1. Introdução
Uma das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI’s) mais aguardadas nos tempos hodiernos – notadamente para trabalhadores ativos, inclusive servidores públicos em geral (lato sensu) que possuem algum tipo de deficiência e/ou doença grave – foi, sem sombra de dúvidas, a de nº 6.025 sob a relatoria do eminente Ministro Alexandre de Moraes.
Ajuizada em 21/09/2018 pela Procuradoria Geral da República (PGR) – chefiada à época pela douta Procuradora Geral Raquel Dodge – a ação constitucional pediu que se “julgue procedente o pedido, para, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 6.º–XIV da Lei n.º 7.713/1988, declarar que, no seu âmbito incidência, está incluída a concessão do benefício fiscal aos trabalhadores com doença grave que permanecem em atividade”.
O pedido cautelar formulado pela PGR pode ser resumido no seguinte trecho da ação: “permitir a concessão de isenção de imposto de renda sobre o salário de pessoa que, acometida de alguma das doenças graves elencadas no rol do art. 6.º–XIV da Lei n.º 7.713/1988, permanece em atividade laboral”.
Segundo a PGR na demanda, “a concessão da isenção apenas a aposentados que enfrentam as doenças graves especificadas no dispositivo e, não, aos trabalhadores em atividade, afronta os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1.º–III da Constituição), dos valores sociais do trabalho (art. 1.º–IV da Constituição) e da igualdade (art. 5.º–caput da Constituição), além de desrespeitar a especial proteção conferida às pessoas com deficiência pela Constituição (arts. 7.º–XXXI, 23– II, 24–XIV, 37–VIII, 40–§4.º–I, 100–§2.º, 201–§1.º e 203–IV), sedimentada pela Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”.
A par disso, diante da relevância da matéria constitucional suscitada e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, o eminente Ministro relator adotou o rito do artigo 12 da Lei Federal nº 9.868/1999 segundo o qual: “Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação”.
A matéria objeto da ação logo causou interesse na habilitação de 2 (dois) amicus curiae, quais sejam o Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais no Estado da Bahia (SINPRFBA) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Após o deferimento pelo eminente Ministro relator destas 2 (duas) habilitações em 29/11/2018 (Diário da Justiça nº 257, divulgado em 30/11/2018) houve as manifestações nos autos das casas legislativas do Congresso Nacional, da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria Geral da República. A Câmara dos Deputados informou que o dispositivo foi processado "dentro dos estritos trâmites constitucionais e regimentais inerentes à espécie". O Senado Federal entendeu que "os precedentes do Supremo Tribunal Federal, em casos similares, mostrados na inicial, vão ao encontro da pretensão apresentada no presente processo objetivo". Já a Presidência da República manifestou-se pela improcedência do pedido, através da AGU. O parecer final da PGR concluiu pela procedência da ação. Logo após, foi requerida pelo Ministro relator a inclusão da ação em pauta de julgamento do Plenário (Diário da Justiça nº 259, divulgado em 03/12/2018).
Ato contínuo, em 19/12/2018, a PGR reiterou o seguinte pedido: “(...) com o devido respeito, seja dada preferência no julgamento da ação direta, considerando, especialmente, que o trabalhador acometido de alguma das doenças graves elencadas no rol do art. 6.º–XIV da Lei n.º 7.713/1988 tem o imposto de renda retido na fonte, diminuindo, mês a mês, a sua disponibilidade financeira para arcar com despesas de tratamentos médicos e terapêuticos”.
Ocorre que se passaram mais de 500 (quinhentos) dias desde o ajuizamento da ação e nenhuma decisão – sequer cautelar a respeito da questão de fundo referente à isenção tributária – havia sido proferida pelo STF até o início do mês de abril de 2020. Inexistia uma previsão objetiva de data de julgamento da ADI nº 6.025. O único indicativo a respeito de marco temporal para apreciação do caso foi lançado no Diário da Justiça extra nº 285/2019, divulgado em 18/12/2019, onde se estabeleceu o dia 19/02/2020 para o julgamento pelo Plenário da Suprema Corte.
