RESUMO: Neste trabalho busca-se apurar se a majoração dos valores arbitrados a título de danos morais em demandas que tenham como cerne discussão acerca de relações de consumo reduziria a quantidade de propositura de ações nesse sentido. Partindo-se dessa premissa, foi feita uma análise da proteção ao consumidor como um direito fundamental, bem como se seria o caso de aplicação do princípio da vedação da proteção deficiente. Verifica-se, desse modo, que acrescendo novo parâmetro no estudo da fixação do quantum indenizatório, qual seja, o caráter educativo e exemplar para a sociedade, poder-se-ia chegar a um patamar adequado e assim evitar a repetição de ações com essa temática.
PALAVRAS-CHAVE: proteção ao consumidor, princípio da vedação da proteção deficiente, danos morais.
ABSTRACT: This paper aims to investigate whether the increase in the values arbitrated as moral damages in demands that have as its core discussion about consumer relations would reduce the amount of actions brought in this regard. Based on this premise, an analysis of consumer protection was made as a fundamental right, as well as whether it would be the case of applying the principle of prohibiting poor protection. Thus, it is verified that adding a new parameter in the study of the compensation quantum fixation, that is, the educational and exemplary character for the society, could reach an adequate level and thus avoid the repetition of actions with this. Thematic
KEYWORDS: consumer protection, poor protection sealing principle, moral damage.
1. INTRODUÇÃO
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a proteção ao consumidor foi consagrada como direito fundamental e como princípio da ordem econômica, devendo o Estado promover sua defesa. Dentre as várias determinações estabelecidas no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estava expressa a previsão de elaboração do Código de Defesa do Consumidor no prazo de cento e vinte dias contados da promulgação da Carta Magna.
Publicado após o referido termo, em 11 de setembro de 1990[1], o CDC, assegurando o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, foi instituído com a finalidade de garantir o equilíbrio na relação de consumo. Convém destacar que antes de 1990 não havia no Brasil um instituto capaz de promover a proteção do consumidor, de maneira tão completa, nos mais diversos tipo de relação de consumo.
Contudo, apesar de o CDC ser considerado uma excelente ferramenta de proteção ao consumidor, verifica-se, ainda, muitos abusos contra este. Exemplo disso é a reiteração de fornecimento de produtos de baixa qualidade ou má prestação dos serviços, em razão dos baixos valores arbitrados em condenações, pelo Poder Judiciário, a título de danos morais nas demandas que envolvem discussão sobre relação de consumo. Os grandes fornecedores não se sentem intimidados e nem inibidos de praticar novas e semelhantes infrações contra os consumidores, preferindo manter sua forma de atuar, ante os valores irrisórios advindo dessas condenações.
Procurou-se, nesse cenário, suscitar a utilização do princípio da vedação da proteção deficiente, uma das subdivisões do princípio da proporcionalidade. O referido princípio também é aplicado ao direito do consumidor por se tratar de um direito fundamental.
É nesse contexto que o tema será abordado neste artigo. A condenação, em baixos valores, a título de danos morais, favorece a repetição de infrações pelos grandes fornecedores, uma vez que lhe falta o caráter punitivo e preventivo, fortificando o desequilíbrio na relação consumerista e fomentando a indústria dos danos morais.
2. DIREITO DO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Atualmente, é impossível imaginar uma sociedade sem relação de consumo no fornecimento de produtos e prestação de serviços que supram as mais diversas necessidades dos consumidores. Nesse sentido, passou-se a utilizar o termo ‘sociedade de consumo’.
A expressão ‘sociedade de consumo’ está associada à ideia de grande oferta de mercadorias e ao estímulo ao consumo. Partindo-se dessa premissa, advieram também vários problemas, tais como a fragilidade do consumidor nas relações de consumo e a inexistência de informações suficientemente seguras aos consumidores.
O Direito do Consumidor nasceu justamente em razão dessa necessidade de troca/consumo de que toda a sociedade participa, com o intuito de proteger essas relações jurídicas que, diga-se de passagem, são imprescindíveis ao ser humano. Esta relação consumidor/fornecedor é marcada pelo desequilíbrio e pela disparidade econômica entre as partes, daí a importância em proteger a parte hipossuficiente, no caso o consumidor.
