RESUMO: O presente estudo analisou o Instituto da Responsabilidade Civil do Transportador, e sua evolução no âmbito Jurídico e Social, trazendo as espécies previstas na legislação vigente, e sua importância nas relações de consumo. No decorrer da escrita, foi feita uma análise das principais causas de exclusão de responsabilidade do transportador, de indenizar o dano pelo fato de vício ou defeito do serviço prestado na relação de consumo. Demonstrou-se à luz da legislação civil brasileira, e também do Código de Defesa do Consumidor que há limites no âmbito dessa responsabilidade, o que importa dizer que a despeito do transportador responder de forma objetiva, haverá momentos em que a própria lei vai dizer que ele não está obrigado a indenizar por atos que não deu causa. Em resposta ao questionamento levantado, após minuciosa análise, concluiu-se que a despeito do transportador responder de forma objetiva, pelos vícios ou defeitos na prestação do serviço, haverá momentos em que a própria lei e a jurisprudência o isentará de responsabilidade por atos que não deu causa.
PALAVRAS CHAVES: Responsabilidade Civil. Dano. Excludentes de Responsabilidade. Relação de Consumo. Código de Defesa do Consumidor. Indenização.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. RESPONSABILIDADE CIVIL; 2. RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR; 2.1 O TRÍPLICE ASPECTO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR; 2.2 O CONTRATO DE TRANSPORTE; 2.3 CLÁUSULA DE INCOLUMIDADE; 2.4 PRESUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE E CULPA PRESUMIDA; 2.5 INÍCIO E TÉRMINO DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PESSOAS; 3. INCIDÊNCIA DO CDC NO TRANSPORTE DE PESSOAS; 4. EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR; 4.1 O FORTUITO INTERNO E EXTERNO; 4.2 O FATO EXCLUSIVO DA VÍTIMA; 4.3 O FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Ao longo dos tempos, o transporte de passageiros tornou-se um instrumento de fundamental importância para a consecução das atividades na sociedade moderna, e, em razão do crescimento populacional, o transporte coletivo tem se tornado cada vez mais precário, o que faz aumentar, inclusive, a incidência dos transportes clandestinos, e o predomínio dos transportes individuais nas ruas da cidade, ocasionando os famigerados engarrafamentos e o aumento de passageiros nos pontos de ônibus.
Como é cediço, o transporte coletivo no modal ônibus urbano, é um serviço público, executado, via de regra, por uma empresa privada, através de uma concessão, na forma do art. 175, da Constituição Federal, visando sempre a eficiência e o bem-estar da sociedade. Entretanto, a falta de investimentos em transporte coletivo torna o serviço cada vez mais precário, mormente com o envelhecimento da frota, e o não cumprimento das cartas horárias, causando prejuízos aos usuários, que, indubitavelmente, deverão ser reparados.
Contudo, a busca por essa reparação tem dado origem a outro fenômeno, que é o aumento das ações em face das empresas de ônibus, pleiteando indenizações por danos morais e materiais, sob a alegação de má prestação no serviço. Mas, até onde o transportador está obrigado a indenizar por eventuais danos que não deu causa? Dai, a razão de se pesquisar um tema de grande relevância para o direito, como esse.
Para tanto, far-se-á uma abordagem do instituto da Responsabilidade Civil do Transportador, onde se demonstrará o tríplice aspecto da responsabilidade, focando no contrato de transporte, na cláusula de incolumidade, e estabelecendo a diferença entre a presunção de responsabilidade e culpa presumida. Será feita uma abordagem também relativamente ao início e o término do contrato de transporte rodoviário, buscando identificar os elementos da relação de consumo, a noção de serviços públicos essenciais, transporte coletivo e a incidência do CDC no transporte coletivo.
Com o objetivo de nortear os rumos da pesquisa para o alcance do seu objetivo central, questiona-se: a responsabilidade civil do transportador de passageiros, na modalidade ônibus urbano, contempla atos ilícitos praticados por terceiros?
Para melhor compreensão do objeto em estudo, a presente pesquisa foi dividida da seguinte forma: o primeiro capítulo apresenta a Responsabilidade Civil. No segundo capítulo, abordou-se a Responsabilidade Civil do Transportador, o tríplice aspecto da responsabilidade do transportador, o contrato de transporte, a cláusula de incolumidade, presunção de responsabilidade e culpa presumida e o início e término do transporte rodoviário de pessoas. No terceiro capítulo, abordou-se a incidência do CDC no transporte de pessoas. Finalmente, no quarto capítulo, abordou-se a exclusão de responsabilidade do transportador, descrevendo o fortuito interno e externo, o fato exclusivo da vítima e o fato exclusivo de terceiro.
Finalmente, pode-se concluir que o exame do tema proposto é de grande importância para o Direito por possibilitar a discussão de questões atuais e polêmicas que circundam o instituto da responsabilidade civil, oriunda da relação de consumo, um dos marcos do Direito Civil. Em dias atuais, a despeito de o transportador responder de forma objetiva, é possível afirmar-se objetivamente que há limites nessa responsabilidade, os quais encontram-se insculpidos na lei e na jurisprudência pátria.
