RESUMO: A temática tratada no presente trabalho está relacionada a relação, não raras vezes, conturbada entre os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. Diante do exercício das atribuições constitucionalmente garantidas, cada Poder pode assumir um protagonismo invasivo da função de outro Poder. A reiterada atuação exacerbada de qualquer dos Poderes tem o condão de causar tensão e, possivelmente, abalar a estabilidade institucional. Com base em referida premissa, a teoria do diálogo institucional busca se tornar alternativa para o arrefecimento das relações interinstitucionais. Para tanto, o presente artigo principia pela exposição do que vem a ser um diálogo e suas nuances. Na sequência, é apresentada as instituições que interessam a uma análise dialógica. Ao final, a exposição lança um olhar sobre a prática internacional e o que propõe a teoria do diálogo institucional. Dessa forma, ainda que de forma perfunctória, a análise levada a cabo busca gestar novos debates para o tratamento de crises institucionais.
Sumário: 1. Introdução. 2. Diálogos. 3. Instituições estatais envolvidas. 4. Diálogo institucional como teoria. 5. Considerações finais. 6. Referências bibliográficas.
1.Introdução
O fenômeno de acotovelamento entre os poderes constituídos não é uma novidade. Em qualquer democracia é normal e natural que as principais instituições estatais (Executivo, Legislativo e Judiciário) testem os limites de sua influência e autoridade. O problema reside exatamente na medida e proporção em que o jogo entre os poderes não se resolve de maneira “saudável”. No limite da tensão entre os Poderes que constituem uma República Democrática pode ocasionar uma inevitável crise, com possível ruptura institucional. Variados modelos podem ser indicados no sentido de arrefecer os ânimos e explicar o convívio harmônico entre Executivo, Legislativo e Judiciário, de forma que o diálogo institucional poderá servir a tal propósito.
É claro que o diálogo ocorre naturalmente e com frequência entre os Poderes constituídos em uma democracia, inclusive, com previsão em Constituição. A garantia de diálogo é um começo para a resolução de rusgas, o que não implica em êxito – a depender do contexto e da forma. O modo como cada instituição atua e enxerga a outra é uma das mais sensíveis razões pela qual o tratamento/tratativa não deve ser considerado algo banal e simples. Desta feita, é importante que o diálogo entre as instituições seja dotado de método próprio para cada situação.
No mundo existem diversas formas de democracia, culturas diferentes e momentos históricos próprios. A experimentação da democracia em alguns lugares conta com centenas, muitas vezes milhares, de anos. Ao longo do tempo, a interlocução entre as instituições estatais pode ser considerada como uma das peças chave que permitiu a democracia evolução em diferentes patamares. Não é demais afirmar que quanto maior o nível – e em nível elevado – do diálogo entre os Poderes estatais melhor será a resolução de pontuais desacertos entre conclusões. No entanto, em muitas ocasiões, é perceptível que a interação entre as instituições é feita sem o mínimo de consideração das balizas que cada Poder possui, o que fatalmente pode implicar em resultados imprevisíveis.
No Brasil, por exemplo, a praxe tem demonstrado que a interação entre os Poderes ocorre com sérios ruídos comunicacionais. Desde a redemocratização, em linhas gerais com a promulgação da Constituição de 1988, é visível que o Poder Judiciário busca assumir um protagonismo por intermédio do ativismo judicial; o Poder Legislativo tem a prática de se imiscuir nas funções do Poder Executivo, com o que foi alcunhado de presidencialismos de coalizão; e, por fim, o Poder Executivo tende a capturar agentes dos outros Poderes para angariar legitimidade (por exemplo, escolha de Ministros que sejam oriundos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário). A questão maior não são as atitudes anteriormente exemplificadas, mas sim a exacerbação e ausência de tratamento adequado para as questões que levaram a tal atitude por cada instituição.
