KARINE ALVES GONÇALVES MOTA [1]
(Orientadora)
RESUMO: O estudo da responsabilidade civil em questão tem em vista o cabimento da reparação do dano, analisando- se a aplicabilidade da Lei n. 11.804 de 5 de novembro de 2008, Lei dos Alimentos Gravídicos. O estudo tem como foco abordar a responsabilidade civil da genitora diante da negativa de paternidade. No mais, aprofunda-se o estudo no tocante ao cabimento da reparação do dano material e moral. Por meio da metodologia de estudo bibliográfica e qualitativa, se buscou verificar a relevância dos alimentos na proteção do nascituro e análise de culpa da genitora ao demandar ação de alimentos contra o suposto pai. Assim, esse estudo revela, ainda, os critérios legais e doutrinários adotados na busca da constância de interpretação de uma temática tão delicada.
Palavras-chave: Alimentos Gravídicos; Negativa de Paternidade; Responsabilidade Civil da Genitora.
ABSTRACT: The study of the civil liability in question aims at the reparation of the damage, analyzing the applicability of Law no. 11,804 of November 5, 2008, Pregnancy Food Law. The study focuses on addressing the parent's liability in the face of denial of paternity. Further, the study is deepened with regard to the adequacy of the reparation of material and moral damage. Through the methodology of bibliographical and qualitative study, we sought to verify the relevance of food in the protection of the unborn child and analysis of the parent's guilt when demanding food action against the alleged father. Thus, this study also reveals the legal and doctrinal criteria adopted in the search for constancy of interpretation of such a delicate subject.
Keywords: Pregnancy Foods; Paternity Negative; Genitora's Liability.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. 3. A TUTELA JURÍDICA DO NACITURO E A OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS. 4. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DA GESTANTE POR NEGATIVA DE PATERNIDADE. 5. CONCLUSÃO. 6. REFERÊNCIAS
1.INTRODUÇÃO
O presente é resultado de um estudo que teve por objetivo abordar o instituto da responsabilidade civil, precisamente ao que tange a responsabilidade da gestante em razão da negativa da paternidade do suposto pai. Em especial, discutir a responsabilidade civil da genitora em caso de haver ''conscientia fraudis''.
O artigo faz uma breve análise sobre a evolução histórica da obrigação da responsabilidade civil, neste diapasão, uma abordagem a forma como se apresentava tal obrigação no Direito Romano, e sua introdução e evolução em território brasileiro desde o código civil de 1916, e como é contemporaneamente abordada.
Também, aborda a Lei de alimentos gravídicos (11.804/08), passando pela titularidade, ônus probatório, diretrizes processuais e a presunção de paternidade que possibilita, ao magistrado fixar liminarmente os alimentos a gestante.
Por derradeiro, analisa o direito do suposto pai na negativa da paternidade e a fundamentação jurídica para reparação do dano, em face da genitora.
Trata-se estudo desenvolvido por meio de abordagem qualitativa utilizando o método dedutivo e pesquisa bibliográfica balizada em doutrinas; legislação e jurisprudências.
2. O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
No princípio, a ideia de responsabilidade civil não vislumbrava a possibilidade de culpa, mas estava intrinsecamente ligada ao sistema da vingança privada, por meio da qual a sociedade primitiva reagia ao dano de maneira violenta e imediata, fazendo justiça com as próprias mãos. Assim, essa autotutela como via única de resolução dos conflitos nas civilizações primitivas, demonstrou-se uma inquestionável insegurança para a sociedade, não havendo qualquer interferência do Estado ou de terceiros, pois uma vontade se sobrepunha a outra, prevalecendo a “lei do mais forte”.
Embora essa reação tivesse o objetivo de servir como represália ao dano sofrido, não havia qualquer razoabilidade no ato, buscando-se a reparação através do emprego da força, extrapolando dos meios necessários para tanto.
Posteriormente, dá-se origem ao período da composição, da qual a vingança foi substituída por uma compensação econômica, constituindo uma forma de recomposição do dano sofrido. A partir de então, o Estado teve que intervir nas relações privadas, proibindo a justiça com as próprias mãos e dosando a proporcionalidade e razoabilidade dos atos, sendo estipulados valores diferentes, para diferentes espécies de dano.
