Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Brasil como complementação para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadores: Prof. Me. André de Paula Viana e Profª. Me. Márcia Kazume Pereira Sato.
RESUMO: O homem, ao observar os diversos cruzamentos, no decorrer do tempo, percebeu que as características físicas e intelectuais dos progenitores eram passadas a seus filhos, levando, assim, ao desenvolvimento de uma ciência denominada, por Francis J. Galton, no século XIX, como eugenia. Esta ciência, inicialmente, tinha como objetivo o aprimoramento da raça humana e a prevenção de características degenerativas hereditárias, porém, posteriormente, levou à criação de políticas segregacionistas e de exterminação de certos grupos de indivíduos, assim como ocorreu na Alemanha, durante o período determinado como “holocausto”, onde milhares de pessoas morreram. Diante das atrocidades impulsionadas por estas politicas e pelos conflitos internacionais, no período pós-Segunda Guerra Mundial, surgiu-se a necessidade de criação de cortes internacionais que pudessem punir os responsáveis pelos grandes crimes cometidos contra a humanidade, que, por muitas vezes, saiam impunes devido à falta de órgão competente para julga-los, incitando, assim, a criação do Tribunal Penal Internacional.
Palavras-chaves: Eugenia; Tribunal; Internacional; Penal.
ABSTRACT: Man, observing the various intersections over time, realized that the physical and intellectual characteristics of parents were passed on to their children, leading to the development of a science called eugenics by Francis J. Galton in the nineteenth century. Initially this science aimed to improve the human race and prevent hereditary degenerative characteristics, but later led to the creation of segregationist policies and the extermination of certain groups of individuals, as it did in Germany during the period determined as “holocaust”, where thousands of people died. In the face of atrocities driven by these policies and international conflicts, in the post-World War II period, the need arose for the creation of international courts that could punish those responsible for the great crimes committed against humanity, which often went unpunished due to the lack of organs to judge them, motivating the creation of the International Criminal Court.
Keywords: Eugenics; Court; International; Criminal.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DA EUGENIA. 2.1 O surgimento. 2.2 O início dos movimentos eugênicos. 2.3 A eugenia nazista. 2.4 A eugenia norte-americana. 2.5 A eugenia no Brasil. 2.6 Da eugenia positiva e negativa. 3 DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. 3.1 Os pretextos para a criação dos tribunais penais internacionais. 3.2 Os tribunais de Nuremberg e de Tóquio. 3.3 Os tribunais penais internacionais ad hoc. 3.4 O Tribunal Penal Internacional. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
O trabalho tem como objetivo apresentar a ciência determinada como eugenia e sua importância no desenvolvimento de um Tribunal Penal Internacional capaz de julgar os grandes crimes cometidos contra a humanidade, nos quais os responsáveis, por muitas vezes, saiam impunes, protegidos por seus países, por serem grandes líderes políticos ou por terem grande influência e poder militar, além da falta de jurisdição de órgão competente.
A escolha do tema foi embasada na importância de um Tribunal Penal Internacional permanente, sendo este de suma importância na resolução de conflitos internacionais, com atenção à relevância da eugenia em sua criação e nos acontecimentos históricos.
Para a compreensão do tema serão discutidos alguns assuntos, a serem apresentados ao decorrer do artigo, sendo estes: o desenvolvimento e as características da eugenia; os movimentos eugênicos; os pretextos para a criação de tribunais penais internacionais; os tribunais de Nuremberg, de Tóquio e ad hoc; e o Tribunal Penal Internacional. Estes assuntos serão dispostos em dois capítulos, sendo o primeiro sobre a eugenia, comentando sobre seu desenvolvimento, ideais e influência, e o segundo sobre o Tribunal Penal Internacional, apresentando sua evolução histórica e funcionamento, além de seus princípios regentes e sua importância no meio internacional contemporâneo.
Por fim, o desfecho do tema exposto ao longo do artigo será exposto nas considerações finais.