1.RESPONSABILIDADE CIVIL
A idéia de responsabilidade civil está relacionada à noção de não prejudicar o outro. A responsabilidade pode ser definida como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano causado a outrem em razão de sua ação ou omissão.
Na concepção de Diniz (2008, p. 32), “o termo responsabilidade deriva do verbo latino respondere, reservando o fato de ter alguém se estabelecendo assegurador de algo”. A partir do conceito apresentado pela autora, nota-se que há o dever de responder pelos atos praticados perante outrem.
Atualmente, na doutrina, existem vários conceitos para esse, que é um dos mais importantes institutos do Direito Civil. A Responsabilidade Civil na visão de Pablo Stolze e Pamplona (2011, p. 51):
De tudo que se disse até aqui, conclui-se que a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar).
Ainda sobre o tema diz Sérgio Cavalieri Filho (2012, p. 2). “Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário”.
Em suma, quando o homem viola um dever jurídico originário e, por ação ou omissão causa dano a outro, que pode ser a sua integridade física, seu sentimento ou os seus bens, fica obrigado a reparar o dano. Portanto, a noção de responsabilidade civil está no fato de obrigar o causador de um dano a repará-lo.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR
2.1 O TRÍPLICE ASPECTO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR
A responsabilidade do transportador pode ser observada por três aspectos diferentes: o primeiro deles é em relação aos seus empregados, depois em relação a terceiros e, finalmente, em relação aos passageiros.
No que diz respeito a sua relação com terceiros a responsabilidade é extracontratual, como já estudado acima. Portanto, não há entre transportador e terceiros nenhuma relação jurídica contratual; ninguém se conhece até o momento em que acontece o evento danoso, só a partir daí, portanto, ocorrerá o vínculo jurídico que motivará o dever de indenizar.
A Constituição Federal dispõe em seu art. 37, § 6º, que esta responsabilidade é objetiva, fundada no risco administrativo. Ela se aplica à responsabilidade extracontratual porque está explicito no texto a figura do terceiro. Aquele que não possui relação jurídica contratual com o transportador.
A responsabilidade do transportador em relação aos seus empregados terá fundamento no acidente de trabalho, já que entre ele e seus empregados existe uma relação trabalhista, portanto, a indenização deverá ser pleiteada junto ao INSS, ou junto ao empregador se houver dolo ou culpa, com base no art. 7º, XXVIII, da Constituição.
Finalmente, em relação aos seus passageiros, a responsabilidade do transportador será contratual, e tem fundamento no contrato de transporte. Para exemplificar, pode-se trazer um acidente que envolve um ônibus coletivo e um automóvel, onde restaram vitimados o condutor do ônibus, o condutor do automóvel e alguns passageiros.
Então veja, em relação ao condutor do automóvel, a responsabilidade é extracontratual. Já em relação ao seu motorista, essa relação é trabalhista e, finalmente em relação aos seus passageiros, a relação é contratual.
2.2 O CONTRATO DE TRANSPORTE
O contrato é uma das fontes das obrigações de fundamental importância, devido a sua repercussão no mundo jurídico. O Código Civil elenca como fonte das obrigações: a) os contratos; b) as declarações unilaterais de vontade; e c) os atos ilícitos, dolosos e culposos.
O contrato é um acordo de duas ou mais vontades, como bem definido porCarlos Roberto Gonçalves (2010, p. 22), “O contrato é uma espécie de negócio jurídico que depende, para a sua formação, da participação de pelo menos duas partes. É, portanto, negócio jurídico bilateral ou plurilateral”.
O contrato de transporte, sem dúvida é um dos mais importantes na sociedade atual, tendo em vista que diariamente são transportadas milhões de pessoas e coisas, principalmente nas grandes capitais, surgindo daí, uma gama de problemas, tendo em vista a grande demanda de passageiros, e a precariedade do sistema de transportes públicos do nosso país.
O contrato de transporte tem previsão legal no art. 730 do Código Civil de 2002, que diz: “pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para o outro, pessoas ou coisas”.
Assim, tem o contrato de transporte natureza de contrato de adesão, tendo em vista que suas cláusulas são previamente definidas pelo transportador, sendo que o passageiro tão somente adere no momento que paga a sua passagem.
É ainda um contrato bilateral, porque envolve duas partes que possuem obrigações contratuais; é cumulativo porque há equivalência de obrigações para ambas às partes, e é também oneroso, por existir uma contraprestação que é o pagamento da passagem.
2.3 CLÁUSULA DE INCOLUMIDADE
Diante do que já foi estudado a respeito da responsabilidade civil do transportador, sem dúvida nenhuma a característica mais importante do contrato de transporte é a cláusula de incolumidade que nele está implícita.
Para Sérgio Cavalieri Filho, (2012, p. 328):
A obrigação do transportador não é apenas de meio, e não só de resultado, mas também de segurança. Não se obriga ele a tomar as providências e cautelas necessárias para o bom sucesso do transporte; obriga-se pelo fim, isto é, garante o bom êxito.
Assim, o transportador tem o dever de zelar pela incolumidade do passageiro durante a viagem, para lhe evitar qualquer acontecimento funesto.
Resumindo, cláusula de incolumidade é a obrigação que tem o transportador de conduzir o passageiro são e salvo ao lugar de destino.
