Resumo: O “Transtorno de Espectro Autista” (TEA) é definido como uma espécie de patologia que se caracteriza pela não-interação em sociedade, comportamentos repetitivos, dificuldade de comunicação, dentre outros. Tal dificuldade ainda não possui cura efetiva, ficando limitada a meros tratamentos que apenas diminuem o agravamento desta. Dessa forma, é necessário que o Estado proporcione direitos e garantias para sua interação social, o que já vem ocorrendo, porém ainda há um longo caminho a ser trilhado para que haja a efetivação das garantias destas pessoas. Assim, a presente pesquisa tem como objetivo demonstrar quais são os direitos e garantias assegurados pelo Estado para a inclusão dessas pessoas em sociedade, tendo sido utilizado como meio de coleta de dados as legislações atuais que tratam do tema supracitado. Por fim, conclui-se que o Estado tem proporcionado direitos e garantias às pessoas com Transtorno de Espectro Autista, restando tão somente implementar novas políticas públicas no que concerne ao direito a educação, visto que, em determinados casos, as instituições de ensino do Estado não possuem profissionais e equipamentos necessários para acolherem as pessoas com TEA, o que acaba por afrontar a premissa da igualdade vinculada no art. 5º da CF/88.
Palavras-chave: Garantias. Direitos. TEA. Estado.
Abstract: “Autistic Spectrum Disorder” (ASD) is defined as a kind of pathology that is characterized by non-interaction in society, repetitive behaviors, communication difficulties, among others. Such difficulty still does not have an effective cure, being limited to mere treatments that only reduce its worsening. In this way, it is necessary for the State to provide rights and guarantees the social interaction, which has already been occurring, but there is still a long way to go in order for those guarantees of these people to be effective. As follows, this research aims to demonstrate what are the rights and guarantees guaranteed by the State for the inclusion of these people in society, having been used as a means of data collection the current legislation that deal with the aforementioned theme. Finally, it is concluded that the State has provided rights and guarantees to people with Autism Spectrum Disorder, leaving only to implement new public policies regarding the right to education, since, in certain cases, the State's educational institutions they do not have the professionals and equipment necessary to welcome people with ASD, which ends up facing the premise of equality linked in 5th article of the CF/88 (Constitution of the Federative Republic of Brazil)
Key-words: Garantees. Rights. ASD. State.
O Transtorno de Espectro Autista é aquele que afeta o discernimento neural do indivíduo, fazendo com que ele possua dificuldade ao se comunicar e compreender determinadas situações. Sabe-se que as tentativas médicas em encontrar uma cura para a referida patologia foram incessantes, porém nenhuma prosperou sucesso absoluto, sendo possível apenas reduzir os danos causados por esta doença.
Neste contexto, considera-se que o termo “autismo” advém de muito antes de existir leis que garantissem a inclusão social daqueles que portavam o referido transtorno psicológico. Sua primeira aparição se deu através do psiquiatra suíço Eugen Bleuler, no ano de 1908, e, através desse termo, Bleuler caracteriza indivíduos que portavam sintomas negativos e alienação social advindas da esquizofrenia (TUCHMAN; RAPIN, 2009, p. 17).
Diante de tal abordagem, foi necessário que o Estado propusesse diversas medidas para garantir os direitos básicos destes indivíduos, como é o caso do direito à saúde, educação e trabalho. Assim, o objetivo deste trabalho foi compilar as legislações existentes sobre o referido assunto.
Nessa perspectiva, usando a metodologia de ensino qualitativa de natureza explicativa/exploratória, foi discorrido sobre o que existe na legislação brasileira e como são aplicadas (na prática) as garantias propostas pelo Estado, a fim de resguardar os direitos fundamentais das pessoas com TEA.
1.Desenvolvimento
Da procura pelo material publicado sobre direitos e garantias para as pessoas com autismo, pode-se ver que é possível expor o tema em alguns tópicos a seguir: A evolução do direito brasileiro em prol das pessoas com deficiência; A Constituição Federal de 1988 e suas garantias as pessoas com deficiência; O Transtorno de Espectro Autista – TEA; Os direitos e garantias das pessoas com TEA; Do direito à saúde; Do direito à educação; Do direito ao emprego; e por fim, as Políticas Públicas que visam a melhor aplicação do direito à educação.
A seguir, serão explanados os tópicos elencados:
2.A evolução do direito brasileiro em prol das pessoas com deficiência
Desde os primórdios da humanidade é sabido que já existiam pessoas portadoras de algum tipo de deficiência, as quais foram ocasionados por algum tipo de má formação genética do indivíduo, ou até mesmo por ocasiões nas quais este perdeu parte de suas funções (visão, audição, amputação de membros, dentre outros).
Diante disso, necessário se faz expor um pouco acerca de como tais pessoas eram tratadas no período antigo, visando demonstrar que, naquela época, a “deficiência” proporcionava a seus portadores dificuldades no meio de convivência com os demais.
No que concerne a este fato, sabe-se que, no período do Egito antigo, há relatos históricos que apontam a não-exclusão das pessoas portadoras de deficiência do convívio em sociedade, conforme explica Maria Aparecida Gugel:
Estudos arqueológicos, com base em restos biológicos e evidências artísticas, demonstram que no Egito Antigo as pessoas com deficiência não sofriam qualquer tipo de discriminação. As artes, os túmulos, os papiros e as múmias revelam que a deficiência não consagrava impedimento para as mais diversas atividades desenvolvidas pelos egípcios, sendo que as pessoas com deficiência se integravam nas diversas camadas sociais (GUGEL, 2007. p. 2).
