RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar o Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010.
PALAVRAS-CHAVE: Estatuto da Igualdade Racial. Lei nº 12.288/2010. Direitos fundamentais. Sistema Nacional de Proteção da Igualdade Racial.
SUMÁRIO: Introdução. 2. Do princípio da igualdade. 3. Conceitos e diretrizes. 4. Dos direitos fundamentais. 4.1 Do direito à saúde. 4.2 Do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. 4.2.1 Do direito à educação. 4.2.2 Do direito à cultura. 4.2.3 Do direito ao esporte e ao lazer 4.3 Do direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos. 4.4 Do acesso à terra e à moradia adequada. 4.5 Do direito ao trabalho. 4.6 Dos meios de comunicação. 5. Do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O Estatuto da Igualdade Racial foi instituído pela Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, tendo entrado em vigor noventa dias após a data de sua publicação.
No plano interno, o Estatuto tem por fulcro a concretização do princípio da igualdade, inserto no artigo 5º, “caput", da Constituição Federal de 1988. No plano internacional, o fundamento é a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial.
Com o intuito de realizar uma breve análise sobre o novo panorama normativo, tecemos as considerações a seguir.
2. DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
O princípio da igualdade, corolário do postulado da dignidade da pessoa humana, é essencial ao Estado Democrático de Direito.
Para Sarlet, a dignidade da pessoa humana é “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade (…)” (SARLET, 2002, p. 62).
Há muito a doutrina afirma que o princípio da igualdade possui duplo aspecto, formal e material.
Mais recentemente o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADC 41, em voto de lavra do Ministro Luís Roberto Barroso, tratou do princípio sob uma nova ótica, a da igualdade como reconhecimento.
Segundo Barroso, “na questão da igualdade como reconhecimento, ela identifica a igualdade no que se refere ao respeito às minorias e ao tratamento da diferença de uma maneira geral. Assim, igualdade como reconhecimento significa respeitar as pessoas nas suas diferenças, mas procurar aproximá-las, igualando as oportunidades (STF, ADC 41, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 16-08-2017 PUBLIC 17-08-2017).
Desse modo o Supremo Tribunal Federal, com fulcro no direito à igualdade como reconhecimento, confirmou a constitucionalidade da Lei nº. 12.990/2014, responsável pela implantação do sistema de cotas para acesso a cargos e empregos públicos federais.
Firmou, assim, em sede de repercussão geral, a tese de que “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa".
O Estatuto da Igualdade Racial possui viés semelhante, pois busca garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.
3. CONCEITOS E DIRETRIZES
O Estatuto definiu alguns conceitos imprescindíveis à melhor interpretação da norma, tais como: discriminação racial ou étnico-racial; desigualdade racial; desigualdade de gênero e raça; população negra; políticas públicas; ações afirmativas. Vejamos:
“Art. 1º (…)
Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se:
I - discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada;
II - desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica;
III - desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais;
IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga;
V - políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais;
VI - ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.
O Estatuto possui como diretrizes as normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais. E, como diretrizes político-jurídicas, a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira.
No que se refere à participação da população negra na vida econômica, social, política e cultural do País, deverá ser promovida em condições de igualdade de oportunidades.
A concretização da igualdade de oportunidades ocorrerá, prioritariamente, por meio de instrumentos como: a inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social; a adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa; a modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do preconceito e da discriminação étnica; a promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais; a eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada; o estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades étnicas, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos; a implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros.
No que toca aos programas de ações afirmativas, consubstanciam-se em políticas públicas que têm por intuito a reparação das distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias reiteradamente adotadas durante o processo de formação social do País, desde o período colonial.
4. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
O Estatuto da Igualdade Racial enumera uma série de direitos fundamentais, tratando dos direitos à saúde, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à moradia adequada e ao trabalho. Também traz considerações a respeito dos meios de comunicação.
Nesse ponto, é imperioso salientar que “não há direitos fundamentais decorrentes da lei. A fonte primária dos direitos fundamentais é a Constituição. A lei, quando muito, irá densificar ou seja, disciplinar o exercício do direito fundamental, nunca criá-lo diretamente.” (MARMELSTEIN, 2016).
No caso, os direitos enumerados no Estatuto possuem fulcro constitucional, pelo que o objetivo do Estatuto busca é dar-lhes maior concretude.
4.1 DO DIREITO À SAÚDE
O direito fundamental à saúde foi consagrado pelo constituinte nos artigos 196 e seguintes da CRFB. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A saúde é um direito fundamental de 2a. geração, de cunho prestacional, tendo como nota distintiva “a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de C. Lafer, de propiciar um ‘direito de participar do bem-estar social’.” (SARLET, 1998).