Como mencionado, a proteção ao consumidor ganhou mais importância após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e do Código de Defesa do Consumidor.
Dentre os vários assuntos considerados elementares pelo constituinte de 1988 encontra-se o direito de proteção ao consumidor, que recebeu o status de direito fundamental. Com efeito, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. XXXII, dispõe que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Nesse desiderato, não restam dúvidas: a proteção ao consumidor constitui um direito fundamental.
O propósito de proteger o consumidor encontra-se em harmonia com os princípios e os valores constitucionais, incluindo os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da justiça social. Além de estar expresso no art. 5º da CF, de 1988, o direito fundamental de proteção ao consumidor encontra guarita também no art. 170, inc. V, da CF, constituindo-se também em um princípio da ordem econômica.
Desse modo, é certo que a inclusão da defesa ao consumidor no rol do art. 5º da CF, de 1988, o elevou à categoria de direitos fundamentais constitucionais, motivo pelo qual lhe é aplicável o princípio da vedação da proteção deficiente.
3. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE
O princípio da vedação da proteção deficiente decorre do princípio da proporcionalidade, o qual é composto de duas diretrizes, quais sejam: proibição do excesso estatal e a proibição da atuação estatal deficiente. Neste trabalho, será abordada somente a segunda vertente.
Como é cediço, o Estado deve agir na proteção de bens jurídicos de índole constitucional.
Consoante o postulado da vedação da proteção deficiente, o Estado não pode apresentar insuficiência no tocante à tutela dos direitos fundamentais. Vale dizer: o mencionado princípio institui um dever de proteção pelo Estado, o qual não pode deixar de utilizar instrumentos capazes de salvaguardar um direito fundamental.
Nesse desiderato, é ratificado o dever de proteção eficaz por parte do Estado, vedando-se que um direito seja assegurado aquém do mínimo necessário. A vedação da proibição da proteção deficiente, além de ser um postulado dirigido ao legislador, também consiste em uma técnica a ser utilizada pelo julgador.
Verifica-se, nesse sentido, que os baixos valores arbitrados a título de dano moral nas demandas judiciais que envolvem relação de consumo violam esse princípio, uma vez não impedem que os grandes fornecedores reiterem suas condutas ilícitas em face dos consumidores, por lhe faltar o caráter punitivo, educativo e exemplar.
De fato, uma vez que as baixas condenações não lhes geram significativo prejuízo financeiro, os grandes fornecedores tendem a repetir as infrações em face dos consumidores, já que lhes sai mais em conta reiterar os ilícitos do que corrigir eventuais falhas na prestação de serviço ou na produção de produtos.
Verifica-se, assim, que o meio de proteção estatal prestado pelo Poder Judiciário não é suficiente (umas das dimensões do princípio da proporcionalidade) para tutelar esse direito fundamental.
Com efeito, verifica-se, no cotidiano, a multiplicação de demandas indenizatórias no âmbito da relação de consumo, com repetidas condenações contra os fornecedores. Apesar de o Poder Judiciário proferir sentenças e/ou acórdãos condenatórios, constata-se que isso não está funcionando como um impeditivo ou elemento inibidor da prática de novas infrações semelhantes em desfavor de outros consumidores. Ao revés, como será visto no tópico seguinte, tem-se percebido um aumento considerável de demandas que buscam a reparação por danos morais em decorrência da relação de consumo.
4. A INDÚSTRIA DOS DANOS MORAIS
Como demonstrado, percebe-se, ordinariamente, que as indenizações decorrentes de danos morais, nas demandas que tem como temática relação de consumo, estão sendo arbitradas num patamar muito aquém para se buscar o fim punitivo que visa o referido instituto. Tal fato é facilmente constatado, ante as sistemáticas reiterações de condutas lesivas em face dos consumidores por parte de vários seguimentos de fornecedores no Brasil.
