LEONARDO NAVARRO AQUILINO[1]
(orientador)
RESUMO: Este artigo é um estudo sobre a necessidade de uma nova análise equitativa quanto a inclusão das atletas transexuais no contexto profissional desportivo, tendo em vista que está afetando o profissionalismo, mérito, conquistas, títulos e medalhas de todas as atletas, o que inclui, portanto, as mulheres transexuais. Trata-se, também, de um trabalho de observação do contexto histórico da mulher, que apresenta, de forma contextualizada, e baseado em bibliografias e pesquisas diversas, princípios e direitos presentes nas Constituições da República Federativa do Brasil desde 1824 a 1988, em conexão com o princípio da dignidade da pessoa humana. Demonstra que, desde os primórdios, as mulheres sofrem com a sua representatividade cerceada pelos interesses masculinos e as pessoas transexuais enfrentam preconceitos em seu contexto social e científico.
Palavras-Chave: Transexual; equitativo; profissional; Comitê Internacional Olímpico; entidades esportivas; testosterona.
ABSTRACT: This article is a study about the need of a new analysis regarding the inclusion of transsexual athletes in the professional sporty context, considering that it is affecting the professionalism, merit, achievements, titles and medals of all athletes, which therefore includes women transsexuals. It is also an compilation of observations regarding the women historical context, bringing, in a contextualized way and based on literature, principles and rights present in the Constituion of the Federative Republic of Brazil, from 1824 to 1988, considering the principle of human being dignity. It shows that, since the beginning, women have suffered from their representativeness, limited by male interests and transsexual people have their social and scientific context harmed.
Keywords: Transexual; equitable; professional; Internacional Olympic Committe; Sporting entities; testosterone.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. TRANSEXUALIDADE E A CIÊNCIA. 2. TRANSEXUALIDADE E A CONSEQUÊNCIA NO ESPORTE. 3. ANÁLISE DE IGUALDADE POR MEIO DA EQUIDADE. 4. DESEMPENHO DE ATLETAS TRANSEXUAIS NO ESPORTE FEMININO. 5. A MULHER TRANSEXUAL NO CONTEXTO SOCIAL. 6. MULHERES NO CONTEXTO SOCIAL E ESPORTIVO. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
Analisando o contexto contemporâneo social, nota-se que há, como fuga das consequências do sistema progressista, a escolha da decisão prática ao invés da necessária. A impulsividade e o radicalismo nas escolhas que buscam uma engenharia social estão atingindo a categoria feminina.
No cenário desportivo, nota-se a inclusão das transexuais apenas em 2004 pela Diretriz do Comitê Olímpico Internacional (COI), após incansáveis e exaustivas lutas sociais em busca dos mesmos direitos daquelas que se enquadram em seu gênero sexual, as mulheres. Não tão distante quanto, o sexo feminino ganhou notoriedade no mundo do esporte exclusivamente no ano de 1900 e, como se não bastasse, apenas extraoficialmente, não sendo consideradas atletas e não ganhando premiações, mas sim meros certificados (CAPITAL, 2019).
Atualmente, vê-se um anseio e pressão social para a não exclusão das transexuais no âmbito profissional esportivo, jurídico e social. Entretanto, deixam de analisar as consequências que a inclusão no esporte traz perante a identidade biológica masculina que a transexual carregava anteriormente à mudança de seu corpo para adequação do seu gênero. Ou seja, a influência que estes fatores tiveram em seu corpo e resultados em quesitos como força, velocidade, resistência, além de outras características que podem ser mais vantajosas para estas no contexto esportivo, mas indiferentes no contexto social.
Diante do alto índice de violência contra transexuais no Brasil, especialmente em relação as mulheres, principalmente no âmbito doméstico, nota-se a necessidade de inclusão da mulher transexual no rol de vítimas da Lei Maria da Penha (11.340/2006), como pretende o Projeto de Lei do Senado nº 191/2017 que, no momento, aguarda deliberação do Senado Federal. A Lei 11.340/2006 é considerada a medida ideal de política pública de combate à violência contra a mulher. Portanto, vislumbra-se que a necessidade de inclusão da transexual na Lei Maria da Penha não está associada à carga hormonal masculina que esta recebeu antes da mudança de seu gênero sexual, mas sim à violência que sofre pelo simples fato de serem mulheres.
Desse modo, observa-se que a análise do enquadramento da mulher transexual no esporte não deve ser restrita à observância do seu contexto social, uma vez que, diante desta ótica, já é evidente o seu reconhecimento como mulher.
No dia 18 de junho de 2018, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou a nova Classificação Internacional de Doenças (CID 11). Em 2019, especificadamente no dia 20 de maio, foi apresentada para adoção dos Estados Membros. Já a entrada em vigor ocorrerá dia 1º de janeiro de 2022. A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), afirma que esse período entre “divulgação” e “entrada em vigor” é para uma pré-visualização, o que permitirá que os países planejem seu uso, preparem traduções e treinem profissionais da saúde (BRASIL, 2018).
A partir do dia 20 de maio de 2019, os Estados Membros tomaram conhecimento que a transexualidade não é mais considerada um transtorno, mas sim um processo de saúde sexual, tendo em vista que se enquadra na HA-61 (incongruência de gênero detectada na infância, adolescência e fase adulta). Assim, pessoas que se encaixam nesta categoria não são mais consideradas possuidoras de transtorno mental (R-64), e poderão fazer uso de terapia hormonal e procedimentos cirúrgicos, além de assistência psicológica para uma melhor condição de saúde.