2.4 PRESUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE E CULPA PRESUMIDA
Qual é o tipo de responsabilidade que o transportador tem em relação aos passageiros? Responsabilidade objetiva ou simples responsabilidade subjetiva com culpa presumida?
O Decreto nº 2.681/12 (Lei das Estradas de Ferro), em seu artigo 17,fala em culpa presumida. Muito se sustentou, com base na literalidade do texto que a responsabilidade do transportador em relação aos passageiros era subjetiva, com culpa presumida. Neste caso inverte-se ônus da prova, cabendo ao causador do dano demonstrar que não agiu com culpa.
Mas, analisando o texto mais detalhadamente, verifica-se que o dispositivo não admite ao transportador fazer prova de que não agiu com culpa, pois as causas de exclusão de responsabilidade mencionadas no citado artigosó admite o caso fortuito ou força maior e a culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada de ferro.
Finalmente, com base nas premissas e na melhor doutrina, concluiu-se que a responsabilidade do transportador, em relação aos passageiros, é objetiva, fundada na teoria do risco.
2.5 INÍCIO E TÉRMINO DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PESSOAS
Uma vez que o contrato de transporte é consensual, ele se consuma pelo simples acordo de vontades. Tem início a partir do momento em que o passageiro adere às condições preestabelecidas pelo transportador. O pagamento da tarifa nem sempre é necessário para fechar o contrato de transporte, uma vez que em alguns casos, como no transporte interurbano, o pagamento só é feito no curso ou no fim da viagem.
Já com relação ao transportador, a execução do contrato tem lugar quando inicia a viagem. A partir daí, prevalece a cláusula de incolumidade que persiste até o término da viagem. No transporte urbano essa execução ocorre simultaneamente com a celebração do contrato.
Sobre o tema, leciona Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 485:
A partir do momento em que um indivíduo acena para um veículo de transporte público, já o contrato teve início, diante da oferta permanente em que se encontra o veículo em trânsito. A responsabilidade pela integridade da pessoa do passageiro só se inicia, porém, a partir do momento em que esse mesmo passageiro incide na esfera da direção do transportador. Segue-se que o próprio ato de o passageiro galgar o veículo já o faz entrar na esfera da obrigação de garantia.
É o que ocorre no modal ônibus urbano, levando-se em conta que a estação de transbordo não pertence ao transportador. Por essa razão, a execução do contrato tem início com o embarque do passageiro no veículo e só termina com o seu efetivo desembarque.
3. INCIDÊNCIA DO CDC NO TRANSPORTE DE PESSOAS.
O Código de Defesa do Consumidor tem um campo de aplicação muito vasto e difuso, que incide em todas as áreas do direito onde houver relação de consumo. Assim, do conceito de serviço insculpido em seu art. 3º, § 2º, o CDC tem regra específica no art. 22 e parágrafo único, o qual diz que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, além de serem obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes e seguros, respondem pelos danos que causarem aos usuários, na forma prevista no CDC.
A única exceção que se faz, para Sérgio Cavalieri Filho (2011, p. 254): “... é para o caso de transporte puramente gratuito, porque neste, não havendo pagamento da passagem, não haverá prestação de serviço, uma vez que o CDC exige que o serviço fornecido seja mediante remuneração (§ 2º do art. 3º)”.
Portanto, é incontestável a incidência do CDC quando houver falha na prestação do serviço de transporte de passageiros, uma vez que tal prestação decorre de uma empresa concessionária de serviço público.
Sem dúvida, houve uma grande revolução no Direito das Obrigações, principalmente no campo da responsabilidade civil, porque estabeleceu responsabilidade objetiva nos acidentes de consumo, como se verifica em seu artigo 14.
O Código efetivamente mudou o fundamento da responsabilidade do transportador, que agora não é mais o contrato de transporte, mas sim a relação de consumo, seja contratual ou não.
Não se pode deixar de fora também, o seu fato gerador, que se deslocou da órbita do descumprimento da cláusula de incolumidade para o vício ou defeito do serviço, como se verifica do art. 14, do CDC. O consumidor só precisa provar o defeito do serviço e o nexo de causalidade. Trata-se do fato do serviço.
4. EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR
Partindo do princípio de que a responsabilidade do transportador é objetiva e que, em face da cláusula de incolumidade, tem uma obrigação de transportar os passageiros são e salvo ao seu destino, o passageiro, para fazer jus à indenização, terá apenas que provar que essa incolumidade não foi assegurada; que o acidente se deu no curso do transporte e que dele lhe adveio o dano.
Assim, o transportador só se exonera do dever de indenizar provando uma daquelas causas taxativamente enumeradas na lei: caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima.
Como o contrato de transporte de pessoas hoje encontra-se disciplinado pelo Código de Defesa do Consumidor, essas excludentes têm relação com o fato do serviço que está prevista no CDC, no artigo 14, § 3º, I e II. Estão assim explicitadas:
Art. 14 – [...]
§ 3º - O fornecedor de serviço só não será responsabilizado quando provar:
I-que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Feito esses esclarecimentos, cabe detalhar cada uma das excludentes de responsabilidade.
