Resumo – A liberdade de associação estabelecida na Constituição Federal impede qualquer presunção de representação em prol de entidades voltadas à cobrança de direitos autorais
Palavras-chave – Ecad – direito à livre associação - compositor
Abstract - The freedom of association established in the Federal Constitution prevents any presumption of representation in favor of entities aimed at collecting copyright
Key words – Ecad – freedom of association – copyright
I - Introdução
Uma de nossas piores heranças coloniais é o patrimonialismo, no sentido de anuência a que algumas pessoas e entidades se apropriem institucionalmente do que pertence aos demais. Dele decorrem a cultura cartorária, a passividade diante de monopólios e a resistência à evolução. Tais características se revelam quando nos deparamos com a gestão dos direitos autorais musicais.
O Escritório Central de Arrecadação de Direitos - Ecad é uma entidade civil, com criação prevista no art. 115, da Lei Federal nº 5.988/73, formada pelas diversas associações de músicos, cujas funções essenciais são a arrecadação e distribuição dos valores referentes aos direitos autorais dos compositores.
A Lei não previu associação compulsória ou presumida de qualquer compositor ao Ecad e nem exclusividade ou monopólio na cobrança, arrecadação e distribuição. Contudo, em uma época em que a liberdade era escassa e a Constituição não vedava monopólios, prevaleceu entre os profissionais da área, e até na jurisprudência, a interpretação exclusivista em prol do Ecad.
Quinze anos após a edição da Lei nº 5.988/73, sobreveio a Constituição Federal – CF de 1988, que estabeleceu a livre iniciativa e a livre concorrência como princípios fundamentais da atividade econômica. Também garantiu, em seu art. 5º, inciso XX, que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
A consequência natural dessa ampla liberdade é afastar qualquer forma de presunção de associação, o que atentaria contra a Constituição, cabendo à entidade associativa comprovar o vínculo de quem pretende representar. Ainda que antes de 1988 houvesse previsão legal ou respaldo interpretativo para aquela presunção, o entendimento precisaria ser adequado à nova ordem constitucional.
Coerentemente com a liberdade garantida no referido inciso XX, o inciso XXI ainda determina que as entidades associativas só têm legitimidade para representar seus filiados “quando expressamente autorizadas”. Em sequência, o inciso XXVII, do mesmo art. 5º, da CF, garante aos autores “o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras”, o que constitui uma reafirmação do direito de propriedade. Por fim, o inciso XXVIII prevê a fiscalização alternativa dos direitos autorais pelos próprios autores ou por suas associações.
O direito exclusivo que possui o compositor a utilizar e reproduzir sua obra, assim como a sua liberdade de associação, foram ratificados pela Lei Federal de direitos autorais, nº 9.610/98, que também não outorgou qualquer privilégio ou representação presumida às associações ou ao Ecad. Em sentido contrário, a alteração trazida pela Lei nº 12.853, de 2013, ainda introduziu o art. 98-A, exigindo cadastros dos titulares nacionais e “acordos de representação recíproca com entidades congêneres estrangeiras, quando existentes”.
II - Desenvolvimento
Apesar da clareza dos textos constitucional e legal, a jurisprudência brasileira optou por desconsiderar o direito constitucional à livre associação e reconhecer ao Ecad o direito exclusivo a cobrar direitos autorais sobre qualquer exibição musical, ao vivo ou mecânica, sem necessidade de comprovar filiação ou associação por parte dos compositores. Considera irrelevante ser o repertório nacional ou estrangeiro e que a reprodução musical eletrônica esteja respaldada em contratos com empresas de streaming, o que constitui um grave desrespeito ao ato jurídico perfeito.
As decisões chegam ao ponto de estabelecer que até mesmo os próprios autores das obras têm que pagar ao Ecad quando as executarem, ainda que jamais tenham se filiado a qualquer associação. Tal absurda cobrança se assemelha a um tributo por receita presumida em prol de entidade privada, não legalmente autorizada.
III - Conclusão
A crise econômica provocada pela Covid-19 pode ser uma oportunidade para refletir sobre a importância da liberdade de execução musical como instrumento de geração imediata de emprego e renda, tanto para os músicos quanto para os estabelecimentos, sem necessidade de aporte de recursos públicos.
A alteração da Lei nº 9.610/98, com inclusão dos parágrafos 10 e 11, no art. 99, proporcionaria o respeito à Constituição e tolheria a cobrança abusiva e desestimuladora por parte do Ecad. A título de sugestão, os respectivos textos poderiam ser:
§ 10. A arrecadação e distribuição previstas neste artigo dependem de autorização expressa dos autores ou das associações que comprovadamente os representem, renovável pelo período contratualmente estabelecido.
§ 11. A reprodução pública de obras musicais e audiovisuais disponibilizadas em aplicativos, sites de internet ou outros meios, desde que regularmente contratada, exclui o direito à arrecadação por parte das entidades previstas nessa lei.
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