Destaca-se que a homossexualidade também era considerada como um transtorno psicológico desde 1973. Entretanto, diferente da transexualidade, a temática foi retirada em 17 de maio de 1990. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia já havia deixado de considerar a opção sexual como doença em 1985 (PSICOLOGIA, 2019). Com essa conquista social, o dia 17 de maio ficou marcado como o Dia Internacional Contra a Homofobia.
Observando este marco histórico, nota-se o que o psicanalista Jacques Lacan afirmou em seu estudo da psicanálise, “nós não somos um corpo, nós temos um corpo”. Para melhor entendimento, o professor, médico psiquiatra e escritor Marco Antonio Coutinho Jorge e a psicanalista e escritora Natália Pereira Travassos (2018), afirmam no livro “O corpo entre o sujeito e a ciência”, que há uma distância impossível de ser preenchida entre o sujeito e seu corpo. Após inúmeros anos de estudo, conseguiram compreender que a transexualidade não é um distúrbio mental, mas sim uma disforia de gênero; ou seja, inadequação da sua identidade de gênero ao seu corpo.
Ocorre que a ciência está em fase de transição, tendo em vista que os Países Membros da OMS estão adequando suas pesquisas quanto aos transexuais para a área de condição de saúde e não mais patologia. Logo, os estudos estão sendo desenvolvidos neste novo contexto científico.
Portanto, com esta notória necessidade de adequação da ciência, decisões estão sendo tomadas de maneira precipitada, uma vez que utilizam o discurso de tolerância para disfarçar a intolerância que possuem com o sexo feminino e optam por ações momentâneas, não voltadas ao longo prazo, e que estão trazendo consequências significativas às mulheres, grupo em que se inclui as transexuais.
A escassez de investimento em estudo para comprovar os benefícios que a testosterona teve no corpo da mulher transexual antes do tratamento hormonal está afetando a categoria profissional esportiva feminina. Isso porque aquelas que passaram pela ação deste hormônio podem estar sendo beneficiadas.
De acordo com Gooren e Bunck (2004, tradução nossa), ao analisar a massa óssea em crianças pré-púberes, explicou que a fisiologia humana até a puberdade não se difere quanto à estatura, massa óssea e massa muscular entre os garotos e as garotas. Entretanto, com a exposição ou não aos hormônios do seu sexo biológico, há variações que diferenciam quanto a força, massa muscular, massa óssea e estatura, que em homens adultos é, em média, 12-15cm maior quando comparada a mulheres adultas.
Logo, as mulheres transexuais, que realizaram a terapia hormonal após a puberdade, podem ter mais vantagens quanto ao desempenho físico, uma vez que têm maior período de ação do hormônio no desenvolvimento de seu corpo.
Certamente, existem alguns efeitos da testosterona que não podem ser revertidos, incluindo (principalmente) seu efeito sobre altura pós-puberal em homens. Os homens são, em média, mais altos que as mulheres, com o crescimento puberal responsável pela maior parte da diferença de gênero. Essa discrepância de gênero em altura pode ser interpretada como uma forma de vantagem injusta no desempenho dos atletas transexuais masculinos e femininos que participarem de esportes cuja altura é considerada importante, como vôlei, basquete e netball (REESER, 2005, pag. 698, tradução nossa).
2.TRANSEXUALIDADE E A CONSEQUÊNCIA NO ESPORTE
É certo que o esporte possui um papel importante para a promoção da atividade física como forma de promover desenvolvimento social e inclusão de grupos minoritários, como mulheres, refugiados, deficientes físicos e transexuais.
Porém, quando se observa pela ótica do profissionalismo esportivo, não se pode levar apenas pelo viés do contexto social, uma vez que afeta a carreira profissional e envolve, principalmente, a sobrevivência econômica frente ao mundo capitalista, em que o resultado de competições é a renda de subsistência de cada atleta.
As mulheres, ao entrarem no esporte de alto rendimento, são submetidas a testes rigorosos de controle antidoping por todas as entidades esportivas, incluindo a Agência Mundial Antidoping (WADA), para provar que os seus corpos não estão sendo construídos em nenhum momento pelo hormônio testosterona.
Esses testes buscam identificar, não somente o uso artificial do hormônio masculino, mas também o produzido naturalmente, como o caso das atletas velocistas cisgêneras Dutee Chand e Caster Semenya, que, conforme a coluna de esportes da revista El País (2019), foram impedidas de competir por possuírem um Transtorno do Desenvolvimento Sexual (DSD), o que aumenta a produção do hormônio testosterona de forma natural no organismo.
Conclui-se que existem mulheres que não passaram por terapia hormonal e que produzem maior nível de testosterona pelo seu próprio corpo. Entretanto, estas são penalizadas, pois perdem todas as premiações, medalhas e títulos que conquistaram com o auxílio desse hormônio, tendo em vista a responsabilidade objetiva dos atletas que são flagrados em exames antidoping (PANISA, DORIGON, 2017).
Assim, para melhor elucidação, caso o Comitê Internacional Olímpico suspeitasse de uma atleta mulher de alto rendimento que tenha desenvolvido um Transtorno do Desenvolvimento Sexual (DSD) em determinada data, iria refazer o exame de antidoping. Caso fosse detectado anormalidade no nível de testosterona, ela perderia conquistas, títulos e medalhas que puderam ter auxílio do hormônio da testosterona. Tal procedimento é para evitar disputas desleais quanto ao desempenho das atletas.