Após a revolução Francesa, o mundo foi encandeado pelo iluminismo Francês, que deu origem ao Código Civil Napoleônico, instrumento este, de insofismável importância ao estabelecer as primeiras ideias de responsabilidade subjetiva e objetiva, influenciando os mais diversos ordenamentos jurídicos, sobretudo o do Brasil.
Com o advento Código Civil de 1916, ao qual teve o seu projeto elaborado pelo jurista Clóvis Beviláqua de acordo com o Código Civil de 1916, a família recebe uma conceituação múltipla, inspirado pelo direito francês, ficou consagrada a teoria da culpa, adotando a responsabilidade civil subjetiva como regra. No seu artigo 159 a referida baliza jurídica estabelecia que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.
Verifica-se, portanto, que o dispositivo legal abrangia tanto o dolo quanto a culpa, seja esta por negligência, imprudência e até mesmo a imperícia, tacitamente. Logo, o dano causado por uma conduta culposa tornou-se fonte do dever de indenizar.
Com o advento do Código Civil de 2002, destarte, abarcou um sistema misto de responsabilidade, sendo que um constitui a regra e habitual e outro a exceção ou suplementar, expandindo a oportunidade de reparação às vítimas e reprimindo o emprego de má-fé.
Seguindo este diapasão, o Código Civil de 2002 manteve a ideia de responsabilidade subjetiva, no artigo 186, que prevê a necessidade de comprovar dolo ou culpa do agente.
Nesse sentido, surge se a necessidade de se reequilibrar o patrimônio jurídico-econômico lesado, recolocando o prejudicado no status quo ante, Gonçalves entende que o responsável pela reparação do dano é todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, haja causado prejuízo a outrem. (GONÇALVES. 2016, p. 80 - 81).
Assim, a responsabilidade por ato ilícito, a investigação da conduta reprovável deve ter uma interpretação sobre a ótica íntima do agente lesivo, em especial naquelas situações em que vigora uma relação pessoal de confiança mútua entre as partes.
Já o art. 187 do Código Civil, ao estabelecer hipótese de responsabilização fundamentada na violação de um dever jurídico tem se como pressupostos para que resta configurada a responsabilidade civil a conduta, a conduta do agente pode decorrer de uma ação, podendo ser comissiva ou omissiva, lícita ou ilícita, do próprio causador, ou de terceiro de que aquele seja responsável, ou seja, independentemente da reprovabilidade subjetiva ou moral da conduta lesiva.
Nos dizeres de Cristiano Vieira Sobral Pinto:
O abuso de direito é um exemplo de ilícito sem culpa. Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (PINTO. 2019, Pág. 643)
É dizer, o titular do direito o utiliza de modo desproporcional, portanto, ocorre a quebra da confiança, norte a ser observada nas relações civis, pois viola a boa-fé, causando dano a outrem, haja vista que ultrapassa os limites legais.
3. A TUTELA JURÍDICA DO NACITURO E A OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS
De acordo com Gonçalves (2016, p. 944-945), o nascituro é “o ente que está gerado ou concebido, tem existência no ventre materno, está em vida intrauterina, mas não nasceu ainda”.
Tem se alguns pontos que geram discordância: é o momento exato em que começa a vida. É a partir desse momento que se inicia a personalidade jurídica e a obtenção dos direitos.
A fim de esmiuçar a natureza jurídica do nascituro, temos no Brasil, três vertentes teóricas. A teoria concepcionista na qual a vida começa na concepção, a teoria natalista que defende o início da vida após o nascimento e a teoria da personalidade condicionada que afirma que há personalidade no nascituro, mas essa é confirmada após o nascimento.
No presente trabalho tratarei apenas da corrente concepcionista, discorrendo então sobre os direitos inerentes ao nascituro, onde o fundamento está na proteção da personalidade desde a concepção do ser humano.
O Código Civil Brasileiro, de 2002, em seu art. 2º protege os direitos do nascituro: “A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos humanos do embrião e do nascituro”.
Discorre Miranda (1974, p. 215 apud CAHALI, 2011, p. 346):
O dever de alimentos em favor do nascituro pode começar antes do nascimento e depois da concepção, pois antes de nascer, há despesas destinadas á proteção do concebido e o direito seria inferior à vida se acaso recuasse atendimento a tais relações entre inter-humanos, solidamente fundadas em exigências de pediatria.