Cada vez mais o Brasil tem se mostrado instável, muito em razão da forma como cada Poder julga interpretar/aplicar a Constituição. Muito mais do que uma vivência constitucional solipsista, as instituições estatais devem participar de um espaço comum interpretativo. Nesse sentido, o presente estudo visa justamente demonstrar a importância de um diálogo bem estruturado entre as instituições.
2.Diálogos
A definição para diálogo na língua portuguesa é “substantivo masculino que significa exposição de ideias por perguntas e respostas, comunicação, discussão, conversa entre duas pessoas”[1]. Tal definição, reflete com clareza o senso comum sobre a palavra, bem como uma ideia inicial sobre o seu conteúdo, mas não é capaz de revelar os contornos e refletir o objeto daquilo que se pretende desenvolver adiante.
Em outros termos, diálogo se configura na interação entre pessoas que, reconhecendo-se como iguais, visa a opiniões, troca de ideias, emoções, sentimentos e observação compartilhada da experiência para, juntas, participarem de um espaço comum de intersubjetividade. O pressuposto básico é o respeito mútuo, com vistas a formar uma relação horizontal de tratamento. Contudo, é imperativo ter em mente que são variadas as espécies de diálogos possíveis. Nessa ordem de ideias, o diálogo pode se apresentar como uma conversa e como uma deliberação[2].
O diálogo como conversa reflete exatamente a noção geral apresentada anteriormente, com a diferença de que a conversa se manifesta de modo informal e, geralmente, espontânea. Em uma conversa, os participantes têm como proposição criar um universo comum de ideias, significados em conjunto, no qual cada um deles possa aprender sobre as perspectivas do outro e descobrir novos panoramas. Essas trocas de informações não contam com objetivos específicos, portanto, não são dotadas de debates e argumentações. O sucesso ou não do diálogo como conversa depende do grau de entendimento mútuo entre os participantes, será bem sucedido se houver um espaço comum de entendimento, o que pressupõe cooperação. Assim, cada participante deve ter comprometimento e interesse no que o outro tem a dizer, para que o diálogo como conversa possa ser um intercâmbio das experiências vividas e inseridas em uma espécie de reflexão cooperativa.
Uma conversa representa a interação mais simples entre interlocutores visando à troca de informações. A dificuldade presente em referido tipo de diálogo é a ausência de vocação dele na tomada de decisões comunitárias para se alcançar um consenso, persuadir sobre uma proposta ou determinar em conjunto a alternativa mais favorável para resolução de questões. De fato, na essência, diálogo como conversa não busca o convencimento por meio de argumentações bem traçadas, mas importa, apenas, a exposição de pensamentos. Em todo caso, é completamente possível que uma conversa tenha, de alguma forma, capacidade de convencer o interlocutor por argumentos lançados sobre determinado ponto de vista. Entretanto, inclusive pela informalidade com que se reveste, essa não constitui a tônica deste tipo de interação.
De um lado, o diálogo como deliberação permanece como a interação entre duas ou mais pessoas, que se entendam por iguais e visam trocar informações, ideias, sentimentos, mas é, por outro lado, mais formal e menos espontâneo do que o diálogo aplicado como conversa. O objetivo da deliberação é buscar o consenso mútuo, criar acordos, resolver problemas. A ênfase nesse tipo de diálogo está voltada para debates com a consequente criação de teses com capacidade de gerar consensos pela maioria. Não obstante, é factível que a tese que lograr o consenso nem sempre será aquela que propõe as conclusões mais convincentes, de modo que ela pode ser permeável a argumentos diversos apresentados, de forma a privilegiar o princípio democrático.
Como deliberação, o diálogo implica na satisfação de algumas condições[3]. A primeira pode ser descrita como a intenção de produzir uma conclusão conjunta baseada no acordo de vontades entre os participantes. Dentro de um espaço comum, os participantes devem justificar suas posições e admitir as argumentações dos outros. Na verdade, cada participante deve estar propenso a incorporar os argumentos projetados pelos demais, como uma forma de evoluir em suas próprias proposições. Outrossim, é essencial o reconhecimento entre os participantes como iguais, com capacidade de manifestar suas teses, realizar propostas, em suma, contribuir para o resultado final do diálogo. Desta feita, em termos absolutos, não seria excluído qualquer participante que esteja intencionado a participar das discussões, bem como não deve haver preponderância ou hierarquia de uns para com os outros. Como última condição, a deliberação deve constituir um processo de livre persuasão.