O esporte deve ser considerado um grande mecanismo de conquistas femininas, em que sempre revelou o mérito das mulheres àqueles que tentaram impor limites aos sonhos de todas que lutaram e lutam para mostrar o seu verdadeiro valor, talento, capacidade de superação e mérito. Entretanto, a forma como tem sido feita a inclusão das mulheres transexuais não está baseada na equidade para com as mulheres cisgêneros (mulheres que nasceram com o seu corpo compatível à sua identidade de gênero).
Assim, quando existirem testes que descubram a quantidade de hormônio da testosterona presente no corpo daquela profissional transexual de alto rendimento anteriormente a terapia hormonal, esta atleta também poderá perder conquistas, títulos e medalhas, como o que ocorre com as atletas que possuem Transtornos de Desenvolvimento Sexual e que tiveram a testosterona contribuindo para seu desenvolvimento corporal.
Segundo Reserva de Atleta (1996, p. 12) , citado por Bernabé e Quirino (2020, p. 14), A atleta brasileira de judô Edinanci Fernandes Silva, nos Jogos Olímpicos de Atlanta, “descobriu, quando se submeteu ao teste de feminilidade, que tinha órgãos genitais externos femininos e testículos internos. Em abril de 1996, foi submetida a uma cirurgia de retirada de testículos e extirpação do clítoris” para se adequar aos parâmetros do COI, uma vez que, nascida mulher, apresentava características masculinas.
Uma mulher transexual que realizou o início da sua terapia hormonal aos 30 anos, possuiu 29 anos da sua vida com a produção hormonal de testosterona muito maior do que a produção hormonal feminina. Isso acaba influenciando o tamanho dos órgãos, coração, pulmões, parte óssea (GOOREN, BUNCK, 2004, tradução nossa), ou seja, componentes do aparelho locomotor e cardiopulmonar frente as mulheres que não realizaram terapia hormonal para adequação ao seu gênero.
A Diretriz do Comitê Olímpico permitiu por Carta Olímpica (Documento que rege o movimento olímpico internacional) que para aqueles homens biológicos que querem fazer a transição, não é mais obrigatória a cirurgia de redesignação sexual, bastando, para tal, que estejam 12 meses com valores de testosterona abaixo de 10 nanomols/litro (COMMITTE, 2016).
A Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF) vem alertando sobre uma possível vantagem das mulheres transexuais frente as cisgêneros, tendo em vista que acreditam que mulheres transexuais que fizeram terapia hormonal após a puberdade já sofreram a influência mais decisiva do hormônio da testosterona.
A IAAF, na reunião da Federação Internacional de Atletismo, realizada em Doha, no Catar, no ano de 2019, decidiu que mulheres transexuais e as cisgêneros que produzem naturalmente o hormônio da testosterona, devem ter concentração sérica deste hormônio inferior a cinco nanomols/litro, reduzindo o limite que antes era de 10 nanomols (TESSAROLO, 2019).
É válido destacar que esta mesma federação exigiu que as participantes do sexo feminino no Campeonato Europeu de Atletismo no ano de 1966 desfilassem nuas diante de médicas, a fim de confirmarem sua “feminilidade”. Todas as 243 atletas foram submetidas a esta humilhação aprovada pelo órgão (PRADO, 2014).
3.ANÁLISE DE IGUALDADE POR MEIO DA EQUIDADE
A vida coletiva cada vez mais impõe a necessidade de conceder o espaço para a individualização. As sociedades contemporâneas têm presado pelo princípio da igualdade, embasado nos direitos humanos, que asseguram condições de vida e de dignidade para as pessoas. A igualdade não é necessariamente “ser o mesmo”, uma vez que deve ser entendida como um princípio que admite o convívio e o respeito das diferenças, prezando pela resolução de conflitos referentes às desigualdades.
A partir do estudo da Teoria da Justiça, realizado por John Rawls (1971), e citado por Branco (2008, p. 6), “a justiça começou a ser identificada com igualdade política e social, referindo-se ao ideal de uma sociedade justa que proporciona um tratamento equitativo e uma justa distribuição dos benefícios sociais (a ideia de justiça distributiva)”.
O direito de acesso à justiça de maneira equitativa é um direito humano fundamental, com expressão na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1940) e na Convenção para Proteção dos Direitos do Homem das Liberdades Fundamentais (1950).
Artigo 6.º - “1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça” (CONVENÇÃO PARA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS, 1950).
A justiça e o direito estão intimamente ligados, já que, de acordo com Hoecke (2002, p. 59) e citado por Branco (2008, p. 6), o direito tem a pretensão de conter um mínimo de justiça e de equidade. Um sistema jurídico completamente injusto entraria em colapso, já que ninguém o aceitaria. Portanto, para se buscar a equidade, há necessidade da aproximação das mudanças sociais, através da redução da complexidade e do formalismo (BRANCO, 2008), observando o cenário de transição que a ciência está passando em relação ao conceito de transexualidade.
Diante da notória transição que os Países Membros da Organização Mundial da Saúde estão se adequando desde o dia 20 de maio de 2019, as regularizações sobre a participação de mulheres transexuais no esporte de alto rendimento devem ser observadas sobre o viés do direito à equidade, uma vez que não se deve permitir a possibilidade de qualquer tipo de benefício. Observa-se que, tanto as mulheres transexuais, quanto as cisgêneros possuem este direito garantido, cabendo ser reconhecido na instância ou entidade à qual se reconheça legítima, sendo esta responsável de dirimir a eventual temática hormonal e fisiológica.