Esposando o mesmo entendimento, Cesar Fiúza (2004, p.117) agasalha que “a personalidade começa desde a concepção da vida no útero materno”. Essa teoria indica que, ao serem protegidos legalmente os direitos do nascituro, o ordenamento já o considera como pessoa, uma vez que, segundo a sistematização do direito privado, somente pessoas são consideradas sujeitos de direito, e, consequentemente, possuem personalidade jurídica. Ainda ele, neste sentido:
E se assim não o fosse, o aborto não seria crime, restando sobejamente evidenciada a personalidade jurídica do nascituro, sendo que seu direito à vida não está condicionado ao nascimento. Ora, sob a ótica desta teoria, o nascituro não se trata de objeto, mas de alguém que, eventualmente, será sujeito de direitos e deveres, Cesar Fiúza (2004, p.117).
Como demonstrado que o nascituro é detentor de direitos, importante ressaltar alguns desse direito previsto no ordenamento jurídico brasileiro como por exemplo, alimentos e assistência a saúde que são requeridos pela genitora. Também tem direito de ser representado juridicamente. Essa posse de direitos, visa a garantia dos fundamentais previsto na Constituição Federal.
Quanto à legitimidade do nascituro para reclamar alimentos, Yussef Cahali (2011, p. 243) traz a seguinte definição:
Desde o momento da concepção, o ser humano por sua estrutura e natureza é um ser carente por excelência; ainda no colo materno, ou já fora dele, a sua incapacidade ingênita de produzir meios necessários à sua manutenção faz com que se lhe reconheça, por um princípio natural jamais questionado, o superior direito de ser nutrido. (2003, p. 243)
Inobstante a discussão acerca do momento da aquisição da personalidade e da tutela jurídica do nascituro, não cabe questionamento acerca de seu direito à vida, o que se busca garantir na Lei n. 11.804/08 que estabeleceu os alimentos gravídicos em favor da mulher gestante, o direito a alimentos em face do futuro pai, onde o fato gerador do direito subjetivo é a gravidez, visando à proteção dos direitos do nascituro, desde a concepção.
No que atine aos alimentos gravídicos, a referida Lei, dispõe acerca do tema, segundo a qual, assegura a mulher grávida, o direito a alimentos a lhe serem alcançados por quem afirma ser o pai de seu filho.
Para Pinto (2019. Pág. 1128), são chamados de gravídicos porque são assegurados desde a concepção.Assim, a Lei serve como uma garantia de assistência ao nascituro, suprindo todos os gastos adicionais durante o tempo em que se desenvolve o embrião no útero materno, desde a concepção até o nascimento, ou seja, durante o período gestacional. Tais alimentos serão fixados com base em indícios de paternidade.
Os alimentos são geralmente pagos em dinheiro, custeado pelo suposto pai, a qual deverá prestá-la, para que a gestante possa custear despesas referente a alimentação, medicamentos, parto, enxoval para a criança, dentre outros.
Nesse sentido dispõe a legislação supramencionada:
Art. 2º Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.(BRASIL, 2008)
Por sua vez, Yussef Said Cahali (2011, p.16) diz que alimentos são as "prestações devidas, feitas para quem as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional)".
E o que precisa ficar assente é que não há como se negar o direito da gestante de perceber os alimentos durante a gravidez, mas o ônus da prova é seu em demonstrar indícios de paternidade.
Antes da vigência da Lei dos alimentos gravídicos (Lei 11.804/08), o Código Civil, a Lei de Alimentos e a Lei que regulamenta a investigação de paternidade não previam o período anterior da concepção da criança e, por isso, os alimentos só eram fixados após o nascimento do bebê.
A criação desta norma atende as necessidades da mulher na constância de sua gravidez, possibilitando o custeamento de despesas essenciais até o parto, inclusive com consultas, atendimentos pré-hospitalares, alimentos especiais, internações, medicamentos, exames complementares, internações, entre outros.
A Lei 11.804/08 beneficia, em caráter mais exclusivo, as mulheres que não estão inseridas pela situação do casamento, posto que não há objeção da prestação dos alimentos nestes casos, desde que ajam provas e indícios da paternidade.
O artigo 6° da Lei 11.804/08 preleciona que "convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré". Seu parágrafo único, por sua vez, institui que "após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão".