Desde o século XIX, sempre foram observados os vários cruzamentos realizados entre as diferentes espécies, que permitiram à humanidade ter certa percepção de que as crias geradas, por muitas vezes, reproduziam as características individuais de seus progenitores, sendo também evidenciada nos seres humanos, que foi comumente explicada por várias teorias, como forças vitais ou espirituais que os mesmos proporcionavam aos filhos. Também eram admitidas características individuais resultantes de treinos, experiências e educação que os indivíduos vivenciavam durante a vida. Diante deste conjunto de ideias sobre como se dava a hereditariedade, foram retratadas diversas teorias sobre o processo de transmissão de características entre gerações.
Derivando destas observações, Francis J. Galton (1822-1911), em 1883, convencido que a responsável por determinar as habilidades e as características particulares dos indivíduos era a natureza, não o ambiente, dedicou-se à melhoria da humanidade através dos cruzamentos seletivos e, unindo duas expressões gregas, cunhou o termo “eugenia”, que significa “bem nascido”, com o intuito de aplicar os pressupostos da Teoria da Seleção Natural, proposta por seu primo Charles Darwin (1809-1882) em The Origin Of Species, ao ser humano, sendo que para Galton, a transmissão de características não se limitava apenas às físicas, mas também às habilidades e talentos intelectuais.
Ressalta-se que Galton tinha como ideia geral que comportamentos como a criminalidade, o alcoolismo, entre outros, derivavam da hereditariedade e, ao utilizar-se de seus conhecimentos de estatística aplicados aos estudos de herança em famílias, matematizou a visão popular sobre a heterogeneidade entre as classes, dando a estas um caráter científico, passando a ter um argumento de validação.
A teoria que fundamentou a explicação das diferenças raciais foi a Teoria Pangenética de transmissão dos caracteres, desenvolvida por Charles Darwin, a qual sustentava que os caracteres adquiridos em uma geração eram transmitidos às gerações seguintes (CONT, 2008).
Galton observou que filhos de homens talentosos, advogados e médicos, geralmente seguiam a carreira de seus pais e utilizou de artifícios estatísticos para mostrar que estes transmitiam tais caracteres a seus filhos, igualmente inteligentes e bem-sucedidos, enquanto os pobres geralmente continuavam pobres. (Gioppo, 1996)
A partir deste momento, a eugenia, como ciência da hereditariedade humana e através de instrumentações matemáticas e biológicas, passou a verificar os indivíduos que possuíam as melhores características, estimulando sua reprodução, e os que possuíam atributos degenerativos, evitando sua procriação, surgindo assim, diversas teses e políticas segregacionistas, que segundo Guerra (2006):
Este conceito, de que na luta pela sobrevivência muitos seres humanos eram não só menos valiosos, mas destinados a desaparecer, culminou em uma nova ideologia de melhoria da raça humana por meio da ciência.
2.2 O início dos movimentos eugênicos
Os primeiros movimentos eugênicos surgiram nos primórdios do século XX, instigados pela preocupação com a degeneração biológica e racial iminente na época, especialmente pelas classes mais altas, e também pela condição social da Europa, que, no período supramencionado, era de crise. A Inglaterra, neste momento, passava pela expansão da industrialização, consequentemente com o exponencial crescimento populacional, tornando-se um ambiente muito propício aos ideais eugênicos, devido à formação de uma sociedade marcada fortemente pela miséria industrial e urbana do proletariado.
Deste modo, a partir de 1905, começaram surgir diversas sociedades e organizações eugênicas com o objetivo de controlar, seletivamente, a reprodução e os casamentos. A primeira sociedade a se formar foi a German Society for Racial Hygiene, surgindo, a partir desta, diversas organizações equivalentes na Inglaterra e na França, onde se estabeleceram inicialmente.
