ARMANDO DE SOUZA NEGRÃO¹
(orientador)
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo apresentar a relevância das normas protetivas relacionadas ao paciente oncológico frente à negligência na assistência dos planos de saúde. Foi elaborado em razão às negativas de cobertura assistencial a pacientes oncológicos fornecida pelas operadoras privadas. Associado a tal problema, o projeto se justifica pelo crescimento da judicialização da saúde no Brasil, fenômeno que vem ganhando notoriedade por emblemar reinvindicações. O propósito metodológico seguiu o tipo descritivo, por análise qualitativa de jurisprudências, julgadas nos anos de 2018 a 2020, com suporte de revisões bibliográficas para enriquecimento da pesquisa.
Palavras-chave: Negligência; Assistência; Oncológico; Código do Consumidor.
ABSTRACT: This article aims to present the relevance of protective norms related to cancer patients in the face of neglect in health care assistance. It was prepared due to the negative coverage of assistance to cancer patients provided by private operators. Associated with this problem, the project is justified by the growth of the judicialization of health in Brazil, a phenomenon that has been gaining notoriety for emblem claims. The methodological purpose followed the descriptive type, by qualitative analysis of jurisprudence, judged in the years 2018 to 2020, with the support of bibliographic reviews to enrich the research.
Keywords: Neglect; Assistance; Oncological; Consumer Code.
Sumário: 1. Introdução - 2. Histórico sobre a saúde suplementar e o CDC (código de defesa do consumidor). 3. Plano de saúde e o atendimento ao paciente oncológico (obrigação, indenização, cobertura). 4. Regulamentações jurídicas: Contratos de Adesão. 5. Análise dos julgados. 6. Considerações Finais. 7. Referências Bibliográficas
1.INTRODUÇÃO
Dentro do cenário capitalista voltado à saúde no país, nota-se a magnitude da relação contratual entre o cidadão e empresas privadas, uma vez que a solidificação dos planos de saúde se deu pela necessidade em complementar e agilizar a assistência aos usuários do SUS. Todavia, verifica-se a frequência de casos envolvendo falhas por parte do contratado no auxílio ao contratante, o que acaba por enfraquecer o pacto e implicar em desfechos deletérios do processo natural de saúde-doença. Além disso, o país é marcado por altos índices de doenças crônicas, como o câncer, que condicionam o paciente a serem assistidos por tempo prolongado, demandando terapêuticas e técnicas atualizadas, e principalmente de um serviço em prontidão. Diante desse contexto, o presente trabalho buscou abordar o funcionamento da saúde suplementar no Brasil para os pacientes oncológicos, enfatizando a valorização do reconhecimento de direitos humanos frente às injúrias à preservação da vida, e da importância ao acesso ao Código de Defesa do Consumidor por essa população.
Para realização do projeto, a fim de alcançar os objetivos propostos, foi feita análise qualitativa de jurisprudências, julgadas nos anos de 2018 a 2020, com suporte de revisões bibliográficas para enriquecimento da pesquisa.
2. HISTÓRICO SOBRE A SAÚDE SUPLEMENTAR E O CDC (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR)
De acordo com os estudos e pesquisas realizadas acerca do Histórico do Plano de Saúde Suplementar, a rede privada voltada à saúde teve início no Brasil no ano de 1960 quando algumas empresas do setor industrial e de serviços começaram a oferecer assistência à saúde aos seus funcionários, sem nenhum tipo de regulação pública. Na década de 1990, criou-se um ambiente favorável no país para a regulação das relações do governo com os agentes do mercado.