A professora Maria Helena Diniz (2008, p.575), cita a Constituição Federal Brasileira, para fundamentar a obrigação em comento, os alimentos possuem como fundamento a preservação da dignidade da pessoa humana, senão vejamos;
O fundamento desta obrigação de prestar alimentos é o princípio da preservação da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e o da solidariedade social e familiar (CF, art. 3º), pois vem a ser um dever personalíssimo, devido pelo alimentante, em razão de parentesco, vínculo conjugal ou convivencial que o liga ao alimentando [...]
Assim, o dever de prestar alimentos decorre da necessidade do alimentado, para que se possa garantir o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana, visa assim proporcionar a gestante uma garantia de seus direitos de ter uma qualidade de vida saudável durante seu período gestacional. lembrando que o valor a ser fixado se baseia na necessidade da grávida e possibilidade do suposto pai.
4.DA RESPONSABILIDADE CIVIL DA GESTANTE POR NEGATIVA DE PATERNIDADE
Em que pese a inquestionável importância dos alimentos gravídicos, havendo a negativa de paternidade, em quais hipóteses, através do instituto jurídico da responsabilidade civil, o suposto pai pode ou não reivindicar uma reparação aos danos causados a si, em face da genitora?
Haja vista o arcabouço probatório necessário para a fundamentação do pedido dos alimentos gravídicos serem basicamente comprovações de envolvimento interparts, com o avanço tecnológico, a obtenção deste material supostamente probatório se torna indiscriminada, podendo por dolo da agente ser utilizada para obtenção de vantagem econômica indevida ou como forma de sanção intencional em fase de um terceiro envolvido.
Nesse contexto, os alimentos gravídicos são concedidos apenas com base em indícios de paternidade, fazendo-se necessário a apresentação de provas que demonstrando o envolvimento no prazo da concepção, que ficam a critério do livre convencimento subjetivo do juiz, tem sido aceito pelos tribunais, como provas, fotos, mensagens, e-mail, dentre outros.
É dizer, somente após o nascimento com vida viável a realização de exame de DNA para verificar a veracidade dos fatos, diante da negativa, o suposto pai tem respaldo legal para ajuizar ação de reparação de danos morais e materiais para tentar reparar o pagamento indevido de tais medidas?
A lei permite a condenação do réu ao pagamento das parcelas alimentícias mesmo quando há apenas indícios de paternidade, e é neste ponto que se estabelece uma discussão, pois a condenação com base em indícios pode trazer ao suposto pai uma situação bastante embaraçosa, pois pode estar impondo o pagamento indevidamente e erroneamente, já que a paternidade é presumida, e não atestada cientificamente justamente por ser impedida a realização de exame de DNA antes do nascimento da criança.
Preconiza o art. 186 do Código Civil “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
No ponto, existem polêmicas acerca da responsabilização da genitora, é que os alimentos gravídicos são concedidos somente com um mínimo de provas.
Neste contexto, tem-se que configura sim abuso de direito, o fato de a genitora imputar a responsabilidade de alimentos, sendo sabedora da possibilidade de haver conflitos acerca da paternidade. É que, neste caso, a genitora utilizará do direito a percepção de alimentos gravídicos, para se beneficiar de alguma forma.
Desta feita, imperando-se a má-fé, a mentira, a ocultação da verdade, haverá um ato ilícito. A gestante enganou até o próprio Poder Judiciário para conseguir fins ilícitos, abusou do direito de ação, o que demonstra a sua índole e a configuração do ato ilícito. Os interesses individuais e ilegítimos se sobrepuseram a dignidade da sobrevivência do nascituro e do suposto pai, o que configura uma ilicitude. (VITAL. 2010, pág. 2)
Entrementes, é imperioso ressaltar, que o art. 10 da Lei de Alimentos Gravídicos, dispunha que em casos de resultado negativo do exame pericial de paternidade, poderá o autor responder pelos danos causados. Todavia, o aludido dispositivo legal foi vetado, sob justificativa de esta previsão, seria uma norma intimidadora, pois, ensejaria a responsabilidade do autor de forma objetiva, acaso a ação tenha sido julgada improcedente.
