KARINE ALVES GONÇALVES MOTA.[1]
(Orientadora)
RESUMO: Por meio da abordagem qualitativa, que se desenvolveu pelo método hipotético dedutivo, a partir de revisão bibliográfica, legislativa e jurisprudencial, o presente estudo teve por objetivo analisar qual o melhor entendimento sobre a viabilidade da ação de prestação de contas em caráter alimentar. Para tanto, primeiro, tratou-se em breves linhas sobre o poder familiar e os deveres que o decorrem, a responsabilidade parental nas guardas unilateral e compartilhada, breve explanação sobre alimentos, destacando suas características e diferenciando obrigação alimentar de direito à alimentos, a ação de prestação de contas e suas mudanças após o código de processo civil de 2015. Por último, houve a exposição dos posicionamentos desfavoráveis e favoráveis de doutrinadores, com comparativo ao entendimento do Recurso Especial Nº. 1.637.378. Ao concluir o enfrentamento da problemática proposta, constatou-se a possibilidade do genitor não guardião ajuizar a ação de prestação de contas de prestação alimentar, fundada no cumprimento do exercício do melhor interesse da criança e adolescente e no dever de fiscalizar atribuído ao genitor que não detém a guarda unilateral.
PALAVRAS-CHAVE: Obrigação alimentar; Poder familiar; Prestação de contas.
ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze what is the best understanding of the feasibility of the food accountability action. To this end, it first dealt with the family power and the duties that flow from it, parental responsibility in unilateral and shared custody, brief explanation of food, highlighting its characteristics and differentiating between the right to food and the right to food, the action for accountability and its changes after the 2015 code of civil procedure. Finally, there was an exposition of the unfavorable and favorable positions of some doctrines, compared to the understanding of Special Appeal No. 1,637,378. In concluding the confrontation of the proposed problem, it was found the possibility of the parent not guardian to file an action for accountability for food, based on the fulfillment of the exercise of the best interests of the child and adolescent and on the duty to supervise assigned to the parent who does not have unilateral custody.
KEYWORDS: Food Obligation; Family power; Accountability;
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Poder Familiar 3 Exercício da Responsabilidade Parental na Divisão a Guarda 3.1 Guarda Unilateral 3.2 Guarda Compartilhada 4. A Obrigação de Prestar Alimentos por Parte dos Genitores ao Filho Menor de Idade 4.1 Obrigação Alimentar 4.2 Direito à Alimentos 4.3 Características dos Alimentos 5. Ação de Prestação de Contas 5.1 Ação de Exigir Contas 5.2 A (IM) Possibilidade da de Prestação de Contas de Pensão Alimentícia 6. Considerações finais 7. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Em fevereiro de 2019, a 3ª turma do STJ decidiu no Resp. Nº 1.637.378, por unanimidade, em regra, o não cabimento da ação de prestação de contas dentro da obrigação alimentar por considerar que o alimentante não possui interesse processual em exigir contas do guardião do alimentando, entretanto afirmou que na má administração dos alimentos é necessário o acionamento do judiciário para avaliação concreta do melhor interesse da criança e adolescente num contexto global.
Logo, o objetivo deste artigo é discutir a viabilidade da ação de exigir de contas de pensão alimentícia, vez que o julgado proferido ao reconhecer a falta de interesse de agir, fundamentou-se nos artigos 1.583 § 5º e 1.689, incisos I e II do Código Civil justificando a inviabilidade da ação.
Visto que as relações familiares vêm se modificando com o decorrer dos anos, de modo que um dos conflitos mais cotidianos diz respeito ao dever dos pais em prestar alimentos aos filhos menores, a problemática se faz presente nas seguintes questões: É possível a propositura da ação de exigir contas de pensão alimentícia por parte do genitor não guardião? O entendimento jurisprudencial adotado pela 3ª turma do STJ no Resp. Nº 1.637.378 limita o poder de fiscalização deste genitor?
Para o desenvolvimento deste artigo foi utilizada a metodologia bibliográfica, uso da análise de pesquisa qualitativa, uso de método dedutivo de modo a conduzir um aprofundamento do julgado e analisando as leis, doutrinas, artigos, jurisprudências e informativos importantes no mundo jurídico pertinente ao direito de família.
