INGO DIETER PIE TZSCH[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como ideia principal identificar os principais aspectos controvertidos da cobrança do IPVA. Apresenta-se também o conceito, competência, lançamento, pagamento, fato gerador, alíquota acerca desse imposto. Como metodologia para atingir ao objetivo proposto, adotou-se a pesquisa bibliográfica, de caráter exploratório e descritivo, com base em artigos, doutrinas e jurisprudências que tratam sobre a temática. Conclui-se o principal debate está em que o IPVA não possui uma legislação única no âmbito nacional. Algumas características fortes puderam ser percebidas, principalmente diante da falta de lei complementar que o institua com poderes de forma igualitária. Outros argumentos dos operadores do direito é de que o IPVA seria uma cobrança indevida em razão dos automóveis já serem tributados como bens de consumo pelo ICMS e pelo IPI; outro ponto é a comparação entre propriedade de veículos e imóveis e a bitributação.
Palavras-chave: Tributos; IPVA; Lei complementar.
ABSTRACT: The main idea of this article is to identify the main controversial aspects of the collection of IPVA. The concept, competence, launching, payment, taxable event, rate on this tax is also presented. As a methodology to achieve the proposed objective, bibliographic research was adopted, with an exploratory and descriptive character, based on articles, doctrines and jurisprudence dealing with the theme. The main debate is that the IPVA does not have a single national legislation. Some strong characteristics could be perceived, mainly due to the lack of complementary law that institutes it with equal powers. Other arguments of the operators of the law are that the IPVA would be an undue charge because the cars are already taxed as consumer goods by ICMS and IPI; another point is the comparison between vehicle and real estate ownership and double taxation.
Keywords: Taxes; IPVA; Complementary law.
1 INTRODUÇÃO
Todos os anos há uma discussão crescente acerca da cobrança e pagamento do IPVA, fato que culminou no interesse por discutir a presente temática. As competências tributárias foram distribuídas pela Constituição entre os entes políticos que constituem a Federação, e tais competências consistem na aptidão de que são dotados estes entes para expedir regras jurídicas tributárias, inovando o ordenamento positivo. No campo da competência tributária destacam-se as normas instituídas pelas pessoas políticas que tratam da incidência fiscal, pois visam tais normas jurídicas regular a principal figura do Direito Tributário, de enorme relevância para o Poder Público: os impostos.
O IPVA é um tributo que incide sobre a propriedade de veículos automotores, qualquer que seja a sua natureza e que alcança, portanto, veículos rodoviários, aeroviários e aquaviários (marítimos fluviais e lacustres). Cobrado anualmente pelos Estados e pelo Distrito Federal, não tem relação direta com prestação de serviço (asfalto em ruas, colocação de sinais etc.) como tinha a antiga Taxa Rodoviária Única, que era recolhida com o objetivo de fazer os motoristas pagarem pelo uso e manutenção das rodovias. Aliás, esta é a característica essencial de todo imposto: é uma receita da União, Estados ou Municípios, utilizada para as despesas normais da administração, tais como, educação, saúde, segurança, saneamento etc.
Registre-se que a propriedade do veículo automotor é comprovada por meio do documento de propriedade emitido pelo Departamento de Trânsito (DETRAN) de cada Estado e que a incidência de tal imposto se dá a partir da emissão do documento comprovante da propriedade que está no seu conteúdo, ou seja, quando o veículo é pela primeira vez vendido, não incidindo o imposto, todavia, enquanto estiver na fábrica ou na concessionária para ser vendido ao primeiro proprietário.
O IPVA surgiu através da Emenda Constitucional nº. 27, de 28.11.1985, que atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal competência para instituir imposto sobre propriedade de veículos automotores vedando a cobrança de impostos ou taxas incidentes sobre a utilização de veículos, dispositivo esse ratificado pelo art. 155 da CF/88. Ressalte-se que não permaneceu no dispositivo constitucional a vedação à cobrança de impostos ou taxas incidentes sobre a utilização de veículos.