O dispositivo vetado previa a responsabilidade objetiva da genitora diante da negativa de paternidade, impondo o dever de indenizar o alimentante independentemente de comprovação de culpa. Com base nisso, surge se questionamentos sobre a atual sistemática se seria possível a reparação por danos materiais e morais sofridos por aquele que arcou com despesas de filho que não era seu. Tal indagação é de grande valia, já que o assunto ainda é tema de bastante discussão na jurisprudência, motivo esse que se faz necessário realizar um estudo sólido apto a proporcionar a devida segurança jurídica esperada pelos operadores do direito.
Nesse diapasão, ainda que se tenha vetado o dispositivo legal que dispunha da responsabilização, não se afasta em determinados casos. É dizer, acaso seja evidenciado o abuso de direito, pode a autora ser também condenada por danos materiais e/ou morais se provado que ao invés de apenas exercitar regularmente seu direito, esta sabia que o suposto pai realmente não o era, mas se valeu do instituto para ter aproveito financeiro de um de terceiro inocente.
Ensina Douglas Phillips Freitas que:
Além da má-fé (multa por litigância ímproba), pode a autora (gestante) ser também condenada por danos materiais e/ou morais se provado que ao invés de apenas exercitar regularmente seu direito, esta sabia que o suposto pai realmente não o era, mas se valeu do instituto para lograr um auxílio financeiro de terceiro inocente. Isto, sem dúvidas, se ocorrer, é abuso de direito (art. 187 do CC), que nada mais é, senão, o exercício irregular de um direito, que, por força do próprio artigo e do art. 927 do CC equipara-se ao ato ilícito e torna-se fundamento para a responsabilidade civil. (FREITAS. 2011. p.200)
Nesse espeque, ao evidenciar-se o abuso de direito surge para o suposto pai o direito de pleitear ação judicial para reaver danos morais e materiais.
Ademais, a jurisprudência se manifesta em sentido favorável quanto a indenização por dano moral para aqueles que foram lesados pela falsa imputação de paternidade:
RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPUTAÇÃO DE FALSA PATERNIDADE BIOLÓGICA. Sentença de procedência – Inconformismo da ré – Dano moral caracterizado pela inequívoca frustração do autor da paternidade negada após década – Indenização mantida – Precedentes jurisprudenciais do Col. STJ e Eg. TJSP – "Quantum" fixado em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade – Sentença mantida – Aplicação do art. 252 do Regimento Interno deste Eg. Tribunal – Recurso não provido. (TJ-SP - APL: 00029308520148260297 SP 0002930-85.2014.8.26.0297, Relator: Fábio Quadros, Data de Julgamento: 02/06/2016, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/06/2016).
DANOS MORAIS. ACUSAÇÃO DE FALSA PATERNIDADE. Ré que imputou paternidade ao autor, sendo que manteve relação com outro homem no mesmo período. Autor que, posteriormente, descobriu não ser pai do menor por exame de DNA. Culpa da ré configurada. Não cumprimento do dever de cuidado, decorrente da ciência de que outro homem poderia ser o pai da criança. Danos morais caracterizados. Situação que gerou transtorno emocional, e abalo anímico. Configuração de todos os elementos da responsabilidade civil. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJ-SP - APL: 00288300920108260007 SP 0028830-09.2010.8.26.0007, Relator: Ana Lucia RomanholeMartucci Data de Julgamento: 03/04/2014, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/04/2014).
No que atine a reparação civil, é importante, por ora, saber que a responsabilidade civil no caso concreto, em regra, é subjetiva, sendo necessária a comprovação da culpa e dolo do agente.
Os danos morais tão somente serão fixados em favor daquele que não era o verdadeiro pai da criança, quando após análise ficar comprovado que a falsa imputação biológica de paternidade lhe trouxe algum sofrimento, ofendendo sua honra e imagem perante amigos. Portanto, há sim a possibilidade de julgamento por danos morais, buscando, assim ressarcir à aquele que foi condenado ao pagamento não sendo o verdadeiro pai.
Nesse sentido Pablo Stolze conceitua imprudência:
Age de forma imprudente aquele que sabedor do grau de risco envolvido, mesmo assim acredita que seja possível a realização do ato sem prejuízo para qualquer um; age, assim, além da justa medida de prudência que o momento requer, excede os limites do bom senso e da justeza dos seus próprios atos. (GAGLIANO. 2008, p. 02)
Assim, a autora será responsabilizada subjetivamente tanto em relação à conduta culposa quanto à dolosa, pois se trata de abuso de direito, que nada mais é do que o exercício irregular de um direito se equiparando ao ato ilícito.
