KARINE ALVES GONÇALVES MOTA[1]
(orientadora)
RESUMO: O tema lei de proteção de dados na internet é bastante discutido na atualidade, uma vez que abrange tanto direitos individuais, direitos fundamentais e coletivos. A Lei n. 12.965/2014 conhecida como o Marco Civil na Internet, trouxe uma inovação em relação ao meio tecnológico, estabelecendo “regras” para o uso da internet no país. Posteriormente, a Lei nº 13.709/18 alterou o Marco Civil da Internet, de 2014, chamada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) visa regulamentar a concessão e o uso de dados no ambiente virtual. A medida provisória 959/20, adiou, para o dia três de maio de 2021 a entrada em vigor dos principais pontos da Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/18). No início do mês de abril do corrente ano, o Senado aprovou um projeto que adia a vigência para janeiro de 2021. O projeto (PL 1179/20) Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19). O presente artigo pretende analisar o projeto de lei que estabelece a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados seja postergada por mais 18 meses. O estudo foi realizado através de pesquisa bibliográfica em doutrinas, legislações e artigos que tratam do assunto em questão.
PALAVRAS-CHAVE: Marco civil da internet; Lei de proteção de dados; Pandemia.
ABSTRACT: The topic of data protection law on the internet is widely discussed today, as it covers both individual rights, fundamental and collective rights. Law no. 12,965 / 2014 known as the Marco Civil on the Internet, brought an innovation in relation to the technological environment, establishing “rules” for the use of the internet in the country. Subsequently, Law No. 13,709 / 18 replaced the Marco Civil da Internet, 2014, called the General Law for the Protection of Personal Data (LGPD), which aims to regulate the granting and use of data in the virtual environment. Provisional measure 959/20 postponed the main points of the General Data Protection Law (13,709 / 18) until May 3, 2021. At the beginning of April this year, the Senate approved a bill that postpones the term until January 2021. The bill (PL 1179/20) provides for the Emergency and Transitional Legal Regime for Private Law legal relations (RJET) in period of the Coronavirus pandemic (Covid-19). This article intends to analyze the bill that establishes the validity of the General Data Protection Law to be postponed for another 18 months. The study was carried out through bibliographic research on doctrines, legislation and articles dealing with the subject in question.
KEYWORDS: Civil framework of the internet; Data protection law; Pandemic.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Fundamentos introdutórios quanto ao Marco Civil na internet – 2.1. Contexto histórico – 2.2. Estatuto do cidadão digital e sua responsabilidade civil – 3. Normas regulamentadoras na utilização da internet – 4. Lei de proteção de dados – 4.1. Possível prorrogação da lei geral de proteção de dados pessoais diante a pandemia da covid-19 – 5. Considerações finais – 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Precipuamente, foi a Lei nº 12.965/14, denominada de Marco Civil que veio para anteceder todos os litígios envolvendo internet e tecnologia existentes no Brasil. Essa lei era específica no que diz respeito aos direitos e deveres dos usuários na internet, pois até então, as questões trazidas ao judiciário, eram tratadas de forma genérica através do código civil brasileiro, código do consumidor entre outras disponíveis na época.
Ainda nesse diapasão, a cidadania digital é conceitualizada como a utilização de forma responsável do meio tecnológico, ou seja, ao se encontrar perante o meio virtual o cidadão físico passa então a ter a sua cidadania virtual, que inclui tal como na cidadania física, direitos e deverem devidamente dispostos na Lei nº 12.965/14.
A Lei nº 13.709/18 que alterou o Marco Civil da Internet, de 2014, chamada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e visa regulamentar a concessão e o uso de dados no ambiente virtual.
A vigência desta lei é o assunto que problematizou este estudo, visto que a medida provisória 959/20, adiou, para o dia três de maio de 2021 a entrada em vigor dos principais pontos desta lei.
Na redação da medida provisória a única parte da Lei Geral de Proteção de Dados que continua valendo é a que diz respeito à criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, órgão que vai fiscalizar o cumprimento da lei, que entrou em vigor em 2018.
