Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Brasil, como complementação dos créditos necessários para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Profa. Ma. Érica Cristina dos Santos Molina e Co-Orientadora Profa. Me. Márcia Kazume Pereira Sato.
RESUMO: O vínculo afetivo parental transformou o ordenamento jurídico brasileiro e passou a aceitar a remodelação de família pré-estabelecida outrora. A família modificou-se no decorrer da história humana, precipuamente após a promulgação da Constituição Federal de 1988 que garantiu os princípios basilares asseguradores dessa evolução, tais como a dignidade da pessoa humana, a igualdade de filiação, a afetividade, a proteção integral à criança e ao adolescente, dentre outros. Desse modo, é primordial apreciar os novos modelos de entidades familiares asseguradas pela Lei Maior e seu elemento estrutural para, assim, compreender a composição da família moderna. A relação entre pais e filhos é a mais próxima no tocante a parentalidade, o que naturalmente desencadeia um elo de amor, afinidade, cuidado, guarda e proteção. Isto posto, é necessário compreender os múltiplos vínculos de filiação e suas respectivas possibilidades de reconhecimento. Por fim, a multiparentalidade, a qual permite o reconhecimento de mais de um pai e de uma mãe no registro de nascimento de um único filho, ou seja, um contexto plural de entidades familiares asseguradas juridicamente. A proteção e o interesse do filho são prioridades no seio familiar.
Palavras-chave: Direito de família; Filiação; Afetividade; Multiparentalidade; Reconhecimento.
ABSTRACT: The parental affective bond transformed the Brazilian legal system, and it started to accept the remodeling of a family previously established. The family changed over the course of human history, precipitously after the promulgation of the Federal Constitution of 1988, which guaranteed the basic principles that ensured this evolution, such as the dignity of the human person, equality of affiliation, affection, integral protection for the child and the adolescent, among others. Thus, it is paramount to appreciate the new models of family entities ensured by the Lei Maior and its structural element in order to understand the composition of the modern family. The relationship between parents and children is closest in parenthood, which naturally triggers a bond of love, affinity, care, custody and protection. That said, it is necessary to understand the multiple affiliation bonds and their respective recognition possibilities. Finally, multiparenting, which allows the recognition of more than one father and mother in the birth registration of a single child, that is, a plural context of legally secured family entities. Protection and concern of the child are priorities within the family.
Keywords: Family Law; Affiliation; Affectivity; Multiparenting; Recognition. SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. FAMÍLIA. 2.1 Novas acepções de família. 2.1.1. Família Anaparental. 2.1.2. Família Homoafetiva. 2.1.3. Família Eudemonista. 2.1.4. Família Adotiva. 2.1.5. Família Reconstruída. 2.2 Afeto como elemento estrutural da família contemporânea. 3. DA FILIAÇÃO. 3.1 Filiação biológica. 3.2 Filiação socioafetiva. 4. A MUTIPARENTALIDADE. 4.1 Aspectos gerais. 4.2 A multiparentalidade no ordenamento jurídico brasileiro. 4.3 A necessidade da averbação no registro civil. 4.4 Benefícios à criança e ao adolescente. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1.INTRODUÇÃO
O ser humano enquanto indivíduo instintivamente escolhe viver rodeado de pessoas que lhe fazem bem, onde pode ser encontrada a felicidade buscada diariamente através da trajetória da vida. Comumente esse contentamento é perfeito no vínculo familiar.
A família é o nosso elo mais próximo e está diretamente ligada à evolução e ao desenvolvimento de nossos valores e princípios, os quais são levados por toda vida, e têm influência direta em nossas ações, escolhas e decisões.
Desse modo, seu estudo e discussão são fundamentais para buscar o amparo necessário para qualquer tipo de família.
Através da promulgação da Constituição Federal de 1988, a sociedade passou a externar o que já vinha acontecendo dentro de seus respectivos lares, ou seja, diante dos princípios assegurados constitucionalmente as mudanças culturais e sociais que já estavam acontecendo tiveram respaldo, especialmente com o advento dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade de filiação, da proteção integral à criança e ao adolescente, da afetividade e da pluralidade das entidades familiares.
O vínculo familiar deixou de ser exclusivo da relação matrimonial, passou a aceitar a dissolução do casamento e a união de novos vínculos conjugais, o que fez com que a filiação que era tão somente biológica, dispor de um novo vínculo diante da formação de uma nova família e ter caráter socioafetivo.
O vínculo afetivo parental passou a somar com o vínculo biológico e adveio a multiparentalidade, instituto jurídico que surgiu como a solução mais adequada para regular as relações familiares em sua pluralidade de formas. Se a pessoa, durante seu desenvolvimento, recebe de um pai e/ou mãe – não biológicos – os cuidados basilares da relação de pais e filhos, pautados no amor, no cuidado, no afeto e no comprometimento mútuo, por que não reconhecê-los como filhos que são e garantir seus direitos recíprocos? Deixar de reconhecê-los é contrariar sua realidade e individualidade.