Em 1920, as práticas eugênicas e seus ideais começaram ser radicalizados, deixando de ser apenas um estímulo aos casamentos e às reproduções dos melhores membros, passando-se a evitar a reprodução dos inadequados, dando origem a práticas como a esterilização e a segregação, além da elaboração de leis que favoreciam estas, como, por exemplo, a lei aprovada na Inglaterra, em 1913, que permitia a segregação das pessoas com problemas mentais (TEIXEIRA e SILVA, 2017).
A partir deste momento, os diversos movimentos eugênicos foram disseminados pelo mundo, não se limitando apenas à Europa, atingindo até mesmo países como os Estados Unidos e o Brasil.
Na primeira metade do século XX, a Alemanha possuía as mesmas condições que a Inglaterra, sendo estas agravadas após o término da Primeira Guerra Mundial, estando a base econômica do país totalmente desestruturada, tornando-se um ambiente suscetível às práticas eugênicas, considerando, também, que a sociedade alemã sempre teve forte aversão aos judeus (antissemitismo), encontrando ali grandes condições de crescimento (TEIXEIRA e SILVA, 2017).
Com a crise afetando o país, Adolf Hitler, em 1933, atingiu o cargo de chanceler da Alemanha, pregando uma “higienização racial”, na qual a nação alemã só prosperaria a partir de arianos puros. Para isso, o partido nazista criou várias leis de esterilização, além do extermínio dos indesejáveis, sendo estes os judeus, negros, doentes mentais, ciganos e homossexuais, que segundo Teixeira e Silva (2017, p. 69), “estima-se que, devido às praticas eugênicas, cerca de seis milhões de pessoas morreram nos campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial”, passando a ser o mais trágico dos movimentos eugênicos do mundo, determinado como holocausto.
Devido à associação com o movimento nazista, o termo eugenia tornou-se infame, perdendo grande parte da sua fiabilidade após a Segunda Guerra Mundial, porém este ainda continuou a se disseminar pelo mundo, não só incitando diversas políticas segregacionistas, mas também estimulando a ciência, no desenvolvimento da eugenética, e também o próprio direito, devido à influência desta nos crimes cometidos contra a humanidade.
Os Estados Unidos também aderiram ao movimento eugênico, com objetivo de “proteger” a população americana da miscigenação, sendo marcado pela criação de leis de segregação racial, esterilização de doentes mentais e restrições à imigração, além do racismo, no qual pregavam a ideia de superioridade da raça branca, causando à elaboração de leis que impediam a imigração de não nórdicos e latinos.
Um dos principais representantes do movimento norte-americano foi o geneticista Charles Devenport (1866-1944), que em 1910, formou o Eugenics Record Office, que tinha como objetivo primordial recolher dados sobre aqueles catalogados como “disgênicos”, sendo estes os indivíduos com deficiências físicas ou doenças mentais, os criminosos, entre outros (TEIXEIRA e SILVA, 2017).
Além do registro dessas pessoas, o Eugenics Record Office atuava, também, na elaboração de políticas para a sua eliminação. Essas políticas incluíam a segregação e a esterilização com o objetivo de eliminar o chamado ‘germeplasma defeituoso’. (TEIXEIRA e SILVA, 2017, p. 70)
Este instituto exerceu, na época, grande influência na legislação do país, baseando-se nos dados coletados dos indivíduos com características consideradas indesejáveis, restringindo grande parte dos direitos destes, além das políticas de esterilização.
O movimento eugênico no Brasil começou a se instruir a partir de 1910, época em que o país passava por diversos problemas sociais, dando força ao movimento como solução para as classes dominantes.
Definido por fortes tendências racistas, o movimento, assim como nos Estados Unidos, tinha como maior preocupação a miscigenação e o perigo que esta oferecia, tendo como um dos principais personagens Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), que defendia a eugenia para aperfeiçoamento da raça brasileira.