4.DESEMPENHO DE ATLETAS TRANSEXUAIS NO ESPORTE FEMININO
Como consequência de conclusões precipitadas, embasamento científico limitado e perante a “novidade” da temática para a ciência, decisões radicais estão sendo tomadas, tendo em vista que não estão sendo analisadas de forma equitativa. As consequências estão sendo escancaradas com exemplos marcantes. Para melhor elucidação, serão citadas cinco atletas transexuais a seguir.
Mary Gregory, praticante do esporte de levantamento de peso. Conquistou quatro recordes mundiais femininos em um único dia no evento Raw Powerlifting Federation, sendo eles: Masters World Squat, Open Word Bench Press, Masters World Deadlift e Masters World Total.
Fallon Fox, lutadora de MMA que ficou conhecida por causar uma concussão de fratura orbital, que requer grande força, e sete pontos na cabeça de sua oponente Tamikka Brents no ano de 2014.
Terry Miller, atleta velocista de Connectitcut (EUA), que quebrou recordes locais no campeonato estudantil nas corridas de 100 e 200 metros feminino, ganhando em primeiro lugar, ficando em segundo lugar a Andraya Yarwood, outra atleta transexual.
Cece Telfer, que anteriormente à terapia hormonal competia nos 100 metros masculino na liga universitária da segunda divisão dos Estados Unidos, sendo ranking 200 no ano de 2016; em 2017 sua classificação caiu para ranking 390 na liga masculina; em 2018 realizou a transição, em que ficou um ano com bloqueador de testosterona como recomendado pelo Comitê Olímpico Internacional e em 2019 foi campeã NCAA de atletismo na modalidade feminina.
A corredora americana cisgênero de 100 metros, Flores Grif Joiner, detém até hoje o recorde mundial olímpico feminino de 100 metros rasos, sendo de 10, 49 segundos (desde 1988). Rudolph Blaze Ingram, corredor cisgênero de 100 metros, ficou conhecido por participar de uma competição infantil aos 7 anos e bater o tempo de 13,48 segundos. Caso Blaze fosse uma criança transexual e realizasse a terapia hormonal aos 16 anos de idade, com os treinos e os efeitos pretéritos do hormônio da testosterona em seu corpo, possuiria grandes chances de bater o recorde olímpico feminino ao participar futuramente de competições de alto rendimento.
“É muito frustrante e sofrido quando as meninas estão na linha de largada e já sabem que esses atletas vão vencer, por mais que elas se esforcem”, disse Selina ao Daily Signal. “Eles tiraram vagas de meninas, atletas que mereciam… entre elas, eu (BOLAR, 2019, documento eletrônico).
Outra consequência grave é que o esporte depende de patrocínio; logo, empresas querem atletas que dão resultados e carreguem suas marcas em pódios e chegadas. Assim, mulheres transexuais que estão ganhando destaque em competições femininas acabam recebendo maior atenção do que as mulheres cisgêneros, diante dos rendimentos demonstrados (FISHER, KNUST, JOHNSON, 2013, tradução nossa).
De acordo com a Doutora Ramona Krutzik, endocrinologista californiana que estuda os hormônios humanos há 19 anos, existem diferenças fisiológicas que dão vantagem ao sexo masculino quando se trata de densidade óssea e massa muscular. Assim como muitos outros profissionais da área, ela também defende que um ano de terapia hormonal não é suficiente e que seria necessário aproximadamente 15 anos para começar a notar mudanças significantes na densidade óssea (CHELLA, 2019).
Para Edésio Fernandes (2005, p. 24), no seu artigo “Direito e Gestão na Construção da Cidade Democrática no Brasil”: “a proposta progressista é o reconhecimento dos direitos coletivos”. Ou seja, deve-se garantir todos os direitos daqueles que estão inseridos em um contexto social. Entretanto, a questão paira sobre a ausência de equidade na distribuição desta igualdade de direitos das mulheres transexuais.
Infelizmente nota-se novamente um grave descaso perante as mulheres, tendo em vista que estas sofrem a anos com a falta de preocupação tanto no contexto social, quanto no político e esportivo. Mesmo que a sociedade lute cada dia mais para impor o respeito, equidade, inclusão social e esportiva das mulheres, ainda há bastante desdém em decisões que se contrapõem com a agenda político-ideológica que visa uma engenharia social. Ocorre, então, um experimento em nome de uma suposta tolerância, travestida de intolerância com as mulheres.
5.A MULHER TRANSEXUAL NO CONTEXTO SOCIAL
Para a ciência, até o dia 20 de maio de 2019, o tema transexualidade era encarado como patologia, como está incluso a histeria, por exemplo. Diante do ‘Estudo Sobre Histeria’, realizado pelos médicos neurologistas Sigmund Freud e Josef Breuer em1895, esta patologia apresenta como pontos fundamentais: que existe um trauma que causa esta doença, fazendo com que os sintomas histéricos fizessem sentido. Assim, estes traumas tinham ligação com impulsos libidinais que haviam sido reprimidos. Portanto, para a cura, seriam necessárias lembranças desse trauma, fazendo com que a catarse fosse o caminho para a cura. Com a lembrança das histórias que estavam por trás dos sintomas, estes seriam eliminados através de sugestão (MOURA, 2009). Logo, a transexualidade se curaria da mesma forma.