Isto posto, o presente trabalho tem por escopo demonstrar a possibilidade do reconhecimento da filiação multiparental em razão de sua previsão no ordenamento jurídico brasileiro, bem como seus benefícios.
No tocante à metodologia utilizada será o método dedutivo e o procedimento de pesquisa bibliográfica, com enfoque nas principais fontes do direito, quais sejam: norma, doutrina, jurisprudência e provimentos.
No primeiro capítulo, verificar-se-á como a doutrina contemporânea passou a conceituar família, sendo que esta sofreu significativa transformação em relação ao período de vigência do Código Civil de 1916, quando a relação familiar era reconhecida exclusivamente através da união pelo matrimônio. E também, os novos modelos de entidades familiares e suas peculiaridades, principalmente no tocante ao elemento estrutural da família contemporânea.
Já no segundo capítulo, serão abordadas duas hipóteses de filiação – a biológica e a socioafetiva – e a relação direta entre pais e filhos.
O terceiro capítulo, por fim, reportar-se-á ao instituto da multiparentalidade e a sua admissão, além da forma como o ordenamento jurídico pátrio se modificou junto com a evolução da família e passou a reconhecer novos vínculos familiares. Como também, observar-se-á a importância da averbação junto ao registro civil do reconhecimento da filiação pluriparental e, finalmente, os benefícios que a criança e o adolescente terão com a possibilidade do ter mais de um pai e de uma mãe.
2.FAMÍLIA
O Código Civil (CC) de 1916 protegia o instituto da família, assim considerada como a relação de pessoas unidas após o matrimônio, exclusivamente. Naquela época não existia a possibilidade de qualquer outro vínculo diverso ao do casamento ser considerado como família.
Com o advento da Constituição Federal (CF) de 1988 e o Código Civil de 2002, o conceito de família foi ampliado e novas acepções foram admitidas, sendo tantas as mudanças no Direito de Família que, doutrinariamente, este instituto jurídico passou a ser chamado de Direito das Famílias.
Família, para Guimarães (2019, p. 127) é conceituada como “sociedade matrimonial, formada pelo marido, a mulher e os filhos, ou o conjunto de pessoas ligadas por consanguinidade ou mero parentesco”.
O projeto do Estatuto da Adoção de Criança ou Adolescente, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues, inicialmente elaborado por Maria Berenice Dias e Silvana do Monte Moreira, que tramita no Senado Federal através do Projeto de Lei nº 394, de 2017 traz, em seu artigo 17, que: “Entende-se por núcleo familiar a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços biológicos, de afinidade ou afetividade”.
Desta forma, é incontestável que a família tradicional já restou superada, uma vez que sua formação por meio da reprodução humana, na qual resultava na semelhança física e fisiológica dos indivíduos, através da herança genética, isto é, o DNA (ácido desoxirribonucleico), não mais deve ser utilizada como único meio para constituição legítima de família.
Já o Direito de Família, para Farias, Rosenvald e Braga Netto (2017, p. 1644) define-se como “um conjunto de normas-princípios e normas-regras jurídicas que regulam as relações decorrentes do vínculo afetivo, mesmo sem casamento, tendentes à promoção da personalidade humana, através de efeitos pessoais, patrimoniais e assistenciais”.
Nesse diapasão, importante mencionar que o afeto é um norteador jurídico para o reconhecimento de família e deve ser espontâneo, diferente do matrimônio, que era obrigatório.
2.1Novas acepções de família
Primeiramente, vale discorrer sobre os três modelos de entidades familiares elencados na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226 que, conforme aduz Carvalho (2018, p. 101), através do princípio do pluralismo familiar, estes modelos são apenas exemplificativos, diante da existência da liberdade de escolha e planejamento familiar que permitem modelos diferentes dos previstos na Lei Maior.
O primeiro modelo é o casamento (§§ 1º e 2º, do artigo supramencionado), consistindo em uma tradição da formação da entidade familiar, que mesmo sendo amparada pela Carta Magna de 1988, perdeu sua exclusividade ante a evolução e a pluralidade dos núcleos familiares.
Casamento já foi conceituado por Perrino (apud FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2017, p. 1668) como uma “sociedade entre homem e mulher que se unem para perpetuar a sua espécie, para ajudar-se e para socorrer-se mutuamente, para levar o peso da vida e compartilhar os seus destinos”. Nesse sentido, Pereira (conforme citado por CARVALHO, 2018, p. 152) define o matrimônio como “união de duas pessoas de sexo diferente, realizando uma integração fisiopsíquica permanente”.
Para tanto, após a Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o casamento, bem como a conversão de união estável em casamento, também restou-se cabível entre pessoas de mesmo sexo.
Nessa nova acepção, é mais acertado conceituar o casamento como “entidade familiar estabelecida entre pessoas humanas merecedoras de especial proteção estatal, constituída, formal e solenemente, formando uma comunhão de afetos (comunhão de vida) e produzindo diferentes efeitos no âmbito pessoal, social e patrimonial” (FARIAS; et al., p. 1669).