Com vistas a se estabelecer como verdadeiro processo democrático, a deliberação tem por objetivo convencer os participantes pela qualidade e higidez de seus argumentos. Todavia, é oportuno esclarecer que não é necessário que uma das posições prepondere sobre as demais, mas que, em busca de um objetivo comum, os participantes estejam abertos a críticas e, eventualmente, mudança de posições, incorporando o discurso de outros pontos de vista que não os seus próprios. Caso algum/alguns participante(s) não esteja(m) disposto(s) a qualquer nível de absorcividade, a consequência imediata seria a transformação do diálogo em conversa, de modo que cada um permaneceria com sua posição inarredável e, assim, não haveria de todo uma solução angariada pelas discussões. Nessa ordem de ideias, deliberação deve ser proveniente do acordo de vontade racionalmente fundamentado entre todos os participantes, desde que reconhecidos como iguais[4].
3.Instituições estatais envolvidas
Antes de adentrar aos meandros do diálogo institucional é preciso estabelecer as instituições que devem protagonizar a teoria. Assim, as instituições que interessam ao diálogo podem ser caracterizadas, segundo proposta dos teóricos do institucionalismo histórico[5] da ciência política, como o conjunto de regras e procedimentos que regulam comportamentos recorrentes e protocolos inerentes à estrutura organizacional da comunidade política[6]. Logo, a identificação das instituições pode ser realizada a partir do seu caráter instrumental (procedimentos, protocolos, normas e convenções próprias).
Não obstante a possibilidade de as instituições serem identificadas como um conjunto de normas e procedimentos, elas também são responsáveis por gestar as regras, as quais, a seu tempo, orientam a ação do indivíduo para guarnecer a instituição como sistema. As instituições são os organismos, sob um ponto de vista pragmático, responsáveis pela mediação entre as estruturas sociais e os comportamentos individuais[7]. Esse caráter mediador é justamente o que transforma as instituições em ponto de convergência para a condensação e oferta, em favor de seus participantes, de informações úteis ao desempenho das funções atribuídas. Ademais, é no interior das instituições, através de construções coletivas e dialógicas das preferências de ação entre os seus integrantes, que serão confeccionados os aspectos de sua própria identidade.
No que tange as instituições político-estatais, a referida intermediação e a forma de atuar decorrem, de um lado, a partir estrutura idealizada pela Constituição, de outro lado em como se posiciona diante dos acontecimentos sociais. A Constituição é a responsável por prever um conjunto de competências pelas quais as instituições nomeadas devem transitar, bem como o modo de criação e funcionamento do mencionado tipo de instituição. Contudo, as balizas determinadas pela Constituição não são herméticas, devendo cada instituição preencher seu devido espaço. Os referidos mecanismos pelos quais são dotadas as instituições são por elas utilizados como meio necessário a concretizar suas próprias escolhas, o que proporciona a construção de uma identidade diante das demais.
A natureza da função atribuída pela Constituição a cada instituição tanto guiará os mecanismos prevalentes de escolha como a formação da essência a ser desenvolvida por elas diante da sua forma de atuação. Ocupar o espaço de atuação, na exata medida daquilo que foi conferido, produz duplo efeito: fortalecer sua posição institucional e credibilidade; e prevenir eventual abuso de poder ou falta de atuação. Referida perspectiva tem como objetivo realizar devidamente a engenharia institucional delineada pela Constituição, como imperativo à oportunidade de contribuição por parte de todas as instituições na formação de vontade do Estado.