No intuito de encontrar respostas para problemática pesquisada, de primeiro buscou-se apresentar o conceito e deveres decorrente do poder familiar, através do embasamento jurídico legal e o exercício deste poder como garantia do melhor interesse da criança e adolescente.
No segundo momento, restou demonstrada o conceito de guarda e a aplicabilidade do poder familiar na divisão da guarda dos filhos menores. Procurou-se explanar o conceito de guarda unilateral e compartilhada e demonstrar os direitos e deveres dos genitores aplicado a cada modelo.
O terceiro tópico buscou demonstrar a obrigação de prover alimentos aos filhos por parte dos genitores. Para tanto, fora apresentado o conceito e as características relacionas aos alimentos, a diferença entre obrigação alimentar e direitos a alimentos, no qual, define-se a obrigação dos pais em prover sustento aos seus filhos.
No último tópico, abordou-se o conceito e mudanças aplicadas a ação de prestação de contas, realizou-se um comparativo entre o código de processo civil de 1973 e 2015, demonstrou-se também entendimentos doutrinários quanto a possibilidade do uso da ação de exigir contas em pensão alimentícia e o posicionamento adotado pela 3ª Turma do STJ no recurso especial supramencionado.
Apresenta-se ao final deste artigo a conclusão da problemática proposta e as referências.
2 PODER FAMILIAR
O poder familiar, antigamente associado ao poder pátrio, caracterizava o homem como único provedor e possuidor de direitos. No entanto, com o advento do Código Civil de 2002, passou-se a reconhecer a “responsabilidade parental” decorrente do meio familiar.
Outrora, o poder pátrio buscava intencionalmente resguardar os interesses pessoais do chefe de família; hoje o poder familiar se compõe de direitos e deveres concernentes aos pais para criação, educação, orientação e proteção de seus filhos, veja-se:
Na atualidade, a concepção do poder familiar é instrumental e democrática, funcionalizada para a promoção e desenvolvimento da personalidade do filho, visando à sua educação e criação de forma participativa, com respeito à sua individualidade e integridade biopsíquica, e, sobretudo, pautada no afeto (PIMENTEL, 2016, p.43)
Com uma abordagem adversa da inicialmente exposta, o poder familiar é voltado aos direitos e deveres atribuídos aos pais, de modo que se possa preservar a criança e seus bens (GONÇALVES, 2018).
O artigo 227 da Constituição Federal expressa:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Constata-se ainda que este poder não pode ser renunciado, alienado ou substabelecido, sendo um direito determinado, cabendo aos pais honrar com suas obrigações enquanto genitores e responsáveis por sua prole.
O poder familiar exercido pelos pais, surgiu como uma forma de garantir o melhor interesse dos filhos, sendo os genitores defensores legais e protetores naturais deste poder.
Se tratando de relação familiar e educação dos filhos, cabe aos pais, independentemente da situação conjugal, a vigilância e a responsabilidade pelos atos praticados por este até o desenvolvimento de sua vida adulta.
O Código Civil de 2002, no artigo 1.634 e incisos, apresenta um rol de deveres instituídos aos pais que exercem o poder familiar. O inciso I; III; IV; V; VI; VII; VIII; e IX, tratam especificamente dos direitos e deveres atinentes ao poder familiar, já o inciso II, delimita os tipos de guarda existentes.
O intuito do poder familiar é demonstrar que a responsabilidade sobre a prole se estabelece aos genitores de forma conjunta, ainda que estes não vivam num mesmo ambiente familiar.
3 EXERCÍCIO DA RESPONSABILIDADE PARENTAL NA DIVISÃO A GUARDA
Aborda-se o exercício das guardas unilateral e compartilhada. A discussão é importante para delimitar o poder familiar exercido pelos genitores durante a separação conjugal. Ademais, a demonstração da aplicação deste poder por parte dos pais na guarda unilateral e compartilhada permite melhor elucidação acerca do tema.
Atualmente o poder familiar é exercido pelo casal e visto como uma responsabilidade empregada aos pais com intuito de garantir o melhor interesse de seus filhos. No entanto, a separação conjugal influencia no convívio familiar afetando diretamente a prole que sente os prejuízos emocionais decorrentes da dissolução.