O objetivo geral proposto para este trabalho é identificar os principais aspectos controvertidos da cobrança do IPVA. Primeiramente, apresentam-se os aspectos gerais do referido imposto para posteriormente abranger os pontos mais polêmicos. Para a evolução deste trabalho, adotou-se o método dedutivo, procedimento de caráter exploratório e pesquisa bibliográfica.
2 IPVA: ASPECTOS GERAIS
Destaca-se que para melhor elucidar o conceito de imposto sobre propriedade de veículos automotores – IPVA é necessário dividi-lo nas seguintes partes: imposto, propriedade e veículos automotores.
Desta forma, o próprio Código Tributário Nacional (CTN) em seu art. 16 estabelece que “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte” (BRASIL, 1966).
Baleeiro (2018, p. 197) coloca que:
Imposto é a prestação de dinheiro que, para fins de interesse coletivo, uma pessoa jurídica de Direito Público, por lei, exige coativamente de quantos lhe estão sujeitos e têm capacidade contributiva, sem que lhes assegure qualquer vantagem ou serviço específico em retribuição desse pagamento.
Machado (2016, p. 252) ensina ainda que:
Em se tratando de imposto, a situação prevista em lei como necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária não se vincula a nenhuma atividade específica do Estado relativa ao contribuinte. Assim, quando o Estado cobra o imposto de renda, por exemplo, toma em consideração, exclusivamente, o fato de alguém auferir renda. Não importa que o Estado tenha ou não prestado algum serviço, executado alguma obra, ou desenvolvido alguma atividade relacionada com aquele de quem vai cobrar imposto.
O exame das várias hipóteses de incidência de impostos deixa evidente que em nenhuma delas está presente a atuação estatal. Pelo contrário, em todas elas a situação descrita pela lei como necessária e suficiente ao surgimento da obrigação tributária é sempre relacionada ao agir ou ao ter, do contribuinte, e inteiramente alheia ao agir do Estado.
Em síntese verifica-se que o imposto é “uma espécie de tributo e como tal não exige uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte” (MACHADO, 2016, p. 252).
A propriedade é definida por Pasquale (2019, p. 475) como sendo “aquilo que é próprio de alguma coisa; o que a distingue particularmente de outra do mesmo gênero.” Martins (2017, p. 01) define a propriedade como “o mais amplo dos direitos reais, envolvendo a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”
Sobre a propriedade o Código Civil Brasileiro em seu art. 1.228 estabelece que “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (BRASIL, 2002).
Já os veículos automotores são definidos pelo Anexo I do CTN como sendo:
Todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico). (BRASIL, 1997)
O imposto sobre propriedade de veículos automotores – IPVA surgiu no ordenamento jurídico brasileiro com o advento da Emenda Constitucional nº 27 de 28 de novembro de 1985, à Constituição de 1967.
Vislumbra-se na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 155, inciso III, que compete aos Estados e ao Distrito Federal, instituir impostos sobre a propriedade de veículos automotores. Esta instituição, porém, carece de Lei Complementar, pois manteve-o na esfera de competência dos Estados e do Distrito Federal. Contudo, pela carência de disciplina específica no Código Tributário Nacional, ficou obscura a questão de exigência prévia de Lei Complementar para sua instituição.
Revela-se, conforme salienta Alexandre (2017, p. 191) que “a Constituição Federal não cria tributos, apenas concede a competência para que os entes políticos o façam por intermédio de leis próprias”.
O autor supracitado ensina ainda que a competência tributária como sendo “o poder constitucionalmente atribuído de editar leis que instituam tributos” (ALEXANDRE, 2017, p. 191).
Já Alexandrino e Paulo (2015, p. 02) definem a competência tributária como sendo: “Atribuição ou o poder, diretamente haurido da Constituição, para editar leis que abstratamente instituam tributos”. Somente têm competência tributária no Brasil as pessoas que possuem capacidade para legislar, ou seja, as denominadas pessoas políticas ou entes federados: União, estados, DF e municípios.