Sem embargo, a mera previsão não garante que as instituições sejam atuantes nas áreas que lhe são conferidas. Entrementes, a possível atuação insuficiente de uma das instituições pode gerar, como decorrência direta, a ocupação do espaço por parte dos outros participantes do desenho constitucional, uma vez estimulados a corrigir o vácuo deixado (por exemplo, através de manifestações sociais ou ação judicial). Ainda assim, não há que se admitir a perspectiva de renúncia ou transação por parte de qualquer instituição em relação a sua forma de atuação, sob pena de redundar em desvirtuamento do modelo de legitimação traçado pela Constituição.
Diante da exposição anterior, é possível considerar que as instituições de maior interesse ao estudo do diálogo institucional são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
4.Diálogo institucional como teoria
No Brasil, o diálogo ocorre diuturnamente entre os Poderes constituídos. A um tempo, o Judiciário dialoga com o Legislativo, uma vez que agentes não sufragados declaram inconstitucionais/ilegais as opções relevantes que o povo realiza através de seus representantes democraticamente escolhidos. De outra banda, o Legislativo dialoga com o Executivo, na medida em que pode derrubar veto presidencial a projeto normativo. Por outro lado, o Executivo dialoga com o Legislativo, ao decidir os destinos do orçamento que controla. Em suma, onde se encontra o sistema de freios e contrapesos é possível falar em relação dialógica – ainda que na maioria das vezes seja como conversa, ao invés de deliberação.
Originalmente, a teoria do diálogo institucional[8] foi criada no contexto da discussão dos papéis desempenhados pelo Judiciário e Legislativo, o que não inviabiliza o desenvolvimento da teoria para as diversas relações entre os três Poderes. A possibilidade de o Judiciário controlar normas, tendo como parâmetro a Constituição, foi o grande pano de fundo para que as relações entre as instituições político-constitucional fossem (re)pensadas. Neste caso, uma provisão em especial prevista na Constituição do Canadá de 1982 é considerada característico do diálogo institucional, qual seja, a cláusula de substituição [9].
Na referida Constituição consta da Seção 33[10] a cláusula de substituição. Conforme consta do referido dispositivo, é possível que o Legislativo (nacional e das províncias, a depender do tipo normativo) possa determinar que, apesar da inicial identificação pelo Judiciário de colisão com um preceito da Carta – decisão de inconstitucionalidade -, um ato normativo permaneça produzindo efeitos. Todavia, a determinação do Legislativo deve estar relacionada a norma que trate de direito relativo às liberdades fundamentais, a vida, a liberdade, a segurança da pessoa ou aos direitos da igualdade.
Em suma, em que pese o Judiciário contar com a função de proclamar a inconstitucionalidade de ato normativo, ao Legislativo é garantido a utilização da cláusula de substituição para sujeitar a decisão judicial à sua orientação. Porém, a referida declaração não é sine die, deixará de produzir efeitos 5 anos após sua entrada em vigor ou em data anterior, conforme previsão no ato do Legislativo. Ao final do prazo assinalado, na ausência de manifestação, automaticamente a cláusula perde operatividade e o ato normativo judicialmente questionado deixa de valer, salvo se o Legislativo reiterar expressamente a substituição[11].
A alternativa encontrada no Canadá decorre, em alguma medida, do ceticismo para com o controle realizado pelo Judiciário. A premissa considerada para a criação do referido mecanismo de diálogo institucional reputa que não apenas o Legislativo pode cometer equívocos no exercício de seu mister, mas também o Judiciário. No esteio da referida proposição, fica claro que o objetivo era de mitigar o caráter definitivo das manifestações judiciais sobre constitucionalidade, caucionando ao Legislativo a possibilidade de retardar a produção de efeitos da referida deliberação judicial[12].
No cerne, a teoria do diálogo institucional envolvia legisladores e magistrados. Todavia, não é impossível vislumbrar que o diálogo deve tomar proporções maiores a envolver também o Executivo. Os três Poderes participam das mesmas discussões, ainda que em possível momento diverso – por exemplo, no Brasil, o Executivo pode propor uma norma, que será debatida pelo Legislativo e, caso aprovada, volta para o Executivo sancionar, e acaba, não raramente, com manifestação sobre a constitucionalidade pelo Judiciário.