O segundo modelo de entidade familiar previsto constitucionalmente é a união estável (CF, artigo 226, § 3º), que é “configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”, de acordo com o artigo 1.723, do Código Civil de 2002.
A união estável, doutrinariamente, é denominada como família convivencial, ou seja, sua formação tem enfoque na relação de convívio entre os companheiros e não nas formalidades legais como as trazidas pelo casamento, v.g.
Conforme instituído pela CF de 1988, a união estável seria possível entre homem e mulher, isto é, pessoas de sexos diferentes, contudo, o Supremo Tribunal Federal determinou que o reconhecimento da união estável homoafetiva (entre companheiros de mesmo sexo) deve “ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva” (STF, ADIn 4.277/DF, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05 mai. 2011, DJe 14 out. 2011).
A união estável tem como elemento principal a convivência de seus companheiros como se casados fossem e, nesse seguimento, vale mencionar que tanto o primeiro como o segundo modelo de entidade familiar se identificam pela “comunhão de vida” (passim FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2017).
Por fim, o terceiro modelo é a família monoparental, com crescimento significativo em nosso país e segundo previsão do § 4º do artigo 226, da CF é a entidade familiar “formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
A formação da família monoparental verifica-se no momento em que há um “desfalque” na constituição “tradicional” de família (formada por pai, mãe e filhos), em casos de viuvez, divórcio e separação de fato em que os filhos estejam sob a guarda de apenas um deles, ou ainda por mera opção do pai ou da mãe em casos de adoção unilateral.
Finalmente, vejamos os novos modelos de família o qual são amparados pelo nosso ordenamento jurídico pátrio, mas não estão previstos em nossa Lei Fundamental.
2.1.1 Família Anaparental
A família anaparental é uma modalidade pluriparental de entidade familiar, de forma que sua estrutura não tem um modelo pré-estabelecido, na qual cada membro da família desempenha sua função. Nessa modalidade de família inexiste a presença de pai e mãe, haja vista que é estruturada entre parentes (colaterais) ou pessoas que convivem como se família fossem.
[...] a estrutura formada por vários irmãos que foram abandonados pelos pais, que continuaram por muitos anos a viverem juntos, e tendo o primogênito assumido as responsabilidades da figura paterna para com os demais irmãos, dando amparo não só material, mas também emocional, de carinho, afeto, amor e cuidados, constitui um dos possíveis modelos de família anaparental (KUSANO, 2010, online).
Portanto, resta claro que além da parentalidade entre os indivíduos e a convivência, um dos requisitos para seu reconhecimento é a identidade de propósito de constituir família, sendo que estes devem prestar assistência mútua material e emocional uns aos outros.
2.1.2 Família Homoafetiva
Constituída de pessoas do mesmo sexo, a família homoafetiva, não prevista na Constituição Federal, recebeu amparo e proteção legal por meio de julgamentos dos Tribunais Superiores. Dessa forma, tanto o casamento como a união estável homoafetivos devem seguir as regras estabelecidas para os institutos heteroafetivos, sem qualquer distinção, preconceito ou discriminação.
Diante das decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, alguns juízes autorizaram a conversão da união homoafetiva em casamento ou a habilitação para o casamento de pessoas do mesmo sexo em diversas cidades do País. O primeiro casamento homoafetivo foi realizado em Jacareí/SP, em 28 de junho de 2011, de dois homens, e o segundo em Brasília, em 29 de junho de 2011, de duas mulheres (CARVALHO, 2018, p. 56).
O artigo 1º da Resolução nº 175, do CNJ anteriormente mencionada, dispõe que “é vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo”, ou seja, o vínculo de afeto criado por pessoas do mesmo sexo assim como o criado por pessoas de sexos distintos, é amparado na afinidade dos membros da entidade familiar em comento.
2.1.3 Família Eudemonista
Para a doutrina majoritária, a família eudemonista é o conceito mais inovador de família, pois fundamenta-se no envolvimento afetivo, na busca da felicidade individual de seus membros que vivem um processo de independência e liberdade. Para Rodrigo da Cunha Pereira (apud CARVALHO, 2018, p. 62) “a família eudemonista é aquela que tem como princípio, meio e fim a felicidade”.
O direito à busca da felicidade está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, logo funcionam como uma proteção para que o Estado não obrigue o sujeito a se enquadrar em modelos de família preconcebidos (CARVALHO, 2018, p. 62).
2.1.4 Família Adotiva
família adotiva é constituída pelo instituto da adoção, que consiste na escolha de um casal ou uma pessoa no acolhimento de uma criança, adolescente ou um maior de idade, como filho. A adoção é regulada tanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como pelo Código Civil, neste último caso nas adoções que versem sobre maiores de idade.
