RESUMO: O presente artigo tem a finalidade de abordar o Conselho Nacional de Justiça, órgão criado pela emenda 45/2004 e constante do artigo 103-B da Constituição Federal, e sua relação e limites com a atuação desempenhada pelas serventias extrajudiciais, previstas no artigo 236 da Constituição Federal, sendo administradas pelo particular por meio de delegação do Poder Público.
Palavras chave: Conselho Nacional de Justiça; Serventias Extrajudiciais; Limites atuação serventias extrajudiciais, normatização Conselho Nacional de Justiça.
ABSTRACT: The present article will approach the so called Conselho Nacional de Justiça, created by the 45/2004 amendment and displayed on article 103-B of our Constitution, and its relation and limits with notaries and their extra judicial offices, that are defined on article 236 of the Constitution, being managed by delegation of Public authorities
Key words: Conselho Nacional de Justiça, Extra judicial offices, Limits for extra judicial offices, Regulation by the Conselho Nacional de Justiça
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, em seu artigo 103-B, instituiu por meio da Emenda Constitucional n. 45 de 2004, a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Trata-se de um órgão voltado para o controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário, cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, bem como recebimento de reclamações e expedição de recomendações e provimentos direcionados às serventias extrajudiciais, dentre outras funções que serão a seguir estudadas (BRASIL, 2004).
A criação e atuação do Conselho Nacional de Justiça passou por momentos iniciais de muitos questionamentos, críticas e resistências, inclusive quanto ao critério de escolha de membros para sua composição.
Com o passar dos anos, a atuação do CNJ vem demonstrando diversos resultados práticos e objetivos, como o fornecimento de diversos dados estatísticos que auxiliam a mapear as dificuldades enfrentadas nas diferentes regiões do país relacionadas à administração da Justiça, fiscalizando e até mesmo, quando necessário, punindo membros do Poder Judiciário e também das serventias delegadas, bem como regulando as atividades nesse âmbito extrajudicial.
Nesse artigo, analisaremos o contexto da atuação e regulação do Conselho Nacional de Justiça em âmbito nacional em relação às serventias extrajudiciais, delegadas ao particular pelo Poder Público, que atuam com independência mas sempre adstritos aos preceitos legais vigentes.
Será inicialmente abordado o Conselho Nacional de Justiça, o cenário de sua criação, composição, funções e forma de atuação.
Em seguida, serão estudadas as serventias extrajudiciais, como se dá sua organização, funcionalidade, regras a que se submetem e limites que devem observar para atingir os objetivos pelos quais justificam sua existência e funcionamento.
Por fim, veremos como a normatização realizada pelo Conselho Nacional de Justiça afeta as serventias extrajudiciais, e se a forma como essa relação vem se desenvolvendo está dentro de parâmetros de atuação que obedecem à legalidade e eficiência almejados.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Do Conselho Nacional de Justiça
O Conselho Nacional de Justiça foi criado Emenda Constitucional número 45/2004, e seu Regimento Interno traz a definição:
Art. 1º O Conselho Nacional de Justiça - CNJ, instalado no dia 14 de junho de 2005, órgão do Poder Judiciário com atuação em todo o território nacional, com sede em Brasília-DF, compõe-se de quinze membros, nos termos do art. 103-B da Constituição Federal (Regimento Interno CNJ). (BRASIL, 2004).
Trata-se de órgão fiscalizador do Poder Judiciário, composto por 15 membros- sendo 9 vindos da Magistratura- Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Justiça Federal (primeira e segunda instância) e Justiça Estadual (primeira e segunda instância), e outros 6 originários do Ministério Público, Advocacia e cidadãos indicados pelo Poder Legislativo, como abaixo elencados:
Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009)
I - o Presidente do Supremo Tribunal Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009)
II - um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
III - um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IV - um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V - um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI - um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VII - um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VIII - um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IX - um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
X - um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da República; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
XI um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
XII - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
XIII - dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). (BRASIL, 2004).