Perpassada a dissolução conjugal, os pais em comum acordo determinam a melhor forma exercer aguarda sobre os filhos, caso não entrem em consenso, o poder judiciário, quando provocado, entra em ação. A determinação do modelo de guarda a ser aplicado, quando não acordado entre os genitores, será determinada em Juízo, onde o magistrado verificará o modelo que melhor se adéqua ao caso concreto, aplicando sempre o princípio do melhor interesse do menor.
A guarda pode ser entendida como um instituto onde determinada pessoa se presta a assumir a responsabilidade sob um menor de idade, lhe prestando assistência material e garantindo necessidades vitais, quer este menor seja seu parente ou não (MALUF, 2016).
O código civil brasileiro de 2002, no artigo 1.583 §1º, definiu os modelos de guarda e a compreensão destas:
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5 ) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
De tais modelos de guarda, abordaremos a guarda compartilha e a guarda unilateral.
3.1 GUARDA COMPARTILHADA
A guarda compartilha é uma modalidade que visa dividir as decisões concernentes a criação dos filhos de pais divorciados. Trata-se de uma responsabilização conjunta, onde os pais que não vivem sobre o mesmo teto, exercem direitos sob os filhos comuns.
Prevista no Código Civil brasileiro, a guarda compartilhada busca equilibrar o convívio entre os pais e a prole. Sendo os pais possuidores igualitários do poder familiar.
Com o advento da Lei n.º 13.058/2014, a guarda compartilhada se tornou, em regra, a melhor opção para exercício do poder familiar. O parágrafo segundo da referida lei destaca: “Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”.
Os pais no exercício do poder familiar também são usufrutuários legais dos bens dos filhos, devendo administrar todos os bens dos filhos menores sob sua autoridade, nos termos do art. 1.689, incisos I e II, do Código Civil.
Conforme leciona Lôbo (2018, on-line):
A guarda compartilhada é obrigatória, independentemente da concordância dos pais separados. Assim é porque inspirada e orientada pelo superior interesse da criança ou adolescente.
Ainda que a guarda compartilhada seja vista como a mais benéfica na perspectiva familiar, quando estipulada por determinação judicial, deve-se observar se ambos os genitores estão aptos a exercer a guarda sobre os filhos e se ambos pretendem exercer a guarda sobre o menor.
Torna-se vital a observância da consensualidade dos pais para eficácia da aplicabilidade da guarda compartilhada, caso contrário, a imposição da guarda em discordância consensual pode causar danos irreparáveis na formação do menor.
3.2 GUARDA UNILATERAL
Divergente da guarda compartilhada, esta é aplicada quando existe um nítido conflito entre os pais. Reconhecida como exercício unilateral do poder familiar, a guarda unilateral pode ser exercida por terceiro não genitor, desde que este proporcione um bom relacionamento com garantia de saúde e educação para criança.
Anterior ao Código Civil Brasileiro, a aguarda unilateral era vista como um modelo impositivo, onde um genitor (geralmente a mãe) detinha total controle do poder familiar, decidindo unilateralmente sobre a criação e administração dos bens de seus filhos, cabendo a genitor não guardião apenas as visitas semanais.
Com o advento do Código Civil, o genitor não guardião passou a possuir o direito a visitas e o dever de fiscalizar os atos praticados pelo guardião legal com intuito de preservar os interesses dos filhos.
Segundo o §1º do art. 1.583 do Código Civil, redação dada pela Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008, “compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua”. O §5º do art. 1.583 do mesmo código expressa,
A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.
O poder fiscalizatório do genitor não guardião visa garantir o interesse da prole, conforme dispôs o artigo supramencionado, a fiscalização é obrigatória, podendo o não guardião se utilizar de meios judiciais e extrajudiciais para o exercício deste dever.
O genitor que possui a guarda unilateral também é detentor de direitos inerentes a criação de seus filhos, vejamos o que diz o art. 1.689 e incisos do código civil:
O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:
I - são usufrutuários dos bens dos filhos;
II - têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.
Na atualidade, o instituído da guarda unilateral é determinada em caráter excepcional, podendo ser exercida por terceiro quando um dos genitores se apresenta inapto a desempenhar seu papel dentro do ambiente familiar.