O grande debate em relação a vigência da lei é o cenário pandêmico no qual o país se encontra, levando assim ao final, a solução intermediária adotada pelo Senado Federal em adiar, em regra, a vacatio legis da Lei Geral de Proteção até 1º de janeiro de 2021, com a ressalva de que os artigos relativos às sanções só entrarão em vigor em agosto de 2021.
Os dados pessoais estão relacionados aos dados sensíveis estabelecidos na Lei nº 13.709/18, e está assim definido: “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável. Ademais, a utilização de dados sensíveis sem o fornecimento de consentimento do titular somente é cabível nas hipóteses em que for indispensável para cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador da tutela da saúde, em procedimento realizado por profissionais da área da saúde ou por entidades sanitárias; ou garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular, nos processos de identificação e autenticação de cadastro em sistemas
Os dados sensíveis para fins da lei são entendidos como aqueles sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político; dados referentes à saúde ou à vida sexual, dados genéticos ou biométricos, quando vinculado a uma pessoa natural.
Elenca-se neste estudo com o objetivo de trazer embasamento ao tema, os fundamentos introdutórios quanto ao marco civil na internet e o seu contexto histórico. traz-se ainda breves comentários sobre o estatuto do cidadão digital e sua responsabilidade civil bem como as normas regulamentadoras na utilização da internet e finalmente o tópico essencial deste estudo que é a lei de proteção de dados e a possível prorrogação diante a pandemia da covid-19.
2 FUNDAMENTOS INTRODUTÓRIOS QUANTO AO MARCO CIVIL NA INTERNET
A Lei n. 12.965/2014 conhecida popularmente como o Marco Civil na Internet, ou a Constituição da Internet Brasileira, trouxe uma inovação no ramo empresarial em relação ao meio tecnológico, visando o aumento dessas empresas no meio digital, estabelecendo “regras” ou melhor dizendo, diretrizes no uso da internet no país, pois com o aumento da tecnologia é necessário que haja também um avanço nas normas de proteção existente.
Segundo doutrinadores: “o Marco Civil não veio para anteceder todos os litígios envolvendo internet e tecnologia existentes no Brasil. Antes dele, vários casos envolvendo responsabilidade civil na internet já foram apreciados pelo Poder Judiciário” (JESUS; MILAGRES, 2014, p. 20).
Para que se tenha uma melhor análise do tema em questão faz-se necessário realizar um apanhado histórico para melhor compreensão, tanto para delimitar algumas definições quanto para elencar pontos essenciais.
3 CONTEXTO HISTÓRICO
Para abordar determinado assunto, é imprescindível que se traga um contexto histórico para melhor compreensão e análise do assunto em questão. Seus pontos originários e suas mudanças ao longo do tempo.
O que definiu sem dúvidas o surgimento da sociedade de informação foi o advento do computador em meados de 1939 e 1945, cenário da segunda guerra mundial, porém seu uso era restringido aos Governos.
Vale mencionar que no Brasil não existia em tempos mais remotos, uma lei específica que trouxesse os direitos e deveres dos usuários na internet. As questões que eram trazidas ao judiciário, eram tratadas de forma genérica através do código civil brasileiro, código do consumidor entre outras disponíveis na época.
O marco civil aprovado em 23 de abril de 2013, a Lei n. 12.965/2014 foi sancionada pela ex presidente Dilma Roussef em uma conferência ocorrida em São Paulo, chamada de NETmundial, a ocasião, veio para dar essa fundamentação à questões envolvendo internet e tecnologia e assim oferecer uma certa segurança jurídica à essas relações.
É fato que se caminha rumo a uma globalização mundial, vem que, se não todas as relações tanto de consumo quanto de contratos estão atualmente se dando através da do meio virtual, e com elas é também advém seus efeitos dentre eles a falta da privacidade levando as pessoas a se tornarem vulneráveis diante o cenário virtual.
Silva e Santos (2015), citam que, ao tratar de direitos envolvendo a proteção à privacidade e custódia dos registros de conexão, acesso a aplicações e dados pessoais, o Marco Civil estabelece uma série de direitos, dentre eles a obrigação de os provedores manterem em seus contratos informações claras sobre como tratam tais dados.