A criação do Conselho Nacional de Justiça foi objeto de questionamento e análise na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3667, de 2005, proposta pela Associação Brasileira dos Magistrados Brasileiros (AMB). Coube aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a decisão, e consideraram que tal órgão seria constitucional. Desta feita, por maioria de sete votos, o plenário declarou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3367, a qual contestava a criação do Conselho, como órgão independente para fiscalizar e propor políticas públicas para o Poder Judiciário.
Nessa ADI, o relator da matéria, ministro Cezar Peluso, votou pela improcedência total da ADI, e em seu voto fundamentou não haver ofensa aos princípios constitucionais de separação dos Poderes e violação ao Pacto Federativo, como segue abaixo transcrito:
Sob o prisma constitucional brasileiro do sistema da separação dos Poderes, não se vê a priori como possa ofendê-lo a criação do Conselho Nacional de Justiça. À luz da estrutura que lhe deu a Emenda Constitucional nº 45/2004, trata-se de órgão próprio do Poder Judiciário (art. 92, I-A), composto, na maioria, por membros desse mesmo Poder (art. 103-B), nomeados sem interferência direta dos outros Poderes, dos quais o Legislativo apenas indica, fora de seus quadros e, pois, sem laivos de representação orgânica, dois dos quinze membros. (BRASIL, s.d., p. 9).
Com relação à suposta violação que poderia haver em relação ao pacto federativo, afirma o relator em seu voto:
O pacto federativo não se desenha nem expressa, em relação ao Poder Judiciário, de forma normativa idêntica à que atua sobre os demais Poderes da República. Porque a Jurisdição, enquanto manifestação da unidade do poder soberano do Estado, tampouco pode deixar de ser una e indivisível, é doutrina assente que o Poder Judiciário tem caráter nacional, não existindo, 57 Entrevista concedida ao Jornal de Brasília, em 22.09.1995. 58 Entrevista concedida ao Jornal do Brasil, em 26.12.1994. 36 SEM REVISÃO senão por metáforas e metonímias, “Judiciários estaduais” ao lado de um “Judiciário federal”. A divisão da estrutura judiciária brasileira, sob tradicional, mas equívoca denominação, em Justiças, é só o resultado da repartição racional do trabalho da mesma natureza entre distintos órgãos jurisdicionais. O fenômeno é corriqueiro, de distribuição de competências pela malha de órgãos especializados, que, não obstante portadores de esferas próprias de atribuições jurisdicionais e administrativas, integram um único e mesmo Poder. (BRASIL, s.d., p. 36).
O relator ressaltou, ainda, em seu voto, sobre as atribuições do Conselho Nacional de Justiça, que seriam de duas ordens:
Como já referi, são duas, em suma, as ordens de atribuições conferidas ao Conselho pela Emenda Constitucional nº 45/2004: (a) o controle da atividade administrativa e financeira do Judiciário, e (b) o controle ético-disciplinar de seus membros. A primeira não atinge o autogoverno do Judiciário. Da totalidade das competências privativas dos tribunais, objeto do disposto no art. 96 da Constituição da República, nenhuma lhes foi castrada a esses órgãos, que continuarão a exercê-las todas com plenitude e exclusividade. [...] De modo que, sem profanar os limites constitucionais da independência do Judiciário, agiu dentro de sua competência reformadora o poder constituinte derivado, ao outorgar ao Conselho Nacional de Justiça o proeminente papel de fiscal das atividades administrativa e financeira daquele Poder. A bem da verdade, mais que encargo de controle, o Conselho recebeu aí uma alta função política de aprimoramento do autogoverno do Judiciário, cujas estruturas burocráticas dispersas inviabilizam o esboço de uma estratégia político-institucional de âmbito nacional. (BRASIL, s.d., p. 24-25).