Considerando que as entidades começaram a receber um número expressivo de reclamações dos consumidores em relação aos planos privados, iniciaram-se os conflitos entre a sociedade e as empresas de saúde privada. As reivindicações eram pautadas sobre os reajustes das mensalidades, às restrições da assistência, que excluíam doenças e procedimentos, e às cláusulas abusivas dos contratos. Este movimento conduziu a elaboração do Código de Defesa do Consumidor em 1990, que deu origem ao Programa Estadual de Defesa do Consumidor (Procon), como consta no CDC, Art.4, I, II alíneas a e b, III:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas (...); III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
Dentro dessa realidade, o fatídico fenômeno foi apoiado pela Constituição Federal que garante o direito do exercício privado na prestação de saúde à população, que tem direito universal, colocando a União como detentora da responsabilidade de determinar regras na regulação dos serviços.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. (CF,1988)
Sendo assim, a Lei 9.656/1998 dos planos privados de assistência à saúde, sancionada após alguns anos de discussão no Congresso, embasa a Lei 9.961/2000 que gera a Agência Nacional de Saúde Suplementar, a qual foi criada para regular uma atividade privada complexa, inserida num setor essencial que é a saúde, e trazer uma nova dinâmica para esse segmento, contando com uma poderosa ferramenta de ação.
Art. 1o É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro - RJ, prazo de duração indeterminado e atuação em todo o território nacional, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde. Parágrafo único. A natureza de autarquia especial conferida à ANS é caracterizada por autonomia administrativa, financeira, patrimonial e de gestão de recursos humanos, autonomia nas suas decisões técnicas e mandato fixo de seus dirigentes. (LEI No 9.961 DE 28 DE JANEIRO DE 2000.)
A ANS foi implantada a partir de conjunto de políticas formuladas estrategicamente para corrigir as chamadas imperfeições do mercado, fazendo intervenções nas normas das empresas do setor, no que se refere ao acesso, às garantias assistenciais e financeiras. Diante disso, as relações entre Estado e mercado passaram por uma política específica que primava pela regulamentação das condutas, as quais buscaram uma maior relação entre os diversos interesses envolvidos e diversos atores do mercado: consumidores, prestadores e empresas. Dentro desse contexto histórico, a ANS e o processo de regulação se fortaleceram a partir da dificuldade no atendimento prévio das normas regulatórias, pois eram comuns as práticas de negativa de atendimento, exclusão de doenças, seleção de clientela, rescisão unilateral de contratos, restrições de coberturas, reajustes sem controle.
2.1 PLANO DE SAÚDE E O ATENDIMENTO AO PACIENTE ONCOLÓGICO (OBRIGAÇÃO, INDENIZAÇÃO, COBERTURA)
Embora seja sabido que o princípio da dignidade humana, previsto no artigo 1.º, III, da Constituição Federal, estabelece garantias mínimas de saúde ao indivíduo, atualmente há um crescimento na adesão aos planos privados de assistência à saúde. Esses por sua vez são procurados para atender a demanda que consta no artigo 1.º, I, da Lei n.º 9.656/98,
(…) prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.
Ao levar em consideração a adesão de um contrato, o qual se apresenta conforme o artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor, a unilateralidade existente se volta ao cumprimento das obrigações do fornecedor. A partir da adesão por parte do cliente, a relação subentendida, entre o consumidor e o prestador de serviço, acaba sendo caracterizada por um contrato de adesão bilateral. Isso devido à reciprocidade nas obrigações, onerosidades pelos pagamentos em moeda nacional, formalidade por seguir o rito do contrato e alternância, essa mediante a contraprestação pelas partes do plano aderido em decorrência de um evento futuro, incerto e de longa duração, sendo renovada de acordo com a situação do cliente.
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Segundo Marques (2011), a prestação de serviço deve ser realizada com qualidade, respeitando o item oferecido no decorrer do contrato, apresentando ao cliente segurança ao que lhe for útil para uma emergia que lhe ser necessário.
Para Fernandes Neto (2002), o contrato de planos de saúde é visto como atípico misto, pois é possível identificar que abrangem muito mais os serviços como seguros de saúde do que uma relação contratual, que dá assistência devida aos seus clientes. Para Nunes (2003):
(...) não há mais distinção entre plano de saúde e seguro-saúde para a Lei de Plano de Saúde, sendo ambos considerados como plano de assistência à saúde(...).
