RESUMO: Este artigo visa tratar de uma questão que vem sendo bastante discutida nesses tempos de pandemia: o direito à liberdade de locomoção. Diante de um cenário em que os desafios são muito grandes por haver um alto risco de contágio, embates estão surgindo sobre a hipótese de se ao exercer o direito de ir e vir seria ou não assumir o direito/risco/crime de estar sujeito a transmitir uma doença que pode ser letal. O objetivo é demonstrar que nenhum direito é absoluto e que um direito pode e deve ser limitado diante do risco a outro bem maior, no caso, a vida. Sendo assim, este debate ganha importância devido a toda manifestação contrária vivida pelo atual governo e seus ministérios relativo a qual direito deve-se priorizar, contribuindo com o desenvolvimento e amadurecimento social, uma vez que visa esclarecer que nenhum direito prevalece a outro, ou seja, nenhum direito é absoluto. Para esta discussão, será utilizado a metodologia bibliográfica, utilizando-se o texto constitucional, assim como serão expostos fundamentos de alguns teóricos e estudiosos a fim de enriquecer tal sustentação.
Palavras-chave: Direito à liberdade de locomoção – Direito à vida – Coronavírus.
ABSTRACT: This article aims to address an issue that has been widely discussed in these pandemic times: the right to freedom of movement. Faced with a scenario in which the challenges are very great because there is a high risk of contagion, clashes are arising about the hypothesis of whether or not to exercise the right to come and go would be assuming the right / risk / crime of being subject to transmit a disease that can be lethal. The objective is to demonstrate that no right is absolute and that a right can and should be limited in the face of risk to another, much greater, in this case, life. Thus, this debate gains importance due to all the contrary manifestation experienced by the current government and its ministries regarding which right should be prioritized, contributing to the development and social maturation, since it aims to clarify that no right prevails over another, that is , no right is absolute. For this discussion, the bibliographic methodology will be used, using the constitutional text, as well as the foundations of some theorists and scholars will be exposed in order to enrich this support.
Keywords: Right to freedom of movement - Right to life - Coronavirus.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Direitos fundamentais: direito à vida x direito à liberdade de locomoção. 3. Conclusão. 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Recentemente, vivencia-se um grande momento histórico: o caos mundial instalado pelo COVID-19, que atacou demasiadamente povos e governos. Uma onda de devastação causada por um vírus que se originou na Ásia, ascendeu-se na Europa, e alcançou a América causando destruições em forte escala.
Trata-se de uma situação inesperada que gerou uma grande insegurança para grande parte das pessoas. Surgiram diversas dúvidas sobre como (re)agir frente a um inimigo que não se pode enxergar. Esse momento força a entender que nada é permanente, que nada dura para sempre, e que aquele que consegue se (re)adaptar com mais facilidade, sairá com mais rapidez e com menos estrago dessa, e de qualquer outra, crise. O segredo está em perceber rapidamente o que está acontecendo a fim de que alguma atitude positiva seja tomada em seguida para que os caminhos, as vidas, continuem a percorrer.
Diante desse cenário, deparamo-nos frente à incertezas e supostas verdades absolutas em todas as áreas científicas. Entram em conflito direitos e deveres, direitos coletivos e direitos individuais, ciência contra achismos e verdades infundadas, vida e economia. Dentre todo esse conflito, o que deve prevalecer?
Este artigo tem como finalidade tratar da área jurídica e debater acerca do que deve prevalecer quando há conflitos de direitos fundamentais. Mostrando se o embate que desencadeia o direito à liberdade de locomoção e o direito à vida é solucionado de forma que priorize apenas um desses direitos.
Tal pesquisa pretende contribuir com o desenvolvimento e amadurecimento social, uma vez que visa esclarecer que nenhum direito prevalece ao outro, ou seja, nenhum direito é absoluto. Visa esclarecer que um direito pode e deve ser limitado diante de outro bem maior, a vida.
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO À VIDA X DIREITO À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO
Os direitos fundamentais são aqueles inerentes a pessoa humana, que garante a mínima condição de ser humano. Há algumas divergências terminológicas quanto à distinção entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, em que o primeiro estaria ligado aos direitos em âmbito internacional, enquanto o segundo estaria ligado aos direitos garantidos pelo ordenamento nacional. Tal discussão não vem ao caso.