Nesse diapasão, o autor Azevedo (2019, on-line), apresenta um exemplo que se amolda ao caso:
Pode ser que o pai ou a mãe que tenha ficado com a guarda do filho menor se entregue a uma vida devassa, ou à bebida ou às drogas, não podendo o menor viver neste ambiente, podendo o juiz ordenar sua guarda a terceira pessoa, parente (como avô paterno ou materno ou outro parente) ou estranho à família.
Busca o doutrinador demonstrar que o princípio do melhor interesse do menor impera sobre guarda estabelecida.
Ainda que permaneça por certo tempo o status de guarda unilateral, o detentor da guarda exclusiva deve zelar pelos estudos, saúde e bem-estar dos filhos, sob pena responder pelos atos praticados e, em alguns casos, quando não constatado a preservação dos direitos inerentes à criação e administração dos bens do infanto-juvenil, a consequência é a inversão da guarda do menor.
4 A OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS POR PARTE DOS GENITORES AO FILHO MENOR DE IDADE
Apresentam-se algumas reflexões acerca do instituto alimentos, abordando o conceito, características e a obrigação dos pais de prestar alimentos aos filhos. O foco se mantém no aclaramento delimitado do seu conceito, suas características e sua aplicabilidade.
4.1 OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
Do instituto familiar deriva-se a obrigação alimentar, que ultrapassa o sentido comum de alimentação, e alcança os direitos fundamentais do ser humano.
Os alimentos se apresentam como meio necessário para subsistência familiar, sendo possível aos cônjuges, companheiros e parentes o pleito da obrigação de prestar alimentos entre si. Pertinente ao assunto, o artigo 1.694 do Código Civil de 2002 expõe:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
No âmbito jurídico, Gonçalves (2018, on-line) afirma que os alimentos “são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si”. É dizer que, o dever alimentar observa a limitação financeira do alimentando e a necessidade do alimentado, tendo como qualidade o bom senso para delimitar a obrigação de prestar alimentos.
Atinente ao princípio da solidariedade, pessoas integrantes do mesmo grupo familiar podem exigir alimentos entre si, aquele se que se encontra em estado de necessidade pode requerer de seus parentes a obrigação alimentar, conforme destaca Gagliano (2017, p.697):
A obrigação alimentar, vale acrescentar, é sucessiva, entendida tal característica na circunstancia de que, na ausência de ascendentes, passaria para os descendentes e, na ausência destes últimos, aos irmãos, assim germanos (ou seja, irmãos dos mesmos pai e mãe) quanto unilaterais, na forma do art. 1.697, CC/2002.
4.2 DIREITO À ALIMENTOS
No que se refere o direito ao alimento, a obrigação de sustento é associada aos pais para com seus filhos menores. Caracteriza-se pela prestação continuada, onde o dever dos pais para com a prole decorre do poder familiar.
Assim como a obrigação os parâmetros de fixação são observados a partir da possibilidade do genitor em prestar alimentos e da necessidade dos filhos menores em serem sustentados. O código civil de 2002, em seu artigo 1.696 destaca:
O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
A obrigação de prover o sustento da prole cabe aos pais de forma recíproca, tendo os filhos direito à alimentos desde de sua concepção. O artigo 22 do Estatuto da Criança e Adolescente destaca que, além da guarda e educação dos filhos menores, “Aos pais incumbe o dever de sustento”.
Em sentido congênere, dispõe o artigo 1.703 do Código civil de 2002, “Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos”.
Na dissolução conjugal, cabe aos pais decidirem de forma consensual a melhor forma de garantir o sustento dos filhos, podendo o magistrado homologar ou não o a quantia acordada.
Quando houver litígio sobre a pensão alimentícia, o juiz arbitrará a percentagem necessária subsistência dos filhos menores de acordo com os recursos financeiros dos genitores, observando a proporcionalidade entre as partes.
4.3 CARACTERÍSTICAS DOS ALIMENTOS
Os alimentos no âmbito familiar possuem características próprias das quais a legislação brasileira preserva, em destaque:
Direito personalíssimo: Aquele que detém o direito de receber alimentos não pode transferir a terceiro, pois os alimentos possuem a função de preservar a vida de quem recebe.
Irrenunciabilidade: É indisponível ao recebedor de alimentos a renúncia do seu direito, o que não o impede de renunciar os alimentos vencidos e não pagos.