No período em questão, é notória a intenção egípcia pela inclusão social de deficientes, onde pode-se afirmar que estes encontravam-se em diferentes estratos da sociedade egípcia, desde a classe dos faraós e nobres, até a classe mais baixa de agricultores e escravos. É relatado ainda que muitas das pessoas com deficiência conseguiram constituir família, e viver uma vida “normal” dentro dos parâmetros da sociedade.
Nesse contexto, pode-se dizer que o Egito antigo foi um dos primeiros a proporcionar igualdade e dignidade às pessoas portadoras de deficiência, uma vez que, para eles, tais pessoas eram consideradas comuns, sem qualquer diferenciação dos demais membros da população.
Fontes arqueológicas de mais de cinco mil anos, indicam que pessoas com nanismo ofereciam seus serviços a altos funcionários, morando na residência destes e recebendo tratamento diferenciado, contando, ainda, com funerais e tumbas em cemitérios reais perto das pirâmides, demonstrando a sua proximidade com o patrão (GUGEL, 2007, p. 2).
Os egípcios antigos acreditavam que doenças graves (como deficiências físicas e problemas mentais) eram ocasionadas por intervenção de maus espíritos, demônios ou por pecados advindos de vidas anteriores do portador da referida doença.
Para os egípcios, as doenças que acometiam os enfermos eram consideradas como “maldições”, as quais deveriam ser pagas na atual vida do seu portador. Acreditavam ainda que as referidas doenças só poderiam ser anuladas mediante intervenção divina, ou pelos “médicos sacerdotes”, que eram especialistas nos ditames do então “livro sagrado”, o qual possuía explicações sobre doenças e suas respectivas curas.
Noutro giro, sabe-se também que, no período antigo, muitos eram os casos de perda de membros ocasionados por batalhas corpo a corpo com uso de espadas cortantes, razão que fez com que a Grécia implantasse um sistema de amparo a pessoas que não tinham condições de garantir seu sustento. Inicialmente, tal sistema foi proposto apenas para os que foram mutilados em guerras, sendo posteriormente ampliado para outras pessoas com deficiência, independe da causa da enfermidade.
Na História Grega existem citações relativas à assistência destinada a pessoas deficientes que são muito mais claras e especificas do que aquelas encontradiças em culturas anteriores, contemporâneas ou posteriores.
Havia, por exemplo, em Atenas e em Esparta – rivais famosas – determinações oficiais que davam aos soldados feridos e seus familiares vantagens de diversas naturezas. Existiam provisões especiais relacionadas à alimentação, como as que eram consequentes a uma lei de Sólon (640 a 558 a.C.) que determinava: “Soldados feridos gravemente e os mutilados em combate serão alimentados pelo Estado” (SILVA, 2009, p. 68).
A partir do fato mencionado, a Grécia passou a ser considerada como a pioneira no movimento relacionado a assistência médica à população civil e àqueles que portam determinada deficiência. A referida assistência, disponibilizada pelo governo grego, era efetivada através de medicações, intervenções cirúrgicas, banhos especiais, fisioterapias, bem como pela força da fé e sua capacidade de cura.
Todavia, apesar de pioneira nas questões de natureza médica para aqueles que portavam determinada deficiência, a Grécia regrediu no que concerne ao tratamento das crianças recém nascidas. Fatos históricos revelam que, na Grécia, principalmente em Esparta, assim que uma criança nascia, seu pai era obrigado a apresentá-la a uma comissão de anciões, os quais detinham o dever de analisar as condições físicas desta, e, caso fosse acometida de doença grave (deficiência), a criança deveria ser sacrificada.
Pelas leis vigentes, ele era obrigado a levar o bebê, ainda bem novo, a uma espécie de comissão oficial formada por anciãos de reconhecida autoridade, que se reunia para examinar e tomar conhecimento oficial do novo cidadão. Segundo Plutarco, eles se reuniam num local conhecido como “leschi” (correspondendo certamente a “edifício”, “órgão oficial”, “repartição”) para esse fim. Se nesses locais os autorizados anciãos anotavam ou não os dados pessoais de identificação, de paternidade, de maternidade, de local e de data do nascimento, de sexo e outros, o historiador não nos indica. Pelo seu relato sabemos que, se fosse um bebê normal e forte (“se o achavam belo, bem formado de membros e robusto”) ele era devolvido ao pai que passava a ter a incumbência de cria-lo. Depois de certa idade – entre os 6 e 7 anos – o Estado tomava a si a responsabilidade e continuava sua educação, que era dirigida para a arte de guerrear, como podemos comprovar pelos estudos da História Grega Antiga. No entanto, “se lhes parecia feia, disforme e franzina”, como refere Plutarco, esses mesmos anciãos, em nome do Estado e da linhagem de famílias que representavam, ficavam com a criança. Tomavam-na logo a seguir e a levavam a um local chamado “Apothetai”, que significa “depósito”. Tratava-se de um abismo situado na cadeia de montanhas Taygetos, perto de Esparta, para lá a criança ser lançada e encontrar sua morte, “pois, tinham a opinião de que não era bom nem para a criança nem para a república que ela vivesse, visto como desde o nascimento não se mostrava bem constituída para ser forte, sã e rija durante toda a vida (SILVA, 2009, p. 86/87).
O governo grego justificava os referidos sacrifícios pela teoria da “busca pela perfeição”. Vale ressaltar que, em Esparta, o sacrifício de crianças portadoras de deficiência foi considerado como normal por muitos séculos durante a história da humanidade.
O fato mencionado pode ser observado também em outras culturas, como foi o caso da cultura romana, a qual garantia direito à vida somente para crianças que não possuíam deformidades ou doenças graves, alegando que a sobrevivência dessas referidas crianças seria prejudicial para a sociedade e para o Estado romano.