Considerando a citação supracitada é possível identificar no artigo 10.º da Lei n.º 9.656/98, que estabelece a abrangência de serviços, o que os planos de saúde devem fazer cobertura:
Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde (...).
Por definição, o contrato de plano de saúde é constituído por prestar o serviço com objetivo de assegurar a assistência médica, hospitalar e ambulatorial de acordo com o seu credenciamento seguindo três pilares do seguro: o risco, prêmio e evento indenizável. Diante do exposto, entende-se que o plano de saúde tem por obrigação devolver as despesas com serviços oferecidos e medicamentos, sendo calculado de acordo com a situação. Marques (2002) nos aponta que o plano de saúde assim como os seguros estão organizados para atender e controlar os riscos atuais e futuros ao cliente.
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o câncer é uma das doenças que mais desafia os sistemas de saúde no Brasil e no mundo. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) destaca algumas das principais medidas que vêm sendo propostas e implementadas junto ao setor de planos de saúde para prevenir e tratar a doença, como consta no regulamento da ANS 2018:
(...) a lista mínima obrigatória de cobertura dos planos de saúde contempla novos procedimentos dedicados ao cuidado oncológico. Foram incluídos oito medicamentos orais para tratamento de diversos tipos de câncer, como de pulmão e próstata, além de melanoma e leucemia. Também foi adicionado à lista mínima o exame PET-CT para o acompanhamento de tumores neuroendócrinos e a cirurgia laparoscópica para tratamento do câncer de ovário.
Pela a ANS, os procedimentos supracitados compõem as Diretrizes de Utilização, os quais abordam que a cobertura seja obrigatória, permitindo uma incorporação mais ampla de novas tecnologias. Com a atualização do Rol, essa por sua vez busca garantir o acesso dos beneficiários de planos de saúde a procedimentos nos quais os ganhos coletivos e os resultados clínicos são mais relevantes para os pacientes, refletindo no ganho de qualidade de vida. A ANS prima pela organização e correspondência às expectativas do paciente em relação à adesão dos planos, apresentando regras claras, especialidades e matérias de qualidade, e profissionais capacitados para corresponder a solicitação do cliente. Ainda considerando o paciente oncológico, é vedada a seleção de risco por parte das empresas, sendo proibida a prática tanto em planos individuais como coletivos (empresariais).
De acordo com Rodrigo Aguiar, diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS (2018),
“O modelo proposto pela ANS e parceiros contempla ações de promoção e prevenção à doença, destacando-se medidas como: busca ativa para diagnóstico precoce, continuidade entre o diagnóstico e o tratamento, informação compartilhada, tratamento adequado em tempo oportuno, com articulação da rede e a inserção da figura do navegador para garantir que o paciente com suspeita ou diagnóstico de câncer consiga seguir o percurso ideal para o cuidado, pós-tratamento e outros níveis de atenção (cuidados paliativos) e a proposição de novos modelos de remuneração que garantam a sustentabilidade econômico-financeira do setor.”
É importante enfatizar que o paciente oncológico deve ser orientado e inserido aos programas de assistência de saúde para que possam estar a par de todas as informações importantes para o seu tratamento, e ainda sobre o conhecimento de seus direitos no que diz respeito ao atendimento pelo plano de saúde.
O conhecimento sobre o período de utilização do plano é de suma importância pelo paciente oncológico para que esse não seja surpreendido ou que seja constrangido por informações errôneas a respeito dos seus direitos contratuais e o plano de saúde. Atualmente como aborda a ANS (2018):
Carência em plano de saúde é um período determinado em contrato que o beneficiário deve esperar para começar a utilizar os serviços do plano. No entanto, há certas particularidades no prazo de carência que devem seguir os limites da lei, como é o caso de urgências e emergências relativas aos pacientes com câncer.