Em que pese a justa expectativa criada pelo STF, no dia supracitado, qual seja 19/02/2020, não ocorreu o julgamento da ADI nº 6.025 e inexistiu qualquer lançamento de informações no sistema da Corte de Justiça quanto à remarcação de data[1]. Um dia antes do julgamento previsto (18/02/2020) o próprio site do Supremo veiculou notícia confirmatória da iminente apreciação da ação, porém isto não se verificou na sessão[2]. E não se teve ciência do porquê até a presente data. A ação estava pautada e simplesmente “saiu de cena” sem justificativa plausível aparente.
A questão, como dito, possui tanta relevância para a sociedade que no interregno entre o ajuizamento da ADI nº 6.025 (21/09/2018) e a frustrada previsão de julgamento (19/02/2020) já havia inúmeras solicitações de admissão como amicus curiae. Em despacho do respeitável Ministro relator (Diário da Justiça nº 31, divulgado em 13/02/2020) ocorreu o indeferimento da condição de amicus curiae a diversas federações, confederações, sindicatos, associações e fundações – de servidores públicos e de pessoas com deficiência e doenças graves – bem como ao Distrito Federal e à Defensoria Pública da União (DPU).
Ao total, foram 50 (cinquenta) pedidos de habilitação como amicus curiae, todos indeferidos pelo eminente Ministro relator sob o argumento de que a jurisprudência do Supremo[3] orienta ser possível demandar a intervenção no feito até a data de liberação do processo para pauta. Tendo ocorrido a dita liberação no Diário da Justiça nº 259, divulgado em 03/12/2018 e considerado publicado em 04/12/2018, a partir deste marco temporal não seria possível a inclusão dos 50 (cinquenta) requerentes. Permaneceram, então, apenas os 2 (dois) amicus curiae já admitidos no início da ação constitucional, nos termos do artigo 138 do Código de Processo Civil (CPC).
Voltando ao trajeto processual, no dia 19/02/2020 não ocorreu o julgamento, onde os autos da ADI nº 6.025 foram, novamente, conclusos ao eminente Ministro relator. Um dia antes, em 18/02/2020, já havia novo despacho da mencionada autoridade, divulgado no Diário Eletrônico da Justiça nº 38 apenas em 20/02/2020, quanto ao indeferimento de mais 5 (cinco) pedidos de habilitação como amicus curiae.
Incompreensivelmente, com o devido respeito, em 25/03/2020 ocorreu uma movimentação processual de “retirada de mesa” dos autos em questão – os quais, em princípio, acreditava-se já estarem fora de pauta na prática devido à conclusão anterior de 19/02/2020. No mesmo dia, houve o lançamento de informação processual sobre uma nova data de julgamento, publicada no Diário Eletrônico da Justiça nº 74, de 26/03/2020. A ADI nº 6.025, assim, seria julgada, agora, pelo Plenário Virtual em 10/04/2020 sem qualquer motivação para tal.
No dia 07/04/2020, houve novo despacho do eminente Ministro relator, disponibilizado no Diário Eletrônico da Justiça nº 88, de 13/04/2020, indeferindo mais 25 (vinte e cinco) pedidos de habilitação como amicus curiae quanto a Estados da Federação. Ou seja, praticamente toda a Federação brasileira possuía interesse jurídico na questão jurídica controvertida.
Resumida a via crucis acima, passa-se, pois, a analisar o desfecho da ADI nº 6.025.
2. A relevância jurídica do impasse no âmbito do Supremo
Volvendo os olhos para o caso em análise, foi extreme de dúvida que a própria manifestação advinda da sociedade em buscar o acompanhamento do desfecho desta ação constitucional já demonstrava a sua relevância jurídica e social. Não fosse isto jamais chamaria a atenção da PGR, da DPU, de 25 (vinte e cinco) Estados da Federação, do Distrito Federal e de mais de 50 (cinquenta) entidades representativas da sociedade.