Impenhorabilidade: O valor recebido como alimento não pode ser penhorado, sob o risco de afetar a própria sobrevivência do necessitado.
Imprescritibilidade: O direito a alimentos é imprescritível, pois surge da necessidade aplicada a cada situação.
Variabilidade: A prestação de alimentos sempre observa a necessidade do alimentando e a condição econômica do alimentante, variando de acordo com os acontecimentos.
Periodicidade: Quando exercido, trata-se de um direito periódico, tendo como objetivo garantir a o sustento do alimentado.
Irrepetibilidade: Aquele que prestou alimentos não pode requerer de volta os valores despendidos. Os alimentos pagos não podem ser devolvidos por quem os recebeu.
Os princípios adotados como característica para os alimentos devem ser respeitados, os mesmos proporcionam a que recebe uma vida digna e um amparo legal não encontrado em nenhum outro ramo do direito.
5 AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
Faz-se uma abordagem sobra à ação de prestação de contas, de início apresentação do conceito, a ação de exigir contas e suas fases, por fim o cabimento ou não da ação de prestação de contas de pensão alimentícia.
5.1 AÇÃO DE EXIGIR CONTAS
Anterior ao surgimento do Código de Processo Civil brasileiro de 2015, a ação de prestação de contas cabia contra aquele administrasse bens e praticasse atos jurídicos em nome de terceiros.
Prevista no artigo 914 do Código de Processo Civil de 1973, a ação de prestação de contas era considerada uma via de mão dupla, onde tanto quem possuía o direito de exigir quanto quem tinha a obrigação de prestar poderia ajuizar a ação.
O autor Figueiredo (2016, on-line) afirma que a ação de prestação de contas “explicita e comprova as receitas e as despesas referentes à administração de bens de outrem”. O objetivo, segundo o autor, é indicar lançamentos de débitos e créditos.
Para propositura da ação o direito material e a existência de relação jurídica entre as partes devem se dar de forma incontroversa, com as provas documentais acompanhadas da exordial.
Com a vigência do Código de Processo Civil brasileiro de 2015, a nomenclatura da ação mudou-se para ação de exigir contas, garantindo ao autor da ação buscar do réu a apresentação das contas das quais não lhe reste esclarecido.
A ação de exigir contas se subdividida em duas fases distintas. Na primeira fase, quando o juiz, através da análise documental comprobatória, verifica a existência do dever de prestar contas por parte do réu, este determinava a obrigatoriedade de prestar contas no prazo máximo de 15 (quinze) dias. Superada a primeira fase, tendo o réu prestado contas ou não, iniciava-se a segunda fase, na qual as contas são apreciadas e julgadas.
É vedado ao autor protocolar petição inicial contendo pedido genérico, o interesse de agir deve ser demonstrado em exordial, com clareza de informações, especificações dos períodos da qual pretende ver esclarecido, bem como a comprovação da necessidade de exigir contas, se existir, assim destaca o §1º do artigo 550 do Código de Processo Civil de 2015.
Portanto a demonstração da existência de uma relação jurídica de direito material é essencial para o prosseguimento da ação, sob pena de extinção sem resolução do mérito da ação.
O procedimento processual adota duas fazes distintas. Na primeira fase, observa-se a obrigatoriedade em si (o réu tem ou não obrigação de prestar contas), caso comprove a existência da obrigação entre réu e autor. A segunda fase dedica-se a apuração do valor a ser devolvido.
Em conformidade com o procedimento Negrão (2018, on-line) destaca:
A ação de prestação de contas, quando o réu contesta a obrigação de prestá-las, desenvolve-se em duas fazes: na primeira, será decidido se está obrigado a esta prestação; na segunda fase, apura-se o quantum do débito ou do crédito.
Conforme se nota a ação de exigir contas sofreu mudanças após o código de processo civil de 2015, da qual garantiu celeridade processual e possibilidade de ao final o autor auferir se há ou não saldo em seu favor.
5.2 A (IM) POSSIBILIDADE DA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PENSÃO ALIMENTÍCIA
Em decorrência dos assuntos discutidos nos capítulos anteriores, chega-se a problemática principal pertinente ao tema, existe ou não viabilidade do ajuizamento da ação de prestação de contas aplicada à pensão alimentícia?