Freud, no século XIX, foi aluno do médico e cientista Jean Martin Charcot, que defendia a histeria como sendo um transtorno fisiopático do sistema nervoso. Ainda que o professor e psicanalista conseguisse compreender que existe diferença entre histeria e epilepsia, por exemplo, não conseguia depreender ainda a diferença entre uma patologia do sistema nervoso com a psicossomática, em que se encontra a histeria (MOURA, 2009). Logo, demonstrava-se a escassez científica do estudo sobre comportamento humano e muito distante da compreensão de uma futura disforia de gênero, que se inclui as pessoas transexuais.
Portanto, só no ano de 2019, a ciência apresentou para os Estados Membros que as pessoas transexuais não possuem uma patologia, como tal a histeria e a epilepsia. Este novo tópico está sendo debatido há anos por sociólogos, filósofos, educadores, grandes empresas, pais e médicos de várias áreas que investiram em estudos iniciais para ajudar esta pauta tão importante, motor principal para a inclusão das pessoas transexuais no contexto social, aceitando-as como pessoas normais, assim como qualquer ser humano.
De acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM) em sua resolução 2.265/2019, a idade mínima para realizar a terapia hormonal de transição de gênero é de 16 anos. Antes dessa idade, os adolescentes e crianças transgêneros devem ser acompanhados por psicólogos. Foi liberado, em caráter experimental, medicamentos que fazem o bloqueio hormonal da puberdade em jovens menores de 16 anos. Neste caso, deverão ser seguidos os protocolos definidos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conesp) e realizados em hospitais de referência, sendo que para a intervenção em crianças depende de avaliação médica para cada paciente, feita com base em um método científico (PEBMED, 2020).
O projeto americano chamado TransYouth Project E Gender Development, convidam pais que tenham crianças transexuais para incluírem seus filhos em observações comportamentais, para que seja realizado estudos que facilitem no entender do desenvolvimento de gênero nas crianças.
Este projeto foi criado em 2013, em que se iniciou com crianças entre 3 a 12 anos, que já eram assumidas publicamente como transgênero, tendo um grupo controle de crianças cisgênero. O resultado que pretendia encontrar era a comparação entre as crianças cisgêneros e transexuais.
O estudo chamado “Early Findings From the TransYouth ProjeCT: Gender Development In Transgender Children”, publicado em 2017 e embasado no projeto acima citado, concluiu que crianças transgêneros assemelham a crianças cisgênero. Ao mesmo tempo, foram comparadas crianças transgêneros e seus irmãos cisgênero. O resultado foi que estes irmãos demonstraram que há menos probabilidade de crianças que estereotipem de acordo com o gênero e de haver maior tolerância a não conformidade de gênero em outras pessoas, uma vez que entendem que a experiência de gênero possa variar. Ou seja, conseguem entender que no futuro, uma pessoa que não está em conformidade com o seu corpo, possa mudá-lo ao longo da vida (OLSON, GULGOZ, 2017, tradução nossa).
O estudo comprovou que as visões de gênero sugerem que não é preciso ser transexual para pensar com flexibilidade. Portanto, afirmam que a educação sexual e de gênero irá ser o facilitador para a inclusão das pessoas transexuais no contexto social desde a infância (OLSON, GULGOZ, 2017, tradução nossa). As escolas deveriam ser o principal meio de aprendizado dessa tolerância, tendo em vista que possuem diversas educações, tal como a física, entretanto não possui a emocional.
Caso esta pauta fosse inserida, poderia facilitar a diminuição de problemas psicopatológicos em pessoas transexuais, como ansiedade, depressão e pânico e melhoraria a sua expectativa de vida, que no Brasil, é de 35 anos (BORTONI, 2017).
Em meio a tanta diversidade sociossexual faz parte da história pessoas homofóbicas que não compreendem e não respeitam o diferente, por isso o preconceito e a intolerância ainda se impõem como barreiras ao respeito às diferenças, inclusive na abertura de outras oportunidades para esse segmento na vida em sociedade (RIBERTI, BOSSO, SOUZA, 2012, documento eletrônico).
A questão de elevada necessidade da inclusão das mulheres transexuais no rol de vítimas da Lei 11.340/2006 (Maria da Penha) está em grande parte subordinada a proteção destas referente aos preconceitos que vivem, tanto por serem mulheres quanto por serem transexuais. Esta parcela feminina carrega a transfobia somada ao machismo que, duplamente, não aceita o fato de poderem conviver em sociedade, com segurança e respeito à sua dignidade e à escolha do seu próprio corpo.
O Projeto de Lei nº 191 de 2017 do Senado Federal que está em tramitação, pronto para deliberação do plenário desde 10 de junho de 2019, pretende alterar a redação do art. 2º da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 – Lei Maria da Penha, para assegurar à mulher as oportunidades e facilidades para viver sem violência, independentemente de sua identidade de gênero (SENADO FEDERAL, 2017, documento eletrônico). Isto é, estabelecer e garantir direitos às mulheres cisgêneros e transgêneros.
É válido destacar que essa lei foi aprovada em 2006, ou seja, mais de 19 anos após o início da necessária e emblemática luta judicial que motivou sua criação (Maria da Penha Maia Fernandes, mulher, vítima de violência doméstica e tentativa de homicídio realizada pelo seu ex-marido, em 1983).