Nesse cenário, o que se aguardava do Supremo era a prestação jurisdicional efetiva e em tempo razoável (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal e artigos 4º, 6º, 8º, 139, inciso II, e 1.048, inciso I, todos do CPC), considerando, ainda, que desde o ajuizamento da ADI nº 6.025 sequer ocorrera a apreciação do pedido cautelar formulado pela PGR. Aliás, o efetivo acesso à justiça é garantido pelo artigo 13 da Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, de Nova York, aprovada, por meio do Decreto Legislativo nº 186, conforme o procedimento do § 3º do artigo 5º da Constituição da República. E, em 2009, mediante o Decreto Federal nº 6.949/2009, promulgada com status jurídico de norma constitucional, sendo o primeiro tratado equivalente à Emenda Constitucional desde a Carta Política de 1988.
Desta decisão judicial colegiada dependem as vidas de inúmeros cidadãos brasileiros acometidos por moléstias profissionais, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira (inclusive monocular), hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação e síndrome da imunodeficiência adquirida (artigo 6º, inciso XIV, da Lei Federal nº 7.713/1988).
Por isso mesmo a PGR enfatizou que: “Sabe-se que o volume de processos que compõem o acervo do Supremo Tribunal Federal dificulta o cumprimento do princípio da razoável duração do processo. A matéria objeto desta ação direta de inconstitucionalidade é, porém, sensível e atinge direitos fundamentais de grupo em situação de vulnerabilidade, que merece especial atenção dos órgãos públicos. São pessoas que encaram diariamente inúmeras dificuldades decorrentes de doenças graves, com significativa redução de sua capacidade contributiva, já que o enfrentamento da mazela, dos seus sintomas e do respectivo tratamento no dia a dia embaraça o atingimento do seu máximo potencial laborativo”.
No entanto, o STF decidiu, após a finalização do julgamento pelo Plenário Virtual em 17/04/2020, que: “O Tribunal, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado na ação direta, para declarar a constitucionalidade do art. 6º, XIV, da Lei Federal nº 7.713/1988, com a redação da Lei nº 11.052/2004, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Edson Fachin. Falaram: pelos interessados, o Dr. José Levi Mello do Amaral Júnior, Procurador-Geral da Fazenda Nacional; e, pelo amicus curiae Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica no início da sessão, o Ministro Celso de Mello (art. 2º, § 5º, da Res. 642/2019). Afirmou suspeição o Ministro Dias Toffoli (Presidente). Plenário, Sessão Virtual de 10.4.2020 a 17.4.2020”.
Segundo notícia veiculada no site do STF em 20/04/2020[4]: “Isenção de IR para doenças graves – Por maioria de votos, o Plenário julgou improcedente a ADI 6025, em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionava a isenção de IR apenas para aposentados acometidos por doenças graves (artigo 6º, inciso XIV, da Lei Federal 7.713/1988, com a redação da Lei 11.052/2004). Prevaleceu o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, que afirmou a impossibilidade de o Poder Judiciário atuar como legislador e a inexistência de razões para a declaração de inconstitucionalidade da norma. Ficou vencido o ministro Edson Fachin”. Em que pese não se tenha acesso, ainda, ao inteiro teor do acórdão pendente de lavratura, é possível identificar que o julgamento colegiado em questão teve contornos tumultuados.
Primeiramente, não obstante o relevante impacto de celeridade nos processos trazido pelo Plenário Virtual, o caso mereceria ter sido apreciado e discutido pelo Plenário tradicional, ainda que em sede de julgamento por videoconferência devido ao problema atual da pandemia do coronavírus. Uma questão judicializada pela PGR com fundamento em tratado internacional da ONU, com pedido de habilitação como amicus curiae da DPU e de mais de 50 (cinquenta) interessados da sociedade civil organizada, além de 25 (vinte e cinco) Estados da Federação e o Distrito Federal, não parece ser o tipo de demanda a ser afetada ao Plenário Virtual. Se fosse, deveria ter sido utilizado tal mecanismo (Plenário Virtual) desde o princípio para fins de agilização da prestação jurisdicional, o que não foi o caso o qual se arrasta desde 2018 pelos corredores do Supremo. Prova disto é que a primeira pauta prevista para o dia 19/02/2020 se tratava de processo judicial afetado ao Plenário tradicional e não ao Virtual.
