KARINE ALVES GONÇALVES MOTA[1]
(orientadora)
RESUMO: Atualmente existe um rol de políticas sociais direcionadas a pessoa idosa, principalmente no que tange a garantia do bem-estar físico e psíquico, contudo essas políticas não estão sendo capazes de coibir o abandono da pessoa em idade senil. Conforme o Estatuto do idoso é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar a efetivação dos direitos dos idosos. O presente artigo discute em seus tópicos breves considerações sobre o envelhecimento, faz também uma explanação jurídica sobre a proteção do Estado direcionada a pessoa idosa através do Estatuto do Idoso: Lei no 10.741, de 1º de outubro de 2003 e da Política Nacional do Idoso: Lei nº 8.842, 04 de janeiro de 1994. Os tópicos elencados versam ainda sobre a questão dos idosos abandonados e o papel do Estado e da família e a nova proposta de tutela dos idosos, o Projeto de Lei 5532/2019. A pesquisa foi realizada por meio de uma revisão de literatura em livros, doutrinas e legislações que abarcam o tema em estudo.
Palavras-chave: Projeto de Lei 5532/2019. Tutela Jurídica. Idosos.
ABSTRACT: Currently, there is a list of social policies aimed at the elderly, especially with regard to the guarantee of physical and psychological well-being, however these policies are not being able to curb the abandonment of the elderly person. According to the Statute of the elderly, it is the obligation of the family, the community, society and the public authorities to ensure the realization of the rights of the elderly. The present article discusses in its topics brief considerations about aging, it also makes a legal explanation about the protection of the State directed to the elderly person through the Statute of the Elderly: Law 10.741, of October 1, 2003 and the National Policy for the Elderly: Law No. 8,842, January 4, 1994. The topics listed also deal with the issue of abandoned elderly people and the role of the State and the family and the new proposal to protect the elderly, Bill 5532/2019. The research was carried out through a literature review in books, doctrines and legislation that cover the topic under study.
Keywords: Seniors. Bill 5532/2019. Legal Protection.
1 INTRODUÇÃO
O cuidado atribuído a pessoa idosa ainda está muito restrito ao âmbito familiar e a carência de suporte à família pode levar à institucionalização da pessoa idosa, ou seja, são colocados aos cuidados de uma instituição especializada. Essa deveria ser a última opção e como uma alternativa bastante inovadora proposta atualmente é o Projeto de Lei 5532/2019 que propõe a adoção de idosos no Brasil.
Consolidam atualmente, a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso, como os principais dispositivos de tutela a pessoa idosa, entretanto esses dispositivos, em suas redações, não propuseram a possibilidade de adoção da pessoa idosa.
O objetivo deste estudo é analisar o Projeto de Lei 5532/2019, além de identificar os dispositivos jurídicos de proteção a pessoa idosa e apresentar o papel do Estado e da família em relação aos idosos e os tipos penais em relação ao seu abandono.
Oportunamente o Projeto de Lei 5532/2019 propõe inovar esses dispositivos, principalmente devido ao fato da grande quantidade de idosos institucionalizados no país, que segundo dados do Ministério de Desenvolvimento Social (2020), no ano de 2012 possuía 45.827 idosos em abrigos conveniados aos estados e municípios no país, passando para uma quantidade de 60.939 no ano de 2017, evidenciando assim um aumento de 33%. Dados esses que foram os mais recentemente encontrados.
Para alcançar os objetivos propostos, a presente pesquisa utilizou a metodologia do trabalho jurídico que é voltada às instruções práticas para a formatação e a compreensão da engrenagem de técnicas de organização do trabalho jurídico científico com a técnica exploratória bibliográfica.
Os tópicos elencados neste artigo são: Breves considerações sobre o envelhecimento; Estatuto do Idoso: Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003; A Política Nacional do Idoso: Lei nº 8.842, 04 de janeiro de 1994; Idosos abandonados: papel do estado e da família; Proposta de novas configurações para a tutela dos idosos: Projeto de Lei 5532/2019.
2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENVELHECIMENTO
O Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, define que: “Idoso é toda pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”. (BRASIL, 2003). Entretanto, a Organização Mundial da Saúde OMS (2002) entende que idosa é aquela pessoa com 60 anos ou mais, em países em desenvolvimento, e com 65 anos ou mais em países desenvolvidos.