Mesmo com a legislação vigente a respeito do sacrifício de crianças em Roma, tal fato não era rotineiro, haja vista que cabia ao pai executar seu próprio filho. Sendo assim, alguns pais não tinham coragem de matar sua prole, acabando por abandoná-las em cestos às margens do rio Tibre.
(...) havia para o “pater famílias”, dentre as faculdades a ele outorgadas pelo poder paterno (pátria potestas), uma alternativa: poderia expor a criança às margens do rio Tibre ou em lugares sagrados, desde que antes de o fazer tivesse mostrado o recém-nascido a cinco vizinhos, para que fosse de certa forma certificada a existência da anomalia ou mutilação (SILVA, 2009, p. 92).
O sacrifício de crianças portadoras de deficiências só parou de ocorrer com o advento do Cristianismo, o qual defende que pessoas com determinada anomalia são consideradas como “criaturas de Deus”, as quais eram possuidoras de almas, não merecendo castigos por não estar dentro dos padrões da sociedade.
O Cristianismo cessou de vez com as atitudes ligadas ao extermínio de pessoas com deficiência, garantindo a elas cuidados especiais, os quais eram garantidos pela igreja e pela família. Apesar disso, não foi assegurado a inclusão social como um todo, uma vez que grande parte da sociedade ainda considerava os enfermos como pessoas indignas.
Mesmo com a evolução humana, em tempos atuais, ainda é fato que a vida em sociedade não é fácil para aqueles que possuem alguma deficiência, apesar das tentativas de inclusão social por parte dos governos. Os indivíduos muitas vezes não conseguem se adaptar ao convívio em sociedade, pois sofrem com o desprezo da maioria das pessoas.
O tema “inclusão social” só tomou forma durante o século XX, em decorrência das desastrosas consequências ocasionadas pelas duas guerras mundiais, as quais contabilizaram milhões de mortos e mutilados. Foi através desses conflitos que aconteceu demasiado impulsionamento no que concerne as questões de igualdade, dignidade e direitos humanos.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a qual foi conturbada pelas diversas atrocidades, e o quase domínio mundial por parte do regime nazista (que detinha a premissa grega e romana do “ser humano perfeito”), o mundo se viu em uma situação na qual aqueles que eram “diferentes” não tinham direito a vida, conforme explica Doris Bulau:
Em 1º de setembro de 1939, Adolf Hitler assinou um decreto autorizando os médicos e psiquiatras a concederem o que chamavam de "morte de misericórdia" a doentes incuráveis, deficientes mentais e físicos. Esse programa de "eutanásia" atingia todos os cidadãos judeus na Alemanha.
Uma das testemunhas dessa máquina mortífera, o tenente Peter von der Osten, lembra que "não se ouviam nem gritos nem tiros. Eles (os judeus) eram impelidos para a morte pelos alemães, mas sem gritos. Pode-se dizer que pairava no ar um silêncio de morte, algo muito deprimente" (BULAU, s/a, p. 01).
Em razão de tais acontecimentos, os países vencedores da guerra se viram na obrigação de criar leis que garantissem a dignidade de vida das pessoas, mesmo que essas sejam acometidas de enfermidades graves. Diante disso, destaca-se que o marco principal da conquista dessas referidas pessoas foi a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” da ONU, a qual foi promulgada no ano de 1948. Relata o artigo 1º da referida declaração: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (ONU, 1948, p. 04).
Diante desta nova tratativa sobre inclusão e igualdade social, houve diversas discussões no cenário internacional sobre a proteção daqueles que possuíam deficiência. Então, como consequência disto, surgiu a “Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência”, no ano de 1975.
Ademais, houve convenções que foram, de certo modo, essências para o tema, como, por exemplo, a “Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência” (1999), e a “Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência” (2006). Todos esses momentos históricos foram fundamentais para assegurar as pessoas portadoras de deficiência direitos e garantias fundamentais para seu desenvolvimento, e para um convívio digno e igualitário em sociedade.
Neste contexto, sabe-se que o Brasil como Estado Democrático de Direito não poderia se eximir ou omitir-se em assegurar a estas pessoas uma inclusão social efetiva, garantindo direitos e proporcionando uma vida saudável e próspera. Por esta razão, no ano de 1988 foi promulgada a então “Constituição Cidadã”, a qual ficou marcada na história como a constituição que mais garante e defende os direitos dos indivíduos.
2.1 A Constituição Federal de 1988 e suas garantias as pessoas com deficiência
Promulgada no ano de 1988, a “Constituição Cidadã” foi baseada em ideias republicanas, democráticas e humanitárias, sendo apontada com a “constituição brasileira que mais defende os direitos dos homens”. A referida Carta Magna apresentou um avanço jamais visto na luta pela qualidade de vida e inclusão social daqueles que possuem deficiência, tendo como princípios basilares que asseguram tais direitos o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), e o princípio da igualdade (art. 5º).
A respeito do conceito de dignidade elencado na Constituição de 1988, o ilustríssimo doutrinador Alexandre de Moraes aponta que:
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAES, 2007, p.16).
O segundo princípio constitucional consagra a igualdade de todos perante a lei, sem que haja distinção de qualquer natureza, gerando assim uma igualdade formal. Entretanto, a referida Carta Magna vai muito além para tentar alcançar uma igualdade de cunho material, a qual é capaz de tratar igualmente os iguais, e, doutro giro, desigualmente os desiguais, o que possibilita concretizar, por meio de “compensações”, a “igualdade real de oportunidades”. A respeito disso, Pedro Lenza versa que:
Isso porque, no Estado Social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada perante a lei. Essa busca por igualdade substancial, muitas vezes idealista, reconheça-se, eterniza-se na sempre lembrada, com emoção, Oração aos Moços, de Rui Barbosa, inspirada na lição secular de Aristóteles, devendo-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.