Inclusive, com a devida vênia, existe uma inadequação da pauta da ADI nº 6.025 no Plenário Virtual, pois a Resolução nº 642/2019 do STF, publicada no Diário Eletrônico da Justiça nº 131, em 17 de junho de 2019, estabelece que: “Art. 1º Todos os processos de competência do Tribunal poderão, a critério do relator ou do ministro vistor com a concordância do relator, ser submetidos a julgamento em listas de processos em ambiente presencial ou eletrônico, observadas as respectivas competências das Turmas ou do Plenário. § 1º Serão julgados preferencialmente em ambiente eletrônico os seguintes processos: (redação, incluindo os incisos, dada pela Resolução nº 669, de 19 de março de 2020, publicada no DJe nº 67, Edição Extra, em 20 de março de 2020) I - agravos internos, agravos regimentais e embargos de declaração; II - medidas cautelares em ações de controle concentrado; III - referendo de medidas cautelares e de tutelas provisórias; IV - demais classes processuais, inclusive recursos com repercussão geral reconhecida, cuja matéria discutida tenha jurisprudência dominante no âmbito do STF.[5]”. Assim, da leitura do inciso IV é possível extrair que as Ações Diretas de Inconstitucionalidade somente poderiam ser afetadas ao Plenário Virtual na hipótese de a matéria discutida possuir jurisprudência dominante na Corte. Ocorre que o STF não havia sequer se debruçado sobre o tema em seu Plenário tradicional, vale dizer, acerca da hipótese de isenção tributária em análise, tratando-se de processo inaugural no órgão colegiado. Onde, pois, estaria a “jurisprudência dominante” acerca da matéria? Simplesmente, não havia.
Por outro lado, o próprio modelo de Plenário Virtual da forma como implantado vem sofrendo muitas críticas, inclusive pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em razão da dificuldade de publicidade e de conciliação com as discussões jurídicas mais relevantes, além da falta de acesso em tempo real aos votos dos eminente Ministros[6]. Em meio ao julgamento da ADI nº 6.025 a Ordem questionou a ausência de transparência destes atos processuais com fundamento no artigo 93, inciso IX, da CF/88 e artigos 8º e 11 do CPC, porém houve grave prejuízo aos interessados na questão debatida na ação em questão, pois simplesmente se aguardou um julgamento por vários anos e, de repente, foi proferida uma decisão de improcedência sem haver acesso aos votos e debates entre os eminentes Ministros. Não se teve acesso nem mesmo aos vídeos das sustentações orais das partes e amigos da Corte (amicus curiae). Até a alegada suspeição do respeitável Ministro Presidente da Corte não teve, ainda, uma maior transparência, se motivada – ou não – e sob qual justificativa teria ocorrido. A simples consulta do resultado parcial do julgamento virtual não estava disponível para verificação pública. Apenas dias após o encerramento da apreciação pelo colegiado é que tal informação sobre o desfecho da ADI nº 6025 passou a ser de conhecimento da sociedade.
A bem da realidade, praticamente a sociedade brasileira não conseguiu acompanhar um julgamento que deveria ter sido transparente (artigo 37, caput, da Carta Magna) e objeto de ampla ciência da opinião pública, com a possibilidade de ser verificado o teor do voto do eminente Ministro relator e das razões da divergência apontada pelo respeitável Ministro Edson Fachin, de modo que, em processo dialógico, pudessem ser confirmadas ou infirmadas as conclusões dos demais julgadores. E, por que não dizer, os Ministros justificarem para a sociedade brasileira o porquê da não aceitação das teses arguidas pela PGR em sessão aberta.