Machado (2016, p. 60) ensina que:
O instrumento de atribuição de competência é a Constituição Federal, pois, como se disse, a atribuição de competência tributária faz parte da própria organização jurídica do Estado. Evidentemente só às pessoas jurídicas de Direito Público, dotadas de poder legislativo, pode ser atribuída competência tributária, posto que tal competência somente pode ser exercida através da lei.
Em síntese, as pessoas políticas que compõem a Federação recebem diretamente da Constituição, e somente dela, suas parcelas do poder fiscal. Assim, “a própria Constituição é que determina a competência tributária de cada uma” (PAULSEN, 2017, p. 35).
Oportuno salientar que cada ente decide, de acordo com seus critérios de oportunidade e conveniência política, e, principalmente, econômica, sobre o exercício da competência tributária, ou seja, o exercício do poder atribuído é uma faculdade e não uma imposição constitucional (ALEXANDRE, 2017, p. 191).
O imposto sobre propriedade de veículos automotores – IPVA está regulamentado no art. 155 da Constituição Federal de 1988, que assim define:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
III - propriedade de veículos automotores.
Verifica-se que o IPVA é um imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal, tanto a instituição quanto a cobrança.
Em matéria tributária, cumpre frisar que compete a União editar normas gerais de observância para todos os entes tributantes, restando aos Estados e ao Distrito Federal a competência suplementar, conforme se observa no art. 146 da CF, in verbis:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; [...] (BRASIL, 1988)
A ocorrência do fato imponível dá ensejo ao nascimento à obrigação tributária. A partir daí, o ato pelo qual o sujeito ativo (credor), efetiva o ato formal que está previsto em lei, para a determinação do tributo, cientificando o sujeito passivo da obrigação tributária que existe contra ele, damos o nome de lançamento.
Carvalho (2016, p. 458) define o lançamento tributário como:
O ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.
O conceito de lançamento tributário está disposto no CTN, na parte final do art. 3º e, ainda, em seu art. 142.
Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.
Para Becker (2015) o lançamento tributário consiste na série de atos psicológicos e materiais e/ou jurídicos praticados pelo sujeito passivo (contribuinte) ou pelo sujeito ativo (Estado) da relação jurídica tributária ou por ambos, ou por um terceiro, com a finalidade de investigando e analisando fatos pretéritos: a) constatar a realização da hipótese de incidência e a incidência infalível (automática) da regra jurídica tributária que ocorreu no momento em que aquela sua hipótese de incidência se realizou; b) captar o fato que realizou o núcleo (base de cálculo) daquela hipótese de incidência e que já estava predeterminado pela regra jurídica ao indicar a base de cálculo do tributo; c) proceder a transfiguração daquele núcleo (base de cálculo) em uma cifra aritmética, mediante aplicação do método de conversão (peso, medida ou valor) já preestabelecido pela regra jurídica; d) calcular a quantidade aritmética do tributo, mediante a aplicação da alíquota (que fora prefixada pela regra jurídica) sobre o núcleo da hipótese de incidência (base de cálculo) agora já transfigurado numa cifra aritmética.
Conforme menciona Machado (2016), em regra, dá-se o pagamento do IPVA, no dia 1º de janeiro de cada ano, momento este, que ocorre o fato imponível da obrigação tributária. Será efetivado, a partir das formas estabelecidas pelas Fazendas Estaduais, podendo ser estabelecido parcelamento, escalonamento conforme o final da placa do veículo, como também, descontos com pagamentos à vista, sendo o pagamento anual e recolhido diretamente pelo contribuinte (lançamento por homologação). Já em relação a veículos novos, será devido proporcionalmente ao tempo restante entre a ocorrência e o fim do exercício financeiro.
Vale ressaltar ainda, que o pagamento deverá ser efetuado no local em que encontrar-se registrado o veículo, não podendo também, ocorrer distinções quanto à origem do veículo.
Antes de adentrar no estudo do fato gerador, importante realizar uma breve menção à hipótese de incidência que segundo Ataliba (2018, p. 58) é primeiramente “a descrição legal de um fato: é a formulação hipotética, prévia e genérica, contida na lei, de um fato (é o espelho do fato, a imagem conceitual de um fato; é seu desenho).”