(...)
Celso Antônio Bandeira de Mello parece ter encontrado parâmetros sólidos e coerentes em sua clássica monografia sobre o tema do princípio da igualdade, na qual estabelece três questões a serem observadas, a fim de se verificar o respeito ou desrespeito ao aludido princípio. O desrespeito a qualquer delas leva à inexorável ofensa à isonomia. Resta, então enumerá-las: a) a primeira diz com o elemento tomado como fatos de desigualação; b) a segunda reportase à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interessados absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizado. Esses critérios podem servir de parâmetro para a aplicação das denominadas discriminações positivas, ou affirmative actions, tendo em vista que, segundo David Araujo e Nunes Júnior, “...o constituinte tratou de proteger certos grupos que a seu entender, mereciam tratamento diverso. Enfocando-os a partir de uma realidade histórica de marginalização social ou de hipossuficiência decorrente de outros fatores, cuidou de estabelecer medidas de compensação, buscando concretizar, ao menos em parte, uma igualdade de oportunidades com os demais indivíduos, que não sofreram as mesmas espécies de restrições. (LENZA, 2012, p. 973 – 975).
Ademais, observa-se que a Carta Magna de 1988 estabeleceu normas específicas acerca do tratamento das pessoas com deficiência, as quais afirma-se que:
a) Compete a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o cuidado com a saúde e a assistência pública, proteção e garantias das pessoas portadoras de deficiência (art. 23, II);
b) É dever do Estado legislar visando a proteção e a integração do portador de deficiência (art. 24, XIV);
c) É assegurada a reserva em vagas de cargo público (art. 37, VIII);
d) É proibido qualquer tipo de discriminação no trabalho, sendo esta inerente ao salário ou a admissão do portador de deficiência (art. 7º, XXXI);
e) Deverá ser ofertado ao deficiente, a assistência social, a reabilitação e o benefício previdenciário (art. 203, IV e V);
f) Deverá ocorrer atendimento especializado para aqueles que necessitam no tocante a educação básica e superior, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208, III);
g) É dever do Estado o cuidado com a criança e adolescente portador de deficiência no tocante a criação de programas de prevenção e atendimento especializado (art. 227, II);
h) E por fim, o dever de fornecer acessibilidade universal, buscando pela eliminação de barreiras arquitetônicas, adaptando locais públicos, edifícios, veículos de transporte coletivo e afins (art. 227, II, §2º).
Por isso, é certo dizer que a referida Carta Magna trouxe diversos benefícios e garantias para aqueles que possuem necessidades especiais, tendo em vista que estes necessitam de grande amparo estatal, por conta das diversas dificuldades que enfrentam no dia a dia.
3. O Transtorno de Espectro Autista – TEA
Entende-se por “Transtorno de Espectro Autista” (TEA), o transtorno ligado ao desenvolvimento neurológico do indivíduo, o qual é caracterizado por dificuldades na comunicação e interpretação social, além de haver a presença de comportamentos repetitivos e restritivos. Conforme explica Mercadante e Rosário (2009, p.17), os portadores de autismo constituem “um grupo que apresenta precocemente atrasos e desvios no desenvolvimento das habilidades sociais e comunicativas e um padrão restrito de interesses”.
Tais sintomas esboçam o que é o núcleo do referido transtorno, mas sua gravidade tende a ser variável, podendo ser mais gravosa ou não, dependendo do paciente. Esse transtorno é classificado como pervasivo e permanente, não havendo ainda cura para este, mesmo que haja intervenção precoce no caso.
A inteligência fica comprometida em grande parte das crianças com autismo, cerca de 56% desses pacientes apresentam algum grau de deficiência intelectual; contudo, muitas dessas crianças podem frequentar escolas e ter um desempenho acadêmico regular.
Outros transtornos associados podem estar presentes e algumas dessas principais condições são as epilepsias, o transtorno obsessivo compulsivo, o transtorno de ansiedade generalizada, os transtornos de tiques e o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TEIXEIRA, 2016, p. 09 - 10).
A intervenção precoce na tratativa do autismo interfere somente em sua evolução e prognóstico geral do paciente, suavizando seus sintomas. Apesar de não efetivar a cura para a doença, o tratamento beneficia o paciente em diversos pontos, e não somente o indivíduo, mas também sua família e o Estado, visto que não haverá impactos econômicos severos para esses no que concerne ao tratamento do paciente.
Pode-se observar que o TEA tem suas primeiras aparições no paciente já nos primeiros anos de vida, porém sua trajetória inicial tende a não ser uniforme, havendo diversas variações de caso a caso. Em determinadas crianças os transtornos podem exibir evidências já nos primeiros instantes de vida (nascimento), contudo, na maioria dos casos, os sintomas do TEA só se confirmam entre crianças de 12 a 24 meses de idade.
Neste sentido, observa-se que são alguns dos sinais sugestivos de TEA no primeiro ano de vida da criança são: a não aceitação de toques; não responder a seu próprio nome; demonstra mais interesse por objetos do que por pessoas; não apresentar sorriso social; apresentar distúrbios de sono, moderados ou graves, dentre outros sinais.
Bebês com autismo apresentam grande déficit no comportamento social, tendem a evitar contato visual e se mostram pouco interessados na voz humana. Eles não assumem uma postura antecipatória; por exemplo, colocando seus braços à frente para serem levantados pelos pais, podem ficar indiferentes ao afeto e não demonstrar expressão fácil ao serem acariciados.
Outra característica observada em alguns bebês e crianças pequenas com autismo é o início normal de seu desenvolvimento de habilidades sociais, mas de repente esse processo é interrompido e a criança começa a regredir em seu desenvolvimento social. Por exemplo: a criança com dois anos de idade que para de falar, de mandar tchau e de brincar socialmente, como nos jogos do tipo pega-pegal (TEIXEIRA, 2016, p. 08).