Dessa forma, resta claro que para o ministro Peluso, referida ação demonstrou a legítima preocupação da AMB de que a criação do Conselho Nacional de Justiça representasse risco à independência do Poder Judiciário. No entanto, o ministro observou que referido Conselho não possuiria competência jurisdicional, ou seja, não exerceria função capaz de interferir no desempenho da função típica do Judiciário. No entanto, o ministro observou que referido Conselho não possuiria jurisdicional, ou seja, não exerceria função capaz de interferir no desempenho da função típica do Judiciário, de modo que a autonomia e independência do Judiciário não se confundiriam com seu isolamento social.
Assim, ao CNJ coube, além de uma função política de aprimoramento do Judiciário, segundo o ministro Cezar Peluso, uma função de órgão superior capaz de lidar e mediar problemas que se referissem à crise de poder vivida atualmente, sem extrapolar os limites constitucionais que lhe haviam sido atribuídos:
De modo que, sem profanar os limites constitucionais da independência do Judiciário, agiu dentro de sua competência reformadora o poder constituinte derivado, ao outorgar ao Conselho Nacional de Justiça o proeminente papel de fiscal das atividades administrativa e financeira daquele Poder. A bem da verdade, mais que encargo de controle, o Conselho recebeu aí uma alta função política de aprimoramento do autogoverno do Judiciário, cujas estruturas burocráticas dispersas inviabilizam o esboço de uma estratégia político-institucional de âmbito nacional. São antigos os anseios da sociedade pela instituição de um órgão superior, capaz de formular diagnósticos, tecer críticas construtivas e elaborar programas que, no limite de suas responsabilidades constitucionais, dêem respostas dinâmicas e eficazes aos múltiplos problemas comuns em que se desdobra a crise do Poder. (BRASIL, s.d., p. 24).
No que diz respeito à composição do Conselho Nacional de Justiça, o qual, como visto, é formado por juízes em sua maioria, mas conta também com a participação de outros membros, o ministro Cezar Peluso esclareceu:
[...] pode ser que tal presença seja capaz de erradicar um dos mais evidentes males dos velhos organismos de controle, em qualquer país do mundo: o corporativismo, essa moléstia institucional que obscurece os procedimentos investigativos, debilita as medidas sancionatórias e desprestigia o Poder. (BRASIL, s.d., p. 28).
Dessa forma, a finalidade almejada com a participação de não membros juízes no CNJ contribuiria para uma melhor análise e fiscalização dos casos que lhe forem porventura submetidos, de modo a garantir um sistema mais imparcial. A preocupação de que isso seja usado de forma negativa e como instrumento de dominação política cede espaço à ponderação de que o exercício do poder disciplinar segue o princípio da legalidade. Ademais, a maioria qualificada dos membros continua sendo composta por juízes, os quais passaram previamente pelo crivo de exames rigorosos de aprovação em concursos públicos e são submetidos, em sua atividade laboral diária, à imparcialidade e legalidade no exercício de suas funções.
O real temor gerado pela presença de não-magistrados no Conselho Nacional de Justiça está em que sua fiscalização ético-disciplinar, num plano de superposição, transponha os horizontes constitucionais e legais, transformando-se em instrumento de dominação política da magistratura. Não se deve baratear tão válida preocupação de que um controle arbitrário corrompa as condições e garantias de imparcialidade dos juízes e, como tal, desnature a Jurisdição. Mas não se deve tampouco sobreestimá-la, nem ceder a puras fantasias, como se não dispusesse o sistema de mecanismos aptos de defesa, com força bastante para neutralizar riscos teóricos. Neste passo, vale a pena chamar a atenção para o fato de que a própria Emenda Constitucional nº 45/2004 contém provisões adequadas a garantir que o exercício do poder disciplinar se paute por critérios de rigorosa legalidade. Relembre-se, ainda uma vez, que a maioria qualificada de membros do Conselho é formada de juízes e, pois, de pessoas insuspeitas à magistratura, aprovadas e experimentadas no ofício de aplicar a lei. Donde é lícito crer que tal maioria constitua o primeiro elemento regulador da retidão e legitimidade do uso do poder de controle atribuído ao órgão. Acresça-se-lhe a circunstância, não menos significativa, de que a função de Ministro-Corregedor é destinada ao Ministro representante do Superior Tribunal de Justiça (art. 103- B, § 5º). (BRASIL, s.d., p. 31-32).