Um fator a ser considerado, é o elevado grau de subjetividade que o dano moral traz consigo que, por vezes, leva o julgador a arbitrar um valor irrisório ou excessivo. Contudo, há diretrizes que ajudam nessa fixação dos danos morais, a saber: o caráter compensatório para a vítima e o caráter punitivo para aquele que causou o dano. No que tange ao quanto indenizatório, Nehemias Domingos de Melo traz um terceiro parâmetro: o caráter exemplar para a sociedade, que atuaria, na realidade, como caráter educativo para o infrator. Conforme esse último paradigma, o referido autor esclarece:
Quanto ao caráter exemplar, a condenação deveria servir como medida educativa para o conjunto da sociedade que, cientificada de que determinados comportamentos são eficazmente reprimidos pelo Judiciário, tenderia a ter maior respeito aos direitos personalíssimos do indivíduo.
Desse modo, além de o julgador ponderar os elementos do binômio compensatório-punitivo, deveria considerar também esse terceiro parâmetro, a fim de servir de advertência, restando claro que toda a sociedade não aceita o tipo de comportamento lesivo aos consumidores, bem como sua reiteração. Desse modo, fixando um valor justo, considerado o caso concreto, o julgador poderia alcançar a finalidade da reparação por danos morais, evitando, assim, a repetição de infrações por parte dos grandes fornecedores.
Ao analisar a situação jurídica concreta posta em juízo, é necessário verificar a capacidade econômica do fornecedor e seu histórico, a fim de fixar uma indenização considerada adequada e que impeça a reiteração de ilícitos semelhantes, obrigando o fornecedor a corrigir eventuais erros constatados e evitando que outros passem por situação semelhante. Afinal, a condenação em danos morais deve objetivar desestimular iguais práticas abusivas pelo mesmo fornecedor, servindo como um freio para que não volte a reincidir no erro e ao mesmo tempo compelir os fornecedores a melhorar a qualidade de seus produtos ou aprimorar os seus serviços.
O que se propõe, ante o exposto, é a fixação do quanto indenizatório justo/adequado, evitando-se, com essa postura, a repetição de tantas demandas idênticas.
5. CONCLUSÃO
Em face do exposto, percebe-se que o dever estatal de proteção ao consumidor não está sendo exercido a contento pelo Poder Judiciário. Isso porque, verifica-se que o princípio da vedação da proteção deficiente não está sendo aplicado em sua essência. Tal constatação é retirada das reiteradas infrações por parte de grandes fornecedores, que não se sentem intimidados e nem inibidos de atuarem da mesma maneira, sem corrigirem eventuais falhas ou erros no fornecimento de produtos e serviços, em virtude dos baixos valores arbitrados a título de danos morais em demandas que envolvem discussão a respeito da relação de consumo.
Como demonstrado, há um significativo número de demandas que buscam reparação por danos morais decorrentes de alguma falha na relação de consumo. O módico valor arbitrado estimula essa ‘indústria’, uma vez que, para o fornecedor, sai mais barato pagar a indenização do que corrigir qualquer erro ou falha na sistemática de produção de produtos ou prestação de serviço.
Nesse sentido, propõe-se a majoração do valor das indenizações por danos morais em benefício do consumidor, observando o caráter compensatório, punitivo e conforme apresentado educativo, que atuaria como exemplar para toda a sociedade. Desse modo, poder-se-ia chegar a uma redução na quantidade de ações, já que os fornecedores passariam a se preocupar com a correção de falhas ou erros na cadeia de produção ou na prestação de serviço.
REFERÊNCIAS:
MELO, Nehemias Domingos de. Da culpa e do risco como fundamentos da responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
TARTUCE, Flávio; ASSUMPÇÃO, Daniel Amorin. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 2. ed. São Paulo: Método, 2016.
SODRÉ, Marcelo Gomes. A Construção do Direito do Consumidor: um estudo sobre as origens das leis principiológicas de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
[1] A teor do art. 118 do CDC, o referido diploma entrou em vigor em 11 de março de 1991.
Procuradora do Banco Central do Brasil. Pós-graduada em Direito Público e em Direito Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Maira Virgínia Dutra. O princípio da vedação da proteção deficiente e a indústria do dano moral no direito do consumidor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2019, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53820/o-princpio-da-vedao-da-proteo-deficiente-e-a-indstria-do-dano-moral-no-direito-do-consumidor. Acesso em: 22 nov 2024.
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