4.1 O FORTUITO INTERNO E EXTERNO
O que caracteriza o fortuito é a imprevisibilidade, ao passo que a inevitabilidade caracteriza a força maior.
O fortuito interno é o fato imprevisível, e, por isso, inevitável, que se liga à organização da empresa, que se relaciona com os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. O estouro de um pneu do ônibus, o incêndio do veículo, o mal súbito do motorista, são exemplos do fortuito interno, por isso que, não obstante acontecimentos imprevisíveis, estão ligados à organização do negócio explorado pelo transportador.
Já o fortuito externo é também imprevisível e inevitável, mas estranho à organização do negócio. Esse fato não guarda nenhuma ligação com a empresa, como fenômenos da natureza. Duas, portanto, são as características do fortuito externo: autonomia em relação aos riscos da empresa e inevitabilidade, razão pela qual alguns autores o denominam força maior.
Sobre força maior, leciona Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 153):
A característica básica da força maior é a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas); ao passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem médio.
O legislador compara o caso fortuito à força maior empregando-os como sinônimo, mas, a doutrina diferencia as duas situações. Assim, entende Carlos Roberto Gonçalves (2008), que geralmente, o caso fortuito deriva de um fato humano estranho à vontade do devedor, ou seja, um evento imprevisível, como a guerra, incêndio criminoso causado por terceiro, etc., e a força maior, trata de acontecimentos naturais que surgem independente da vontade humana, derivada de fatos da natureza, tais como, maremoto, ciclone, raio, etc.
O artigo 393 do Código Civil de 2002 afasta a responsabilidade do devedor ao dispor que o descumprimento da obrigação ocorra em razão de situações alheias à sua vontade. Prevê o citado artigo que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizados”.
Assim, a despeito de ser objetiva a responsabilidade do transportador, observe queo fortuito externo o exonera do dever de indenizar, isto é, o fato estranho à empresa, sem ligação alguma com a organização do negócio.
4.2 O FATO EXCLUSIVO DA VÍTIMA
A culpa exclusiva da vítima ou fato exclusivo da vítima, também é uma das excludentes da responsabilidade do transportador, já que nessa fase, ainda se está no terreno do nexo causal, e não da culpa. O fato exclusivo da vítima afasta a responsabilidade do transportador porque, quem dá causa ao evento é o próprio passageiro, e não o transportador. O transporte, ou melhor, a viagem não é causado evento, apenas a sua ocasião. (José de Aguiar Dias, 2001)
O art. 17 do Decreto 2.681/12, em seu inciso 2º, é expresso e claro a esse respeito: "culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada" (do transportador). No mesmo sentido, o art. 14, § 3º, do Código do Consumidor.
É o caso, por exemplo, de um passageiro que viajando em um ônibus, e com a intenção de cometer suicídio, abre a janela com o veículo em movimento e se atira do lado de fora, vindo a morrer.
Verifica-se, portanto, que o transportador em momento algum concorreu com culpa na verificação do acidente. O serviço foi prestado sem defeito. A própria vítima foi quem provocou o acidente.
Outro exemplo é o do passageiro que viajando em um ônibus, ao passar próximo a um poste de iluminação pública, coloca o braço para o lado de fora, vindo o mesmo a ser decepado em razão do choque com o poste.
São situações em que o condutor do veículo do transportador jamais poderia prever a ação repentina e inesperada do passageiro, que num momento de distração, inclusive dos demais passageiros, provocou o acidente.
Observe-se que essa situação nada tem a ver com a organização da empresa, e muito menos se relaciona com os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. Diferente do estouro de um pneu do ônibus, de um incêndio do veículo, de um mal súbito do motorista, que se caracterizaria como fortuito interno.
É o caso, por exemplo, de um passageiro que reage a um assalto dentro de um ônibus e sofre lesão corporal ou até mesmo morre em decorrência de disparo de arma de fogo. Observe-se que nesse caso foi a reação do passageiro que desencadeou o evento fatídico, e não a conduta do preposto do transportador.
Observa-se, portanto, que o defeito na prestação do serviço não existiu. Trata-se de culpa exclusiva do passageiro.
Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 88407, do Rio de Janeiro, in verbis:
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR. ASSALTO A ONIBUS SUBURBANO. PASSAGEIRO QUE REAGE E E MORTALMENTE FERIDO. CULPA PRESUMIDA, AFASTADA. REGRA MORAL NAS OBRIGAÇÕES. RISCO NÃO COBERTO PELA TARIFA. FORÇA MAIOR. CAUSA ADEQUADA SEGURANÇA FORA DO ALCANCE DO TRANSPORTADOR. AÇÃO DOS BENEFICIARIOS DA VÍTIMA, IMPROCEDENTE CONTRA A EMPRESA TRANSPORTADORA. VOTOS VENCIDOS. Indexação - DESCABIMENTO, RESPONSABILIDADE CIVIL, TRANSPORTADOR, MORTE, VÍTIMA, ASSALTO, ÔNIBUS. INAPLICABILIDADE, NORMA, PRESUNÇÃO, CULPA, TRANSPORTADOR, IMPOSSIBILIDADE, INTERFERÊNCIA, INEVITABILIDADE, DANO. APLICAÇÃO, PRINCÍPIO ÉTICO, IMPOSSIBILIDADE, RESPONSABILIZAÇÃO, PESSOA, AUSÊNCIA, CAUSAÇÃO, DANO. CARACTERIZAÇÃO, ASSALTO, ÔNIBUS, CASO, FORÇA MAIOR, IMPOSSIBILIDADE, SUJEITO PASSIVO, REAÇÃO, FATO. INEXIGIBILIDADE, TRANPORTADOR, MANUTENÇÃO, GUARDA, GARANTIA, SEGURANÇA, PASSAGEIRO, AUSÊNCIA, PREVISÃO, CONTRATO, CONCESSÃO, NECESSIDADE, CONTRAPRESTAÇÃO, TARIFA, SOBERANIA, PODER CONCEDENTE. IMPROCEDÊNCIA, ALEGAÇÃO, AFRONTA JURISPRUDÊNCIA, (STF), AUSÊNCIA, SEMELHANÇA, CASO, FATO, ACÓRDÃO, PARADIGMA, CONCORRÊNCIA, CULPA, PREPOSTO, EMPRESA, TRANSPORTE.