Vale salientar que o TEA se manifesta independente da etnia, classe ou condição socioeconômica, porém, em determinadas localidades do mundo, o referido transtorno tende a não ser identificado e tampouco tratado, tendo em vista que determinadas localidades não possuem a infraestrutura necessária para o tratamento da doença.
3.1 Os direitos e garantias das pessoas com TEA
Uma vez compreendido o que é o Transtorno de Espectro Autista, necessário se faz expor as leis que visam permitir que as pessoas portadoras da referida patologia possam ser acolhidas pela sociedade. Noutro giro, é sabido que, mesmo com as leis de amparo, ainda existem casos onde estas pessoas não conseguem almejar a inclusão no meio laboral, escolar e social, levando em consideração o preconceito de determinadas partes da sociedade.
Segundo aponta Miranda (2008), o atendimento às pessoas com deficiência teve início no Brasil em sua época de império, onde houve a criação de duas instituições que visavam propiciar o apoio a estas pessoas, sendo elas o “Instituto dos Meninos Cegos” (conhecido atualmente por “Instituto Benjamin Constant”), e o “Instituto dos Surdos-Mudos” (atual “Instituto Nacional de Educação de Surdos” – INES).
As instituições citadas anteriormente foram criadas na década de 1850, sendo consideradas como um marco histórico no que concerne ao atendimento às pessoas com deficiência no Brasil. Entretanto, aponta-se que as referidas instituições foram criadas apenas para o atendimento das pessoas que detinha deficiências visuais e auditivas, havendo assim, exclusão de atendimento àqueles que possuíam outros tipos de deficiências, como a mental, por exemplo.
Apesar de já presentes no rol de legislativo nacional, foi apenas após a promulgação da Carta Magna de 1988 que surgiram boa parte das leis e diretrizes que buscaram por garantir e resguardar os direitos das pessoas com deficiência, tendo em vista que a constituição em seu teor busca pela igualdade e dignidade de todos da sociedade. As primeiras garantias de amparo as pessoas com Transtorno de Espectro Autista encontram-se exposta na Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), sendo que tal lei trata dos deficientes em geral, englobando as pessoas com TEA.
Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
Parágrafo único. Esta Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008 , em conformidade com o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil , em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 , data de início de sua vigência no plano interno.
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Grifo Nosso).
Versa ainda o “Estatuto da Pessoa com Deficiência” acerca dos deveres do Estado, em concorrência com a sociedade e família para com as pessoas com deficiência:
Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.
Neste sentido, fica evidente o dever do Estado e da sociedade ao proporcionar às pessoas com necessidades especiais todos os direitos e garantias que forem necessários para seu desenvolvimento intelectual e profissional, assegurando a estes qualidade de vida digna e saudável.
Assim, para poder defender os direitos das pessoas que possuem o Transtorno de Espectro Autista (TEA), foi promulgada no ano de 2012 a Lei nº 12.764, a qual ficou conhecida como “Lei Berenice Piana”, a qual foi homenagem por ser uma mãe que lutou e luta pelos direitos das pessoas com autismo desde o primeiro momento do diagnóstico de seu filho.
A referida lei tem papel importantíssimo na defesa dos direitos e garantias das pessoas com TEA, relatando tal fato já no artigo 1º da referida lei, “esta lei institui a política nacional de proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista e estabelece diretrizes para sua consecução”. Neste sentido, são consideradas pessoas com transtorno de espectro autista aquelas expostas no §1º do presente artigo:
Art. 1. [...]
§1º. Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II:
I - Deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;
II - Padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.
Em prol das pessoas espectro autista, o referido artigo em seu §3º, versa que determinados estabelecimentos comerciais, os quais estão expostos na Lei nº 10.048/2000, poderão valer-se da utilização da fita “quebra-cabeça”, a qual é o símbolo mundial da priorização em conscientização do referido transtorno.
Dito isso, necessário é expor acerca dos direitos assegurados pelo Estado às pessoas com TEA, em relação à educação, saúde, carreira profissional e inclusão social como um todo.
3.2 Do direito à saúde
Uma das primeiras garantias disponibilizadas pelo Estado às pessoas com necessidades especiais, incluindo também as pessoas com Transtorno de Espectro Autista, é a garantia à saúde. Versa a Constituição Federal de 1988, em seu art. 6º, caput, que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Dessa maneira, é notória a obrigação do Estado em propiciar a estas pessoas a garantia de saúde, nos termos da CF/88 e das leis específicas que tratam do caso, a fim de proporcionar a estes indivíduos a “dignidade” firmada pelo art. 1º, e a “igualdade” exposta no art. 5º da referida Carta Magna. Assim, aponta o artigo 196:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O Estado jamais poderá omitir-se de tal obrigação para com a sociedade, e, dessa forma, não poderá negar-se a oferecer tal direito para as pessoas com necessidades especiais, tendo em vista que estas também se encontram amparadas pela Constituição e por leis especificas.
Neste sentindo, versa José Quadro de Magalhães:
O direito à saúde não implica somente direito de acesso à medicina curativa. Quando se fala em direito à saúde, refere-se à saúde física e mental, que começa com a medicina preventiva, com o esclarecimento e a educação da população, higiene, saneamento básico, condições dignas de moradia e de trabalho, lazer, alimentação saudável na quantidade necessária, campanhas de vacinação, dentre outras coisas. Muitas das doenças existentes no País, em grande escala, poderiam ser evitadas com programas de esclarecimento da população, com uma alimentação saudável, um meio ambiente saudável e condições básicas de higiene e moradia. A ausência de alimentação adequada no período da gestação e nos primeiros meses de vida é responsável por um grande número de deficientes mentais (MAGALHÃES, 2008, p. 10).