Sob tal viés, o Estatuto da Igualdade Racial trata especificamente sobre o direito à saúde da população negra, impondo ao poder público o dever de implementar políticas universais, sociais e econômicas destinadas à redução do risco de doenças e de outros agravos. Assegura, assim, a atenção integral à saúde da população negra, por intermédio do SUS, garantido acesso universal e igualitário. Também assegura que o poder público agirá com o intuito de garantir tratamento sem discriminação à população negra vinculada aos seguros privados de saúde.
O Estatuto também estabelece as diretrizes e objetivos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Dentre as diretrizes, assegurou-se o direito à participação de lideranças dos movimentos sociais em defesa da saúde da população negra nas instâncias de participação e controle social do SUS, a produção de conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra e o desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação para contribuir com a redução das vulnerabilidades da população negra.
No que toca aos objetivos, destaca-se a promoção da saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnicas e o combate à discriminação nas instituições e serviços do SUS.
Além disso, os moradores das comunidades de remanescentes de quilombos são tratados de forma mais específica, dada a maior vulnerabilidade social. Há incentivos específicos para a garantia do direito à saúde de tal grupo, incluindo melhorias nas condições ambientais, no saneamento básico, na segurança alimentar e nutricional e na atenção integral à saúde.
4.2 DO DIREITO À EDUCAÇÃO, À CULTURA, AO ESPORTE E AO LAZER
O Estatuto também reafirma o direito da população negra à participação nas atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer adequadas a seus interesses e condições, de modo a contribuir para o patrimônio cultural de sua comunidade e da sociedade brasileira.
4.2.1 DO DIREITO À EDUCAÇÃO
A educação é direito de todos e dever do Estado e da família, tal como estabelecido pelo constituinte originário no artigo 205 da CRFB.
No âmbito do Estatuto da Igualdade Racial, o direito fundamental à educação é tratado sob o viés de fomento ao estudo da história geral da África e da história da população negra no Brasil.
Para tanto, determina que tais conteúdos devem ser ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, com o intuito de resgatar sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do País.
O Estatuto também estabelece o dever de fomento à formação inicial e continuada de professores e à elaboração de material didático específico, bem como incentiva os debates entre estudantes, intelectuais e representantes do movimento negro, nas datas comemorativas de caráter cívico.
Destaca, ainda, o dever do poder público de estimular e apoiar ações socioeducacionais realizadas por entidades do movimento negro que desenvolvam atividades voltadas para a inclusão social, mediante cooperação técnica, intercâmbios, convênios e incentivos, entre outros mecanismos.
Além disso, o Estatuto reafirma o dever do poder público de adotar programas de ações afirmativas, que devem ser acompanhados e avaliados pelo Poder Executivo federal, por meio dos órgãos responsáveis pelas políticas de promoção da igualdade e de educação.
4.2.2 DO DIREITO À CULTURA
A Constituição Federal de 1988 determina que deve ser garantido a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, afirmando que a valorização e a difusão das manifestações culturais devem ser apoiadas e incentivadas.
Neste sentido, cumpre ao Estado o dever de proteger as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, bem como das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
Visando dar maior concretude aos mandamentos constitucionais, o Estatuto estabelece que cumpre ao poder público garantir o reconhecimento das sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio histórico e cultural.
Além disso, assegura aos remanescentes das comunidades dos quilombos o direito à preservação de seus usos, costumes, tradições e manifestos religiosos, sob a proteção do Estado. Confere especial atenção do poder público à preservação dos documentos e dos sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, tombados nos termos do § 5o do art. 216 da Constituição Federal.
Do mesmo modo, determina que cabe ao poder público incentivar a celebração das personalidades e das datas comemorativas relacionadas à trajetória do samba e de outras manifestações culturais de matriz africana, bem como sua comemoração nas instituições de ensino públicas e privadas. E também o registro e a proteção da capoeira como bem de natureza imaterial e de formação da identidade cultural brasileira.
4.2.3 DO DIREITO AO ESPORTE E AO LAZER
Na seara da igualdade de oportunidades, o Estatuto determina ao poder público o dever de fomentar o pleno acesso da população negra às práticas desportivas, consolidando o esporte e o lazer como direitos sociais.
Reconhece, também, a capoeira como desporto de criação nacional, facultando o seu ensino nas instituições públicas e privadas pelos capoeiristas e mestres tradicionais, pública e formalmente reconhecidos.
4.3 DO DIREITO À LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA E AO LIVRE EXERCÍCIO DOS CULTOS RELIGIOSOS
No âmbito do direito fundamental à liberdade de consciência e de crença, o Estatuto assegura o livre exercício dos cultos religiosos, garantindo a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
Neste toar, especifica que o direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende: a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins; a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões; a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às respectivas convicções religiosas; a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por legislação específica; a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões de matriz africana; a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões; o acesso aos órgãos e aos meios de comunicação para divulgação das respectivas religiões; e a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais.