Contudo, ficar-se-á com a definição de João Trindade Filho[1]:
[...] poderíamos definir os direitos fundamentais como os direitos considerados básicos para qualquer ser humano, independentemente de condições pessoais específicas. São direitos que compõem um núcleo intangível de direitos dos seres humanos submetidos a uma determinada ordem jurídica. (FILHO, p. 06).
A partir desse entendimento, verifica-se que, num plano geral, Direitos Fundamentais são aqueles básicos à subsistência de todo e qualquer ser humano. Diante do entendimento apresentado, segue-se com a aplicação dos Direitos Fundamentais em ordenamento jurídico pátrio.
Tem-se, então, que todos são detentores de direitos! Tal premissa está garantida sem distinção no art. 5º da Constituição Federal/88[2] “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.” Se todos têm direitos iguais, qual deve prevalecer frente à circunstância causada pela atual pandemia?
Ao adentrar no estudo do direito, entende-se e tem-se claro que o direito de um termina quando/onde o direito do outro começa. O direito coletivo sobrepõe-se a direitos individuais, tal como orienta o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado. Isto posto, verifica-se que nenhum direito é absoluto.
Sendo assim, torna-se ilógica a discussão que surgida nos últimos dias acerca de se pode usufruir do direito à liberdade de locomoção como bem entender, negando a existência de juízos de valores.
Não é assim que o direito funciona, isso não é agir/pensar em coletividade como propõe as teorias do Contrato Social sugeridas por Rousseau[3]. Este renomado teórico defendia que era necessário
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça portanto senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente. Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social. (ROUSSEAU, p. 9-10).
Baseando-se na ideia de Rousseau, compreende-se que para que todos sejam livres, todos devem obedecer a um sistema de normas respeitando os direitos de cada indivíduo a título de que seu próprio direito também seja respeitado. Ainda sobre essa concepção tem-se que
Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supremo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível do todo.
Logo, ao invés da pessoa particular de cada contratante, esse ato de associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto a assembléia de vozes, o qual recebe desse mesmo ato sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. A pessoa pública, formada assim pela união de todas as outras, tomava outrora o nome de cidade (3), e toma hoje o de república ou corpo político, o qual é chamado por seus membros: Estado, quando é passivo; soberano, quando é ativo; autoridade, quando comparado a seus semelhantes. No que concerne aos associados, adquirem coletivamente o nome de povo, e se chamam particularmente cidadãos, na qualidade de participantes na autoridade soberana, e vassalos, quando sujeitos às leis do Estado. Todavia, esses termos freqüentemente se confundem e são tomados um pelo outro. É suficiente saber distingui-los, quando empregados em toda a sua precisão. (ROUSSEAU, p. 10).
Diante dessa noção de contrato social, e do norte direcionado pelo Princípio Administrativo da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado, entende-se que para uma boa gestão de governo, deve-se saber balancear os direitos que se encontram em conflito, guiando-se ainda pelos Princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade.
Adentrando nos Direitos Fundamentais, tratar-se-á de dois dos direitos que estão sendo colocados em confronto: o direito à vida e o direito à liberdade de locomoção.
Sobre o direito à vida, tem-se que este o é nosso bem maior. Tanto é que no Texto Magno, em seu art. 5º, anteriormente citado, vem à frente do direito à liberdade. No entanto, partindo da premissa de que o direito de um termina onde o do outro começa, se o direito à liberdade desse um coloca em risco o direito à vida – nosso bem maior – desse outro, o primeiro não deve prevalecer sobre o segundo.
Segundo Pedro Lenza[4], “o direito à vida, previsto de forma genérica no art. 5º, caput, abrange tanto o direito de não ser morto, de não ser privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna”.
No que se diz respeito ao direito de liberdade de locomoção, Lenza também fundamenta que, conforme previsto no art. 5º, incisos XV e LXI da Constituição, “a locomoção no território nacional em tempos de paz é livre”[5], e ainda que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente.”[6].
Isso mostra que por não se estar em tempos de paz, uma vez que a pandemia gera uma situação de crise e conturbações, tendo sido declarada situação de Calamidade Pública por diversos estados federativos, a privação à liberdade está mais do que amparada Constitucionalmente, até mesmo em virtude das ordens judiciais que vêm sendo preconizadas nesses últimos dias.