Portanto, como se pôde observar, a criação do Conselho Nacional de Justiça por meio da emenda 45/2004 veio cercada de polêmicas e algumas descrenças, que ao longo dos anos de sua atuação se mostraram infundadas. Trata-se de órgão do Poder Judiciário de grande relevância, atuando na fiscalização e orientação não apenas da via jurisdicional, mas também com grande importância para as serventias extrajudiciais.
2.2 Serventias extrajudiciais
As serventias extrajudiciais encontram sua previsão legal na Constituição Federal, artigo 236, o qual prescreve:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1 Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2 Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3 O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. (BRASIL, 1988).
A lei mencionada que regula as atividades é a lei 8935/1994, a qual traz a definição dos serviços e dos notários:
Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Art. 2º (Vetado).
Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. (BRASIL, 1994).
Desta forma, notários e registradores são profissionais do direito dotados de fé pública, que exercem em caráter privado a atividade, a partir de delegação do Poder Público, de serviços de organização técnica e administrativa, de modo a garantir a publicidade, autenticidade e eficácia dos atos jurídicos.
Segundo Walter Ceneviva, em seus comentários sobre a lei 8935/94:
O serviço do tabelião se caracteriza, em seus aspectos principais, como o trabalho de compatibilizar com a lei a declaração desejada pelas partes nos negócios jurídicos se seu interesse. Coptaibilização participante e não meramente passiva, pois a declaração transposta para o documento público se destina a retratar limitações de direito, aceitas pelos participantes do ato. (CENEVIVA, 2002, p. 22).
Resta claro que os notários atuam de forma imparcial, orientando juridicamente as partes, redigindo e formalizando sua vontade, autenticando fatos e dando a forma legal exigida ou desejada.
Art. 6º Aos notários compete:
I - formalizar juridicamente a vontade das partes;
II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;
III - autenticar fatos. (BRASIL, 1994).
A titularidade das serventias extrajudiciais se dá por meio de concursos de provas e títulos, é de caráter estadual e 1/3 das vagas é preenchida pelo critério de remoção e 2/3 por ingresso. À remoção podem concorrer aquelas que exerçam a titularidade de serventias extrajudiciais no Estado respectivo há mais de 2 anos.
É um serviço público que é exercido por meio de delegação ao particular, que é considerado, segundo Eduardo Socrates Castanheira Sarmento Filho, “[...] um agente público, mas não um funcionário público no sentido estrito. Não ocupa um cargo, emprego ou função dentro da hierarquia de nenhum órgão estatal” (SARMENTO FILHO, 2018, p. 147).
Quanto à natureza jurídica da atividade desempenhada por notários e registradores, mas uma vez Ceneviva traz uma definição bastante clara:
Discutiu-se em nosso país e no exterior se o tabelião é exercente de funções parajurisdicionais ou se é um serviço. A Lei 8938/94 resolveu o problema, afirmando que notários e registradores são profissionais do direito, mas praticantes de serviço no interesse público. (CENEVIVA, 2002, p. 23).
Segundo o renomado autor, notários e registradores prestam um serviço público, que lhes é delegado e fiscalizado pelo Poder Público, seguindo princípios que serão a seguir elencados e de forma independente, como prescreve o artigo 28 da lei 8935/94.
Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei. (BRASIL, 1994).
Nessa atuação, notários e registradores devem garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Por publicidade, entende-se que os atos notariais e registrais constituem garantias fundamentais do cidadão, em face ao regime democrático do Estado de Direito adotado pela Constituição vigente, e que tem por objetivo dar amplo conhecimento de toda a sociedade dos escritos e registros públicos, satisfazendo a necessidade popular de verificação pública dos atos e negócios jurídicos celebrados ou registrados no Serviço.