A concepção de adoção sofreu alteração, deixando de priorizar o interesse dos adotantes por um filho, passando a “reconhecer o primado do direito de crianças e adolescentes a terem uma família” (DIAS, 2017, p. 67). Para tanto, formar uma família adotiva no Brasil é um caminho árduo e excepcional, visto que “a lei prioriza e incentiva a permanência de crianças e adolescentes no âmbito da família natural biológica” (Idem).
2.1.5 Família Reconstruída
A família reconstruída ou família mosaico, doutrinariamente conhecida, é uma família complexa, eis que sua formação ocorre no momento em que um ou ambos os parceiros possuem filhos de uniões anteriores, resultando na pluralidade das relações parentais, multiplicidade de vínculos, ambiguidade dos compromissos e interdependência (CARVALHO, 2018, p. 60-61).
A família reconstruída é uma das hipóteses de representação da multiparentalidade, ocorrendo após dissolução de uma família, em que os pais conhecem novos parceiros, passam a conviver com eles (independente se optam pelo casamento ou união estável) e iniciam o vínculo entre os filhos e o padrasto e/ou madrasta. Importante mencionar que o reconhecimento da multiparentalidade exige-se muito mais que o simples vínculo do pai ou da mãe com o padrasto ou a madrasta e, consequentemente dos filhos com cada um deles, como veremos posteriormente.
Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues (citadas por CASSETTARI, 2017, p. 182) acompanham a evolução das novas famílias e expõem:
Em face de uma realidade social que se compõe de todos os tipos de famílias possíveis e de um ordenamento jurídico que autoriza a livre (des)constituição familiar, não há como negar que a existência de famílias reconstituídas representa a possibilidade de uma múltipla vinculação parental de crianças que convivem nesses novos arranjos familiares, porque assimilam a figura do pai e da mãe afim como novas figuras parentais, ao lado de seus pais biológicos. Não reconhecer esses vínculos, construídos sobre as bases de uma relação socioafetiva, pode igualmente representar ausência de tutela a esses menores em formação.
Portanto, percebe-se que o vínculo afetivo e a parentalidade biológica caminham juntos ao encontro do melhor interesse para os envolvidos na entidade familiar, especialmente envolvendo as crianças.
2.2 Afeto como elemento estrutural da família contemporânea
O afeto é um sentimento de carinho, cuidado e afeição de uma pessoa para outra, algo indispensável dentro da entidade familiar para manter um bom convívio.
A afetividade conquistou valor jurídico, posto isso, vimos, com exceção da família anaparental anteriormente citada, que se forma em razão da parentalidade, as outras entidades familiares moldadas pela própria sociedade e que não estão previstas constitucionalmente, se constituem a partir do vínculo do afeto e do sentimento.
Conforme mencionado por Maria Berenice Dias (2017, p. 34), “a afetividade que coloriu as relações conjugais e se espraiou para os vínculos parentais” é consequência da possibilidade de dissolução do casamento, que deixou de ser “autoritário, institucional e hierarquizado” para “pluralista, democrático e igualitário”.
Sendo assim, deve-se respeitar, reconhecer, valorizar e proteger toda e qualquer nova família, principalmente pela importância do afeto para cada integrante.
3. DA FILIAÇÃO
“A filiação é relação de parentesco estabelecida entre pessoas que estão no primeiro grau, em linha reta entre uma pessoa e aqueles que a geraram ou que a acolheram e criaram”, conforme conceituam Farias, Rosenvald e Braga Netto (2017, p. 1804).
A relação entre pais e filhos é o vínculo mais próximo de parentesco; a filiação, por sua vez, “decorre da faculdade que toda pessoa é reconhecida de se realizar como humano; de prosseguir sua felicidade” (CAMPOS, apud FARIAS, ibidem). Em Salmo 127:3, a bíblia traz que “os filhos são herança do Senhor, uma recompensa que ele dá”, logo, seus pais devem amá-los na mesma proporção, sem qualquer distinção.
A Lei Fundamental trouxe a igualdade entre os filhos, proibindo qualquer discriminação entre eles, conforme disposto no artigo 227, § 6º: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmo direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Nesse liame, observa-se que a filiação não necessita exclusivamente de prévio relacionamento sexual, ou seja, os filhos gerados no coração têm os mesmos direitos que os filhos que possuem as cargas genéticas de seus pais, eis a pluralidade de origens dignas de reconhecimento que a filiação possibilita.
O presente artigo não visa esgotar as hipóteses de filiação, tão somente expor alguns critérios biológicos e socioafetivos.
3.1 Filiação biológica
A filiação biológica é estabelecida por meio dos laços sanguíneos entre pais e filhos, que são determinados pelo vínculo genético e podem ser averiguados pelo exame de DNA.
Outrora presumia-se que a relação biológica entre pais e filhos era derivada exclusivamente de relações sexuais, nas quais o pai fertilizava a mãe e esta carregava o filho em seu ventre até que chegasse a hora de coloca-lo no mundo.