Observa-se que a possibilidade da inclusão da Lei 11.340/2006 no ordenamento jurídico brasileiro se deu ao fato da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ter recebido denúncia da vítima Maria da Penha Maia Fernandes; do Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e do Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), o qual alegava a tolerância da República Federativa do Brasil para com a violência cometida por Marcos Antônio Heredia Viveiros contra até então sua esposa Maria da Penha Maia Fernandes (HUMANOS, 2001).
Conclui-se que, diferentemente da inclusão da mulher transexual no contexto profissional esportivo, a alteração da Lei 11.340/2006, que visa garantir a proteção de TODAS as mulheres, não está associada à carga hormonal masculina que a transexual recebeu antes da terapia hormonal, mas sim à violência que sofrem pelo simples fato de serem mulheres.
Toda mulher, independentemente, da orientação sexual, raça, classe, renda, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa, sendo-lhe asseguradas medidas de proteção em situação de violência e, principalmente, no seu reconhecimento como mulher no mercado de trabalho.
Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% das mulheres transexuais e travestis são acometidas pela prostituição compulsória, grande parte relacionado ao fato que abandonam o ensino médio entre os 14 e 18 anos em função da discriminação na escola e da falta de apoio familiar (TRANSEXUAIS, 2020).
Ainda hoje as travestis não são reconhecidas, nem respeitadas, trabalham em péssimas condições, com poucos recursos e são vistas como objetos de uso sexual. Encontram-se ainda acuadas pelo vandalismo e os mais diversos tipos de agressões, traduzindo em condições humilhantes de trabalho (RIBERTI, BOSSO, SOUZA, 2012, documento eletrônico).
Frente a um mundo agraciado com a tecnologia e o fácil acesso à informação, a realidade aos poucos está sendo mudada, tendo em vista que empresas de grande renome, tal como a rede de hipermercados Carrefour, estão incentivando a inclusão das pessoas transexuais no mercado de trabalho.
Outro exemplo são as companhias multinacionais, como Basf e Dow, que buscam profissionais transexuais no início do processo de formação, seja no ensino médio, seja no começo da faculdade. Estas companhias utilizam o Programa Jovem Aprendiz para a captação, pois 80% dos transexuais sequer concluem o Ensino Médio ou ingressam em universidades; por tal motivo, não conseguem atender os requisitos das vagas ofertadas (VEJA, 2018).
Conclui-se que é inegável que as transexuais são mulheres e, para que sejam cada vez mais aceitas, deve-se educar toda a população, de crianças a idosos, sobre esta temática, permitindo e promovendo inclusão, tanto na sociedade quanto no âmbito profissional.
Ocorre que esta inclusão profissional associada a biologia humana, qual seja o esporte, necessita da observância da equidade, uma vez que vem acarretando consequências significativas quanto os resultados esportivos apenas para as mulheres, que se inclui, portanto, as transexuais, haja vista a influência da testosterona no corpo da atleta transexual ao longo da sua vida até o momento que é realizado a terapia hormonal.
6.MULHERES NO CONTEXTO SOCIAL E ESPORTIVO
A desídia da política nacional e brasileira em temas que envolvam assuntos ligados à mulher é notória na evolução do tempo, devido às mudanças exteriores e ao progresso natural das pessoas. Desde os princípios da sociedade, a mulher é enquadrada como pessoa de 2º classe, que possuem sua representatividade cerceada pelos interesses masculinos. Para melhor entendimento, uma breve exposição da realidade das mulheres no contexto social brasileiro e esportivo será feita a seguir.
Anteriormente à Constituição Federal do Brasil de 1988, a mulher possuía uma posição de inferioridade e submissão em relação aos homens. A ferramenta mais poderosa para a luta igualitária entre os sexos foi dada às mulheres, até então na colônia extrativista de Portugal, apenas no ano de 1822, qual seja o reconhecimento ao direito à educação da mulher, isto ainda durante o império (FAHS, 2016). A partir da primeira constituição do Brasil, em 1824, não era explícito quanto a possibilidade de exercício das mulheres nos direitos políticos, somente sendo introduzido no artigo 2º do Código Eleitoral de 1932 (ELEITORAL, 2013).
No ano de 1916 passou a viger o Código Civil Brasileiro. Neste, a mulher era vista como incapaz ao lado dos filhos menores de idade, a qual se sujeitava ao domínio do marido. Não podia, sem a autorização do marido, ser tutora, curadora, litigar em juízo cível ou comercial, não sendo também permitido exercer profissão, contrair obrigações ou aceitar mandato. Portanto, era poder do homem a administração legal dos bens do casal e dos filhos, sendo inerente ao pátrio poder masculino o direito de usufruir destes bens (DAVID, 2010).
Para uma melhor contextualização, o Código Civil Brasileiro vinha em um formato de “Ordenações Filipinas” que vigorou no Brasil até o ano de 1916. Neste, o marido tinha o direito de aplicar castigos físicos em sua companheira, inclusive dando a oportunidade de tirar-lhe a vida caso desconfiasse ou tivesse conhecimento de um possível adultério, não precisando prová-lo (VIEIRA, 2015). Este ato, repugnante e criminalizado no artigo 121, parágrafo 2º, inciso sexto do atual Código Penal, antigamente, era visto como “proteção à honra” do homem.
É sabido que até o ano de 1932, diante uma cultura patriarcal, a mulher não podia votar e, até um passado não muito distante, em 1977, 43 anos atrás, a mulher era obrigada a adotar o patronímico do marido, lidando com a imposição de “abrir mão” do seu próprio nome para adotar o do seu cônjuge. Também não possuía escolha no regime de bens, devendo obrigatoriamente se casar no sistema de comunhão universal de bens.