O envelhecimento é entendido como parte integrante e fundamental no curso de vida de cada indivíduo. Para Camarano (2016) envelhecer é um processo natural que caracteriza uma etapa da vida do homem, do qual se constitui em mudanças físicas, psicológicas e sociais, pois o determinismo biológico envolve processos que implicam na diminuição gradativa da possibilidade de sobrevivência, acompanhada também pelas alterações patológicas e emocionais.
Contudo, é preciso compreender que o envelhecimento é um processo normal, inevitável e irreversível, portanto, não deve ser tratado apenas com soluções médicas, mas sim através de intervenções sociais, econômicas e ambientais.
O envelhecimento populacional tem impacto significativo sobre as diversas áreas da sociedade: trabalho, política, direito, cultura, economia, entre outras. Os estudos de Silva (2008) apontam que a velhice surge com o processo de modernização das sociedades ocidentais, isto é, a partir do curso da vida moderna que data da passagem entre os séculos XIX e XX.
Dessa forma, aos idosos foi garantida a absoluta prioridade de atenção por parte da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público para a efetivação “do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária” (HATHAWAY, 2015, p. 48).
É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
2.1 Estatuto do Idoso: Lei no 10.741, de 1º de outubro de 2003
A Constituição Federal de 1988 representa um marco importante na trajetória de lutas pelos direitos da pessoa idosa, foi esta que introduziu em suas disposições gerais o conceito de Seguridade Social, fazendo com que a rede de proteção social alterasse o seu enfoque estritamente assistencialista, passando a ter uma conotação ampliada de cidadania.
Na positivação dos direitos dos idosos por força da Constituição Federal de 1988, foi instituída a Lei nº 10.741/2003, denominada Estatuto do Idoso. O Estatuto, assim garante, nos termos da lei, os direitos humanos fundamentais que devem ser estendidos aos idosos, versando, o direito personalíssimo do envelhecimento e a sua proteção, que é um direito social assegurado a pessoa idosa.
O Estatuto do Idoso, está assim determinado que o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (LEI nº 10. 741/2003, art. 3º).
A aprovação do Estatuto do Idoso é um grande avanço para a sociedade e é obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade (BRASIL, 2003).
Preceitua o art. 230 da Constituição Federal que, a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. A Carta Magna dispõe ainda que os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares (artigo 230, § 1º), e confere aos maiores de sessenta e cinco anos a gratuidade dos transportes coletivos urbanos (artigo 230, § 2º).
Para Hathaway (2015) aos idosos foi garantida a total prioridade de atenção por parte da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público para a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
A garantia de prioridade compreende:
[...] atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população; preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção aos idosos; viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio dos idosos com as demais gerações; priorização do atendimento dos idosos por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência; capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos (HATHAWAY, 2015 p. 06).
O Estatuto garante aos idosos o direito de serem preservados da negligência, da discriminação, da violência, da crueldade ou da opressão. Todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, é punível na forma da lei. A todos, segundo o Estatuto, cabe prevenir a ameaça ou violação aos direitos dos idosos, sendo que as obrigações previstas no Estatuto não excluem da prevenção outras decorrentes dos princípios por ela adotados (VIEGAS, 2016).
Este dispositivo inova ao estabelecer que a inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade tanto da pessoa física como da pessoa jurídica, nos termos da lei.
Nesse contexto, como leciona Madaleno (2018), o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Respectivamente é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
O art. 10 do Estatuto do Idoso dispõe que:
É obrigação do Estado e da sociedade assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. § 1º O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos: I – faculdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II – opinião e expressão; III – crença e culto religioso; IV – prática de esportes e de diversões; V – participação na vida familiar e comunitária; VI – participação na vida política, na forma da lei; VII – faculdade de buscar refúgio, auxílio e orientação (LEI nº 10. 741/2003. ARTIGO 10).
Vale ressaltar que, o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais (VIEGAS, 2016). Constitui-se então, dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a resguardado de qualquer tratamento desumano, violento, intimidador, humilhante e constrangedor.
2.1 A Política Nacional do Idoso: Lei nº 8.842, 04 de janeiro de 1994
Este dispositivo legal ainda tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Inspirado nas políticas sociais básicas deve ser realizada por meio do conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (VIEGAS, 2016).