Nessa percepção, a responsabilidade civil é amparada por um sentimento social, que fundamenta, no plano moral, a sujeição do causador do dano à reparação da lesão e às outras medidas protetivas. A sociedade não aceita que aquele que causa um dano fique ileso (GONÇALVES, 2017).
As novas ferramentas tecnológicas, a intensidade da vida e a densidade das populações aproximam cada vez mais as pessoas, intensificando suas relações, o que acarreta um aumento de motivos para a colisão de direitos e os atritos de interesses, do que surge a reação social contra a ação lesiva, levando consequentemente a criação de um código de conduta para uso com responsabilidade da Internet, como se verá a seguir.
Cabe aqui salientar que, se um terceiro usar um serviço oferecido pelo provedor de aplicações para más finalidades, e a vítima requerer judicialmente as informações após o tempo previsto em lei para a guarda dos registros, o provedor poderá explicar que não mais possui os dados, sem que tal negativa em fornecer gere responsabilidade civil.
2.1 ESTATUTO DO CIDADÃO DIGITAL E SUA RESPONSABILIDADE CIVIL
A cidadania digital é conceitualizada como a utilização de forma responsável do meio tecnológico, ou seja, ao se encontrar perante o meio virtual o cidadão físico passa então a ter a sua cidadania virtual, que inclui tal como na cidadania física, direitos e deverem devidamente dispostos na Lei nº 12.965/14.
Estão dispostos nos artigos, 3º, 7º e 10º da referida lei, os direitos relacionados à proteção à privacidade, a inviolabilidade no sigilo de informações e da intimidade pessoal do cidadão e a garantia da liberdade de expressão. Está disposto:
“Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; II - proteção da privacidade; Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial; Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas”. (LEI Nº 12.965/14, BRASIL).
Assim sendo é impossível se dizer que no meio tecnológico não há uma certa regra regendo, como muitos popularmente citam como “terra sem lei” visto que atualmente há uma responsabilidade civil com direitos, regras e limites regendo toda essa troca de informações sendo elas sigilosas ou não, para isso fala-se em direito à privacidade (GONÇALVES, 2017).
Sobre o direito à privacidade, são direitos essenciais, vitalícios e intransmissíveis, que protegem valores inatos ou originários da pessoa humana, como a vida, a honra, a identidade, o segredo e a liberdade (GUERRA, 2004).
3 NORMAS REGULAMENTADORAS NA UTILIZAÇÃO DA INTERNET
A Lei 12.965 /2014 estabelece os princípios, as garantias, os direitos e os deveres na utilização da internet em nosso país e mostra um norte para a União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios face à utilização da internet no Brasil.
Definida como uma “rede internacional de computadores conectados entre si”, a Internet é “um meio de comunicação que possibilita o intercâmbio de informações de toda a natureza, em escala global, com um nível de interatividade jamais visto anteriormente”,
[...] atualmente é notável a vasta gama em que a internet pode ser utilizada, tanto nos negócios, empresas, serviços domésticos, atividades científicas dentre outras, a nossa Constituição Federal resguarda o direito à vida privada e nos assegura a inviolabilidade de direitos de proteção na internet, em seu artigo 5º X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.(LEONARDI, 2014, p. 49).
A lei em questão nos traz princípios e garantias que protegem a liberdade de expressão, a manifestação de pensamento e a comunicação; a proteção da privacidade individual, segurança e funcionalidade da rede, de modo que eles não entrem em conflito com os demais princípios estabelecidos na Lei.
O ato considerado como intromissões alheias, e divulgações de dados pessoais sem o consentimento, causando dando é passível de indenização e com o intuito de resguardar a honra dos indivíduos no artigo, assim:
“Art 7º - O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial”. (LEI Nº 12.965/14, ARTIGO 7º, GRIFOS NOSSOS).
O acesso à internet passa a ser condição para a cidadania e tal preceito deverá demandar uma série de iniciativas do Poder Público e até́ mesmo de instituições priva- das com esta pauta, de nítida responsabilidade social”. (MILAGRE; JESUS, 2014).