Além disso, afirma que os praticantes de religiões de matrizes africanas internados em hospitais ou em outras instituições de internação coletiva, inclusive aqueles submetidos a pena privativa de liberdade, devem ter assegurada a assistência religiosa.
Por fim, estabelece ao poder público o dever de adotar medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores.
4.4 DO ACESSO À TERRA E À MORADIA ADEQUADA
O Estatuto, primando pelos ditames constitucionais, impõe ao poder público o dever de elaborar e implementar políticas públicas capazes de promover o acesso da população negra à moradia adequada, bem como à terra e às atividades produtivas no campo.
No que toca às áreas rurais, dispõe sobre a viabilização e ampliação do acesso ao financiamento agrícola, bem como da assistência técnica rural e do fortalecimento da infraestrutura de logística para a comercialização da produção. Também determina ao poder público que promova a educação e a orientação profissional agrícola para os trabalhadores negros e as comunidades negras rurais.
Com relação aos remanescentes dos antigos quilombos, na esteira do preceituado no artigo 68 da Constituição Federal, o Estatuto reafirma a propriedade definitiva das terras ocupadas e o dever do Estado de emitir os títulos respectivos. Estabelece, ainda, para fins de política agrícola, tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura.
No que se refere à moradia urbana, o Estatuto determina que os programas, projetos e outras ações governamentais realizadas no âmbito do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), devem considerar as peculiaridades sociais, econômicas e culturais da população negra. Além disso, os agentes financeiros, públicos ou privados, devem promover ações para viabilizar o acesso da população negra aos financiamentos habitacionais.
Ademais, incumbe ao poder público adotar políticas públicas com o intuito de garantir o direito à moradia adequada da população negra que vive em favelas, cortiços, áreas urbanas subutilizadas, degradadas ou em processo de degradação, a fim de reintegrá-las à dinâmica urbana e promover melhorias no ambiente e na qualidade de vida.
O conceito de moradia adequada abrange a infraestrutura urbana e os equipamentos comunitários associados à função habitacional, bem como a assistência técnica e jurídica para a construção, a reforma ou a regularização fundiária da habitação em área urbana.
4.5 DO DIREITO AO TRABALHO
A Constituição Federal de 1988 elencou o direito ao trabalho dentre os direitos sociais, no rol do artigo 6º.
Como afirma Delgado, “a dignidade da pessoa fica, pois, lesada caso ela se encontre em uma situação de completa privação de instrumentos de mínima afirmação social. Enquanto ser necessariamente integrante de uma comunidade, o indivíduo tem assegurado por este princípio não apenas a intangibilidade de valores individuais básicos, como também um mínimo de possibilidade de afirmação no plano social circundante. Na medida desta afirmação social é que desponta o trabalho, notadamente o trabalho regulado, em sua modalidade mais bem elaborada, o emprego.” (DELGADO, 2004, p. 43-44).
Nesse sentido, visando uma maior inclusão da população negra no mercado de trabalho, o Estatuto atribui ao poder público a responsabilidade de implementar políticas públicas, com observância dos compromissos internacionalmente assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional.
Para tanto, devem ser promovidas ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas. Tais ações devem assegurar o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários.
Além disso, cabe ao poder público a promoção de ações com o objetivo de elevar a escolaridade e a qualificação profissional nos setores da economia que contem com alto índice de ocupação por trabalhadores negros de baixa escolarização.
No que toca ao empreendedorismo, é previsto o estímulo por meio de financiamento para constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e de programas de geração de renda, bem como o incentivo das atividades voltadas ao turismo étnico.
Especificamente do âmbito federal há, também, a previsão de que o Poder Executivo federal poderá implementar critérios para provimento de cargos em comissão e funções de confiança destinados a ampliar a participação de negros, buscando reproduzir a estrutura da distribuição étnica nacional ou, quando for o caso, estadual, observados os dados demográficos oficiais.
4.6 DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
O Estatuto também trata da necessidade de valorização da herança cultural e da participação da população negra na história do País.
Para tanto, estabelece que a produção veiculada pelos órgãos de comunicação observará tais diretrizes, e que deverão ser conferidas oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, na produção de filmes, programas e peças publicitárias que se destinem à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas.
No mesmo sentido, estabelece que os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, as empresas públicas e as sociedades de economia mista federais deverão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário. Tal regra não se aplica às produções que abordarem especificidades de grupos étnicos.
5. DO SISTEMA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
Com o intuito de organizar e articular a implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as desigualdades étnicas, o Estatuto instituiu o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir).
Apesar de o Sinapir ter sido instituído no âmbito da União, os demais entes federados podem dele participar mediante adesão. Para maior efetividade na superação das desigualdades, é incentivada a participação da sociedade e da iniciativa privada.