Constituem diretrizes da política nacional do idoso:
[...] viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso, que proporcionem sua integração às demais gerações; participação do idoso, através de suas organizações representativas, na formulação, implementação e avaliação das políticas, planos, programas e projetos a serem desenvolvidos; priorização do atendimento ao idoso através de suas próprias famílias, em detrimento do atendimento asilar, à exceção dos idosos que não possuam condições que garantam sua própria sobrevivência; descentralização político-administrativa; capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços; implementação de sistema de informações que permita a divulgação da política, dos serviços oferecidos, dos planos, programas e projetos em cada nível de governo; estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais do envelhecimento; priorização do atendimento ao idoso em órgãos públicos e privados prestadores de serviços, quando desabrigados e sem família; apoio a estudos e pesquisas sobre as questões relativas ao envelhecimento. Parágrafo único. É vedada a permanência de portadores de doenças que necessitem de assistência médica ou de enfermagem permanente em instituições asilares de caráter social (BRASIL, 1994).
A política nacional do idoso é regida pelos princípios da família, da sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida.
Nesse âmbito, a proteção social básica tem os seguintes objetivos: prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, já a proteção social especial é “a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social (FERREIRA, 2014).
Em relação à esta política cabe ponderar que:
[...] representa a voz e plenitude das garantias sociais das pessoas com mais de sessenta anos que vivem neste país. As leis formuladas para manter a ordem e o bem-estar social, expressam formas de proteção ao indivíduo e à coletividade, para tanto o regramento da Política Nacional ao Idoso é importante para edificar os direitos sociais e instrumentalizar o poder público e a população nas suas reivindicações. [...] A Política Nacional, o Conselho e o Estatuto do Idoso potencializam com força jurídica o Estado, municípios e sociedade para garantir o reordenamento nas questões de democratização dos direitos sociais (REGERT, 2014 p. 08).
Vislumbra-se assim que a proteção social básica tem um caráter eminentemente preventivo e no que compete aos direitos sociais da pessoa idosa a Política Nacional do Idoso reafirma esses direitos garantidos constitucionalmente, e aponta “a participação da sociedade civil como espaço de efetivação de serviços e proteção social ao idoso, em especial, a modalidade não mercantil, como a família.
3 Idosos abandonados: papel do estado e da família
O fenômeno da grande expansão do envelhecimento populacional no Brasil aconteceu com as mudanças socioculturais na sociedade relacionadas não apenas à maior participação feminina no mercado de trabalho, mas também à alteração na estrutura das famílias e no aumento da expectativa de vida.
Mesmo assim, é dever dos filhos o cuidado aos pais idosos estabelecido pelo Estatuto do Idoso, confirmado pelo art. 229 da Carta Magna de 1988, assim:
os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. [...] É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1988).
Viegas (2016), leciona que, a Constituição Federal de 1988 atribui primeiramente à família o dever de cuidado aos pais idosos podendo se extrair que esse cuidado deve advir primeiramente de seus descendentes. Nessa seara, não se pode esquecer que embora exista uma “ordem de preferência”, muitos filhos não estão preparados para receber seus pais idosos.
A Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) regula de forma diferenciada os alimentos devidos ao idoso, ao prescrever, no artigo 12, ser solidária a obrigação alimentar devida ao ancião, que pode escolher quem será o prestador de sua pensão alimentícia.
A solidariedade convoca cada membro da comunidade familiar e importa na convergência de esforços individuais para responderem pelo bem-estar do outro,82 tendo como pressuposto que os alimentos do idoso têm caráter de urgente necessidade, e ao permitir que ele possa reclamar integralmente os alimentos de um só dos diversos devedores (um filho dentre os vários existentes), quis o legislador criar uma exceção à norma geral da divisibilidade alimentar ao configurar como solidários os alimentos do idoso (MADALENO, 2018).
Portanto, no âmbito dos alimentos devidos ao ancião, a solidariedade é excepcionalmente imposta pelo artigo 12 do Estatuto do Idoso, e vincula como devedor de alimentos qualquer parente de qualquer classe de parentesco (descendentes, ascendentes) e os colaterais até o segundo grau, como também a obrigação alimentar pode ser endereçada ao cônjuge, ou ao companheiro.
Esta é uma mera faculdade do credor de alimentos que pode pedir o cumprimento do seu direito alimentar de qualquer de seus devedores solidários, elegendo a sua vontade, o sujeito passivo de sua ação alimentar, mas se preferir pode dirigir sua demanda simultaneamente contra todos os coobrigados.
