade de geração de direitos e obrigações, máxime, no plano da assistência social. Acórdão recorrido não deliberou à luz dos preceitos legais invocados. Recurso especial não conhecido. (BRASIL. Superior Tribunal de justiça. Quinta Turma. REsp 742.685, Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca. Publicado no DJ de 05 set. 2009).
Para Dias (2009) a diferença centra-se exclusivamente no fato de a mulher ter ou não ciência de que o parceiro se mantém no estado de casado ou tem outra relação concomitante. Assim, (...) somente quando a mulher é inocente, isto é, afirma não ser sabedora de que seu par tem outra, há o reconhecimento de que ela está de boa-fé e se admite o reconhecimento da união estável, com o nome de união estável putativa.
O Superior Tribunal de Justiça seguiu o mesmo raciocínio, em que no REsp 1016574/SC:
PROCESSO CIVIL. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. NÃO CABIMENTO. TEMA NOVO EM AGRAVO REGIMENTAL. PRECLUSÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA EM RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. ARTIGO 557 DO CPC. 1. A ofensa a princípios ou dispositivos constitucionais haveria de ser suscitada em sede de recurso extraordinário, nos termos do art. 102, III, da Constituição Federal. 2. Inviável, em sede de regimental, a apresentação de argumento que, sequer, foi ventilado nas contrarrazões ao recurso especial. 3. Pacífica a possibilidade de o relator decidir monocraticamente o mérito do recurso, amparado em súmula ou jurisprudência dominante deste Tribunal Superior ou do Supremo Tribunal Federal. PREVIDENCIÁRIO. CONCUBINATO ADULTERINO. RELAÇÃO CONCORRENTE COM O CASAMENTO. EMBARAÇO À CONSTITUIÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL APLICAÇÃO. IMPEDIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte prestigia o entendimento de que a existência de impedimento para o matrimônio, por parte de um dos componentes do casal, embaraça a constituição da união estável. 2. Agravo regimental improvido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. AgRg no REsp 1016574/SC, Relator: Ministro Jorge Mussi. Publicado no DJe de 30 mar. 2009)”.
Dessa forma, é possível observar pelas jurisprudências que a concubina tem o mesmo direito enquanto herança ou até mesmo quanto ao direito em pensão, a necessidade de acolhimento dessas novas formas de família se faz ainda mais presentes.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após as análises feitas em livros, artigos científicos e jurisprudências acerca do tema, discutiu-se a possibilidade da poliafetividade como nova constituição familiar, assim também a interpretação ampliativa do direito, além da intervenção estatal no direito das famílias, com a valorização do direito para a busca da felicidade.
Partindo dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, isonomia e da liberdade, o principal objetivo foi demonstrar a necessidade do reconhecimento à união poliafetiva como entidade familiar, sobrepondo que, apesar de se constituir de maneira diferente, as famílias permanecem com seus valores familiares, forma precisa de respaldo jurídico para sua formalização e constituição. Conforme preceitua a Constituição Federal de 1988 em seu artigo: Art.226 § 3º que: “É reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Quando se fala em família, pensa-se um único homem e uma única mulher, o entendimento, como visto aqui, é mudado segundo a evolução social, já que no texto da lei não especifica a quantidade de parceiros, dando abertura para outros entendimentos e avaliações a respeito do tema, não sendo a sociedade moldadora para atender as necessidades legais, e sim, devendo as leis se modificarem para atender as necessidades sociais.
As famílias poliafetivas são solidificadas pelo afeto em face do poliamor, que nada mais é do que compartilhar sentimentos entre ambos conviventes, com o objetivo de prezar pela felicidade sem deixar de zelar pela fidelidade entre si, com o objetivo de receber e distribuir amor.
Foi analisado que é ponto relevante na doutrina falar-se que a Constituição Federal de 1988 é paradigma no Direito das Famílias. O conceito hierárquico-patriarcal de família, legalmente regido pelo Código Civil de 1916, em prol do conceito de família, deixou de visar casamento civil como um fim em si mesmo para entender como um meio vocacionado ao fim de se garantir a felicidade e a autorrealização individual dos integrantes da família.
Sendo assim, conclui-se que o Estado deve estabelecer um modelo familiar para reconhecer a pluralidade de entidades familiares. A união estável constitucionalizou-se no artigo (art. 226, §3º) como forma de superação do entendimento legal anterior e assim acabar com a compreensão jurídica de que a família só poderia ser formada pelo casamento civil e que outros agrupamentos conjugais (não-matrimonializados), mesmo que heteroafetivos, monogâmicos e destituídos de impedimentos matrimoniais.
Dessa maneira, é necessário que o Estado acompanhe a evolução jurídico-social, superando o conceito que é trazido pelo Código Civil de 1916, o qual afirmava que o homem era o chefe da sociedade conjugal e que a ele cabia a representação legal e a administração do patrimônio da família (art. 258). Importando a diminuição da capacidade civil da mulher com o casamento civil, o que importa claramente uma forma de se tentar dar alguma coerência legal à submissão da mulher ao homem na sociedade conjugal heteroafetiva, além de não abranger as novas constituições familiares. Sendo assim, buscou-se com esta pesquisa analisar e questionar a ausência de legislação para abranger essas novas entidades familiares.
REFERÊNCIAS
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[1] Orientadora professora do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA Teresina-PI. Doutoranda em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB. E-mail: [email protected].
Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostino – UNIFSA – Teresina-PI.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Aline Layane Sá da Silva. União poliafetiva e o seu reconhecimento como entidade familiar dentro do ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2019, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53759/unio-poliafetiva-e-o-seu-reconhecimento-como-entidade-familiar-dentro-do-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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