Destaca-se que na Constituição Federal de 1946, houve um retrocesso para as mulheres ao eliminar a expressão “sem distinção de sexo” quando diz que todos são iguais perante a lei. Fato é que, apenas na Constituição de 1988, após o “Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres” (CNDM) coordenar a campanha nacional “Mulher Constituinte”, que uniu mulheres de diversos setores da sociedade para debater quais direitos a Constituição deveria contemplar, as mulheres puderam enxergar uma possível “igualdade” entre os sexos (MODELLI, 2018).
Esta importante campanha nacional que durou de 1985 até a promulgação da Constituição em 1988, recebeu cartas de milhares de mulheres de diversas regiões do Brasil, com cerca de 80% das propostas incluídas na Constituição Federal de 1988 (MODELLI, 2018).
As mulheres conseguiram conquistas em várias áreas, como por exemplo no capítulo IV do Código Civil de 2005, que abrange o direito de família, em que foi eliminado a figura do homem como chefe da relação conjugal. No âmbito da violência, nota-se o dever do Estado coibir a violência intrafamiliar, o que forneceu a base para que se formulasse a Lei Maria da Penha (MODELLI, 2018).
No contexto esportivo o sexo feminino ganhou notoriedade exclusivamente no ano de 1900 em Paris nas competições como golfe e tênis, em que não havia contato físico e eram considerados esportes esteticamente belos. Entretanto, esta participação se deu de forma extraoficial, não sendo consideradas atletas e não ganhando premiações, apenas meros certificados. Similar ao que aconteceu com a grega Stamati Revithi, nos jogos olímpicos de 1816 na Grécia, que participou extraoficialmente do percurso de uma das maratonas dos jogos, percorrendo no outro dia a última volta fora do estádio, já que a entrada não lhe foi permitida (OLIVEIRA, CHEREM, TURBINO, 2009).
Em 1917, a francesa Alice Melliat fundou a Fédérration Sportive Féminine Internacionale (Federação Esportiva Feminina Internacional – FEFI), que buscava promover a inclusão feminina no esporte e, principalmente, nas Olímpiadas. Tal conquista apenas foi possível nos congressos de 1924 e 1926, quando o Comitê Olímpico Internacional integrou a mulher as Olimpíadas (OLIVEIRA, CHEREM, TURBINO, 2009).
A partir de 1936, jogos de Berlim, fica evidente o crescente número de mulheres nas Olimpíadas, saindo de uma soma inferior a 10% do total de atletas, naquela ocasião, para cerca de 41% do total de atletas nas últimas olimpíadas em 2004 (Atenas) (OLIVEIRA, CHEREM, TUBINO, 2008, pag. 5).
No Brasil, a primeira mulher a representar o país e a América do Sul nos Jogos Olímpicos foi a atleta Maria Lenk, na modalidade de natação, no ano de 1932 (OLIVEIRA, CHEREM, TURBINO, 2009). Apesar do marco histórico, é observado um retrocesso da inclusão das mulheres no esporte no ano de 1941, no período da ditadura militar, quando a legislação brasileira (Decreto-Lei nº 3.199, de 14 de abril de 1941, em seu artigo 54) proibiu diretamente as mulheres de participar de esportes “incompatíveis com as condições de sua natureza”, como por exemplo o jiu-jitsu. Veja-se:
“Art. 54. Às mulheres, não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país” (DECRETO-LEI Nº 3.199, DE 14 DE ABRIL DE 1941).
Em 1965, O Conselho Nacional de Desportos, através do Deliberação nº 7/65, determinou que não era permitida às mulheres a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo-aquático, pólo, rugby, halterofilismo e baseball (OLIVEIRA, CHEREM, TURBINO, 2009).
Com o passar dos anos, vários movimentos foram realizados para que mulheres participassem do esporte sem restrições. Por exemplo o Joaquim Mamede, presidente da Confederação Brasileira de Judô, que, em 1979, inscreveu suas filhas no campeonato sul-americano de Judô na Argentina, e utilizou apenas seus sobrenomes, tendo em vista que era proibido no Brasil a participação de mulheres neste tipo de competição (OLIVEIRA, CHEREM, TURBINO, 2009).
Após ser descoberto, foi chamado para prestar esclarecimentos do ato, até então ilegal, levando as meninas de quimono com as suas medalhas no peito, demonstrando que elas auxiliaram o Brasil ser campeão na contagem geral de pontos, tendo em vista que a equipe feminina conseguiu o terceiro lugar em três categorias e, somadas as medalhas masculinas, levaram o Brasil a conquistar o título de campeão. Futuramente, este fato contribuíra para a revogação desta proibição através da Deliberação nº 10 em 1979 (OLIVEIRA, CHEREM, TUBINO, 2008).
Conclui-se que a inclusão da mulher no contexto social e esportivo sempre foi cerceada pelos interesses masculinos. Infelizmente, as entidades esportivas continuam impondo limitadores para a participação das mulheres no esporte, tendo em vista que não estão se atentando quanto a realização de decisões equitativas referente a inclusão das mulheres transexuais no esporte de alto rendimento.