Além do mais, a inclusão do processo para julgamento em meio a uma crise mundial de pandemia, com a alegação da União e de diversos Estados da Federação sobre a queda de arrecadação em função da política de isolamento social, indubitavelmente criou um cenário desfavorável ao julgamento da questão. Em que pese a inclusão de processos em pauta advenha de razões de conveniência e oportunidade do Supremo, é inconteste a dificuldade em debater questão pertinente à isenção tributária no decorrer de um surto de pandemia mundial onde muitos gestores públicos (políticos) pedem ao Poder Judiciário justamente a contenção de despesas orçamentárias. No entanto, outras questões da mais alta relevância em termos políticos e econômicos, a exemplo dos valores elevadíssimos e bilionários de recursos públicos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, denominado Fundo Partidário, e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), não são objeto de contenção voluntária. Ou seja, para realizar direitos sociais existe preocupação com o alargamento de gastos públicos, mas para satisfazer partidos políticos e campanhas eleitorais, com dinheiro do contribuinte brasileiro, não.
Em palavras menos congestionadas, não é saudável à democracia brasileira que o Supremo recepcione argumentos estatais recorrentes de suposta dificuldade orçamentária – ou mesmo de uma pandemia por coronavírus – como justificativa para a negativa de direitos internacionais e constitucionais de pessoas com deficiência e com graves doenças. O que se aguarda de um Poder firme e forte como o Judiciário é justamente o inquebrantável dever de guardião da Constituição, notadamente em casos de alta significação para a República. Não pode, por isso, admitir a rejeição de políticas públicas, mesmo de ordem tributária, por insistente pressão política da União, do Distrito Federal e de Estados da Federação com o nítido caráter arrecadatório, sem demonstração de preocupação com o destino dos brasileiros acometidos por essas deficiências e enfermidades.
Essa, aliás, foi a impressão deixada pelo STF quanto à politização do julgamento pela Presidência da República e pelos Governadores do Estados e do Distrito Federal, ao se retirar de pauta uma ação constitucional do Plenário tradicional, levando-a a uma lista do Plenário Virtual, quando não seria o caso na forma regimental e, ainda, em prejuízo ao controle social da população em geral. Os julgadores, portanto, não deveriam se utilizar de um mecanismo regimental para promover um julgamento dessa envergadura sem uma motivação objetiva e competente esclarecimento aos cidadãos diretamente afetados, com as devidas vênias.
Por fim, e não menos importante, vale mencionar que recentemente, em 11/03/2020, o Supremo já havia firmado no Recurso Extraordinário (RE) nº 566.471/RN, com repercussão geral, o entendimento segundo o qual o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo solicitados judicialmente, quando não estiverem previstos na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional, do Sistema Único de Saúde (SUS). As situações excepcionais ainda serão definidas na formulação da tese de repercussão geral (Tema 6), pendente de lavratura de acórdão.
Noutras palavras, em pouco mais de 1 (mês) a Corte Constitucional decidiu 2 (dois) processos da mais alta relevância para as pessoas com deficiência e doenças graves de que trata o artigo 6º, inciso XIV, da Lei Federal nº 7.713/1988 – ADI nº 6.025 e RE nº 566.471/RN – ambos no sentido da negativa de proteção jurídica a este grupo vulnerável sob o argumento de custos dos direitos e reserva do possível. Vale mencionar que muitas destas pessoas, agora, não poderão pleitear medicamentos necessários à sua vida e saúde, bem como também estarão sujeitas ao pagamento indevido de imposto de renda. Recursos financeiros estes que custeariam os medicamentos que a Suprema Corte os negou, à revelia do verdadeiro Estado de bem-estar social.