O princípio da autenticidade pode ser visto como a certeza de sua autoria, e tem por objetivo afirmar que o documento que tenha a intervenção notarial ou registral é verdadeiro, em decorrência da sua fé pública. Por meio da autenticidade, pode-se afirmar que o documento, que tem por finalidade criar, extinguir ou modificar um ato ou negócio jurídico, e por consequência está apto para produzir efeitos, terá presunção relativa de veracidade. De acordo com Walter Ceneviva (2002, p. 5) a: “[...] autenticidade é a qualidade do que é confirmado por ato de autoridade: de coisa, documento ou declaração de verdadeiros. O registro cria presunção relativa de verdade” (CENEVIVA, 2002, p. 2).
Com relação à segurança, Walter Ceneviva (2002) afirma:
A segurança, como libertação do risco, é, em parte, atingida pelos títulos notariais e pelos registros públicos. O sistema de controle dos instrumentos, notariais e registrários tende a se aperfeiçoar, para constituir malha firme e completa de informações, que terminará, em dia ainda imprevisível, a ter caráter nacional. A primeira segurança é da certeza quanto ao ato e sua eficácia. Quanto o ato não corresponder à garantia, surge o segundo elemento de segurança: a de que o patrimônio prejudicado será devidamente recomposto. (CENEVIVA, 2002, p. 26).
Notários e registradores atuam como verdadeiros guardiães do direito e do sistema de registros públicos, a fim de garantir estabilidade e segurança jurídica nas transações realizadas, nas mais diversas áreas, como direito de família, sucessões, direito contratual, controle de tributos, ect. Neste sentido, afirma Kioitsi Chicuta (1998): “A importância da segurança material ou formal não deve fazer olvidar que há uma segurança anterior, em grande medida conseguida através de cautelas, sem as quais a segurança documental seria vã” (CHICUTA,1998, p. 69).
Por fim, o último dos princípios constantes do artigo 1 da lei 8935/94, diz respeito à eficácia, buscada em todos os atos que são praticados por tais profissionais do direito, dotados de fé pública. Em virtude dessa fé pública, tem-se como verdadeiros os fatos afirmados nos instrumentos lavrados. Para José Renato Nalini (1998)
[...] a terceira das finalidades dos registros públicos é a eficácia dos atos jurídicos. A eficácia abrange não só a validade, como também a vigência e a qualidade do registro. Lavrado o assento, o qual nele descrito passa a prover de condições para produzir efeitos. É ato juridicamente existente e apto a irradiar-se na completeza de suas consequências. (NALINI,1998, p. 42).
Assim, percebe-se a importância da atuação das serventias extrajudiciais em nosso contexto social, oferecendo um serviço público que garanta a seus usuários publicidade, autenticidade, segurança jurídica e eficácia.
2.3 Normatização do Conselho Nacional de Justiça e as serventias extrajudiciais
O Conselho Nacional de Justiça, abordado anteriormente, detém uma série de atribuições. Em relação às serventias extrajudiciais, as principais formas de atuação dizem respeito à recepção e andamento de reclamações contra as serventias delegatárias e também à expedição de recomendações, provimentos, instruções, orientações e outros atos normativos às mesmas. Nesse sentido são as previsões elencadas no artigo 8 incisos I e X de seu Regimento Interno:
Seção II
Das Atribuições do Corregedor Nacional de justiça
Art. 8º Compete ao Corregedor Nacional de Justiça, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
I - receber as reclamações e denúncias de qualquer interessado relativas aos magistrados e Tribunais e aos serviços judiciários auxiliares, serventias, órgãos prestadores de serviços notariais e de registro, determinando o arquivamento sumário das anônimas, das prescritas e daquelas que se apresentem manifestamente improcedentes ou despidas de elementos mínimos para a sua compreensão, de tudo dando ciência ao reclamante;
(...)
X - expedir Recomendações, Provimentos, Instruções, Orientações e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos órgãos do Poder Judiciário e de seus serviços auxiliares e dos serviços notariais e de registro, bem como dos demais órgãos correicionais, sobre matéria relacionada com a competência da Corregedoria Nacional de Justiça [...]. (CNJ, 2009).