Para tanto, hodiernamente, em razão da evolução da medicina, é possível que haja a filiação biológica através de técnicas de reprodução medicamente assistidas, oportunidade em que o filho é gerado por outrem, mas seus genes são de seus pais biológicos.
A busca por uma gestação em útero alheio ocorre quando a mãe encontra-se impossibilitada de gerar o filho ou de levar a gravidez até o final e recorre a uma mulher que, respeitados os importantes requisitos trazidos pelo Conselho Federal de Medicina, aceita gera-lo; conforme explica Laura Dutra de Abreu (citada por FARIAS, ROSENVALD e BRAGA NETTO, 2017, p. 1806) nesses casos “a maternidade é dividida ou dissociada: a mãe genética, por impossibilidade física recorre à outra mulher, mãe gestacional, para que esta leve a termo a gravidez impossível daquela”. Na hipótese de gestação em útero alheio, a mãe que hospeda o óvulo renuncia à sua maternidade em favor da mãe biológica.
Por fim, leciona Gonçalves (apud MONTEIRO, 2016, online) que “todas as regras sobre parentesco consanguíneo estruturam-se a partir da noção de filiação, pois a mais próxima, a mais importante, a principal relação de parentesco é a que se estabelece entre pais e filhos”.
3.2. Filiação socioafetiva
A socioafetividade é conceituada por Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf (citada por CASSETTARI, 2017, p. 08) como:
[...] relação de carinho ou cuidado que se tem com alguém íntimo ou querido, como um estado psicológico que permite ao ser humano demonstrar os seus sentimentos e emoções a outrem, sendo, também, considerado como o laço criado entre os homens, que, mesmo sem características sexuais, continua a ter uma parte de amizade mais aprofundada.
Nesse liame, Maria Berenice Dias (2017, p. 45) cita Belmiro Welter, in verbis:
[...] a família socioafetiva transcende os mares do sangue. A verdadeira filiação só pode vingar no terreno da afetividade, da intensidade das relações que unem pais e filhos, independentemente da origem biológico-genética. Pais são aqueles que amam e dedicam sua vida a uma criança, pois o amor depende de tê-lo e se dispor a dá-lo. Esse vínculo, por certo, nem a lei nem o sangue garantem. O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência, e não do sangue.
Os laços de afeto criados entre pais e filhos transformam-se em relação jurídica, avocada pela doutrina como posse de estado de filho.
A posse de estado de filho é caracterizada por três elementos, quais sejam: trato (a pessoa é tratada pela família como filho ou filha); nome (a pessoa usa o sobrenome da família); e, fama (a pessoa é reconhecida no meio social como se filho ou filha fosse).
Para tanto, segundo José Bernardo Ramos Boeira (apud DIAS, 2017, p. 49), a posse de estado de filho não enfraquecerá caso o filho nunca tiver usado o patronímico familiar do pai socioafetivo.
Os elementos caracterizadores do estado de filho são situações que definem a verdadeira filiação socioafetiva construída ao longo da vida.
Nesse sentido, vale mencionar que, através do Provimento nº 83, do CNJ, o registrador civil somente poderá reconhecer voluntariamente a paternidade ou a maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos de idade, sendo que no Provimento nº 63 (instituído anteriormente) era possível à pessoa de qualquer idade.
Ainda, o Provimento nº 83 acresceu o artigo 10-A, o qual impôs que o vínculo paterno e materno socioafetivos devem ser estável e exteriorizado socialmente (sendo encargo do registrador atestar a existência do vínculo através de apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos, bem como por documentos), que caminha junto com a definição jurídica de estado de filho.
Ainda no que concerne à filiação socioafetiva, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) traz em seu Enunciado 06 que “do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental”.
Ademais, no último Congresso Nacional do IBDFAM foram apresentadas propostas selecionadas de novos enunciados dos quais os congressistas entendem que:
Enunciado 33 - O reconhecimento da filiação socioafetiva ou da multiparentalidade gera efeitos jurídicos sucessórios, sendo certo que o filho faz jus às heranças, assim como os genitores, de forma recíproca, bem como dos respectivos ascendentes e parentes, tanto por direito próprio como por representação.
Sendo assim, é notório que a filiação socioafetiva decorre da convivência entre o filho com o pai e/ou a mãe decorrente do vínculo do afeto (ou mesmo biológico), em que visa o cuidado, a atenção, o amor, a diligência entre ambos.
4. A MUTIPARENTALIDADE
4.1 Aspectos gerais
O início da multiparentalidade reporta-se à admissão do parentesco consanguíneo ou de outra origem trazida pelo artigo 1.593, do CC de 2002, possibilitando a pluralidade da filiação de uma mesma pessoa simultaneamente.
A primeira pessoa a escrever sobre a pluriparentalidade foi o professor João Baptista Villela na década de 1970, em seu artigo “Desbiologização da Paternidade”, o qual reconheceu que a parentalidade não seria exclusivamente de vínculos biológicos, necessitando do direito albergar algumas consequências jurídicas para um parentesco formado por um vínculo afetivo.