Diversos posicionamentos foram adotados em doutrinas e jurisprudências a respeito do tema, contudo, a aplicabilidade da norma vigente em alguns casos tem causado discordância entre juristas quanto o ajuizamento da ação de prestação de contas de alimentos. Maria Berenice Dias (2010) afirma que não existe interesse processual da parte autora, uma vez que os alimentos pagos não poderiam ser devolvidos, o que coaduna com o entendimento de uma das turmas que compõe o Superior Tribunal de Justiça.
A 3ª turma do STJ decidiu no Resp. nº 1.637.378, de 19 de fevereiro de 2019, por unanimidade, em regra, não reconhecer a ação de prestação de contas em caráter alimentício por considerar a via inadequada.
O Ministro relator Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do acórdão, votou pela irresignação do pleito e afirmou que, “buscar informações a respeito do bem-estar do filho e da boa aplicação dos recursos devidos a título de alimentos em nada se comunica com o dever de entregar uma planilha aritmética de gastos ao alimentante”.
Mencionou que a obrigação alimentar não gera possibilidade de estorno, de modo que a utilização do rito é específica para análise de créditos com objetivo de receber balanços administrativos sobre bens alheios.
O entendimento do relator é de que, desconfianças sobre a destinação dos alimentos pagos não são resolvidas através de planilhas ou qualquer outra forma matemática, mas com uma análise ampla de quem possui condições de garantir um ambiente saudável, feliz e seguro a seus filhos.
Acrescentou ainda:
Ademais, seria imprescindível analisar todas as circunstâncias fáticas acerca da qualidade de vida do alimentando, consoante a condição social e econômica da família de forma global, o que não se coaduna com os fundamentos lógicos e jurídicos da ação de prestação de contas prevista no art. 914 e seguintes do CPC/1973, legislação aplicável à espécie. (CUEVA,2019 p.4).
Ao final do voto, destacou:
Não se está a negar a possibilidade do abuso do direito (art. 187 do Código Civil de 2002) no Direito de Família, especialmente no que tange ao desvio ou má gestão da verba alimentar deotostinada à prole. Todavia, existindo a intenção de prejudicar os filhos por meio de temerária administração dos alimentos é necessário que se acione o Judiciário para a avaliação concreta do melhor interesse da criança ou adolescente, num contexto global. Permitir ações de prestação de contas significaria incentivar ações infindáveis e muitas vezes infundadas acerca de possível malversação dos alimentos, alternativa não plausível e pouco eficaz no Direito de Família.
Se de um lado a jurisprudência e parte da doutrina afirmam a inviabilidade da ação de prestar contas aplicada ao uso das verbas alimentares, de outro o uso dessa ação como mecanismo de fiscalização, pois possui o condão de defender o melhor interesse dos menores e a garantia do exercício do princípio da dignidade da pessoa humana.
O filho menor de idade é visto como vulnerável e dependente dos cuidados pais. O genitor não guardião, além da obrigação de lhe prestar alimentos quando requerido, deve fiscalizar, solicitar informações ou prestações de contas, ou qualquer outro meio judicial ou extrajudicial que garanta a correta aplicação das verbas alimentares e o bom exercício do poder familiar.
Detecta-se que, a ação de prestação de contas, quando motivada única e exclusivamente a fiscalizar o destino das verbas alimentares pagas é viável. Neste raciocínio, Tartuce (2015, p.3) destacou:
a exigência da prestação deve ser analisada mais objetiva do que subjetivamente, deixando de lado pequenas diferenças de valores e excessos de detalhes na exigência da prestação, o que poderia torná-la inviável
Admite-se, portanto, em caráter excepcional o uso da ação na prestação de alimentos, desde que fique demonstrado o interesse singular na proteção do interesse do menor.
Em reforço ao reconhecimento do ajuizamento da ação de prestação de contas de verba alimentícia pelo genitor alimentante não detentor da guarda, o parágrafo 5º do artigo 1.583 do Código Civil afirma, a obrigatoriedade do pai ou da mãe em supervisionar através da solicitação de prestação de contas o interesse dos filhos, sendo parte legítima a qualquer tempo para requerer informações.
Ainda que a proposta não seja repetir os alimentos, serápor certo fiscalizar sua correta aplicação, e em caso de má gestão promover as ações cabíveis,inclusive revisional de alimentos e indenizatórias contra o genitor malversador. (ALMEIDAJÚNIOR, 2015, p. 26).