Diversos são os provimentos expedidos pelo Conselho Nacional de Justiça, com conteúdo normativo, e que abrangem os mais diversos temas na seara extrajudicial, como cobrança de emolumentos e usucapião extrajudicial.
Segundo Luis Paulo Aliende Ribeiro, a Corregedoria Geral de Justiça é um órgão superior do Tribunal de Justiça, com poderes de regular a atividade notarial e de registro. Tais poderes seriam o normativo, para editar comandos gerais; de outorga para a emissão de atos concretos do particular para exercício da atividade; de fiscalização; sancionatório; de conciliação e de recomendação. Sob sua ótica: “Esses poderes todos estão interligados e há necessidade dessa integração” (RIBEIRO 2011, p. 64).
Essa grande atuação do CNJ, por si só, não representaria um avanço aos limites de sua competência de atuação, que lhe vem expressa na Constituição Federal, no artigo 103-B, parágrafo 4º, I. Como transcrito acima, o Regimento Interno do CNJ também detalha quais as atribuições do Corregedor Nacional de Justiça, dentre as quais encontra-se a expedição de atos voltados ao aperfeiçoamento das atividades dos órgãos do Judiciário e dos serviços auxiliares notariais e de registro, sobre matérias relacionadas à competência da Corregedoria Nacional de Justiça.
Ressaltamos ainda que, quanto a esse último aspecto mencionado, seu regulamento geral traz disposições equivalentes, determinando no artigo 14 os atos de natureza normativa do Corregedor, que se destinam ao aperfeiçoamento das atividades dos órgãos do Poder Judiciário e de seus serviços auxiliares e dos serviços notariais e de registro.
Ao CNJ compete, ainda, fiscalizar a atividade notarial e registral, e nesse contexto cabe o controle e acompanhamento da atividade desempenhada, condução de processos administrativos, orientação e até mesmo eventuais punições.
Como já visto anteriormente, muito se discutiu quando da criação do CNJ acerca de sua constitucionalidade, inclusive na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3367. Naquela ocasião, a decisão foi no sentido de que o poder regulamentar não feriria o princípio federativo e a repartição de poderes, pois não teria função legislativa. Veda-se, na realidade, sua atuação por meio de medidas administrativas ou normativas que sejam revestidas de abstração e generalidade, de modo que tenham como objetivo regulamentar matérias e inovar no ordenamento jurídico. Nesse sentido é a menção abaixo, do voto do Ministro relator Cezar Peluso na referida ADI:
Ademais, o Conselho reúne as características palpáveis de órgão federal, enquanto representativo do Estado unitário, formado pela associação das unidades federadas, mas não, de órgão da União. O Conselho não é concebido nem estruturado como órgão da União, e, sim, do Poder Judiciário nacional, donde ser irrelevante que seu orçamento seja federal, pois a origem da fonte de custeio não transmuda a natureza nem a relação de pertinência do órgão no plano da separação dos Poderes, que é o plano onde se situa o critério de sua taxinomia, que nada tem com outro plano classificatório, o das unidades da federação. A inicial, aqui, incide noutro erro de ótica, pois não vê o plano lógico em que está o critério de divisão dos órgãos do mesmo Poder, só enxergando o que discerne entre as entidades elementares da federação. E é tão impróprio quanto supor que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, não pudessem julgar recursos interpostos em causas da competência de órgãos jurisdicionais estaduais, ou de interesse de municípios, porque o custeio de ambos corre à conta do orçamento da União. (...) E é só órgão que ocupa, na estrutura do Poder Judiciário, posição hierárquica superior à do Conselho da Justiça Federal e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, no sentido de que tem competência para rever-lhes os atos deste e daquele. Ora, está nisso o princípio capaz de resolver, em concreto, os conflitos aparentes de competência. Por outro lado, a competência do Conselho para expedir atos regulamentares destina-se, por definição mesma de regulamento heterônomo, a fixar diretrizes para execução dos seus próprios atos, praticados nos limites de seus poderes constitucionais, como consta, aliás, do art. 103-B, § 4º, I, onde se lê: “no âmbito de sua competência”. A mesma coisa é de dizer-se a respeito do poder de iniciativa de propostas ao Congresso Nacional (art. 103-B, § 4º, inc. VII). (BRASIL, s.d., p. 39).