Com o decorrer do tempo, o movimento foi adquirindo mais força no país, sendo em 1918 inaugurada, no estado de São Paulo, a Sociedade Eugênica de São Paulo, comovida pela elite médica paulistana, estando o movimento consolidado no Brasil já em 1920, com grande ajuda de Renato Kehl (1889-1974), médico farmacêutico, responsável pela criação do Boletim da Eugenia, pequeno jornal que divulgava a ciência da eugenia à população (TEIXEIRA e SILVA, 2017).
2.6 Da eugenia positiva e negativa
Em relação à eugenia, com base em sua evolução histórica e no desenvolvimento dos meios de sua disseminação, pode-se dividir a eugenia em duas modalidades, sendo estas a eugenia positiva e a eugenia negativa.
A eugenia positiva era a que incentivava a reprodução dos indivíduos considerados como “superiores”, normalmente médicos, advogados e membros das classes mais altas, para que estes passassem suas características “superiores” às gerações seguintes, assim como Galton, no início de suas pesquisas, fazia com seus casamentos seletivos, que consonante com Mai e Angerami (2006, p. 254):
A eugenia positiva tinha como objetivos centrais propiciar a seleção eugênica na orientação aos casamentos e estimular a procriação dos casais considerados eugenicamente aptos para tal. A seleção matrimonial destinar-se-ia à seleção de boas linhagens hereditárias, a fim de, preferencialmente alcançar o ‘tipo eugênico’.
Já a eugenia negativa tinha como fim a redução dos indivíduos disgênicos através de limitações ao casamento e à procriação, além de medidas mais extremas como a esterilização, meios anticoncepcionais, o aborto eugênico e até a exterminação de outras raças e etnias, assim como houve no movimento nazista. Acerca destas medidas, segundo Mai e Angerami (2006, p. 254), “geravam grande discussão e polêmica, tornando-se alvo de fortes oposições de setores como a igreja e alguns grupos médicos mais conservadores”.
3.DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
3.1 Os pretextos para a criação dos tribunais penais internacionais
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, ficou evidente que os ditadores, como Hitler, obcecados pelo poder, e a disseminação dos movimentos eugênicos, poderiam colocar em risco os outros países e as suas populações, bem como a própria democracia, sendo que dificilmente seriam condenados pelos seus crimes em seus próprios países, causando certa insegurança sobre a eficácia do Direito, que conforme Garcia (2012): “A impunidade frente aos crimes mais horrendos é algo que causa um imenso mal estar social e traz a mensagem de que o Direito não alcança aqueles no poder”.
Frente a estas situações, entendeu-se a necessidade de criação de tribunais internacionais que garantissem a condenação destes crimes contra a humanidade, evitando, assim, a impunidade e também a reincidência de casos como o acontecido na Alemanha.
3.2 Os tribunais de Nuremberg e de Tóquio
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, foram criados os tribunais de Nuremberg, na Alemanha, e de Tóquio, no Japão, estabelecidos pelas decisões das Potências Aliadas (Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália e Japão), vencedoras da guerra, baseadas nas selvagerias cometidas pelo Japão, contra a china, e pela Alemanha contra todos aqueles que passaram pela higienização racial promovida por Hitler (GARCIA, 2012).
Desta maneira, os tribunais militares internacionais de Nuremberg e de Tóquio foram criados com o objetivo de julgar e condenar aqueles grandes crimes cometidos na Segunda Guerra Mundial, servindo, segundo Garcia (2012): “como elemento catalisador para o desenvolvimento do direito internacional penal”.
3.3 Os tribunais penais internacionais ad hoc
Com o entusiástico desenvolvimento dos tribunais penais internacionais, no início da década de 1990, dispostos pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, foram formados os primeiros tribunais denominados ad hoc, expressão latina que significa “para esta finalidade”, ou seja, eram tribunais de caráter temporário que tinham como objetivo resolver causas penais internacionais mais graves, como os crimes de genocídio, de guerra e os contra a humanidade, assim como foram os tribunais de Nuremberg e de Tóquio, tornando-se um mecanismo jurídico muito importante nestes contextos de conflitos internacionais perante as vítimas de crimes que violavam os direitos humanos.