No que se refere aos objetivos do Sinapir, o Estatuto elenca os seguintes: a promoção da igualdade étnica e o combate às desigualdades sociais resultantes do racismo, inclusive mediante adoção de ações afirmativas; a formulação de políticas destinadas a combater os fatores de marginalização e a promover a integração social da população negra; a descentralização da implementação de ações afirmativas pelos governos estaduais, distrital e municipais; a articulação de planos, ações e mecanismos voltados à promoção da igualdade étnica; a garantia da eficácia dos meios e dos instrumentos criados para a implementação das ações afirmativas e o cumprimento das metas a serem estabelecidas.
É importante frisar que a elaboração do plano nacional de promoção da igualdade racial contendo as metas, princípios e diretrizes para a implementação da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR) cabe ao Poder Executivo federal. E que foi assegurada a participação da sociedade civil no órgão colegiado responsável pela elaboração das diretrizes das políticas nacional e regional de promoção da igualdade étnica.
Nos âmbitos estadual, distrital e municipal, o respectivo Poder Executivo pode, no âmbito de sua esfera de competência, instituir conselhos de promoção da igualdade étnica. Tais conselhos têm caráter permanente e consultivo e devem ser compostos por igual número de representantes de órgãos e entidades públicas e de organizações da sociedade civil representativas da população negra. Os entes federados que criarem tais conselhos terão prioridade no repasse dos recursos referentes aos programas e atividades previstos no Estatuto.
Além disso, também cabe ao poder público federal a instituição, no âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo, de Ouvidorias Permanentes em Defesa da Igualdade Racial. O objetivo de tais ouvidorias é o recebimento e encaminhamento de denúncias de preconceito e discriminação com base em etnia ou cor, bem como o acompanhamento da implementação de medidas para a promoção da igualdade.
O Estatuto ressalta, ainda, o acesso das vítimas de discriminação étnica à Ouvidoria Permanente, à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, em todas as suas instâncias. Especificamente com relação às mulheres negras em situação de violência, garantiu a assistência física, psíquica, social e jurídica.
Também trata da necessidade de adoção, pelo poder público, de medidas especiais para coibir a violência policial incidente sobre a população negra, bem como da implementação de ações de ressocialização e proteção da juventude negra em conflito com a lei e exposta a experiências de exclusão social.
Além disso, o Estatuto impõe ao poder público o dever de adotar medidas para coibir atos de discriminação e preconceito praticados por servidores públicos em detrimento da população negra, e ressalta a possibilidade de utilização de instrumentos como a Ação Civil Pública para a apreciação judicial das lesões e das ameaças de lesão aos interesses da população negra decorrentes de situações de desigualdade étnica.
Na implementação dos programas e das ações constantes dos planos plurianuais e dos orçamentos anuais da União, cumpre ao poder público observar as políticas de ação afirmativa referidas no inciso VII do art. 4o da lei em comento, bem como outras políticas públicas que tenham como objetivo promover a igualdade de oportunidades e a inclusão social da população negra. Para tanto, sem prejuízo da destinação de recursos ordinários, podem ser consignados nos orçamentos fiscal e da seguridade social para financiamento de tais ações: transferências voluntárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; doações voluntárias de particulares; doações de empresas privadas e organizações não governamentais, nacionais ou internacionais; doações voluntárias de fundos nacionais ou internacionais; doações de Estados estrangeiros, por meio de convênios, tratados e acordos internacionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o acima exposto, pode-se concluir que o Estatuto da Igualdade Racial representa um importante marco no contexto histórico brasileiro, reforçando os pilares do Estado Democrático de Direito.
A norma busca explicitar os ditames constitucionais em prol da igualdade. Ante seu intuito protetivo, não exclui outras medidas em prol da população negra que tenham sido ou venham a ser adotadas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
REFERÊNCIAS
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 180-181.
BRASIL. Lei nº 12.288/2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12288.htm. Acesso em: 28/11/2019.
DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTR, 2004, p. 43-44.
MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016.
OLIVEIRA, Sidney de Paula. O Estatuto da Igualdade Racial. Selo Negro, 2013.
SANTOS, Celso José dos. O Estatuto da Igualdade Racial: avanços, limites e potencialidades. Cadernos de Educação, Brasília, n. 23, p. 147-163, jul./dez. 2010. Acessado em 26/11/2019.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADC 41, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 16-08-2017 PUBLIC 17-08-2017).
VITORELLI, Edilson. Estatuto da Igualdade Racial e comunidades quilombolas. 4. ed. rev. amp. e atual. Salvador: 2017, Juspodvm.
Advogada, pós-graduada em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMPOS, Gisele de Assis. Considerações sobre o Estatuto da Igualdade Racial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2019, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53996/consideraes-sobre-o-estatuto-da-igualdade-racial. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: FELIPE GARDIN RECHE DE FARIAS
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Andrea Kessler Gonçalves Volcov
Por: Lívia Batista Sales Carneiro
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