- FUNDAMENTAÇÃO COMPLEMENTAR, (MIN. SOARES MUÑOZ), INAPLICABILIDADE, NORMA, DISCIPLINA, TRANSPORTE, MERCADORIA, HIPÓTESE, TRANSPORTE, PASSAGEIRO. APLICABILIDADE, TEORIA DA CAUSA ADEQUADA, TEORIA DO CONDICIONAMENTO ADEQUADO, DETERMINAÇÃO, FATO DECISIVO, DANO.
- FUNDAMENTAÇÃO COMPLEMENTAR, (MIN. CUNHA PEIXOTO), COMPETÊNCIA EXCLUSIVA, ESTADO, SEGURANÇA PÚBLICA, EXCEPCIONALIDADE, ATRIBUIÇÃO, PARTICULAR.
- VOTO VENCIDO, (MIN. THOMPSON FLORES), CABIMENTO, INDENIZAÇÃO, RESPONSABILIDADE CIVIL, TRANSPORTADOR, DANO PESSOAL, HOMICÍDIO, PASSAGEIRO, VÍTIMA, ASSALTO, ÔNIBUS. CARACTERIZAÇÃO, ASSALTO, COLETIVO, FATO PÚBLICO, NOTÓRIO, IMPROCEDÊNCIA, ALEGAÇÃO, IMPREVISIBILIDADE. INADIMPLEMENTO, OBRIGAÇÃO, TRANSPORTADOR, GARANTIA, INCOLUMIDADE FÍSICA, PASSAGEIRO. APLICABILIDADE, PRESUNÇÃO, CULPA, TRANSPORTADOR, INOCORRÊNCIA, CASO FORTUITO, FORÇA MAIOR, PREVISIBILIDADE, ASSALTO, NECESSIDADE, EMPRESA, PROVIDÊNCIA, GARANTIA, SEGURANÇA, CONTRATAÇÃO, GUARDA, COMUNICAÇÃO, AUTORIDADE, SEGURANÇA PÚBLICA. INOCORRÊNCIA, CULPA EXCLUSIVA, VÍTIMA, REAÇÃO, ASSALTO. CABIMENTO, AÇÃO, REGRESSO, TERCEIRO, RESPONSABILIDADE, DANO. MANUTENÇÃO, SENTENÇA, PRIMEIRA INSTÂNCIA, INSUBSISTÊNCIA, INDENIZAÇÃO, DANO, MORAL, REDUÇÃO, HONORÁRIO, ADVOGADO.(RE 88407 / RJ - RIO DE JANEIRO, Relator(a): Min. THOMPSON FLORES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DÉCIO MIRANDA, Julgamento: 07/08/1980, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 06-03-1981 PP-01447)
Ao analisar os julgados supramencionados pode-se verificar que a conduta da vítima tem influência diretamente com o resultado do dano, haja vista ao reagir a um assalto no transporte de ônibus a culpa é exclusiva da vítima, eximindo o transportador de responsabilidade.
Tais condutas se assemelham à de um ciclista que atravessa desavisadamente na frente de um ônibus, ou até mesmo daquele pedestre que não tendo mais intenção em viver, atira-se na frente de um automóvel para dar fim a sua vida. São situações comum e já pacificadas nos tribunais.
Nesse sentido, vejamos o que diz a jurisprudência.
APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ATROPELAMENTO DE CICLISTA. MORTE. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. Prova produzida a evidenciar que o ciclista, trafegando à noite em rodovia movimentada, em obras e mal iluminada, invadiu abruptamente a pista de rodagem dos veículos, surpreendendo o réu, que o atropelou. Morte decorrente da culpa exclusiva da vítima. Impossibilidade de embasar um juízo de procedência em depoimento isolado de testemunha que sequer foi mencionada no inquérito policial, apesar de afirmar ter presenciado o acidente de trânsito. Omissão de socorro não demonstrada. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70050023555, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flôres de Camargo, Julgado em 06/09/2012)
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. MORAIS E ESTÉTICOS. ATROPELAMENTO EM RODOVIA. CULPA EXCLUISIVA DA VÍTIMA. Conjunto probatório contido nos autos que desautoriza reconhecer qualquer agir culposo do condutor réu para o evento, ônus probatório que recaía sobre o autor (art. 333, I, do CPC). Elementos de prova que demonstram que o evento ocorreu porque a demandante ingressou na pista de rolamento sem as cautelas devidas, sendo, assim, a responsável pelo infortúnio. Violação da regra de trânsito contida no art. 69 do CTB. Juízo de improcedência mantido. APELAÇÃO IMPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70040925547, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, Julgado em 15/06/2011).