A Diretriz do COI, que permite mulheres transexuais participarem das competições após a realização de terapia hormonal durante 12 meses para reduzir sua testosterona abaixo de 10 nanomols/litro, põe em xeque a performance da mulher transexual diante a cisgênero, observando uma diferenciação de tratamento, vez que prepondera o seu desempenho dentro do novo contexto profissional esportivo. Por mais que tenha a redução do nível da testosterona, observa-se que, as mulheres transexuais, têm maior período de ação deste hormônio no desenvolvimento do seu corpo.
É certo que as críticas quanto a inclusão das transexuais no esporte feminino de alto rendimento não está voltado ao contexto social, mas sim a ciência, tendo em vista que ela é uma mulher que nasceu em um corpo diverso diante uma divisão cromossômica que não houve compatibilidade com a sua identidade de gênero.
Nota-se que, atualmente, para que se tenha um convívio social igualitário, há necessidade de equidades legislativas para as mulheres serem respeitadas e terem, ao menos, proteção (integridade física, psíquica e moral), como na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). As transexuais, por serem mulheres, ainda possuem maior sofrimento, pela somatória da transfobia ao machismo. Assim, todas as mulheres vêm sofrendo com o decorrer da história, principalmente no contexto profissional esportivo, tendo em vista que são alvos de decisões precipitadas que afetam diretamente e indiretamente suas carreiras profissionais.
Sob a ótica de uma atleta transexual feminina, pode ser estressante e desestimulante ter que competir entre homens, apesar de ser uma mulher. O mesmo se dá as mulheres cisgêneros que, ao chegarem em competições, observam que ao competir com as transexuais, percebem suas desvantagens biológicas hormonais. Portanto, a política atual do COI ainda precisa ser aprimorada, pois pode estar evitando preconceito por meio de exclusão.
Conclui-se, que para que maiores consequências não acometam às mulheres que lutaram e lutam incansável e exaustivamente para impor a sua posição frente ao esporte, os órgãos regulamentadores devem investir em pesquisas científicas para comprovar as vantagens e desvantagens da testosterona em mulheres transexuais frente as cisgêneros, utilizando a pauta da ciência, tendo em vista que, no contexto social, é por óbvio que devem ser consideradas mulheres.
É importante a realização de pesquisas bem formuladas que provem a existência de vantagens e desvantagens da participação de transexuais nas competições esportivas. A discussão poderia ser mais produtiva e ética por meio de embasamento científico, o que também teria o objetivo de cessar os ataques e perseguições sofridos pelos críticos que se manifestam publicamente sobre o tema. As questões a serem debatidas são estritamente fisiológicas, e a responsabilidade deve ser destinada aos órgãos regulamentadores dos esportes, que devem estipular condições justas e com base científica para competições esportivas. Os questionamentos em relação às decisões “impulsivas” desses órgãos são urgentes e necessárias, dada a situação atual: faltam estudos que embasem as decisões e regras estipuladas para a participação de atletas transexuais em competições esportivas (CHELLA, 2019, documento eletrônico). Grifo não original.
Diante a não aplicação da análise equitativa quanto aos estudos voltados à hormonioterapia, decisões precipitadas estão sendo tomadas para adequar uma ideologia político-partidária radicalista, que desconsidera estudos pretéritos realizados por diversos profissionais da saúde, tais como os doutores Mauras, Dwyer e Ramona Krutzik citados neste artigo, fazendo com que estas mulheres passem por humilhações, subordinações masculinas e inúmeras consequências esportivas, como a perda de conquistas, títulos e medalhas, além de afetar diretamente a sua subsistência como atleta de alto rendimento.
Com isso, uma das formas para a inclusão equitativa das transexuais na profissão esportiva feminina de alto rendimento, é a realização de investimentos pelas entidades esportivas em estudos de métodos científicos sobre os efeitos da testosterona desde o início da vida, até a fase que é permitido a realização da terapia hormonal, para que, com o resultado, possam observar e comparar as vantagens e desvantagens frente a uma mulher cisgênero. Facilitando decisões e regras estipuladas para a participação das transexuais em competições esportivas femininas.
Durante os processos das pesquisas, também é viável o incentivo a inclusão de crianças, adolescentes e jovens adultos transexuais em esportes nos colégios, universidades e clubes esportivos, para que, com a observação e estudos investidos nesta área, possam colher dados empíricos e teóricos frente a esta questão. Além disso, realizarão investimentos em educação, fundamental para redução das taxas de homicídios e da marginalização das pessoas transexuais.
Portanto, este artigo é concluído com a reafirmação de que as entidades esportivas devem investir em estudos científicos voltados aos hormônios para que a inclusão das mulheres transexuais no esporte feminino seja analisada de forma mais realista e menos ideológica, uma vez que as transexuais são mulheres desde o seu nascimento, em que apenas buscam adequar seu corpo a sua identidade de gênero. Logo, não deve ser o radicalismo político-partidário a pautar a inclusão das mulheres transexuais no esporte feminino, mas sim a inclusão equitativa, analisando-se as consequências biológicas naturais no corpo das atletas transexuais que, por não serem suportadas por estudos determinantes, acabam culminando em deslealdade nas competições femininas de alto rendimento.
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[1] Orientador do presente artigo, mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília, professor do Centro Universitário Católica do Tocantins. E-mail: l[email protected].
Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Laura. A inclusão da mulher transexual no esporte e as consequências desportivas para o contexto feminino Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2020, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54724/a-incluso-da-mulher-transexual-no-esporte-e-as-consequncias-desportivas-para-o-contexto-feminino. Acesso em: 22 nov 2024.
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