[...] ser pai ou ser mãe não está tanto no fato de gerar quanto na circunstância de amar e servir. Veja-se a célebre sentença de SALOMÃO. Que fez o sábio magistrado para dirimir o conflito das duas mulheres, que se dizendo, cada uma, ser a mãe, pretendiam a guarda da criança? Não recorreu a qualquer critério de natureza biológica. Nada que, sequer de longe, recordasse os sofisticados exames serológicos ou as complexas perícias antropogonéticas, que um juiz tem hoje à disposição. Simplesmente pôs à prova o amor à criança por parte das querelantes. Sua capacidade de renúncia em favor do filho. O dom de si mesmas. Não buscou o lúcido filho de DAVI assentar a verdade biológica, senão, antes, surpreender a capacidade afetiva. Ou seja: fundou-se em nada menos do que naquilo que, em linguagem de hoje, se identifica na Alemanha por Kinkdeswohl e na América do Norte por the best interest of the child (o melhor interesse da criança) (VILLELA, p. 408).
Com o advento do artigo 227, na Constituição Federal de 1988, a criança e o adolescente passaram a ter prioridade absoluta quanto à convivência familiar, permitindo que exista pluralidade em um instituto o qual não admitia outra forma de entidade familiar que não fosse consequência do matrimônio, sendo este o único caso em que a prole era considerada legítima.
Na visão de Farias, Rosenvald e Braga Netto (2017, p. 1823), multiparentalidade é a “convivência simultânea, ou sucessiva de alguém com duas outras pessoas que se apresentem, efetivamente, como pais ou mães”.
Nesse sentido, inúmeros são os contextos e as circunstâncias em que crianças e jovens são submetidos por meio de seus pais a iniciarem um novo vínculo parental. E, havendo, por intermédio desse novo vínculo, a possibilidade de coexistência de filiações biológica e socioafetiva, a multiparentalidade resta estabelecida. A hipótese mais comum é aquela em que o pai e/ou a mãe investem em um novo relacionamento.
4.2 A multiparentalidade no ordenamento jurídico brasileiro
A evolução de família na sociedade contemporânea exige que o Direito caminhe em conjunto com seu desenvolvimento, de forma que há novas famílias e novos julgados sendo formados continuamente.
Em época anterior ao instituto da multiparentalidade, nas ações de investigação de paternidade, os julgadores eram obrigados a escolher entre a paternidade biológica ou a socioafetiva para o reconhecimento e, consequentemente, para inseri-la no registro civil do filho para surtir efeitos pessoais, familiares, alimentares e sucessórios, uma vez que no campo “filiação” do registro só era possível ter um nome para pai e outro para mãe.
Para tanto, observou-se que na maioria dos entendimentos jurisprudenciais, a filiação afetiva prevalecia sobre a biológica, isso porque os ínclitos julgadores acreditavam na máxima “a parentalidade afetiva prevalece sobre a biológica”, discordando com os princípios norteadores de amparo e cuidado com a criança, que são as mais prejudicadas frente a uma ação em que visa definir quem é ou não seu pai.
Consequentemente, necessitava-se de um entendimento que não violasse o direito da personalidade e nem o princípio da dignidade da pessoa humana, quando os tribunais brasileiros começaram a julgar pela admissibilidade de ambos os vínculos.
Um dos primeiros julgados favoráveis ao reconhecimento da multiparentalidade foi decidido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ao dar provimento ao recurso para declarar a maternidade socioafetiva a uma criança que foi criada pela madrasta, em razão do óbito de sua mãe biológica após três dias de seu nascimento e o pai ter iniciado um relacionamento com a madrasta. Nesse caso, admitiria-se que a madrasta requeresse a adoção do enteado, mas pelo carinho que mantinha com a família da mãe biológica e pelo relacionamento estreito entre eles, optou por requerer o reconhecimento da ação declaratória de maternidade socioafetiva cumulada com retificação de assento de nascimento. E foi o que decidiu o tribunal:
MATERNIDADE SOCIOAFETIVA – Preservação da Maternidade Biológica – Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade – Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade – Recurso provido (TJ-SP - APL: 64222620118260286 SP 0006422-26.2011.8.26.0286, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data de Julgamento: 14/08/2012, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/08/2012).
Desse modo, segundo aduz Belmiro Pedro Welter, “a paternidade genética não pode se sobrepor à paternidade socioafetiva e nem esta pode ser compreendida melhor do que a paternidade biológica, já que ambas são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas”, circunstância que todos assumem “os encargos do poder familiar, a proteção será maior a quem merece tutela com absoluta prioridade” (DIAS, 2017, p. 561).
Porém, como ainda não estava pacificado e os julgadores constantemente tinham entendimentos diferentes, o Supremo Tribunal Federal se reuniu para analisar o Recurso Extraordinário 898.060/SC, oportunidade que foi reconhecida a Repercussão Geral 622, para deliberar sobre eventual “prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica”, como constou no acórdão que reconheceu a repercussão geral em comento.