Em relação ao abandono, cumpre ressaltar que no campo jurídico, o abandono se dá quando alguém se abstém de forma negligencial em relação a uma pessoa ou a um bem em determinada situação, causando consequências jurídicas. O abandono será material, quando o idoso é privado de acesso a itens básicos de sua subsistência, seja água, comida e roupagem adequada, contrariando dispositivos legais e comprometendo a expectativa de vida digna do idoso. Nesse sentido, o idoso encontra-se respaldado nos arts. 229 da CR/88, 1.696 do CC/02, bem como no art. 244 do Código Penal (VIEGAS, 2016).
A terceira idade jamais mereceu maior atenção do legislador brasileiro, salvo os direitos previdenciários, ou para proibi-la de escolher livremente o regime matrimonial de bens a partir dos 70 anos de idade (Lei n. 12.344/2010). Apenas o menor estava protegido pelo Direito brasileiro, e com alguma timidez, resguardada a figura da mulher. Contudo, o ancião não era sujeito passivo de qualquer tutela infraconstitucional de maior relevo e repercussão até a edição da Lei n. 10.741/2003, o Estatuto do Idoso, ao conferir integral amparo ao ancião.
A Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, em seu Capítulo III – Dos Crimes em Espécie, prevê em seu texto crimes que envolvem ações relacionadas ao abandono afetivo. Vide:
Deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, ART. 97).
Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado Pena – detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa (Lei nº 10.741/2003, art. 98).
Ademais, expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado: Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa. § 1o Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Se resulta a morte: Pena – reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos (Lei nº 10.741/2003, art. 99).
O direito à velhice coloca-se como direito que há de tutelar-se desde o início da vida do indivíduo, pois, como afirma Tavares (2018), a sociedade precisa oferecer esses benefícios desde o início da existência das pessoas, porque se assim não agir estará atentando contra o direito à vida destas, uma vez que se tivessem uma vida com dignidade, desde o princípio, teriam oportunidade de ter uma vida mais longeva.
Portanto, resta claro que o direito à velhice é uma decorrência da própria dignidade da pessoa humana, levada a tutela da vida até o último dia de existência do ser humano.
3.1 Proposta de novas configurações para a tutela dos idosos: Projeto de Lei 5532/2019
No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE,2018). A população brasileira manteve a tendência de envelhecimento dos últimos anos e ganhou 4,8 milhões de idosos desde 2012, superando a marca dos 30,2 milhões em 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.
Nessa perspectiva, o ordenamento jurídico ao tratar da tutela dos idosos, recentemente propôs um Projeto de Lei n. 5532/2019. A redação do projeto pretende alterar a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, que “Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências”, para inserir no ordenamento jurídico brasileiro a adoção de idosos, com a nomenclatura de Lei Dona Cotinha.
Dentre os artigos estabelecidos pelo Projeto de Lei acima citado, estão:
[...] colocação em família substituta. §1º As pessoas idosas receberão todo o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência familiar no seio de sua família natural e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento ativo e saudável; § 2º A colocação em família substituta far-se-á mediante acolhimento, curatela ou adoção, nos termos desta Lei; § 3º Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais será assegurado o seu consentimento, colhido em audiência, para colocação em família substituta; § 4º Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado; § 5º A adoção de idosos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. § 6º A colocação do idoso em família substituta terá acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar (PROJETO DE LEI N. 5532/2019, ART. 45).
A propositura da lei acima é relevante e inovadora, pois é fato que não são todos os idosos que tem o privilégio de conviver e ter o apoio de suas famílias naturais, seja em razão do abandono, ou pela ausência desta, motivo pelo qual muitas vezes os idosos recorrem a asilos ou Instituição de Longa Permanência, o que nem sempre é possível diante da falta/ou insuficiência de asilos públicos na maioria dos estados do Brasil.
Dentre a justificação para o Projeto de 5532/2019, cita-se:
[...] a sociedade brasileira tem passado uma dicotomia entre a família natural, formada pelos filhos ou qualquer de seus descendentes e uma possível família substituta, que em muitos casos permanecem sem se quer cogitar a possibilidade de família substituta para uma pessoa idosa. Assim, a família substituta abrange a colocação da pessoa idosa sob os cuidados de pessoa diversa dos filhos (que atua em substituição a eles). Tal colocação deve se dar, preferencialmente, com membros da família extensa ou ampliada (modalidade qualificada de colocação em família substituta), formada por parentes próximos com os quais o idoso convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade ou ainda pessoa sem qualquer vínculo familiar, mas que efetivamente possa amar e cuidar do idoso adotado (PROJETO DE LEI N. 5532/2019).