Sendo assim, Executivo, Legislativo e Judiciário devem participar de um diálogo que visa estabelecer uma proporcionalidade sobre a interpretação/atuação nos termos constitucionais. A novidade da teoria do diálogo consiste em propor uma fórmula na qual os Poderes possam inter-relacionar-se de maneira continuada, porquanto, segundo a teoria, o Judiciário não deveria sempre ser o responsável por dar a última palavra sobre as questões constitucionais, já que o Legislativo teria o poder de rechaçar a manifestação judicial que extirpa ato normativo e, assim, manter seus objetivos almejados - não obstante às complicações que pode gerar tal atuação.
O grande êxito da solução encetada pela teoria dos diálogos, assim como afirmam seus adeptos, é estimular em alto grau o debate entre as importantes instituições-estatais. Dentre as vantagens apontadas é possível citar a forma de pressionar os Poderes a agirem de maneira racional de forma conjunta (accountability). O Judiciário, ao exercer seu múnus de invalidar determinado ato legislativo, presta explicação que pode influenciar o traçado futuro da legislação e dos atos do Executivo. Todavia, isso não excluiria a hipótese de o Legislativo e o Executivo, em seguida a um debate público, insistir na manutenção da medida adotada como forma de repelir o entendimento judicial. Nesse paralelo, por exemplo, a atividade judicial estaria voltada à exegese dos valores constitucionais que possam ser ignorados ou solapados no curso do exercício das atribuições do Legislativo e do Executivo, seja por desinteresse, seja porque são assuntos controvertidos[13].
A superposição de um Poder sobre o outro é uma possibilidade democrática comumente utilizada, haja vista a possibilidade de ensejar continuado debate e reflexão cautelosa sobre o assunto. Um dos maiores entraves na teoria dos diálogos é a possível deterioração e custo político que possa advir na discussão[14]. Além disso, da forma como foi concebida no modelo canadense, a principal observação sobre a teoria do diálogo é a aparente arbitrariedade que a substituição de interpretações pode acarretar, tendo em vista que apenas ocorreria a mudança da exegese judicial pela legislativa.
Como forma de defender o modelo da cláusula de substituição, o Professor Neozelandês Jeremy Waldron, autor reconhecido pela pouca simpatia com o controle de constitucionalidade judicial, leciona que o Legislativo, na verdade, estaria apenas manifestando um desacordo com a perspectiva judicial sobre o significado do direito[15]. É legitimo que, dentro das atribuições constitucionais, cada um dos Poderes possa realizar sua interpretação constitucional. Todavia, não vão passar de exegeses monoculares que não têm o condão de garantir a minoração das crises institucionais que possam ser geradas. Em termos dialógicos, a discussão ampla e previamente a tomada de decisão deve ocorrer entre os Poderes, como forma de pacificar e privilegiar a inclusão das instituições.
Uma outra visão sobre o diálogo institucional é apresentada por Mark Tushnet, no que tange ao relacionamento entre Judiciário e Legislativo[16]. Inicialmente Tushnet divide o controle de normas em forma forte e forma fraca. O sistema da forma forte é identificado como o clássico controle de normas, em que o Judiciário cassa a validade das normas inconstitucionais e sua manifestação prevalece como última e vinculativa aos demais poderes políticos. Por outro lado, no final do século XX, algumas democracias desenvolveram um sistema alternativo ao anterior, a denominada forma fraca, no qual a atribuição do Judiciário de retirar do sistema legislação incompatível com a Constituição convive com o papel do Legislativo de responder a referido controle.[17].
A principal característica da forma forte consiste na pouca participação das pessoas na interpretação da Constituição por parte das Cortes[18]. Isso implica em direta fonte de tensão entre o controle judicial e o autogoverno democrático. A forma forte opõe de um lado a soberania popular, exercida através dos atos praticados pelo Legislativo e Executivo, e, do outro o poder do Judiciário que julga o que é ou não compatível com os preceitos superiores da Constituição.