A repercussão foi aprovada pela maioria e serviu como parâmetro para casos semelhantes. Como diz Calderón (2016, online), a decisão “remete a outras questões e a novos desafios, mas nos traz a esperança de uma nova primavera para o direito de família brasileiro”.
Ademais, conforme aludido na Repercussão supramencionada:
[...] a paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos. (RE 898060, Relator: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, Julgado Em 21/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO Dje-187 DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017). (STF, 2016).
Nesse sentido, harmonizou o que já havia sido previsto na CF de 1988, atendendo aos novos arranjos familiares e promovendo a tutela merecida àqueles que possivelmente deixavam de ser protegidos diante da falta do reconhecimento formal. Por fim, o recurso fixou tese jurídica para que os casos semelhantes fossem julgados com isonomia: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
Diante da pacificação do STF, não restou motivo para que qualquer tribunal do país entre em discussão sobre a multiparentalidade, inclusive, após esse reconhecimento foi publicado pelo CNJ o Provimento nº 63 que viabilizou seu reconhecimento de forma célere e será analisado posteriormente.
4.3 A necessidade da averbação no registro civil
O registro civil das pessoas naturais, segundo Huber (apud CASSETTARI, 2017, p. 263) é:
[...] o suporte legal da família e da sociedade juridicamente constituída. Isso porque, não existindo o registro, também juridicamente se tornam inexistentes a pessoa, a família e o seu ingresso na sociedade. A legalidade se dá por meio do registro, através do qual se atribuem os direitos e obrigações, e é regulamentada a conduta de cada um, objetivada a paz social.
A parentalidade socioafetiva, uma vez reconhecida, deve ser averbada no registro civil, no respectivo assento de nascimento, casamento e/ou óbito daquele que foi reconhecido, para que surtam efeitos legais, conforme traz a Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos) em seu artigo 100, § 1º que, apesar desta norma prever alterações para os livros de casamento, entende-se que pode ser aplicada analogicamente aos livros de nascimento e óbito.
Nessa mesma linha, o Código Civil de 2002, traz expressamente em seu artigo 10, inciso II, que averbar-se-á no registro público os “atos judiciais que declararem ou reconheceram a filiação”.
No entanto, havia uma preocupação acerca da limitação na expedição das certidões, pois estas traziam campos específicos como pai, mãe, avós paternos e avós maternos, o que foi alterado primeiramente pelo Provimento nº 03 do CNJ, em 17 de novembro 2009, o qual foi revogado para viger as alterações trazidas pelo Provimento nº 63, em 14 de novembro de 2017, na qual as certidões foram padronizadas e os campos específicos supramencionados foram alterados por filiação e avós, respectivamente.
Além disso, o Provimento nº 63 autorizou o reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais, simplificando os trâmites e evitando desgastes de enfrentar um processo judicial.
Entretanto, cabe ao oficial registrador verificar minuciosamente a identidade do requerente, proceder à rigorosa conferência dos documentos pessoais, além de investigar se os requisitos estão preenchidos para formalizar o reconhecimento.
Recentemente o CNJ publicou o Provimento de nº 83, alterando alguns pontos chaves que passaram a ser discutidos após a publicação do Provimento anterior (nº 63), principalmente em relação à idade inicial que os oficiais de registro civil das pessoas naturais estavam autorizados a processar o reconhecimento, de “qualquer idade” para “acima de 12 anos”.
Acrescentou ainda o artigo 10-A, o qual obriga que o vínculo socioafetivo deve ser estável e estar exteriorizado socialmente, ou seja, o lapso temporal não é requisito exclusivo de admissibilidade como estavam julgando os tribunais, sendo que o pai ou a mãe socioafetivos poderiam viver na mesma casa que o filho, mas o afeto entre eles ser escasso, não ter o cuidado e o zelo necessários e obrigatórios de pais para com seus filhos.
Por conseguinte, após averbado o reconhecimento no registro civil, em seus respectivos assentos, a parentalidade ganha publicidade e produz, de forma efetiva, seus regulares efeitos.
4.4 Benefícios à criança e ao adolescente
A criança e o adolescente carecem de proteção e foram acolhidos pela CF de 1988 através do artigo 227, caput, que traz um princípio de proteção integral visando o melhor interesse de ambos, como segue:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Desta forma, nota-se que a Carta Magna estreiou a preferência dos direitos basilares da existência humana às crianças e aos adolescentes, obrigando a família, a sociedade e o Estado proporcioná-los o que for necessário.
Em seguida, no ano de 1990 foi sancionada uma Lei específica de proteção para a criança e o adolescente com caráter intrínseco de beneficiá-los perante a sociedade, em razão de sua vulnerabilidade, intitulada como Estatuto da Criança e do Adolescente.