Os dois primeiros tribunais internacionais ad hoc foram designados para julgar as atrocidades cometidas por parte da antiga Iugoslávia e da Ruanda, sendo estes hospedados, respectivamente, na Holanda e na Tanzânia, retratando grandes avanços na jurisdição penal internacional.
3.4 O Tribunal Penal Internacional
Em 1948, após a formação dos tribunais ad hoc, a ideia de criação de um tribunal penal internacional permanente foi cogitada pela primeira vez, a pedido da Assembleia Geral das Nações Unidas à Corte Internacional de Justiça, com o intuito de julgar os casos semelhantes aos que haviam sido submetidos aos tribunais de Nuremberg e de Tóquio, sendo apresentados, entre 1951 e 1953, projetos de estatutos para o futuro tribunal, porém, em decorrência da Guerra Fria, ficaram suspensos até 1989.
Entre 1995 e 1998 foi submetido à Conferência Diplomática de Roma, um projeto do estatuto e um projeto de lei final que possuía cento e dezesseis artigos e cento e setenta e três páginas de texto, sendo aprovada a criação do Tribunal Internacional Penal apenas em Julho de 1998 e entrando em vigência dia 1º de Julho de 2002, com sede em Haia, Países Baixos, sendo aderido por cento e seis países, representando um grande avanço na abrangência dos direitos humanos e do direito internacional.
O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, dispõe, em seu texto, sobre sua atuação, estrutura, jurisdição, princípios, entre outros, tendo como objetivo julgar os crimes que este considerar extremamente graves e de maior interesse internacional, que conforme seu artigo 5º:
Artigo 5º
Crimes da competência do Tribunal
1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes:
a) O crime de genocídio;
b) Crimes contra a humanidade;
c) Crimes de Guerra;
d) O crime de agressão;
Em relação ao artigo 5º, acima exposto, os três artigos subsequentes destrincham e caracterizam os atos que constituem os crimes de guerra, de genocídio e os contra a humanidade.
Sendo o Tribunal Penal Internacional uma corte de última instância, de responsabilidade subsidiária, para que seja exercida sua jurisdição, de acordo com o principio da complementaridade, disposto no artigo 1º do Estatuto, será apenas manifestada no caso de carência de sistema judiciário nacional legítimo para julgar os crimes expostos:
Artigo 1º
O Tribunal
É criado, pelo presente instrumento, um Tribunal Internacional (“o Tribunal”). O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo presente Estatuto.
Vale ressaltar também que a jurisdição do Tribunal Penal Internacional não é absoluta, só podendo exercer esta nos limites previstos no artigo 13 do Estatuto:
Artigo 13
Exercícios da Jurisdição
O Tribunal poderá exercer a sua jurisdição em relação a qualquer um dos crimes a que se refere o artigo 5º, de acordo com o disposto no presente Estatuto, se:
a) Um Estado Parte denunciar ao Procurador, nos termos do artigo 14, qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes;
b) O Conselho de Segurança, agindo nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, denunciar ao Procurador qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes; ou
c) O Procurador tiver dado início a um inquérito sobre tal crime, nos termos do disposto no artigo 15.
Inconvenientemente, os poderes jurisdicionais do Tribunal Penal Internacional ainda são um tanto quanto limitados, devido à não adesão de vários países como os Estados Unidos, a China e a Rússia, tendo apenas cerca de cento e vinte estados participantes atualmente, podendo este apenas atuar nestes que convieram ao Estatuto ou com o abono de qualquer outro, assim como dispõe em seu artigo 4º:
Artigo 4º
Regime Jurídico e Poderes do Tribunal
1. O Tribunal terá personalidade jurídica internacional. Possuirá, igualmente, a capacidade jurídica necessária ao desempenho de suas funções e à prossecução dos seus objetivos.
2. O Tribunal poderá exercer os seus poderes e funções nos termos do presente Estatuto, no território de qualquer Estado Parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro Estado.