A lei 12.764/2012 rege em seu art. 3º, inciso III, a respeito da garantia de saúde disponibilidade às pessoas com autismo, aborda que:
Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:
[...]
III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo:
a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;
b) o atendimento multiprofissional;
c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;
d) os medicamentos;
e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento.
Entende-se que quanto mais cedo o diagnóstico do autismo for constatado, melhor será seu tratamento para não agravar o caso, como pleiteou o Estado através da referida lei, e também pelo atendimento integral destas pessoas quando ainda são recém nascidas, garantido a elas um melhor controle da doença quando constatada no paciente.
O atendimento para estas pessoas fica a encargo do Sistema Único de Saúde (SUS), que tem como função principal criar planos de descentralização, regionalização e controle social, a fim de garantir que estas pessoas tenham atendimento de saúde em quaisquer localidades da nação.
Vale salientar que existem outros meios de apoio para a saúde do autista, como é o caso do Centro de Apoio Psicossocial Adulto e Infantil (CAPS), que visa proporcionar aos autistas atendimentos nos problemas de cunho psicológicos, assegurando um melhor desenvolvimento para estes.
3.3 Do direito à educação
Conforme já abordado anteriormente, a Constituição da República é clara ao dizer em seu artigo 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza. Nesse sentido, também é clara ao afirmar que é dever do Estado garantir e prestar atendimento educacional aos portadores de necessidades especiais, conforme expõe o art. 208, inciso III.
Porém, foi antes da Constituição Cidadã de 1988 que surgiu uma das primeiras leis a tratar da inclusão das pessoas com deficiência ao sistema educacional, a chamada “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional” (LDBEN), Lei nº 4.042/61. Esta lei enquadra as referidas pessoas como “excepcionais”, as quais deveriam ser introduzidas no sistema geral de ensino na medida do possível, integrando-os assim, a comunidade educacional regular.
Neste contexto, é sabido que a referida lei teve que passar por diversas mudanças, haja vista que em sua consonância não organizava um sistema educacional capaz de suprir as necessidades das pessoas com deficiência, o que não efetivava uma educação inclusiva a todos. Sendo assim, aponta-se que somente no ano de 1996 o Estado conseguiu garantir, de certa forma, o direito básico à educação para as pessoas com deficiência, firmada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), onde busca-se pela inclusão social destas pessoas.
Nesse sentido, houve, de maneira concorrente, a inclusão das pessoas com TEA, pois o texto base firmava a garantia a todos que detinham necessidades especiais. Desta feita, o Estado pode propiciar a primeira inclusão social “efetiva” de tais pessoas, conforme aponta o art. 4º, inciso III, da referida lei nacional (já revogado), e sua nova redação advinda da Lei nº 12.796/2013:
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
[...]
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino (Revogado);
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino.
Ressalta-se que este direito à educação vai desde o ensino primário até o superior, o qual o Estado garante, através das medidas públicas, a vaga e o atendimento especializado para as pessoas com TEA. Neste sentido, a professora Sônia Aranha (2015), define o Atendimento Especializado como:
[...] o conjunto de atividades e recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente para atender exclusivamente alunos com algum tipo de necessidade especial, no contra turno escolar. Pode ser realizado em salas de recursos especiais na escola regular ou em instituições especializadas (ARANHA, 2005, s/p).
Na mesma perspectiva explana Sônia de Jesus (2005), “a educação especial é um tipo de ensino que visa desenvolver todas as potencialidades de pessoas portadoras de necessidades especiais, condutas típicas ou altas habilidades”. Assim sendo, o Estado deve propiciar garantias públicas de ensino a estas pessoas, a fim de melhor contribuir para o desenvolvimento delas.
Tal questão encontra-se firmada na Lei de Diretrizes Escolares (Lei nº 9.394/96), em seu artigo 58, onde é exposta a definição legislativa para o Atendimento Educacional Especializado:
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
Nesta premissa, é notório dizer que o referido atendimento educacional especializado deve ser ofertado fora do horário normal de aula, porém na própria rede de ensino, no ambiente onde o estudante consiga desenvolver melhor suas habilidades cognitivas, como é o caso das salas multifuncionais com equipamentos, professores e matérias que melhor se amoldam às necessidades das pessoas com TEA.
Nesta seara, insta salientar que a referida lei ainda apresenta, conforme o art. 59, quais serão as garantias ofertadas pelo Estado em prol das pessoas com necessidade especiais:
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação:
I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;
II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;
III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
IV - educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;
V - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.
Neste sentido, é perceptível o quão importante é a inclusão para o processo de reconhecimento das necessidades de educação especial, porém, mesmo diante das propostas estabelecidas pela lei, não é notória a luta constante pelos direitos de inclusão dos portadores de necessidades especiais, o que acaba por enfraquecer a perspectiva de igualdade para estas pessoas.
Sabe-se que uma das maiores dificuldades enfrentadas por estas pessoas é a inserção efetiva na educação, tendo em vista que as instituições de ensino, os profissionais da área, pais e alunos não estão preparados para essa inclusão, em muitos casos, resultando por não saberem como lidar com a situação.
A respeito disso, sabe-se que o problema tem início dentro da instituição de ensino, que deixa de ser inclusiva, acolhedora e adaptável aos referidos alunos, tendo em vista que a maioria não possue infraestrutura e equipamentos essenciais para auxiliar no desenvolvimento das habilidades do deficiente. Tal descaso com esta inclusão advém do fator estatal, já que tampouco importa aos governantes determinadas necessidades da população. Neste sentido, entende Romeu Kazumi (2008):
A integração trabalha com o pressuposto de que todos os alunos precisam ser capazes de aprender no nível pré-estabelecido pelo sistema de ensino. No caso de alunos com deficiência (intelectual, auditiva, visual, física ou múltipla), a escola comum condicionava a matrícula a uma certa prontidão que somente as escolas especiais (e, em alguns casos, as classes especiais) conseguiriam produzir (KAZUMI, 2008).