Sabe-se que o paciente que recebe o diagnostico de câncer se antecipa em diversas atitudes e muitas vezes não consegue lembrar sobre o que a cobertura do plano efetivado pode assisti-lo, no que se refere a serviço, tempo e suprimentos. Para tanto, a ANS (2018) afirma que:
O contrato estabelecido entre o plano de saúde é o segurado é que determina o prazo de carência para a cobertura de determinada doença e de certos procedimentos. Mas, se o paciente desenvolver o câncer após a contratação do plano, o entendimento jurisprudencial é o de que não há carência a ser cumprida neste caso, além das regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que devem ser obedecidas. Quanto ao tempo a ser aguardado, após a contratação do plano de saúde, para: Casos de urgência e emergência – que figuram risco imediato à vida ou lesões irreparáveis: 24 horas para o plano autorizar a cobertura.
Os pacientes oncológicos não podem utilizar planos de longo prazo para inicio de uso, no que se refere ao tempo de contratação, já que é fundamental que o mesmo tenha acesso a todos os serviços que contemplam o plano de acordo com a sua necessidade emergencial.
2.2 REGULAMENTAÇAO JURIDICA: CONTRATOS DE ADESÃO
Sabe-se que o contrato de adesão, de acordo com o art.54 do CDC, é formado por cláusulas pelo fornecedor para prestação de serviço de forma unilateral, impossibilitando a alteração por parte do consumidor. Por conseguinte, essas devem ser elaboradas de forma clara, objetiva e legível, facilitando a compreensão do consumidor para que não haja nenhuma interpretação ambígua, implícita ou duvidosa. Muitas vezes não se refere a forma de como esta disposto no material expresso, mas sim à maneira como se dá o cumprimento do documento diante das situações emergências e imprevisíveis da doença. De acordo com a lei 9656/98, art.1, I, §1º:
“Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós-estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente a expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor (...) Está subordinada às normas e à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente, além da garantia de cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e odontológica, outras características que o diferencie de atividade exclusivamente financeira, tais como: a) custeio de despesas; b) oferecimento de rede credenciada ou referenciada; c) reembolso de despesas; d) mecanismos de regulação; e) qualquer restrição contratual, técnica ou operacional para a cobertura de procedimentos solicitados por prestador escolhido pelo consumidor; f) vinculação de cobertura financeira à aplicação de conceitos ou critérios médico-assistenciais.”
Mesmo diante do que consta na lei, as empresas de Planos de Saúde a descumprem, pois é comum situações de urgência em que o paciente contratante do plano não consegue ser atendido, sem passar pelo protocolo do mesmo, dificultando e muitas vezes prejudicando a sua recuperação. Observa-se diante do acesso aos julgados que os planos seguem fielmente a Lei 9656/98 para instituição da empresa, porém essas não fazem jus ao que está escrito e no que se refere a assistência de urgências e atendimento ao consumidor.
5. ANÁLISE DOS JULGADOS DIANTE DO O ATENDIMENTO AO PACIENTE ONCOLÓGICO
Embora existam algumas negativas relacionadas à assistência por parte dos planos de saúde, o que coloca seus clientes em situação desfavorável nos momentos de urgência, é válido informar que os pacientes oncológicos não estão desamparados, já que todos têm direito à saúde perante a lei, envolvendo qualquer tipo de necessidade que colabore para a melhora do quadro clínico do cidadão. Além do mais, é importante ressaltar que a ação inicial não é demorada, seja ela na rede privada ou pública (SUS), e o trâmite ocorre no prazo legal. No caso, a problemática se dá pela permanência de uma lacuna relacionada ao conhecimento dessas informações por uma parcela significativa da população, o que os coloca em posição de vulnerabilidade à tomada de decisões errôneas sobre o próprio estado de saúde, desestimulando-os a reivindicar pelos seus direitos.