É importante trazer à baila as diretrizes que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem constitui no desenvolvimento da internet no Brasil:
I - estabelecimento de mecanismos de governança multiparticipativa, transparente, colaborativa e democrática, com a participação do governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da comunidade acadêmica; II - promoção da racionalização da gestão, expansão e uso da internet, com participação do Comitê Gestor da internet no Brasil; III - promoção da racionalização e da interoperabilidade tecnológica dos serviços de governo eletrônico, entre os diferentes Poderes e âmbitos da Federação, para permitir o intercâmbio de informações e a celeridade de procedimentos; IV - promoção da interoperabilidade entre sistemas e terminais diversos, inclusive entre os diferentes âmbitos federativos e diversos setores da sociedade; V - adoção preferencial de tecnologias, padrões e formatos abertos e livres; VI - publicidade e disseminação de dados e informações públicos, de forma aberta e estruturada; VII - otimização da infraestrutura das redes e estímulo à implantação de centros de armazenamento, gerenciamento e disseminação de dados no País, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a difusão das aplicações de internet, sem prejuízo à abertura, à neutralidade e à natureza participativa; VIII - desenvolvimento de ações e programas de capacitação para uso da internet; IX - promoção da cultura e da cidadania; e X - prestação de serviços públicos de atendimento ao cidadão de forma integrada, eficiente, simplificada e por múltiplos canais de acesso, inclusive remotos (LEI Nº 12.965/14, ARTIGO 24).
Consequentemente, o governo sob a perspectiva do contexto virtual é impulsionado pelo Marco Civil, que exige a prestação de serviços públicos e atendi- mento ao cidadão de forma integrada, eficiente, simplificada e por múltiplos canais de acesso, inclusive remotos” (JESUS; MILAGRE, 2014).
Mesmo com todas as considerações acima no que tange a legislação direcionada para a internet, nas palavras de Tartuce (2020), o Direito Digital ou Eletrônico ainda está em vias de formação, como qualquer ciência relacionada à grande rede, a Internet. A expressão Direito Digital é utilizada pela especialista Patrícia Peck Pinheiro, que leciona: o Direito Digital consiste na evolução do próprio Direito, abrangendo todos os princípios fundamentais e institutos que estão vigentes e são aplicados até hoje, assim como introduzindo novos institutos e elementos para o pensamento jurídico, em todas as suas áreas (PINHEIRO, 2008).
Essa visão do Direito Digital, como assevera Schreiber (2015, p. 4), prentede tirar “a ideia romantizada de que a internet deve ser um espaço livre da incidência de qualquer espécie de norma”. Dessa forma, o seu desenvolvimento ser guiado pelas normas jurídicas pois, somente em um ambiente normatizado o exercício da liberdade pode ocorrer sem o receio dos abusos.
Muito embora, a internet tenha contribuído para as relações de trabalho, pessoais, de estudo dentre outras, vale trazer aqui as palavras de Anderson Schreiber, registre-se: o extremismo e o radicalismo, fruto do caráter individualista que vem se ampliando nesses novos ambientes comunicativos, descambam, não raro, para agressões verbais, rotulações estigmatizantes e discursos de ódio que se espalham pela rede violando assim o direito de personalidade (SCHREIBER, 2015).
Nessa perspectiva, os direitos da personalidade são uma “noção inacabada” que deve ser “cultivada”, especialmente frente ao abordado manancial de dados produzidos pelas pessoas na sociedade da informação. Por meio dessa premissa, será possível identificar uma nova variante desta categoria jurídica para nela enquadrar a proteção dos dados pessoais (BIONI, 2019).
Dessa forma, a ideia de que a internet é um espaço de máxima liberdade, imune, por sua ausência de base geográfica, a controles normativos ou governamentais, contribui, em certa medida, para novas formas de opressão e propagação do ódio.
4. LEI DE PROTEÇÃO DE DADOS
A Lei nº 13.709/18 que alterou o Marco Civil da Internet, de 2014, chamada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) visa regulamentar a concessão e o uso de dados no ambiente virtual.
A proteção dos dados referentes à pessoa humana consiste em um dos mais sensíveis desafios decorrentes do extraordinário avanço tecnológico ocorrido nas últimas décadas. A aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (veio, enfim, inserir o Brasil entre os países que contam com instrumentos para a proteção desse importante aspecto do direito fundamental à privacidade.