O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial e portanto traz grandes desafios e com a possibilidade de abandono de idosos no Brasil torna-se importante a criação de leis para que se efetivem o direito dos idosos.
A Constituição Federal, em seu art. 1º declara que são princípios fundamentais da República Federal do Brasil, a cidadania e a dignidade humana (incisos I e II), assim a proteção ao idoso possui assento constitucional.
O idoso é ser humano, portanto, possui status de cidadão e, consequentemente, deve ser por todos os instrumentos asseguradores da dignidade humana aos brasileiros, sem distinção. No texto do Projeto de Lei, o teor da sua justificativa tem ainda a seguinte amplitude:
[...] a nosso juízo bastaria essa consideração. Mas como o idoso quase sempre não é tratado como cidadão, a realidade obrigou o constituinte a ser bem claro no texto, estabelecendo meios legais para que o idoso deixe de ser discriminado e receba o tratamento que lhe é devido. A propositura do presente projeto de lei objetiva que o Estatuto do Idoso ampare a família natural, isto é, com os familiares que mantém vínculo biológico e consanguíneo e na ausência ou abandono desta o idoso poderá ser adotado por família substituta (PROJETO DE LEI N. 5532/2019).
Permanece certo que, o Estatuto do Idoso, não possui uma norma expressa sobre as modalidades de família substitutas, o que impede, por exemplo, a adoção de idosos em situações peculiares. Neste contexto, ressalte-se que existem muitos idosos que vivem sozinhos acometidos por sérias limitações, com perda de autonomia e independência. Com efeito, a colocação de família substituta poderá ser determinada como medida de proteção, quando apurada situação de risco, mas não apenas neste caso.
Assim sendo, a pessoa idosa será amparada em uma família substituta pelo acolhimento, curatela ou pela adoção. Diante disso além normatizar as modalidades de família substituta, entende-se recomendável que a legislação seja aprimorada no sentido de incorporar ao seu texto alterações que viabilizem a adoção de idoso como modalidade de família substituta, a fim de assegurar o direito à convivência familiar, além de averiguar a finalidade da adoção para os pretendentes e sua efetiva capacidade como adotante.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição Federal de 1988 representa um marco importante na trajetória de lutas pelos direitos da pessoa idosa, nessa mesma linha a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade.
Os dispositivos jurídicos trazidos à baila neste estudo deixaram claro que é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar a efetivação dos direitos dos idosos, mas em nenhum deles traz a possibilidade da adoção de idosos por uma família diferente da sua.
Nesse sentido, o Projeto de Lei 5532/2019 discutido neste estudo trouxe uma inovação em sua redação, que é a possibilidade de idosos abandonados em instituições serem adotados.
O Projeto de Lei 5532/2019 encontra-se em tramitação na Câmara Legislativa, contudo, diante os pontos elencados acima bem como o teor da sua justificação espera-se num futuro não muito distante que seja aprovado com vistas a garantir e efetivar a tutela jurídica aos idosos em situação de abando.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei no 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 3 out. 2003.
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BRASIL. Projeto de Lei n. 5532/2019. Altera a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, que “Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências”, para inserir no ordenamento jurídico brasileiro a adoção de idosos. (Lei Dona Cotinha). Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=80C13A771EA0699BBA00B248F7C7FD96.proposicoesWebExterno2?codteor=1827181&filename=PL+5532/2019. Acesso em junho de 2020.
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VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo. Abandono Afetivo Inverso: O Abandono do Idoso e a Violação do Dever de Cuidado por Parte da Prole (2016). Revista Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito PPGDir./UFRGS - Qualis B1 em Direito. Disponível em: https://seeBBr.ufrgs.br/ppgdir/article/view/66610/40474. Acesso em junho de 2020.
[1] Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela UNIMAR. Professora de Direito da Faculdade Serra do Carmo FASEC. Orientadora desse TCC. [email protected]
Acadêmica de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIAS, Cláudia Coelho da Costa. Projeto de Lei 5.532/2019 e a nova propositura para a tutela dos idosos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2020, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54772/projeto-de-lei-5-532-2019-e-a-nova-propositura-para-a-tutela-dos-idosos. Acesso em: 22 nov 2024.
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