Conforme o autor supracitado, a hipótese de incidência é necessariamente abstrata, está formulada pelo legislador fazendo abstração de um fato concreto qualquer. Por isso que é mera “previsão legal”, ou seja, a lei é, por definição, abstrata, impessoal e geral (ATALIBA, 2018, p. 58).
Paulsen (2017, p. 911) afirma também que “A hipótese de incidência, corresponde à previsão em lei, abstrata, da situação que implica a incidência da norma tributária.”
Por outro lado, para surgir à relação tributária, como qualquer outra relação jurídica, “é necessária a ocorrência de um fato previsto em uma norma como capaz de produzir esse efeito” (MACHADO, 2016, p. 149).
O fato gerador é a materialização da hipótese de incidência no plano fático, ou seja, a situação fática, quando corresponde à hipótese de incidência prevista na norma tributária, chama-se fato gerador, pois, “ao sofrer a incidência da norma, dá origem à obrigação tributária” (PAULSEN, 2017, p. 911).
Machado (2016, p. 149) esclarece que:
A lei descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. Ocorrido o fato, que em Direito Tributário denomina-se fato gerador, ou fato imponível, nasce a relação tributária, que compreende do dever de alguém (sujeito passivo da obrigação tributária) e o direito de Estado (sujeito ativo da obrigação tributária).
Falcão (2016, p. 26) conceitua o fato gerador como sendo “o fato, o conjunto de fatos ou o estado de fato, a que o legislador vincula o nascimento da obrigação jurídica de pagar um tributo determinado.”
Machado (2016, p. 319) assevera ainda que:
O acontecimento do denominado fato gerador do tributo faz nascer a relação jurídica tributária, vinculando o sujeito passivo ao sujeito ativo. Como acontece em todo o Direito, o acontecimento do fato que constitui a hipótese normativa faz nascer uma relação jurídica vinculando dois sujeitos, vale dizer, vinculando alguém para quem nasce um dever jurídico a outrem para quem nasce um direito subjetivo.
Com isso, pode-se notar que a hipótese de incidência aponta a descrição, contida na lei, da situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, enquanto a expressão fato gerador descreve a ocorrência, no mundo dos fatos, daquilo que está descrito na lei. Portanto, a hipótese é simples descrição ou previsão, enquanto o fato é a concretização da hipótese ou o acontecimento do que fora previsto.
Frisa-se que são dois momentos distintos: o primeiro é aquele em que o legislador descreve a situação considerada necessária e suficiente ao surgimento da obrigação tributária e o segundo momento é o da concretização daquela situação legalmente descrita (MACHADO, 2016, p. 156-57).
O art. 114 do Código Tributário Nacional menciona que “Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.” (BRASIL, 1966)
Assim, segundo Machado (2016, p. 319) “O fato gerador da obrigação principal é a situação prevista em lei como necessária e suficiente para fazer nascer o dever de pagar um tributo ou uma penalidade pecuniária.”
Alexandre (2017, p. 563) também leciona que a hipótese de incidência do IPVA é a de “encontrar-se alguém na situação de proprietário de veículo automotor na data em que a lei considera efetivamente verificada a ocorrência do fato gerador do tributo.”
Machado (2016, p. 405) ensina que:
O fato gerador do IPVA é a propriedade do veículo automotor. Não é a sujeição ao poder de polícia, como acontecia com a taxa rodoviária única, por ele substituída. Também não é o uso. É pura e simplesmente a propriedade.
O IPVA não é como os impostos de ICMS e IPI, em que o sinal de riqueza se manifesta por um ato (circular, prestar, serviço, produzir), mas sim por um simples fato: a propriedade (MAMEDE, 2012).
Assim, pode-se afirmar que o fato gerador do IPVA se consuma com a propriedade do veículo.
O Supremo Tribunal Federal (STF) enfrentou a problemática acerca da possibilidade de incidência do IPVA sobre veículos automotores, ilustrando-se com RE 134.509/AM.