3. Conclusão
Frente ao exposto, é importante que se tenha uma maior atenção ao procedimento de tramitação e aos efeitos desta ADI nº 6.025 – inclusive no contexto da decisão proferida no RE nº 566.471/RN – a fim de que se busque correção da distorção arguida pela PGR, segundo a qual: “Com a evolução da medicina, da ciência e da tecnologia, porém, muitas pessoas, mesmo acometidas por doenças graves, passaram a conseguir conciliar o seu tratamento com a atividade profissional, mas não são beneficiadas com a isenção do imposto de renda. Assim, ao ter tratamento jurídico menos benéfico de quem está em situação fática igual – considerando que o doente que permanece em atividade enfrenta sacrifícios semelhantes aos do aposentado acometido da mesma doença –, o trabalhador com doença grave tem a sua dignidade abalada e o seu direito ao tratamento inclusivo vilipendiado”.
Em que pese o acórdão da ADI nº 6.025 ainda esteja pendente de publicação, passível, portanto, de recurso pela via dos Embargos de Declaração (artigo 1.022 do CPC), é bastante provável que a via cognitiva limitada dos aclaratórios não proporcione alteração substancial na tese já fixada, de modo que, enquanto não ocorrer eventual superação do precedente (overruling) ou edição de lei em sentido formal prevendo tal isenção tributária, muitas vidas continuarão negativamente afetadas, com risco de agravamento de problemas de saúde e de óbitos prematuros e evitáveis.
Tratar, pois, a questão da ação em discussão genericamente no sentido da “impossibilidade de o Poder Judiciário atuar como legislador”, à toda evidência, afasta-se da necessária realização da vontade constitucional e da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV, da CF/88 e artigo 3º do CPC). Não é por outra razão que a Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) prevê que: “Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. Ora e as vidas dos cidadãos afetados por essa criticada decisão na ADI nº 6.025, como ficarão a partir de agora na dura realidade de convívio com deficiências e doenças graves? Na prática, as consequências serão nefastas passando desde a impossibilidade de tratamentos médicos até a privações de ordem pessoal e familiar na luta pela sua sobrevivência em condições dignas.
Afinal, é de se perguntar: está, realmente, na pauta do Supremo a inclusão social e a devida proteção jurídica às pessoas com deficiência e com doenças graves? Esperava-se que sim, porém os últimos julgamentos da referida Corte Constitucional caminharam, infelizmente, no sentido inverso. Trilharam o sentido da exclusão social.
4. Referências bibliográficas
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[1] Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5552342>. Acesso em: 20 abr. 2020.
[2] Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=437343&ori=1>. Acesso em: 20 abr. 2020.
[3] Supremo Tribunal Federal. ADI nº 6.025, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, ADI 4.071-AgR, Rel. Min. Menezes Direito, Tribunal Pleno, ADI 4.067-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno; ADI 5.104-MC, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno; e RE nº 566.471/RN, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br>. Acesso em: 20 abr. 2020.
[4] Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441746&ori=1>. Acesso em: 20 abr. 2020.
[5] Supremo Tribunal Federal. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Resolucao642alterada.pdf>Acesso em: 20 abr. 2020.
[6] Ordem dos Advogados do Brasil. Disponível em: <https://www.oab.org.br/noticia/58060/stf-atende-oab-e-anuncia-que-votos-dos-ministros-serao-disponibilizados-na-internet-em-julgamento-virtual>. Acesso em: 20 abr. 2020.
Procurador do Estado de Alagoas. Advogado. Consultor Jurídico. Ex-Conselheiro do Conselho Estadual de Segurança Pública de Alagoas. Ex-Membro de Comissões e Cursos de Formação de Concursos Públicos em Alagoas. Ex-Membro do Grupo Estadual de Fomento, Formulação, Articulação e Monitoramento de Políticas Públicas em Alagoas. Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Ex-Estagiário da Justiça Federal em Alagoas. Ex-Estagiário da Procuradoria Regional do Trabalho em Alagoas. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALHEIROS, Elder Soares da Silva. Isenção de imposto de renda para trabalhador ativo: o caso da ADI 6.025 no contexto do RE nº 566.471/RN Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 abr 2020, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54460/iseno-de-imposto-de-renda-para-trabalhador-ativo-o-caso-da-adi-6-025-no-contexto-do-re-n-566-471-rn. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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