O artigo 3º do Estatuto estabelece a inclusão desse grupo na sociedade, de forma que assegura os direitos fundamentais característicos à pessoa humana, “por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.
Dessa forma, as crianças e os adolescentes tornam-se titulares de direitos e garantidores de privilégios diante de quaisquer conflitos, precipuamente àqueles que possam ser considerados como prejuízo ao seu desenvolvimento.
A família é a estrutura de qualquer indivíduo, fundamental para o amadurecimento como cidadão, isto posto, tem-se que no vínculo familiar é necessário que seus membros tenham afeto e cuidado entre si. Logo, a criança e o adolescente, diante das novas estruturas de família, não podem ser prejudicados pelo não reconhecimento da pluralidade da filiação, quando esta tornou-se exteriorizada para a sociedade.
Desse modo, Dias (2017, p. 216) destaca a seguinte premissa:
A falta de expressa permissão legal de inclusão do nome de mais pais no registro de nascimento não pode ser óbice para que se assegure a proteção integral a quem tem garantido constitucionalmente o direito à convivência familiar. Como alerta Christiano Cassettari, o juiz do nosso século não é um mero leitor da lei e não deve temer novos direitos. Haverá sempre novos direitos e também novos séculos. Deve estar atento à realidade social e, cotejando os fatos e o ordenamento jurídico, concluir pela solução mais adequada.
Para Cassettari (2017, p. 15):
A nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência familiar, adotando a doutrina da proteção integral. Transformou a criança em sujeito de direito. Deu prioridade à dignidade da pessoa humana, abandonando a feição patrimonialista da família. Proibiu quaisquer designações discriminatórias à filiação, assegurando os mesmos direitos e qualificações aos filhos nascidos ou não da relação de casamento e aos filhos havidos por adoção.
Portanto, resta claro que nos conflitos que envolvem a filiação da criança e do adolescente, deve-se observar o princípio de proteção e buscar a melhor solução com base em seus interesses; como vimos a multiparentalidade é um desses casos.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muitas foram as alterações no decorrer da história em relação à formação da família, que vem sendo transformada desde seus primeiros agrupamentos até suas novas composições.
A única constituição legítima de família era aquela formada pelo casamento em que os filhos carregavam de seus pais suas semelhanças físicas e fisiológicas, por meio da herança genética.
Para tanto, após diversas lutas, dentre elas a igualdade de gêneros, mudanças começaram a acontecer dentro dos lares, oportunidade em que a hierarquia patriarcal foi derrubada, e pais e filhos passaram a ter voz e a escolher como viver e constituir a família.
Através dos avanços cultural e social, verificou-se que novos princípios deveriam ser impostos para que houvesse amparo diante de tamanha evolução, o que ocorreu com a promulgação da Constituição de 1988, garantidora do princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade de filiação, da proteção integral à criança e ao adolescente, da afetividade e da pluralidade das entidades familiares.
O princípio do pluralismo familiar trouxe a liberdade de escolha e planejamento, permitindo que a sociedade forme vínculos familiares distintos daqueles previstos na Lei Fundamental. Nesse sentindo, tem-se clara permissão da formação de família através do vínculo afetivo entre as pessoas.
Família deixa de ter um padrão definido para excepcionar uma formação que tenha, principalmente, entre seus membros um sentimento afetuoso de carinho, cuidado e afeição. Em consequência, a afetividade adquiriu valor jurídico para caminhar junto com a filiação biológica buscando o melhor para a família.
Nesse sentido, novos efeitos jurídicos surgiram com o reconhecimento da filiação socioafetiva, trazendo consigo a possibilidade de incluir no assento de nascimento lavrado pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, o nome dos pais gerados pelo afeto junto com os pais biológicos, ocasionando, portanto, o instituto da multiparentalidade.
A multiparentalidade é a possibilidade de dois pais e/ou duas mães reconhecerem o filho paralelamente, sendo que, uma vez incluído o nome dos pais no registro, estes assumirão todos os encargos do poder familiar.
Os casos mais comuns da formação espontânea da multiparentalidade ocorrem quando o pai ou a mãe investem em um novo relacionamento, abrindo espaço para que os filhos sejam envolvidos por novos vínculos e apresentados a novas figuras paternas ou maternas.
Não raras vezes o filho cria um vínculo mais forte com o novo pai ou nova mãe do que com os seus biológicos; abrindo espaço para que os novos pais transmitam o necessário para que o desenvolvimento do filho seja adequado, norteados por educação, amor, cuidado e afeto.
Desta forma, investida a figura de novo pai e nova mãe mesmo que o filho já tenha em seu registro de nascimento o campo filiação preenchido, o mais adequado é garantir a pluralidade parental se esta for mais benéfica aos envolvidos na relação, assegurando o direito da composição de formas variadas de família.
Isso porque, deixar de reconhecer a multiparentalidade é contrariar a história de vida e a realidade do indivíduo e das suas relações pautadas pela afetividade; é retirar seus direitos pessoais, patrimoniais e assistenciais.
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Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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