Conforme a jurisprudência acima colacionada verifica-se a necessidade de observar como a vítima se comportou para o resultado do acidente não fazendo jus aos danos materiais, morais ou mesmo estéticos, tendo em vista que a culpa exclusiva da vítima.
Como dito, situações que tais nada tem a ver com a organização da empresa, e muito menos se relacionam com os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. De outro modo, havendo qualquer participação do transportador, ainda que concorrente com a participação do passageiro, não se admitirá a causa exonerativa.
4.3 O FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO
Terceiro é alguém estranho à relação jurídica travada entre transportador e passageiro; é qualquer pessoa que não guarde nenhum vínculo jurídico com o transportador, de modo a torná-lo responsável pelos seus atos, direta ou indiretamente, como o empregador em relação ao empregado, o comitente em relação ao preposto, entre outros.
A súmula nº 187 do Colendo Supremo Tribunal Federal enveredou-se pelo mesmo caminho, ao enunciar: "A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva".
A súmula só fala em culpa de terceiro, e não em dolo. O fato culposo do motorista de um caminhão que colide com um coletivo não elide a responsabilidade da empresa transportadora. Tal situação caracteriza-se como fortuito interno, relacionado com a organização do seu negócio. Isso porque, o passageiro celebrou um contrato de transporte com a empresa, a qual tem que transportá-lo são e salvo.
Diferente do fato doloso de terceiro, que não pode ser considerado fortuito interno porque, além de absolutamente imprevisível e inevitável, não guarda nenhuma ligação com os riscos do transportador; esse fato é estranho à organização do seu negócio, pelo qual não pode responder. Por isso, a melhor doutrina caracteriza o fato doloso de terceiro, vale dizer, o fato exclusivo de terceiro, como fortuito externo. Ele exclui o próprio nexo causal, equiparável à força maior, que, por via de consequência, exonera da responsabilidade o transportador.
Nas grandes cidades, tornou-se comum o arremesso de pedra contra ônibus ou trem, ferindo e até matando passageiros.
Nesse sentido, a jurisprudência já é pacífica. Vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE COLETIVO. PRETENSÃO À REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. LIMITES E EXTENSÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ARREMESSO DE PEDRA CONTRA O VEÍCULO COLETIVO. CASO FORTUITO EXTERNO. EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. Lesão ocasionada à usuária de ônibus destinado ao transporte público. Arremesso de pedra por terceiro desconhecido e sem qualquer relação com o serviço prestado. Deslinde da controvérsia a partir da delimitação da extensão da responsabilidade contratual (objetiva in casu) decorrente da avença de transporte. Fortuito externo que rompe o nexo causal. Socorro à vítima prestado. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70033761131, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Judith dos Santos Mottecy, Julgado em 01/04/2010)
APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE TRANSPORTE. COMPANHIA CARRIS PORTOALEGRENSE S.A. ÔNIBUS EM TRÂNSITO. ARREMESSO DE PEDRA POR VÂNDALO, A QUAL ROMPE A VIDRAÇA E ATINGE A PASSAGEIRA, QUE SE ENCONTRAVA SENTADA NO INTERIOR DO COLETIVO. CASO FORTUITO EXTERNO. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR POR DANOS MORAIS. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70038334678, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em 09/06/2011)
APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. ARREMESSO DE PEDRA. FERIMENTOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR REVÉS MORAL. FORTUITO EXTERNO. EXCLUDENTE. Compete ao transportador conduzir o passageiro são e salvo até o seu local de destino, sob pena de responder pelas desventuras havidas durante o seu deslocamento. A contraprestação ao pagamento da passagem é o transporte seguro. Subjaz a responsabilidade objetiva. Entretanto, o nexo de causalidade estabelecido entre a conduta perpetrada e o dano experimentado não está imune a excludentes, capazes de ilidir o dever de indenizar. No caso em apreço, o arremesso de pedra, por terceiro, no exterior do veículo em movimento, traduz a excludente de responsabilidade do transportador fortuito externo passível de desatar o laço causal entre a conduta do transportador e o evento danoso, de sorte a macular o pleito da autora. Ademais, as provas carreadas aos autos dão conta de que a ré obrou em previdência e zelo na condução do evento danoso, ao transportar a vítima até local em que pudesse estar segura. Apelo desprovido. (Apelação Cível Nº 70027453356, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto GuaspariSudbrack, Julgado em 28/05/2009)
RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS, MATERIAIS E LUCROS CESSANTES. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. Responsabilidade civil objetiva da empresa-transportadora elidida ante a presença de fato exclusivo de terceiro, no caso arremesso de pedra por transeunte contra o coletivo (inteligência do art. 14, §3º, II, segunda parte, do CDC). Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70023284193, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Voltaire de Lima Moraes, Julgado em 08/10/2008)
É de suma importância observar com cautela os fatos que influenciaram no evento danoso para aplicar a responsabilidade a quem de direito; logo, a responsabilização por um terceiro deve ser direcionada apenas a este.