Em contrapartida, temos adeptos de que não tendo a autora demandado o suposto pai com má-fé, não há que se falar em reparação de danos, este posicionamento funda-se no princípio da irrepetibilidade, uma vez que os alimentos são verbas irrestituíveis.
É nesse sentido que leciona Maria Berenice Dias:
Talvez um dos princípios mais significativos que rege o tema dos alimentos seja o da irrepetibilidade. Como se trata de verba que serve para garantir a vida e a aquisição de bens de consumo, inimaginável pretender que sejam devolvidos. Esta verdade por tão evidente é difícil de sustentá-la. Não há como argumentar o óbvio. Provavelmente por esta lógica ser inquestionável é que o legislador não se preocupou sequer em inseri-la na lei. Daí que o princípio da irrepetibilidade é aceito por todos, mesmo não constando do ordenamento jurídico. (DIAS. Pág. 890. 2017)
Sobre o tema vale transcrever decisão do Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. CABIMENTO. REVISÃO DOS ALIMENTOS. MAJORAÇÃO, REDUÇÃO OU EXONERAÇÃO. SENTENÇA. EFEITOS. DATA DA CITAÇÃO. IRREPETIBILIDADE. 1. Os efeitos da sentença proferida em ação de revisão de alimentos - seja em caso de redução, majoração ou exoneração - retroagem à data da citação (Lei 5.478/68, art. 13, § 2º), ressalvada a irrepetibilidade dos valores adimplidos e a impossibilidade de compensação do excesso pago com prestações vincendas. 2. Embargos de divergência a que se dá parcial provimento.
(STJ - EREsp: 1181119 RJ 2011/0269036-7, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 27/11/2013, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 20/06/2014)
Não é outro o entendimento esposado pelos dos Tribunais Pátrios:
APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS. SUPERVENIÊNCIA DE ACÓRDÃO DE IMPROCEDÊNCIA DO DIREITO AOS ALIMENTOS. EFEITOS RETROATIVOS. RESSALVA DE ENTENDIMENTO. IRREPETIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. Não é razoável ou justo exigir que se pague alimentos provisórios fixados em juízo de cognição sumária quando negado o direito ao recebimento dos alimentos definitivos em juízo de cognição exauriente; contudo, há óbice à devolução de valores já pagos a título de alimentos provisórios, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
(TJ-MG - AC: 10056110181643001 MG, Relator: Peixoto Henriques, Data de Julgamento: 15/10/2013, Câmaras Cíveis / 7ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 18/10/2013)
Pois caso se aplique tal teoria as pessoas ficarão receosas com esta consequência, temendo acionar o poder judiciário, e consequentemente desistindo do seu direito de acesso a justiça. Portanto, se ao momento da impetração da ação, a autora tinha motivos suficientes, para desconfiar que o réu fosse o pai do nascituro, à medida que manteve relações sexuais com ele no período da concepção, não há como falar-se em indenização. Cabe ressaltar, que somente diante de prova inconcussa e irrefragável da má-fé e do dolo seria cabível ação de indenização pelos danos materiais e morais, não bastando assim a simples culpa, caracterizando, portanto, uma responsabilidade subjetiva.
A cláusula geral de responsabilidade civil sobrepõe-se ao princípio da irrepetibilidade da verba alimentar. É dizer, após o nascimento e através do exame de DNA, seja confirmada a negativa da paternidade, em determinados casos, não se poderá afastar a uma possível reparação quanto aos valores pagos dano material e dano moral ao suposto pai.
Para Cahali (2011, p. 107), o pai que custeou a verba alimentar, é possível demandar a restituição, haja vista que assumiu obrigações, que não lhe pertencia.
Ainda, existe a possibilidade do suposto pai prejudicado, demandar contra o verdadeiro pai ou a genitora, com escopo de ter restituído os valores pagos indevidamente à genitora.
É que, pela invocação do art. 186 do Código Civil, prevê a regra geral, ou seja, a responsabilidade subjetiva, entretanto, desde que constatado o dolo ou culpa da alimentanda, materializado pelo abuso de direito, insurge sim, a obrigação de indenizar. Embora, já mencionado acima, tem sim os defensores de que caberia danos morais e materiais, mesmo que a genitora tiver de boa fé.