O constitucionalismo postula o engajamento da nação com o postulado de que as pessoas devem determinar, na medida do possível, os rumos sob os quais querem seguir sob a égide de um governo democrático. Entrementes, o constitucionalismo não ignora a indispensabilidade de existir algum tipo de baliza a ser determinada na seleção das políticas que podem ser feitas democraticamente. Assim, a Constituição é o instrumento com capacidade por balizar os marcos das escolhas populares[19].
A proposta da forma fraca implica, em certa medida, em diminuir a tensão entre o Judiciário e os Poderes costumeiramente sufragados (Executivo e Legislativo). Na colisão entre controle de constitucionalidade e democracia, a ideia é criar mecanismos para que a população possa responder, por meio de seus representantes eleitos, as manifestações judiciais que se acredite equivocada. Colocar no Judiciário a principal carga interpretativa da Constituição, como ocorre no Brasil, pode ocasionar a impressão que Legislativo e Executivo estariam sob algum tipo de subordinação - e não seriam vistos como iguais.
Diante do raciocínio anteriormente exposto, é, em alguma medida, temerário determinar qual instituição tem por atribuição ser intérprete final das regras constitucionais. A análise do modelo apresentado pela forma fraca permite concluir que tanto o Legislativo quanto ao Executivo é permitido fazer suas interpretações constitucionais próprias, ainda que possivelmente incompatível com relação às interpretações do Judiciário. Em que pese à referida possibilidade, a forma fraca deve ser entendida como um método de trabalho para concertar o melhor entendimento entre as instituições sobre o que a Constituição protege, isso através de um adequado processo de troca entre as instituições-estatais ao longo do tempo[20]. Cumpre observar que a forma fraca tende a ocorrer em ordenamentos constitucionais em que o Judiciário não tem, necessariamente, a última palavra sobre a Constituição.
5.Considerações finais
Longe de tentar propor solução final para os diversos embates entre as principais instituições-constitucionais, o presente trabalho empreendeu em alternativa para o tratamento das possíveis crises geradas na inter-relação entre elas. Muito embora os textos constitucionais nos diversos ordenamentos realizem o desenho institucional dos Poderes, é plenamente crível deduzir que algumas áreas cinzentas podem aparecer. Aliás, mesmo diante da interpretação de dispositivos constitucionais, muitos considerados claros e diretos, e possível concluir que interpretes podem encontrar soluções diversas para a mesma hipótese. Nesse contexto que o diálogo institucional pode surgir como uma forma de estabelecer legitimidade nos diversos processo interpretativos que ocorrem no seio constitucional.
É cediço nos dias de hoje que não existe vácuo de poder. Na hipótese em que um Poder acredita que o outro não está atuando adequadamente nos termos constitucionais, existe alguma probabilidade de que a atribuição seja assumida pelo Poder proativo (ocasionalmente ou ainda permanentemente). Todos os Poderes buscam atingir cada vez maior nível de protagonismo, o que, não raramente, tende a resvalar na atuação alheia. Deste modo, fica cada vez mais difícil acreditar em harmonia e igualdade entre os Poderes sem uma metodologia que possa garantir igual peso e medida nas interpretações.
A teoria dos diálogos institucionais tem a exata medida de inovar a relação entre os Poderes. Não se pode negar que, em diversos momentos, a própria Constituição prevê o diálogo entre as instituições. Todavia, ao menos na prática brasileira, o que se percebe é um diálogo como conversa, que algumas vezes se mostra truculento, e em outras inócuo. Um diálogo pode ser considerado truculento quando se constitui em apenas uma resposta/reação/retaliação a atitude de outro Poder (veto a projeto de lei, derrubada de veto, alteração de políticas públicas e etc.). Nas hipóteses em que um Poder toma suas decisões sem considerar a amplitude de efeitos, as diversas visões e os possíveis debates, não se privilegia a decisão que possa alçar o maior consenso possível e, consequentemente, maior estabilidade. Por outro lado, diálogo inócuo ocorrerá nas hipóteses em que não obstante um Poder busque as tratativas, o outro dissimula ou ignora as tentativas (declaração de omissão inconstitucional sem produzir efeitos concretos, apresentação de sucessivas medidas provisórias como forma de burlar o processo legislativo, apresentação de projetos normativos contrários aos ditames constitucionais e etc.).