Ainda que se aplique o princípio da irrepetibilidade dos alimentos prestados, a observância da primeira fase da ação de prestação de contas seria o suficiente para atingir o objetivo do genitor que propuser a ação.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O exercício do poder familiar no direito brasileiro vincula-se ao princípio constitucional do melhor interesse da criança e do adolescente, onde os pais, na figura de guardião, devem zelar pelo direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, dentre outros critérios que garantam o sustento e desenvolvimento do menor.
A responsabilidade parental atribuída aos genitores independe da situação conjugal, cabendo a estes de forma consensual determinar o planejamento familiar a ser exercido.
A obrigação de prover alimentos necessários ao sustento da prole decorre do poder familiar. Os alimentos prestados pelo credor não detentor da guarda unilateral, é alvo de questionamentos cotidianos perante o poder judiciário. Se de um lado o guardião é civilmente responsável pelo bem-estar e administração dos bens dos filhos menores, de outro o progenitor não guardião tem a obrigação de fiscalizar a destinação dos alimentos prestados a sua prole.
Portanto, sob o uso do poder fiscalizatório que lhe é atribuído e com intuito de garantir a subsistência de seus filhos, o alimentante tem recorrido ao judiciário através do uso da ação de exigir contas, objetivando acompanhar a destinação das verbas alimentares pagas aos filhos menores.
Ainda que se fundamente na busca pela garantia do interesse da criança e do adolescente, e na possível má administração financeira dos recursos destinados ao sustento de sua prole, os tribunais brasileiros, em sua maioria esmagadora, tem decidido pela extinção sem resolução do mérito do ajuizamento das ações ajuizadas pelo alimentante.
A 3º turma do Superior Tribunal de Justiça, no Resp. Nº 1.637.378, de fevereiro de 2019 expôs que, a ausência do interesse de agir impera nestas ações, pois, o resultado da demanda seria inútil ao autor. Sendo os alimentos sujeitos ao princípio da irrepetibilidade, e a execução do possível crédito formado se tornaria impossível.
A conjuntura atual dos estudos jurídicos, prioriza o preceito constitucional do interesse da criança e adolescente, e garante a obrigatoriedade do exercício fiscalizatório do não guardião. Impedir a propositura da ação de exigir contas, é tornar ineficaz o poder fiscalizatório daquele que não detém o poder da guarda unilateral.
O Ministro relator Ricardo Villas Bôas Cueva (2019, p. 11) destacou que “admite-se o ajuizamento de ação própria quando presente a suspeita de abuso de direito no exercício desse poder. ”, de modo que a existência da intenção de prejudicar a prole deve ser avaliada de forma concreta pelo judiciário, levando em conta o interesse da criança ou adolescente.
Desse modo, em resistências as alegações de ausência do interesse de agir do alimentante, há que se observar se a demanda se pauta, na ocorrência de má administração por parte do guardião, no princípio do melhor interesse da criança e adolescente, e se o autor busca apenas a comprovação destes fatos através da ação de exigir contas. Caso contrário, conforme declarado no acórdão torna-se inviável a ação de exigir contas em caráter alimentar.
Conclui-se, portanto, que a ação de exigir contar, de forma excepcional, tem sua propositura aceitável perante o judiciário.
REFERÊNCIAS
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[1]Doutora em Ciências pela USP. Professora do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Acadêmico de Direito da Faculdade Serra do Carmo. Técnico em Enfermagem.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, WÉVERTHONN JHORDAN CÔRTES. A viabilidade da ação de prestação de contas de pensão alimentícia: uma reflexão a partir dos artigos 1.583 § 5º e 1.689, incisos I e II, do Código Civil com análise à decisão proferida pela 3ª Turma do STJ no Resp nº 1.637.378 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2019, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53864/a-viabilidade-da-ao-de-prestao-de-contas-de-penso-alimentcia-uma-reflexo-a-partir-dos-artigos-1-583-5-e-1-689-incisos-i-e-ii-do-cdigo-civil-com-anlise-deciso-proferida-pela-3-turma-do-stj-no-resp-n-1-637-378. Acesso em: 22 nov 2024.
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