No tocante ao dano material o suposto pai pode pleitear a restituição àquele que realmente os devem. Vejamos o que diz Cahali (2011, p. 107):
Admite-se a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando se fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação alimentar, pois o alimentado utilizando-se dos alimentos não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente devia fornecê-los.” (WALD apud CAHALI, 2009 p. 107)
Portanto, apesar das grandes divergências acerca do assunto, caberá ao Magistrado fixar o valar indenizatório, baseando se nos danos causados, observando a proporcionalidade.
É preciso ressaltar que, para a responsabilização da genitora, é utilizada a cláusula geral de responsabilidade civil, haja vista que há ausência de norma especifica. Repise-se ainda que é necessário que seja demonstrada a má-fé.
Assim, não fica desamparado o suposto pai numa ação de alimentos gravídicos caso se apure não ser o pai, sendo a ele assegurado o direito à reparação de danos morais e materiais com fundamento na regra geral da responsabilidade civil. (PEREIRA, 2010).
É dizer, trata-se, portanto, de um meio pelo qual o suposto pai possa ter garantia de reaver os valores que pagou indevidamente a genitora, insurgindo para ele o direito de ser indenizado, acaso seja verificado ao abuso de direito, por parte da genitora.
5.CONCLUSÃO
O estudo desenvolvido acerca da responsabilidade civil da genitora na negativa da paternidade evidencia as hipóteses que ensejariam obrigação de reparar o dano, desde que presentes todos os elementos.
Portanto, a responsabilidade civil, ao longo da história, se mostrou necessária no Direito, de modo a regulamentar e limitar as relações jurídicas que regem a vida em sociedade, a fim de pacificar e solucionar os conflitos de interesses que envolviam o instituto, que vem crescendo cada vez mais no decorrer do tempo.
Em que pese à personalidade jurídica nascer juntamente com o nascituro, o direito resguarda a vida do feto, tornando lhe detentor de direitos. Uma seara destes direitos se dá através dos alimentos gravídicos, que são de inquestionável importância para a possibilidade de assegurar uma gestação bem assistida em relação a suas necessidades específicas.
Contudo, o presente trabalho buscou identificar as lacunas existentes na Lei nº 11.804/2008 e demonstrar também como referidas lacunas vem sendo sanada por nossa legislação e jurisprudência no que tange a responsabilidade da gestante caso esta acione na justiça um terceiro inocente, o suposto pai, demonstrando quais ferramentas este possui para reaver o que pagou indevidamente a título de alimentos gravídicos e para que seja indenizado moralmente por todo o dano suportado com base na regra geral do Código Civil.
A possibilidade da paga desta obrigação nasce com a comprovação do envolvimento afetivo da gestante com o suposto pai, tendo o magistrado critérios subjetivos para analisar o caso concreto, mediante provas como fotos, e-mail, etc.
Nos dias atuais, as relações efetivas têm sofrido mudanças constantes, surgindo diariamente novas configurações, o que outrora poderia ser uma relação contínua e longínqua, hoje com o advento da liberdade sexual, pode facilmente tornar-se uma relação de semanas ou algumas horas.
De saída, o estudo demonstra por meio de análise doutrinária e julgados recentes, que a genitora responde, acaso seja demonstrado o abuso de direito, qual seja, o direito de percepção a alimentos, ao atribuir paternidade ao suposto pai, obrigando-o a prestar alimentos durante a gravidez, de má-fé, pois, não exista comprovação da paternidade. É que,este fato deverá ser demonstrado através de exame de DNA, pois caso contrário,poderá ser responsabilizada pelos danos causados. Enquadra-se a casuística, em cláusula geral de responsabilidade civil e responsabilidade será apurada mediante comprovação de culpa.
6.REFERÊNCIAS
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[1] Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professora de Direito da Faculdade Serra do Carmo. Advogada. E-mail: [email protected].
Estudante do 10° período do curso de direito na Faculdade Serra do Carmo, Palmas –TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Tatiana Ferreira da. A responsabilidade civil da genitora no que concerne a negativa de paternidade, após paga de alimentos gravídicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2019, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53890/a-responsabilidade-civil-da-genitora-no-que-concerne-a-negativa-de-paternidade-aps-paga-de-alimentos-gravdicos. Acesso em: 22 nov 2024.
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