Diante do que foi exposto, há que se estabelecer um efetivo e eficaz processo de diálogo institucional. Com o passar do tempo é possível perceber uma verdadeira degradação das relações entre os Poderes, ocasionados por pontos de vista diversos, momento social, entre outros. Não obstante o desvirtuamento do que deveria ser um diálogo produtivo, é possível repensar os modelos de convivência dos Poderes com lastro em experiencias internacionais. Por conseguinte, em que pese a necessidade de assumir o processo ainda embrionário de desenvolvimento da teoria dos diálogos institucionais, é inegável ser uma clara tendência de tomada de decisão consensual com vistas a minimizar eventuais crises institucionais.
6.Referências bibliográficas
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[1] BUENO, Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: FTD, 2000. p. 256.
[2] Luc B. Tremblay propugnou em um estudo que a conversa e a deliberação são utilizadas para explicar a legitimidade do controle de constitucionalidade em um possível diálogo institucional entre o Legislativo e o Judiciário. TREMBLAY, Luc B. The legitimacy of judicial review: The limits of dialogue between courts and legislatures. International Journal of Constitutional Law. v. 3. n. 4. New York: Oxford University Press, 2005. p. 617-648.
[3] Cf. TREMBLAY, Luc B. The legitimacy of judicial review, p. 632.
[4] Cumpre não olvidar que a deliberação como acordo de vontades é a regra geral. Nas oportunidades em que referido acordo não for alcançado, a solução última aos interlocutores é acordar com o desacordo. TREMBLAY, Luc B. The legitimacy of judicial review, p. 632.
[5] Segundo trabalho de Hall e Taylor, reforçado pelo trabalho de Ellen Immergut, a Ciência Política possui três novos institucionalismos e não apenas um. São eles: um institucionalismo histórico, um institucionalismo da escolha racional e um institucionalismo sociológico. A adoção da proposta do institucionalismo histórico se justifica, no presente trabalho, ante a preponderante importância que essa forma de institucionalismo atribui ao estudo sobre as relações de poder. HALL, Peter A.; TAYLOR, Rosemary C. R.. The three versions of neo-institutionalism. Lua Nova, São Paulo, n. 58, 2003. p. 199 Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452003000100010&ln
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[6] HALL, Peter A.; TAYLOR, Rosemary C. R.. The three versions of neo-institutionalism. p. 196.
[7] Cf. THERET, Bruno. Institutions: between structures and actions. Lua Nova, São Paulo, n. 58, 2003. p. 226. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452003000100
011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 19 jan. 2020.
[8] A denominação “diálogo institucional” é atribuída aos autores canadenses Allison A. Bushell e Peter W. Hogg. Segundo tais autores, levantamento sobre as decisões de inconstitucionalidade revelaram que, em algumas oportunidades, o Legislativo editou norma como uma forma de resposta à decisão judicial. A atuação legislativa, quando feita como forma de reação consciente/direta do parlamento a declaração de cassação de normas pelo Judiciário, ainda que no mesmo sentido do que restou decidido pela corte, foi considerado pelos autores como um diálogo entre os poderes. BUSHELL, Allison A.; HOGG, Peter W. The Charter Dialogue Between Courts and Legislatures (Or Perhaps the Charter of Rights Isn’t Such A Bad Thing After All). Osgoode Hall Law Journal, n. 35. Toronto: York University, 1997. p. 75, 101-104.
[9] Cumpre ressaltar que existem variações da teoria dos diálogos. Nesse sentido, conferir: MENDES, Conrado Hübner. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. São Paulo, Saraiva, 2011. p. 107.