O direito à educação destinada para as pessoas com deficiência é encontrado também na lei especial destinada a estes, a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e em seu artigo 27 versa o seguinte acerca da referida garantia:
Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.
Insta salientar que caso determinada instituição de ensino não queira ofertar vaga ao aluno portador de deficiência, poderá ser proposta a medida judicial denominada “Mandado de Segurança” (que é dado como remédio constitucional que visa garantir direitos fundamentais advindos da Constituição da República). Assim, conforme aponta o artigo 5º, inciso LXIX, da CF/88:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Neste sentindo entendeu a 1
ª Turma do Órgão Colegiado do Estado do Pará, ao improceder Agravo de Instrumento proposto pelo município de Belém, que visava negar a garantia de ensino a adolescente com Transtorno de Espectro Autista:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO PELO JULGAMENTO DE MÉRITO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO. REJEITADA. DIREITO À EDUCAÇÃO. ADOLESCENTE DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TEA. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL ESPECIALIZADO NO HORÁRIO ESCOLAR. ARTIGO 208 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ART. 3°, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI N° 12.764/2012. AUSENTES OS REQUISITOS LEGAIS DO ART. 300 DO CPC. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO, PORÉM IMPROVIDO. À UNANIMIDADE.
1 - O acesso à educação especificamente dos portadores de deficiência física, o inciso III do art. 208 da CF/88 estabeleceu que é dever do Estado fornecer atendimento especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
2 – No caso, constitui dever do Estado, em sua ampla acepção, de assegurar à pessoa com transtorno do espectro autista a frequência a sistema educacional inclusivo, com a presença de mediador, ou seja, será assegurado o acompanhamento especializado visando facilitar o acesso à educação, na forma do art. 3º, parágrafo único, da Lei 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro.
3. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO, PORÉM IMPROVIDO, À UNANIMIDADE, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. ACÓRDÃO Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Público, por unanimidade, em CONHECER DO RECURSO, PORÉM NEGAR-LHE PROVIMENTO, tudo nos termos do voto da Desembargadora Relatora (TJ-PA, 2019) (Grifo Nosso).
Por fim, é importante salientar que a garantia de ensino das pessoas com TEA encontra-se previsto no art. 3º, inciso IV, alínea “a”, da Lei 12.764/2012, que versa o seguinte: “São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: [...] IV - o acesso: a) à educação e ao ensino profissionalizante”. Dessa forma, não poderão os municípios e estados negarem-se a oferecer essa garantia prevista tanto na legislação, quanto na Constituição Federal.
3.4 Do direito ao emprego
O reconhecimento da necessidade inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho se deu através de longas discussões, no cenário nacional e internacional a respeito de tal fato. Neste sentido, pode-se dizer que a Recomendação nº 22, de 1925, da Organização Mundial do Trabalho (OIT), teve papel fundamental no ponta pé inicial para a referida discussão.
Foram diversas as recomendações expostas pela OIT no que concerne a inclusão do deficiente no mercado de trabalho, porém, uma que ficou mais evidente no ramo internacional foi a Recomendação nº 99, de 1955, a qual apresentava propostas pós guerra, postulado pela necessidade das ações afirmativas na inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho no cenário global.
[...] a OIT evidencia a necessidade de medidas práticas de integração das pessoas portadoras de deficiência ao mercado de trabalho, assegurando a todos os indivíduos com limitações, qualquer que tenha sido a origem, o direito aos meios de reabilitação profissional (FILHO, 2005, p. 499).
No âmbito nacional, é sabido que já existem diversas leis que regulamentam tal fato, onde, a priori, pode-se citar a Constituição da República de 1988, que em seu artigo 37, inciso VIII, garante que serão destinadas vagas em empregos públicos às pessoas com necessidades especiais.
Além da CF/88, a garantia de vagas destinadas as pessoas com deficiência são firmadas pela Lei nº 9.508/2018, que expõe acerca da reserva das referidas vagas na esfera pública de modo geral com destinação a estas pessoas, conforme aponta o artigo 1º da referida lei:
Art. 1º Fica assegurado à pessoa com deficiência o direito de se inscrever, no âmbito da administração pública federal direta e indireta e em igualdade de oportunidade com os demais candidatos, nas seguintes seleções:
I - em concurso público para o provimento de cargos efetivos e de empregos públicos; e
II - em processos seletivos para a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, de que trata a Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993.
§ 1º Ficam reservadas às pessoas com deficiência, no mínimo, cinco por cento das vagas oferecidas para o provimento de cargos efetivos e para a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, no âmbito da administração pública federal direta e indireta.
§ 2º Ficam reservadas às pessoas com deficiência os percentuais de cargos de que trata o art. 93 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, às empresas públicas e às sociedades de economia mista.
§ 3º Na hipótese de o quantitativo a que se referem os § 1º e § 2º resultar em número fracionado, este será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente.
§ 4º A reserva do percentual de vagas a que se referem os § 1º e § 2º observará as seguintes disposições:
I - na hipótese de concurso público ou de processo seletivo regionalizado ou estruturado por especialidade, o percentual mínimo de reserva será aplicado ao total das vagas do edital, ressalvados os casos em que seja demonstrado que a aplicação regionalizada ou por especialidade não implicará em redução do número de vagas destinadas às pessoas com deficiência; e
II - o percentual mínimo de reserva será observado na hipótese de aproveitamento de vagas remanescentes e na formação de cadastro de reserva.