A jurisprudência tem entendido que disparos efetuados por terceiros, pedras que são atiradas nas janelas, e que acabam por ferir passageiros, se constituem como causas estranhas ao transporte, sendo, inclusive, equiparados aos casos fortuitos externos, não podendo haver responsabilização.
Os assaltos também proliferaram no curso da viagem, deixando os passageiros despojados de seus bens, quando não se transformam em tragédia de morte.
Inicialmente, com base na Súmula 187, STF, obrigava o transportador a indenizar. Com o passar do tempo, a jurisprudência foi se firmando em sentido contrário, sob a consideração de que o fato exclusivo de terceiro, mormente quando doloso, caracteriza o fortuito externo, inteiramente estranhos ao risco do transporte.
Não cabe ao transportador transformar o seu veículo em carro blindado, nem colocar uma escolta de policiais em cada ônibus para evitar assaltos. A prevenção de atos dessa natureza cabe ao Estado, inexistindo fundamento jurídico para transferi-la ao transportador.
Neste sentido se firmou a Corte do Superior Tribunal Federal, sendo empossada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, que assim se posicionou:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ASSASSINATO DE PASSAGEIRO EM VIRTUDE DE ASSALTO PRATICADO POR DESCONHECIDO NUM TREM DA REFISA DURANTE VIAGEM - Ato de terceiro equiparável a caso fortuito – Incidência de obstáculo previsto no art. 325, inciso V, do Regimento Interno do STF – Argüição de relevância rejeitada – Inocorrência de divergência da Súmula n. 187 do STF, por inexistir o nexo de causalidade entre o acidente e o transporte. (2ª Turma do STF, RE 99.978-7, Rel. Min. Djaci Falcão – revista Amagis XI/503)
Assim também decidiu o Superior Tribunal Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial n° 726371/RJ, de relatoria do Ministro Hélio Quaglia Barbosa, cuja decisão foi publicada no DJ de 05/02/2007, p. 244, conforme transcrito abaixo.
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAL. ASSALTO À MÃO ARMADA NO INTERIOR DE ÔNIBUS COLETIVO. CASO FORTUITO EXTERNO. EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA.
1. A Segunda Seção desta Corte já proclamou o entendimento de que o fato inteiramente estranho ao transporte em si (assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo) constitui caso fortuito, excludente de responsabilidade da empresa transportadora.
2. Recurso conhecido e provido.
(Resp n° 726371/RJ, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa. Pub. DJ de 05/02/2007, p. 244).
A 19ª Câmara do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento da Apelação com revisão nº: 0000212-55.2010.8.26.0233, Comarca de São Carlos, assim se posicionou em relação a assalto a mão armada dentro de coletivo.
A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, há tempos, está consolidada no sentido de que o assalto à mão armada, dentro de coletivo, constitui fortuito capaz de afastar a responsabilidade do transportador frente aos passageiros, senão vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESPONSABILIDADE CIVIL - TRANSPORTE COLETIVO - ASSALTO - CASO FORTUITO - SÚMULA 83/STJ – DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO. I. Oentendimento desta Corte é firme no sentido de que, em caso de transporte coletivo de passageiros, "o transportador só responde pelos danos resultantes de fatos conexos com o serviço que presta" (Resp 468.900/RJ, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ 31.3.2003) e
que havendo "assalto com arma de fogo no interior do ônibus, presente o fortuito, os precedentes da Corte afastam a responsabilidade do transportador" (Resp 286.110/RJ, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES
DIREITO, DJ 1.10.2001). Aplicável, portanto, à espécie, o óbice da Súmula 83 desta Corte. II. O Agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios
fundamentos. III. Agravo Regimental improvido. (STJ, AgRg no Ag 1348966 / RJ, Rel. Min. SIDNEI BENETI, 3ª T., j. 14.12.10).
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAL. ASSALTO À MÃO ARMADA NO INTERIOR DE ÔNIBUS COLETIVO. CASO FORTUITO EXTERNO. EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA. 1. A Segunda Seção desta Corte já proclamou o entendimento de que o fato inteiramente estranho ao transporte em si (assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo) constitui caso fortuito, excludente de responsabilidade da empresa transportadora. 3. Recurso conhecido e provido. (STJ, REsp 726371 / RJ, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 4ª T., j. 7.12.06).
RECLAMAÇÃO. RESOLUÇÃO STJ Nº 12/2009.