Ademais, fortemente influenciada pelo regramento europeu sobre a matéria, a Lei n. 13.709/2018 define dados pessoais de modo amplo, como “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável” (SCHREIBER, 2020, p. 207).
A referida lei enumera, os princípios que devem reger as atividades de tratamento de dados, como boa-fé (objetiva), finalidade, adequação, transparência, entre outros. O que se exige, em síntese, é que o tratamento de dados seja realizado sempre para propósitos compatíveis com a ordem jurídica, que os dados coletados sejam empregados exclusivamente nestas finalidades e que o tratamento se dê de modo seguro e transparente, garantindo a mais ampla proteção à pessoa humana.
Merece destaque ainda o tratamento protetivo conferido aos chamados dados sensíveis, ou seja, dados pessoais sobre “origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural” (Lei nº 13.709/18, art. 5º, II).
A definição legal não deve ser vista como taxativa, devendo a expressão dado sensível ser interpretada, a rigor, como qualquer informação relacionada a aspectos íntimos e existenciais da pessoa humana cuja divulgação possa atrair fundado risco sobre sua esfera jurídica (SCHREIBER, 2020).
Para Tartuce (2020), o legislador, ao dispor sobre o tratamento dos dados sensíveis, exige consentimento do titular ou de seu responsável legal “de forma específica e destacada, para finalidades específicas”, salvo nos casos em que o dado em questão for indispensável para proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiros, cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; ou outros fins especificamente indicados pelo art. 11 da Lei n. 13.709/2018.
Cumpre registrar que a Lei n. 13.709/2018 foi aprovada com vetos, sendo o mais relevante deles aquele aposto à criação de agência reguladora com a atribuição precípua de zelar pela proteção dos dados pessoais. Como razão do veto, foi alegado vício de iniciativa. No ano seguinte, a Lei n. 13.853/2019 (fruto da conversão da Medida Provisória n. 869/2018) veio inserir na LGPD os arts. 55-A e seguintes, criando, enfim, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). A ANPD foi criada como “órgão da administração pública federal, integrante da Presidência da República” (Lei n. 13.709/2018, art. 55-A, caput).
Os parágrafos 1º e 2º do artigo 55-A esclarecem, porém, que:
[...] tal natureza afigura-se transitória, podendo a Autoridade ser transformada pelo Poder Executivo em entidade da administração pública federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada à Presidência da República, devendo tal transformação ser avaliada em até dois anos da data da entrada em vigor da estrutura regimental da ANPD (SCHREIBER, 2020, p. 209).
A experiência de outros países mostra que a autonomia e a independência da Autoridade Fiscalizadora em relação ao Poder Executivo afiguram-se indispensáveis, pois o pois o Poder Público, não raro, é um dos grandes violadores da privacidade dos cidadãos.
4.1 POSSÍVEL PRORROGAÇÃO DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS DIANTE A PANDEMIA DA COVID-19
Pandemia é considerada uma enfermidade epidêmica amplamente disseminada. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia.
É certo que, com a pandemia, não apenas o Brasil, mas o mundo de vem passando por alterações, seja na forma de trabalho das empresas, ou na rotina de todos, visto que nada mais ficou como era antes. Dessa forma, é indispensável a análise da forma em que as informações pessoais estão sendo expostas.
Vale citar, que mediante a situação pandêmica do país, as relações sejam elas de cunho pessoal ou de trabalho estão fortemente realizadas através do meio tecnológico, facilitando assim as relações à distância em relação ao tempo e espaço, vez que não há mais a necessidade de estar fisicamente em determinado lugar para se fazer presente, porém toda essa tecnologia e facilidades, trazem consigo uma certa queda na proteção dos direitos do indivíduo como o direito da imagem, privacidade e intimidade.
Mediante o cenário exposto, a medida provisória 959/20, adiou, para o dia três de maio de 2021 a entrada em vigor dos principais pontos da Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/18). Na proposição da medida provisória a única parte da Lei Geral de Proteção de Dados que continua valendo é a que diz respeito à criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, órgão que vai fiscalizar o cumprimento da lei, que entrou em vigor em 2018.
Vale ressaltar que, no início do mês de abril do corrente ano, o Senado aprovou um projeto que adia a vigência para janeiro de 2021. O projeto (PL 1179/20) Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19).