O Estatuto de Roma atribuiu, em seu dispositivo, princípios fundamentais para a sua atuação, além do já citado principio da complementaridade, sendo estes os princípios da responsabilidade penal individual, do ne bis in idem, da universalidade, da irrelevância da função oficial e o da imprescritibilidade, além daqueles comuns ao Direito, como os da legalidade, do in dubio pro reo, da irretroatividade, da anterioridade da lei penal e da vedação da analogia.
As penas aplicáveis pelo Tribunal Penal Internacional estão dispostas no artigo 77 do Estatuto, sendo que este não adota a pena de morte.
Artigo 77
Penas Aplicáveis
1. Sem prejuízo do disposto no artigo 110, o Tribunal pode impor à pessoa condenada por um dos crimes previstos no artigo 5º do presente Estatuto uma das seguintes penas:
a) Pena de prisão por um número determinado de anos, até o limite de 30 anos; ou
b) Pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem,
2. Além da pena de prisão, o Tribunal poderá aplicar:
a) Uma multa, de acordo com os critérios previstos no Regulamento Processual;
b) A perda de produtos, bens e haveres provenientes, direta ou indiretamente, do crime, sem prejuízo dos direitos de terceiros que tenham agido de boa fé.
Caso a pena determinada seja privativa de liberdade, esta será cumprida, indicado pelo tribunal, em um dos Estados-partes que tenha se disponibilizado para receber o condenado, vide artigo 103 do Estatuto, podendo a pena ser reduzida, sob revisão do Tribunal, quando este já tiver cumprido dois terços da pena ou vinte e cinco anos de prisão, em caso de perpétua.
Com o decorrer do tempo, o Tribunal Penal Internacional exerceu, pela primeira vez, sua função ao julgar Thomas Lubanga Dylio, ex-senhor da guerra congolês, por recrutar crianças-soldados, menores de quinze anos, às Forças Patrióticas para a Libertação do Congo entre os anos de 2002 e 2003, quando era comandante chefe (Nações Unidas Brasil, 2002).
Após o caso de Lubanga, outros julgamentos chegaram à jurisdição do Tribunal Penal Internacional de crimes cometidos por grandes líderes políticos, militares e de grupos rebeldes, em países como Ruanda, Bósnia e Sudão, especialmente de genocídio e contra a humanidade.
Diante do desenvolvimento histórico apresentado, observa-se que a eugenia, que tinha, inicialmente, o objetivo de aprimoramento da raça humana através do controle de cruzamentos, incitou, posteriormente, diversos movimentos mais radicais que adotaram políticas de segregação e de extermínio, sendo demonstrada sua grande influência em vários países, principalmente na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, onde desencadeou a criação do primeiro tribunal capaz de punir os crimes internacionais, que os responsáveis sempre saiam impunes devido à falta de órgão competente para julgar os mesmos.
O tribunal de Nuremberg, na época, representou um grande marco no desenvolvimento da jurisdição penal internacional e, mesmo sendo alvo de críticas, motivou a criação de outros tribunais internacionais, especialmente os tribunais ad hoc da Organização das Nações Unidas, que eram tribunais temporários criados para julgar crimes específicos a qual eram indicados.
Por fim, sob influência dos tribunais de Nuremberg e ad hoc e com o propósito de ser uma corte permanente surgiu o Tribunal Penal Internacional, que, ao punir os crimes internacionais, exercia a grande função de transmitir que não haveria mais impunidade frente aos grandes crimes cometidos contra a humanidade, previstos no Estatuto de Roma, representando grande avanço no Direito Penal Internacional e estabelecendo uma maior segurança jurídica diante dos conflitos internacionais.
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Graduando no curso de Direito na Universidade Brasil, Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANO, Matheus Gomes. A influência da eugenia no desenvolvimento do Direito Penal Internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 abr 2020, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54371/a-influncia-da-eugenia-no-desenvolvimento-do-direito-penal-internacional. Acesso em: 22 nov 2024.
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