DIVERGÊNCIA ENTRE ACÓRDÃO DE TURMA RECURSAL ESTADUAL E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL. ASSALTO NO INTERIOR DE ÔNIBUS COLETIVO. CASO FORTUITO EXTERNO. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DA EMPRESA TRANSPORTADORA. MATÉRIA PACIFICADA NA SEGUNDA SEÇÃO. 1. A egrégia Segunda Seção desta Corte, no julgamento das Reclamações nº 6.721/MT e nº 3.812/ES, no dia 9 de novembro de 2011, em deliberação quanto à admissibilidade da reclamação disciplinada pela Resolução nº 12, firmou posicionamento no sentido de que a expressão "jurisprudência consolidada" deve compreender: (i) precedentes exarados no julgamento de
recursos especiais em controvérsias repetitivas (art. 543-C do CPC) ou (ii) enunciados de Súmula da jurisprudência desta Corte. 2. No caso dos autos, contudo, não obstante a matéria não estar disciplinada em enunciado de Súmula deste Tribunal, tampouco submetida ao regime dos recursos repetitivos, evidencia-se hipótese de teratologia a justificar a relativização desses critérios. 3. A jurisprudência consolidada neste Tribunal Superior, há
tempos, é no sentido de que o assalto à mão armada dentro de coletivo constitui fortuito a afastar a responsabilidade da empresa transportadora pelo evento danoso daí decorrente para o passageiro. 4. Reclamação procedente.” (STJ, Rcl 4518 / RJ, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 2ª S., j. 29.2.12).
Demonstrado está, portanto, que quando um passageiro sofre lesão em razão de um disparo de arma de fogo em consequência de assalto, o transportador não tem a obrigação de indenizar, uma vez que tal fato quebra o nexo causalidade.
Ademais, tal fato é inteiramente estranho ao transporte em si, que constitui caso fortuito externo, excludente de responsabilidade do transportador, ao contrário do que ocorreria com o estouro do pneu do ônibus, ou até mesmo falta de freio.
CONCLUSÃO
O transporte de pessoas é assunto de suma importância, porquanto, se constitui em um fato corriqueiro do cotidiano, atingindo todas as pessoas da sociedade, que utilizam meios de transporte para a sua locomoção.
Assim, o ordenamento jurídico buscou abranger a responsabilidade decorrente dos acidentes envolvendo transporte de pessoas, bem como, a responsabilidade atinente ao transporte de bagagem.
Como pôde ser visto no desenvolvimento do trabalho, a responsabilidade civil do transportador é objetiva, podendo haver a exclusão da responsabilidade de indenizar no caso fortuito e de força maior, por fato de terceiro e por fato exclusivo do passageiro.
Devemos no decorrer do exercício de nossa profissão, examinar a disciplina do ordenamento jurídico em sua ampla magnitude, não baseando-nos, somente a dispositivos isolados, mas sim à ampla gama de conhecimento disponível com o intuito de aplicarmos de forma correta o direito.
Acerca de tudo que foi pesquisado ao longo desse trabalho, verifica-se que o instituto da responsabilidade civil é, talvez, um dos mais importantes do nosso ordenamento jurídico, é quase tão antigo quanto a história da própria humanidade, uma vez que sempre houve ação ou omissão por parte do ser humano, capaz de ocasionar dano a outrem, surgindo, por outro lado, a necessidade de ressarcimento.
No tocante ao transporte de passageiros, vale dizer que ao longo dos tempos tornou-se um instrumento de fundamental importância para a consecução das atividades na sociedade moderna, mas, em razão do crescimento populacional, o transporte de massa vem se tornando cada vez mais precário, mormente em razão da falta de investimentos do poder público, do envelhecimento da frota que culmina no não cumprimento das cartas horárias, causando sérios prejuízos aos usuários, que buscam na via judicial a reparação para os danos por si suportados.
Contudo, a busca por essa reparação tem dado origem a outro fenômeno, que é o aumento das ações em face das empresas de ônibus, pleiteando indenizações por danos morais e materiais, sob a alegação de má prestação no serviço.
Mas, em que pese a proteção que é dada ao consumidor face ao CDC, é possível afirmar-se objetivamente que há limites nessa responsabilidade, os quais encontram-se insculpidos na própria legislação consumerista e, também na jurisprudência pátria.
Em verdade, o transportador se exonera do dever de indenizar quando prova uma daquelas causas taxativamente enumeradas na lei: caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima, as quais, com o advento do Código de Defesa do Consumidor passaram a ter relação com o fato do serviço que está prevista no CDC, no artigo 14, § 3º, I e II.
Em suma, o transportador fica desobrigado de indenizar o passageiro quando se verificar uma dessas causas excludentes de responsabilidade.
Por fim, o transporte de pessoas, muitas vezes é interligado a contratos como o de trabalho, prestação de serviços (coligação simples), ou ainda a redes de contratos, como é o caso do chamado “pacote turístico”. Nestes casos, deve-se interpretar o contrato integrando o todo que lhe dá sentido e permite, portanto, identificar eventuais imputações de responsabilidade ligeiramente diversas das normativamente identificadas. Assim, por exemplo, pode-se imputar a responsabilidade pelo dano, tipicamente do transportador, a outros sujeitos de direito dele diversos, mas com os quais a rede de coligação integra.
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Formada em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana, pós-graduada em Direito Público pela Universidade Gama Filho e em Direito pela Escola de Magistrados da Bahia(EMAB). Assessora de Juiz do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, LUCIANA CAVALCANTE PAIM. O transporte urbano de passageiros: breves aspectos sob o âmbito da responsabilidade civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jan 2020, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54103/o-transporte-urbano-de-passageiros-breves-aspectos-sob-o-mbito-da-responsabilidade-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
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