O Recurso Extraordinário 134.509 AM adveio de um mandado de segurança impetrado em face da Fazenda Pública do Estado do Amazonas que pretendia cobrar IPVA dos proprietários de embarcações. A defesa da advocacia tributária privada se pautou na alegação de bitributação, uma vez que já eram cobradas taxas para garantir a licença de trânsito do veículo náutico.
Conforme dispõe o relatório do Min. Marco Aurélio, a Procuradoria do Amazonas ressaltou “o alcance genérico da expressão ‘veículos automotores’, a revelar todo e qualquer veículo terrestre, aéreo, aquático ou anfíbio, dotado de autopropulsão motriz, destinado ao transporte de pessoas ou cargas”. Fora trazida, ainda, alegação de que o imposto não se confundiria com as taxas de licenciamento cobradas pelas repartições de trânsito, como o DETRAN, ou de tráfego aéreo ou marítimo, citando-se o DAC e a Capitania dos Portos. Por fim, a Fazenda Publica Amazonense salientou a feição tipicamente patrimonial do IPVA, mencionando analogamente o IPTU (Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana) (GARCIA, 2013).
Destaque-se que a distinção de alíquotas, feita pelas legislações estaduais para aumentar o valor do imposto em relação aos veículos importados, fere o princípio da isonomia tributária, inserto no art. 150, II, da CF. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consagrou o entendimento de que a distinção de alíquotas fere não só princípio da isonomia, como também o art. 152 da CF, que vede aos Estados, ao DF e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.
Quanto à possibilidade de ter que se pagar dois impostos sobre a propriedade de veículo automotor no mesmo ano sobre o mesmo fato gerador, inexiste essa possibilidade. Não há condições de um veículo que pagou o IPVA num Estado, com a transferência para outro estado e no mesmo exercício, ter que pagar novamente o imposto. Estando este imposto ligado ao local onde esteja registrado o veículo automotor, no caso de aeronave e embarcações, mesmo atuando em território nacional, quando registrada em outro país, parece que há impossibilidade de cobrança desse imposto.
Por fim, cumpre mencionar sobre a constitucionalidade da cobrança da taxa de licenciamento, pois a taxa só pode ser cobrada se houver prestação direta de um serviço ao cidadão, que, no caso da Taxa de licenciamento, seria a inspeção anual do veículo, ademais é vedada a cobrança de impostos ou taxas sobre a utilização de veículos.
3 ASPECTOS CONTROVERSOS E POLÊMICOS ACERCA DO IPVA
Existem diversos pontos de conflito entre as diversas legislações do país que disciplinam o IPVA, principalmente em função da ausência de uma Lei Complementar que estabeleça parâmetros objetivos de observância obrigatória para os Estados e para o Distrito Federal.
Além desta ausência de norma nacional regulamentadora, a doutrina é econômica no que tange à análise do IPVA, com escassas publicações acerca do tema, gerando a falsa impressão de que são poucas as controvérsias que circundam este imposto. O que se percebe, na realidade, é que em todos os critérios da regra-matriz há controvérsias ou questões ainda não definidas por completo. Por exemplo, são temas que ainda hoje geram grande polêmica: a extensão da expressão veículo automotor para efeito de incidência do IPVA, sucessão de contribuintes, seletividade das alíquotas, dentre outros.
Revela-se que no julgamento do RE 379.572, o entendimento histórico da Corte Suprema foi mantido, afastando-se a incidência do IPVA sobre as aeronaves e embarcações. Vencidos no julgamento, os Ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, que defenderam a incidência da referida exação sobre aqueles veículos, por não reconhecerem no sistema constitucional a orientação para o acolhimento do sentido estrito da expressão veículos automotores (GARCIA, 2013).