Esta Lei institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19). Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se 20 de março de 2020, data da publicação do Decreto Legislativo nº 6, como termo inicial dos eventos derivados da pandemia do coronavírus (Covid-19).
As pessoas jurídicas de direito privado, referidas nos incisos I a IV do art. 44 do Código Civil, deverão observar as restrições à realização de reuniões e assembleias presenciais durante a vigência desta Lei, observadas as determinações sanitárias das autoridades locais.
A justificação do Projeto de Lei 1179/20 são as dramáticas consequências da pandemia do Coronavírus (Covid-19) já se fazem sentir na economia e na sociedade brasileiras, ao exemplo do que ocorre em mais de uma centena de países, assim:
O presente Projeto de Lei insere-se nesse conjunto de iniciativas que os Parlamentos estão convertendo em regras jurídicas nos últimos dias. O projeto baseia-se em alguns princípios: (1) manter a separação entre relações paritéticas (de Direito Civil e de Direito Comercial) e relações assimétricas (de Direito do Consumidor e das Locações Prediais Urbanas); (2) não alterar as leis vigentes, dado o caráter emergencial da crise gerada pela pandemia, mas apenas criar regras transitórias que, em alguns casos, suspendam temporariamente a aplicação de dispositivos dos códigos e leis extravagantes; (3) limitar-se a matérias preponderantemente privadas, deixando questões tributárias e administrativas para outros projetos; (4) as matérias de natureza falimentar e recuperacional foram deixadas no âmbito de projetos já em tramitação no Congresso Nacional (SENADO FEDERAL, PL 1179/20).
Em linhas gerais, o projeto estabelece que a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados seja postergada por mais 18 meses, de modo a não onerar as empresas em face das enormes dificuldades técnicas econômicas advindas da pandemia. Visto que, é dever do Parlamento, como protagonista na garantia de segurança jurídica e na proteção de direitos fundamentais, entregar aos indivíduos uma lei que consiga dar clareza acerca das regras aplicáveis a essas relações de Direito Privado durante essa fase excepcional, especialmente porque a legislação em vigor não foi talhada propriamente para um cenário como esses (SENADO FEDERAL, PL 1179/20).
O parcer da relatora, a Senadora Simone Tebet, sobre a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados, foi o seguinte:
[...] ouvimos inúmeros setores da sociedade civil sobre o assunto. Ouvimos também várias entidades, como as que representam mais de sete mil veículos de comunicação. Tivemos também a oportunidade de escutar vários nobres colegas Senadores e ver as várias emendas sobre o assunto. E, diante de tudo isso, parece-nos que uma solução intermediária haveria de conciliar os interesses. De um lado, a proteção dos dados pessoais é um direito fundamental que precisa ser assegurado na sua plenitude no país. Aliás, tivemos a oportunidade de relatar a Proposta de Emenda à Constituição nº 17, de 2019, aqui no Senado, a qual inclui a proteção dos dados pessoais como um direito fundamental no art. 5º da Constituição Federal. De outro lado, por conta da pandemia, inúmeras empresas estão impossibilitadas de, nesse momento, adotar as medidas necessárias para cumprir as obrigações constantes da Lei Geral de Proteção de Dados, pois muitos desses deveres envolvem a necessidade de contratar outras empresas responsáveis pela gestão de dados pessoais. Diante disso, acatando, ainda que parcialmente, a Emenda nº 20, do Senador Alvaro Dias, a Emenda nº 25, do Senador Alessandro Vieira, a Emenda nº 30, do Senador Humberto Costa, e a Emenda nº 43, do Senador Izalci Lucas, propomos, ao final, a solução intermediária de adiar, em regra, a vacatio legis da Lei Geral de Proteção até 1º de janeiro de 2021, com a ressalva de que os artigos relativos às sanções só entrarão em vigor em agosto de 2021 (TEBET, 2020, p. 18).