[10] Igualmente alcunhada de cláusula não obstante. Cf. Canada. Charter of Rights and Freedoms, 1982. A notwithstanding clause, como é conhecida, é assim prevista “Section 33. (1) Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the legislature, as the case may be, that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter.” Disponível em <http://laws-lois.justice.gc.ca/eng/charter/FullText.html> Acesso em 04 dez. 2019.
[11] Conforme subseções de 3 a 5 da Seção 33. Canada. Charter of Rights and Freedoms, 1982. “Subsection (3) A declaration made under subsection (1) shall cease to have effect five years after it comes into force or on such earlier date as may be specified in the declaration. (4) Parliament or the legislature of a province may re-enact a declaration made under subsection (1). (5) Subsection (3) applies in respect of a re-enactment made under subsection (4).” Disponível em <http://laws-lois.justice.gc.ca/eng/charter/Full
Text.html> Acesso em 04 dez. 2019.
[12] Nos exatos termos defendidos pelo Professor HAREL, Alon. Rights-Based Judicial Review: A Democratic Justification. Law and Philosophy, Forthcoming. Disponível em <http://ssrn.com/abstract=36
4120> Acesso em 04 jan. 2020.
[13] Por tal razão, é plenamente crível argumentar a necessidade de participação do Judiciário na definição ativa dos direitos, como leciona FARRELLY, Colin. Civic Liberalism and the 'Dialogical Model' of Judicial Review. Law and Philosophy, 2006. Disponível em < http://ssrn.com/abstract=875320> Acesso em 04 nov. 2019.
[14] Um dos casos mais sensíveis da utilização da cláusula de substituição ocorreu no ano de 1988. O Legislativo da Província de Quebec aplicou a cláusula da Seção 33 por ocasião de uma decisão judicial que invalidou lei que proibia a utilização do vernáculo inglês em placas e letreiros comerciais. Em resposta a decisão do Legislativo alguns Ministros se sentiram ofendidos, oportunidade que se destituíram de seus cargos em protesto. Ademais, comerciantes locais apresentaram, com êxito, queixas por discriminação junto ao Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas. Após cinco anos, em 1993, a cláusula de substituição expirou sem reedição, sobrevindo, tempos depois, outras leis asseguradoras da utilização de outras línguas, além do francês, nas relações comerciais. Conforme exemplo de ROACH, Kent. Dialogue or defiance: Legislative reversals of Supreme Court decisions in Canada and the United States. International Journal of Constitutional Law (I CON), v. 4, n. 2. New York: Oxford University Press, 2006. p. 367.
[15] Cf. WALDRON, Jeremy. Some Models of Dialogue Between Courts and Legislatures. In: BRODIE, Ian Ross; HUSCROFT, Grant. Constitutionalism in the Charter era. Ontario: LexisNexis, 2004. p. 39-46.
[16] TUSHNET, Mark. Weak Courts, Strong Rights: Judicial Review and Social Welfare Rights. In Comparative Constitutional Law. New Jersey: Princeton University Press, 2008.
[17] TUSHNET, Mark. The Rise of Weak Form Judicial Review. In: GINSBURG, Tom; DIXON, Rosalind. Comparative Constitutional: Research Handbooks in Comparative Law. Massachusetts: Edward Elgar Publishing, 2011. p. 323.
[18] A título de exemplo é possível citar o Brasil, a Suécia, a Alemanha, e os Estados Unidos da América.
[19] TUSHNET, Mark. Weak Courts, Strong Rights, p. 18.
[20] TUSHNET, Mark. Weak-Form Judicial Review and "Core" Civil Liberties. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review. Vol. 41. No. 1, 2006. p. 3. Disponível em: <http://www.law.harvard.edu/students/
orgs/crcl/vol41_1/index.html>. Acesso em 25 fev. 2020.
Mestre em Direito pela Universidade de Brasília. Advogado da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KIRK, ERIK. Tensão entre os Poderes: possível saída dialógica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jun 2020, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54665/tenso-entre-os-poderes-possvel-sada-dialgica. Acesso em: 22 nov 2024.
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