Os estudos de Pacobahyba e Tomé (2017) revelam que a expressão “tipos de veículos automotores” há de ser empregada em sua máxima amplitude, com vistas a alcançar o maior contorno pretendido pela CF/88. Como exemplo que garante o emprego do tributo para atingir vetores ambientais, por exemplo, tem-se o emprego de alíquotas diferenciadas por conta do tipo de combustível utilizado no veículo, o que permite alguns Estados da federação atribuírem alíquota zero ou isentarem o IPVA de automóveis elétricos, por exemplo. De idêntica forma, respeitando-se a competência dos Estados e do Distrito Federal, não existem motivos no texto constitucional que obstaculizem a utilização de categorias tipológicas que venham a estabelecer alíquotas diferenciadas e, conseguintemente, tratamento tributário diferenciado, a ser modulado conforme valores outros erigidos no mesmo texto, como é o caso da capacidade contributiva.
Outra questão levantada é que os automóveis já são tributados como bens de consumo pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), desta forma, não deveriam ser tributados como se fossem um patrimônio, com a cobrança do IPVA. O objeto de tributação ou é bem de consumo ou não. No entanto, no entendimento de Tomé (2016), o argumento está equivocado. Os automóveis são, ao mesmo tempo, um bem de consumo e um patrimônio do comprador, pois existe um documento que diz quem é o proprietário daquele bem. Por isso, podem ser tributados das duas formas. Tomé ainda afirma que o único imposto cobrado diretamente do dono do veículo é o IPVA. Segundo o autor, o ICMS e o IPI são recolhidos do fabricante e do revendedor. É claro que eles são repassados no preço final, mas não é correto dizer, do ponto de vista tributário, que é o proprietário quem paga esses impostos.
Moraes e Oliveira (2014) evidenciam outro debate: comparação entre a propriedade de veículos e a de imóveis. Segundo os autores, se fosse válido cobrar imposto sobre o consumo de algo que é tributado também como patrimônio, haveria incidência de ICMS e IPI na venda de um imóvel, que é tributado pelo IPTU. Para eles, automóveis e imóveis são coisas diferentes, sendo sujeitos a diferentes regras de tributação. Ressaltam ainda que um imóvel não é considerado mercadoria nem produto industrializado, por isso não incide ICMS ou IPI. Já o automóvel, sim.
Os defensores da tese de ilegalidade do IPVA falam também que ele configura uma suposta bitributação. Em outras palavras, poderia haver questionamento na Justiça de que o contribuinte estaria pagando duas vezes pela mesma coisa. Mas, nesse caso, o que pode haver é uma confusão conceitual (TOMÉ, 2016; MORAES & OLIVEIRA, 2014).
Se faz mister apontar que a bitributação, conforme ensina Paulsen (2017) é quando dois entes arrecadadores – um estado e um município, por exemplo – cobram tributos diferentes sobre o mesmo fato que gera aquela cobrança.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluindo este trabalho realizado sobre os aspectos controversos da cobrança do Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores, pode-se notar que o principal debate está em que o mesmo não possui uma legislação única no âmbito nacional. Algumas características fortes puderam ser percebidas, principalmente diante da falta de lei complementar que o institua com poderes de forma igualitária.
A cobrança do imposto em relação às aeronaves e embarcações é outro motivo de divergências doutrinárias e até mesmo dentro do STF, que ao concluir este estudo, percebem-se grandes discussões futuras a este respeito.
Por fim, o IPVA está presente em nossa legislação, competindo a cada Estado instituir conforme sua vontade perante seus cidadãos, vez que, nota-se também, deformidade entre os Estados diante de sua majoração de cobrança.
Vê-se que é imprescindível a instituição de uma lei complementar para sua cobrança em âmbito nacional, pois só assim, poderia ser feito um pagamento igualitário entre os Estados, sem aumentos exorbitantes de um Estado em relação a outro.
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[1] Orientador do artigo e Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. E-mail: ingo.p[email protected]
Bacharelando pelo Centro Universitário Luterano de Manaus / Ulbra
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Marcelo Kirk Maddy. Aspectos controversos da cobrança do imposto sobre a propriedade de veículos automotores - IPVA Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jul 2020, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54881/aspectos-controversos-da-cobrana-do-imposto-sobre-a-propriedade-de-veculos-automotores-ipva. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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