§ 5º As vagas reservadas às pessoas com deficiência nos termos do disposto neste artigo poderão ser ocupadas por candidatos sem deficiência na hipótese de não haver inscrição ou aprovação de candidatos com deficiência no concurso público ou no processo seletivo de que trata a Lei nº 8.745, de 1993 (Grifo Nosso).
No ademais, ainda é possível observar que em âmbito federal, através da Lei nº 8.112/1990, também há previsão de vagas destinadas as pessoas com deficiência, conforme expõe o artigo 5º, §2º, da referida Lei Federal:
Art. 5º São requisitos básicos para investidura em cargo público:
[...]
§2º Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.
Já no setor privado, a previsão legal para a garantia de emprego veio através da Lei nº 8.213/1991, que em seu artigo 93, a qual estabelece que as empresas do ramo privado deverão ofertar vagas destinadas as pessoas portadoras de deficiência da seguinte forma:
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I - até 200 empregados................................................................................2%;
II - de 201 a 500...........................................................................................3%;
III - de 501 a 1.000.......................................................................................4%;
IV - de 1.001 em diante. ..............................................................................5%.
Em relação as pessoas com transtorno de espectro autista, apesar de já garantida a inclusão no mercado de trabalho pelas leis supracitadas, é notado que a Lei nº 12.764/2012 trouxe em seu texto a garantia específica também, a fim de garantir em sua integralidade o direito a estas pessoas. Neste sentido, versa o art. 3º, inciso IV, alínea “c”, “São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: [...] IV - o acesso: [...] c) ao mercado de trabalho”.
Assim sendo, é firme o entendimento que a pessoa com necessidades especiais, incluindo o autista, deve ter assegurado pelo Estado o direito ao trabalho digno, sem discriminação de qualquer cunho, visando incluir estes no meio social.
4.Políticas Públicas que visam a melhor aplicação do direito à educação
Conforme os apontamentos supracitados, o Estado, por meio das políticas públicas e da criação de leis específicas, assegurou diversos direitos e garantias para as pessoas com Transtorno de Espectro Autista. Porém, dessas garantias, a que se refere à educação tende a não se firmar em sua íntegra, tendo em vista a falta de implementação de infraestrutura necessária nas instituições de ensino, e o treinamento dos profissionais de educação para tratarem do caso em questão.
Não obstante a isso, ainda é observado que a sociedade, em sua maioria, ainda tende a não ter uma boa aceitação daqueles que são considerados como “diferentes” do padrão convencional, razão esta que dificulta ainda mais a implementação das garantias de ensino das pessoas especiais no ensino básico nacional.
Nesta premissa, como já abordado, é dever do Estado buscar pela a solução do referido problema, de modo que deverá fazer uma melhor aplicação das políticas públicas para incluir os autistas em instituições de ensino, com todo o aparato necessário para o desenvolvimento deste, tendo como foco a premissa da dignidade dos indivíduos.
Dessa forma, é certo que o Estado pleiteie por tais garantias às pessoas com TEA para conseguiram ter um bom desenvolvimento social, tendo em vista que o meio educacional é fundamental no ponto do crescimento psicossocial, proporcionando a estas pessoas uma abordagem diferente do mundo em que vivem.
Diante do que foi exposto na presente pesquisa, percebe-se que o Estado busca de diversas maneiras assegurar os direitos e garantias das pessoas com Transtorno de Espectro Autista, enquadrando estes em sistemas igualitários de saúde, educação e carreira profissional.
Neste contexto, ficou perceptível que não basta somente o Estado criar leis que assegurem os direitos destas pessoas, também é dever da sociedade acolhê-las e garanti-las melhores condições de vida em convívio, sem que haja discriminação com estes no meio social. Assim, a sociedade e o Estado devem trabalhar em conjunto para garantir melhores garantias para as pessoas com TEA, a fim de incluí-las de forma correta no convívio social, garantindo o direito previsto no art. 1º, III, e art. 5º, caput, da CF/88.
Porém, é sabido que, mesmo com as propostas do Estado em garantir a inclusão social digna para estas pessoas, ainda ocorrem casos ondem sofrem determinados preconceitos por parte da sociedade, ou e até mesmo, em alguns casos, de entes da federação.
Dito isso, é notório que o Estado, como guardião das pessoas, deve intervir de melhor forma nos direitos que são relacionados a educação dos indivíduos com TEA, pois apesar de já existirem leis que regulamentem a interação destes, sua efetivação não se encontra firmada na prática. Para que haja a efetivação de tais leis, a solução óbvia é a criação de novas Políticas Públicas de interação, firmando o dever da sociedade em acolher estas pessoas como parte comum da comunidade, sem sofrerem qualquer tipo de discriminação enquanto estiverem no seu desenvolvimento estudantil.
Não obstante a isto, é necessário também que os profissionais da área da educação tenham melhor formação para tratar dos casos de pessoas com TEA, já que a maioria não tem efetivado a inclusão no meio educacional destas pessoas.
Portanto, fica demonstrado pelo levantamento de dados o quão necessário é a implementação de medidas que façam efeito na vida desta parte da sociedade, haja vista que conforme aponta o art. 5º da Constituição Federal, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
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Graduando em Direito ; Servidor Público do TRT 14ª Região;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GUERRA, Paulo Rocha Gomes. A inclusão social das pessoas com transtorno do espectro autista: direitos e garantias Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2020, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54829/a-incluso-social-das-pessoas-com-transtorno-do-espectro-autista-direitos-e-garantias. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
Por: Elisa Maria Ferreira da Silva
Por: Hannah Sayuri Kamogari Baldan
Por: Arlan Marcos Lima Sousa
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