E sobre este tema, tem-se ainda, de acordo com Carlos augusto Gonçalves Moreira[7], que numa Federação em que há a divisão de poderes, o poder responsável por dissipar conflitos de direitos é o Poder Judiciário. Portanto, não cabe ao Poder Executivo querer impor medidas para fazer valer o direito à liberdade de locomoção.
Contudo, entende-se que, se o direito à liberdade, individual, coloca em risco o direito à vida de uma população, direito coletivo, é equivocado querer que o direito à liberdade de locomoção prevaleça. Querer sobrepor o direito à liberdade de locomoção de alguns sobre o direito à vida de uma variedade maior é inidôneo, vai contra toda a ideia de Contrato Social.
De acordo com Adrualdo Catão[8], “Quando a falta desse tipo de ação leva à perda do bem maior (o velho e bom direito à vida. Lembra dele? Aquele de ‘primeira geração’) é sim defensável a restrição PROPORCIONAL e TEMPORÁRIA das liberdades.”. O que reafirma que não é ilícito limitar um direito em prol de outro, desde que se esteja aplicando a proporcionalidade e razoabilidade, e que um direito coletivo está em conflito com algum direito individual.
3. CONCLUSÃO
Diante de todo estudo apresentado, tendo-se exposto do que se trata os direitos fundamentais, debatendo-se acerca do direito à vida e do direito à liberdade de locomoção, discorrendo-se sobre como deve-se dirimir um conflito de direitos, e demonstrando a função desempenhada aos poderes, entende-se que quem, ainda assim, defende a liberdade de locomoção sobre o prisma de que está fazendo valer o seu próprio direito, indo contra e colocando em risco todos os outros direitos de variedade maior de cidadãos, “não entendeu nada sobre liberdade”[9].
4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. [Constituição Federal (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 1 jun. 2020.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 6. Ed. ver. ampl. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2019.
CATÃO, Adrualdo. Maceió, 09 maio de 2020. Instagran: @adrualdocatão. Acesso em: 9 maio 2020.
FILHO, João Trindade Cavalcante. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Portal da TV Justiça. Disponível em: http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalTvJustica/portalTvJusticaNoticia/anexo/Joao_Trindadade__Teoria_Geral_dos_direitos_fundamentais.pdf. Acesso em: 03 jun. 2020.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 23. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
MOREIRA, Carlos Augusto Gonçalves. A colisão entre direitos fundamentais e formas de solucionar a questão juridicamente. Revista Âmbito Jurídico. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/a-colisao-entre-direitos-fundamentais-e-formas-de-solucionar-a-questao-juridicamente/. Acesso em 03 jun. 2020.
PATRIOTA, Caio César Soares Ribeiro. O princípio da supremacia do interesse público. Jusbrasil. Disponível em: https://caiopatriotaadvocacia.jusbrasil.com.br/artigos/433296963/o-principio-da-supremacia-do-interesse-publico#:~:text=O%20princ%C3%ADpio%20da%20supremacia%20do%20interesse%20p%C3%BAblico%20sobre%20o%20privado,explicitamente%20previstas%20em%20norma%20jur%C3%ADdica.&text=A%20ess%C3%AAncia%20desse%20princ%C3%ADpio%20est%C3%A1,voltada%20aos%20interesses%20da%20coletividade. Acesso em 03 jun. 2020.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Edição eletrônica: Ed Ridendo Castigat Mores (www.jahr.org). Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_rousseau_contrato_social.pdf. Acesso em: 01 jun. 2020.
[1] FILHO, João Trindade Cavalcante. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais.
[2] BRASIL. [Constituição Federal (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF.
[3] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Edição eletrônica.
[4] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 2019, p. 1.168.
[5] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 2019, p. 1.224.
[6] Ibidem.
[7] MOREIRA, Carlos Augusto Gonçalves. A colisão entre direitos fundamentais e formas de solucionar a questão juridicamente. Revista Âmbito Jurídico.
[8] CATÃO, Adrualdo. Instagran: @adrualdocatão.
[9] CATÃO, Adrualdo. Instagran: @adrualdocatão.
Advogada. Especialista em Estudos Linguísticos e Literários - UFBA. Licenciada em Letras (Português/ Literaturas de Língua Portuguesa) - UNESA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Tatiane Cabreira. Direito à liberdade de locomoção X Direito à vida em tempos de Coronavírus. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jul 2020, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54864/direito-liberdade-de-locomoo-x-direito-vida-em-tempos-de-coronavrus. Acesso em: 22 nov 2024.
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