O caso em tela merece as considerações de Junior (2020), que afirma que o fato da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ainda se achar em vacatio legis, no que concerne aos direitos do titular dos dados e alcance da proteção legislativa é possível que a entrada em vigor da LGPD ainda ocorra num cenário de crise na saúde. Dessa forma, a divulgação dos dados pessoais, sem autorização do paciente, poderia ser direcionada às autoridades de saúde pública para impedir ameaças sanitárias, esses dados estão relacionados aos dados sensiveis,
[...] ao uso dos dados sensíveis, entendidos como aqueles sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político; dados referentes à saúde ou à vida sexual, dados genéticos ou biométricos, quando vinculado a uma pessoa natural (TARTUCE, 2020, p. 214).
A sua utilização, e em regra, somente é possível quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada. Nos termos do mesmo preceito, a utilização de dados sensíveis sem o fornecimento de consentimento do titular somente é cabível nas hipóteses em que for indispensável para cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; tratamento compartilhado de dados necessários à execução, pela administração pública, de políticas órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais sensíveis; exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em processo judicial, administrativo e arbitral; proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro; tutela da saúde, em procedimento realizado por profissionais da área da saúde ou por entidades sanitárias; ou garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular, nos processos de identificação e autenticação de cadastro em sistemas eletrônicos.
A interpretação da norma sobre a proteção dos dados é complexa, visto que também por força da Constituição Federal de 1988 é possível fundamentar a necessidade de proteção dos dados pessoais, na proteção conferida à intimidade e à vida privada das pessoas, consagrada no seu inciso X do art. 5º e corroborada no art. 21 do Código Civil, que assegura sua inviolabilidade e a possibilidade de se buscar tutela inibitória quando necessário (JUNIOR, 2020).
Ainda nas considerações de Junior (2020), é evidente compatibilizar a necessária proteção dos dados pessoais sensíveis, tais como informações relativas ao estado de saúde das pessoas, com a premissa do interesse público para o combate da pandemia. Contudo, sob a perspectiva da coexistência de direitos o importante é proteger o interesse coletivo e não excluir a necessária proteção da pessoa natural.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente artigo trouxe um apanhado geral da legislação que abrange a Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/18), dessa forma foi possível compreender como está a lei, outrora vigente regulamenta tais proteções.
Ao tratar de direitos envolvendo a proteção à privacidade e custódia dos registros de conexão, acesso a aplicações e dados pessoais, a Lei de Proteção de Dados estabelece uma série de direitos, dentre eles a obrigação de os provedores manterem em seus contratos informações claras sobre como tratam tais dados.
A aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais veio, inserir o Brasil entre os países que contam com instrumentos para a proteção desse importante aspecto do direito fundamental à privacidade.
Contudo, a vigência desta lei foi interrompida por força da medida provisória 959/20, que adiou para o dia três de maio de 2021 a entrada em vigor dos principais pontos desta lei. A medida provisória 959/20, adiou, a entrada em vigor dos principais pontos da Lei Geral de Proteção de Dados.
Na proposta da medida provisória a única parte da Lei Geral de Proteção de Dados que continua valendo é a que diz respeito à criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, órgão que vai fiscalizar o cumprimento da lei, que entrou em vigor em 2018.
Além da Medida Provisória acima citada, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 1179/20, este projeto pretende instituir normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia do Coronavírus. A justificação do Projeto de Lei 1179/20 são as dramáticas consequências da pandemia do Coronavírus (Covid-19).
A interpretação da norma sobre a proteção dos dados é complexa, pois como lei maior tem-se a Constituição Federal de 1988 que garante proteção conferida à intimidade e à vida privada das pessoas.
Finda-se aludindo que os institutos jurídicos devem tratar com equilíbrio a liberdade civil e o interesse coletivo, principalmente diante o cenário pandêmico atual, em que o país passa por fragilidade do tipo econômica, social, física, psíquica dentre outras.
REFERÊNCIAS
BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
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[1] Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela UNIMAR. Professora de Direito da Faculdade Serra do Carmo FASEC. Orientadora desse TCC. [email protected]
Acadêmica do curso de direito, apaixonada pelo mundo jurídico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Erika Araujo Maciel. A lei de proteção de dados em tempos de pandemia à luz do marco civil da internet Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2020, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54700/a-lei-de-proteo-de-dados-em-tempos-de-pandemia-luz-do-marco-civil-da-internet. Acesso em: 22 nov 2024.
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