Tratando mais especificamente da questão da normatização feita pelo Conselho Nacional de Justiça, cabe se questionar porque tantos provimentos são expedidos em relação às serventias notariais e de registro.
De um lado, há a preocupação do CNJ de uniformizar tais atividades, nos mais diferentes Estados do país. As normas que regem as atividades são estaduais, o que acaba gerando muitas diferenças de procedimento e de garantias individuais. Por outro lado, observou-se em muitos Estados a grande capacidade que os profissionais de direito- notários e registradores, têm para abarcar outras funções e atribuições judiciais, de forma eficiente, rápida e menos onerosa. A proliferação de concursos públicos e aprimoramento das atividades têm contribuídos bastante nesse cenário, selecionando profissionais com grande conhecimento na área e voltados a esta linha de atuação.
Por outro, o CNJ também é por vezes consultado para impor limites na forma de atuação de notários e registradores, ou seja, regulamentar até que ponto tais profissionais detêm atribuições e iniciativas para agir, dentro da legalidade que lhes é imposta. Deve-se, nesse caso, verificar quais seriam tais limites, e desde que se tratem de questões da legalidade dita e de juridicidade, a atividade desempenhada estará dentro das atribuições que lhe foram conferidas pela Constituição Federal e pelo Regimento Interno do CNJ.
Há outras situações, no entanto, em que a atuação do CNJ acaba por ultrapassar os limites e atribuições que detém, e acaba por proferir decisões e normas que vão além de sua competência. Nesse contexto, questiona-se a legalidade de tais decisões e provimentos, e como as serventias extrajudiciais se situam e devem proceder.
Esse poder regulamentar do Conselho Nacional de Justiça já foi discutido na Ação Declaratória de Constitucionalidade 12-MC/DF, em que o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, que o CNJ detém competência regulamentar primariamente para as matérias previstas no artigo 103-B parágrafo 4, II da Constituição Federal, e que a competência para zelar pelo artigo 37 da Constituição Federal e de baixar atos para sanar condutas que possam ser contrárias a legalidade é um dever que traz consigo a norma em abstrato. É nesse sentido o voto do Ministro Carlos Britto:
A Resolução n° 07/05 do CNJ reveste-se dos atributos da generalidade (os dispositivos dela constantes veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo padronizadas), impessoalidade (ausência de indicação nominal ou patronimica de quem quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de forma continua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos mandamentos). A Resolução n° 07/05 se dota, ainda, de caráter normativo primário, dado que arranca diretamente do § 4o do art. 103-B da Carta-cidadã e tem como finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos dos principios constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado, especialmente o da impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da moralidade. O ato normativo que se faz de objeto desta ação declaratória densifica apropriadamente os quatro citados princípios do art. 3 7 da Constituição Federal, razão por que não há antinomia de conteúdos na comparação dos comandos que se veiculam pelos dois modelos normativos: o constitucional e o infraconstitucional. Logo, o Conselho Nacional de Justiça fez adequado uso da competência que lhe conferiu a Carta de Outubro, após a Emenda 45/04. (BRASIL, 2006).
A resolução 07/05 trata do nepotismo, e disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências.
Observamos que os argumentos apresentados por Carlos Britto em seu voto se baseiam na limitação da atuação do Conselho Nacional de Justiça, autorizados a expedição de atos meramente regulamentares, como prevê a Constituição Federal. Nesse sentido, muito autores como Lenio Luiz Streck e Ingo Wolfgang Sarlet acreditam que a matéria deva ser enfrentada independentemente de seu mérito das resoluções, partindo da necessária discussão acerca dos limites para a expedição desses atos regulamentares.
Não se poderia, sob esse ponto de vista, admitir que os Conselhos pudessem, mediante a expedição de atos regulamentares- ou resoluções, suprimir o Poder Legislativo e a atividade típica que lhe é inerente. A Constituição Federal apenas delegou ao CNJ atribuição para, ao editar resoluções e provimentos, romper em certa medida o princípio da reserva de lei. No entanto, tais resoluções não gozam da mesma hierarquia de uma lei, pois essas são advindas do Poder Legislativo, enquanto os atos regulamentares ficam restritos à matérias com menor amplitude normativa e não podem, de forma alguma, inovar o ordenamento jurídico ou contrariar dispositivos legais.
Dessa forma, percebe-se que o poder regulamentar do CNJ encontra-se limitado na impossibilidade de inovar no ordenamento jurídico. Entretanto, o CNJ vem editando resoluções que tratam de matérias diretamente importantes para os serviços notariais e de registro, sem o devido processo legislativo reservado à criação de leis, com observância das garantias constitucionais.
Nesse contexto, constatamos a crescente a desjudicialização, em que diversas atribuições vêm sendo transferidas às serventias extrajudiciais, como separações, divórcio e partilha, por meio da lei 11441/2007 (BRASIL, 2007). E isso contribuiu ainda mais para a atuação regulamentadora do CNJ, que à época editou a Resolução 35/2007, regulamentando referida lei.
Como já mencionado anteriormente, a diversidade existente entre os diversos Estados do país torna difícil a missão de se tentar uniformizar regras e procedimentos.
Deve-se ter cuidado para que os serviços notariais e de registro não sejam utilizados como forma política para efetivar direitos, inovando no ordenamento jurídico.
É evidente que notários e registradores têm papel relevante na efetivação de direitos, mas não se pode utilizá-los como ferramenta para suprimir lacunas jurídicas ou legais e violar o devido processo legislativo.
A atividade fundamental desses profissionais de direito permanece sendo a qualificação de partes e formalização de sua vontade, e são fundamentais para o fluxo jurídico e desenvolvimento econômico do país, trazendo segurança jurídica e eficiência nos atos em que participa.
CONCLUSÃO
O artigo abordou o Conselho Nacional de Justiça e sua relação e limites com a atuação desempenhada pelas serventias extrajudiciais, previstas no artigo 236 da Constituição Federal.
A atuação do CNJ, importante órgão para a manutenção do equilíbrio do Poder Judiciário e dos serviços extrajudiciais, fiscalizando e regulamentado as atividades, requer uma análise cuidadosa, a fim de que cumpra esses objetivos de sua criação.
Vimos que dentre os poderes conferidos ao CNJ está o de editar orientações, normas e regulamentos, que irão nortear a atividade das serventias extrajudiciais. Tal deve ocorrer, entretanto, em observância ao princípio da reserva de lei, não se podendo inovar ou criar leis no ordenamento jurídico por meio de tais instrumentos, respeitando o rito legal e a competência do Poder Legislativo na elaboração das leis.
A Constituição Federal delegou poderes de regulamentação ao CNJ para atos de menor amplitude e que visam uniformizar entendimentos e procedimentos nos diversos Estados do país, de modo que a população tenha garantidos os seus direitos e sejam atendidas satisfatoriamente nas serventias extrajudiciais. Não se poderá, como visto, inovar no ordenamento jurídico ou contrariar dispositivos legais por meio desse poder conferido ao CNJ.
A criação do CNJ, passados os anos e preocupações iniciais, mostrou-se relevante no cenário nacional, trazendo maior equilíbrio por meio de atividades preventivas de orientação, da fiscalização e da regulamentação, dentro das limitações estudadas. Isso reflete diretamente na população, que tem a garantia de maior acesso ao direito e à Justiça a que faz jus.
REFERÊNCIAS
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