Diante do exposto, em entrevista realizada pela repórter Alana Gandra da Agência Brasil, a advogada Danielle Bitetti, especialista em Direito à Saúde (2015) afirma:
“... quem está doente pode recorrer à Justiça em busca de seus direitos. “Pode entrar, sim. Tanto contra o SUS quanto contra os planos de saúde. Sempre que ele tiver um tratamento negado, tanto de medicamento quanto de quimioterapia ou radioterapia, mesmo que seja de uso oral ou domiciliar, deve procurar a Justiça, porque tem o direito de fazer o melhor tratamento que foi solicitado pelo médico que o acompanha, e não o que o plano escolher para ele(...) esclareceu que as condutas do SUS e das operadoras de planos de saúde são consideradas abusivas pelos órgãos de defesa do consumidor (...)existe prioridade no atendimento da Justiça a pacientes com câncer. “Todos os pacientes em tratamento de câncer que necessitam ingressar com ação têm prioridade na tramitação. O pedido de liminar geralmente sai entre 24 e 48 horas após a distribuição da ação. (...) tem garantido o tratamento logo que ingressa com a ação, enquanto o processo tem o trâmite normal”. (Publicado em 06/06/2015 Por Alana Gandra – Repórter da Agencia Brasil – Rio de Janeiro.)
Reforçando a informação apresentada pela advogada citada, especialista em Direito do Consumidor, observou-se, nas jurisprudências trabalhadas nesse projeto, que os planos de saúde atuam recorrendo a outras instâncias das decisões do judiciário em contraposição às reivindicações do cliente. Isso acaba retratando uma ideia oposta àquela que o contrato prega, já que é sabido pelos planos que, se tratando do paciente oncológico em situações especiais de tratamento, a assistência se volta por analogia a casos de prioridade, como diz o CDC. Deve ser colocado em status de visibilidade geral o fato de que o segurado ou representante, durante processo de busca por auxílio para solução de algum problema, deve seguir o CDC (Código de defesa do Consumidor) por meio de advogado responsável.
“A priori, ressalta-se ser de natureza consumerista a relação de direito estabelecida entre o beneficiário e a empresa prestadora de assistência médica, incidindo, portanto, as normas contidas no Código de Defesa do Consumidor, consoante enunciado Sumular nº 608 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”. Dessa forma, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas da forma mais benéfica ao consumidor, por ser parte vulnerável da relação contratual, especialmente quando restritivas de direito e integrantes de contrato de adesão (art. 47 c/c art. 54, § 4º, do CDC). (Acórdão 1164011, 07067150320188070006, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 10/04/2019, publicado no PJe: 12/04/2019)
Em relação à análise diante do caso em tela, associada às normas existentes e no que se refere aos contratos de plano de saúde, temos na SÚMULA Nº 608 do TJ DF:
“Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.”
Observa-se ainda que, embora o plano esteja com alguma mensalidade em aberto, o paciente que se encontra em tratamento e com o plano ativo não pode ser privado do uso do mesmo para dar continuidade ao seguimento de assistência. Como aponta a Apelação Civil, julgada pelo TJ SP,
É válido informar também que para evitar cobrança extra ao que é disposto no plano de saúde por algum tratamento que não tenha na sua jurisdição, o contratante pode referir o paciente à outra sede associada, em outro Estado, para fazer o atendimento de urgência. Conforme aborda a Súmula nº 99 do TJSP,
“Não havendo, na área do contrato de plano de saúde, atendimento especializado que o caso requer, e existindo urgência, há responsabilidade solidária no atendimento ao conveniado entre as cooperativas de trabalho médico da mesma operadora, ainda que situadas em bases geográficas distintas.”
Observa-se na Jurisprudência do TJ DF 2018 a existência de relutância do plano de saúde no atendimento ao paciente de forma satisfatória, não obedecendo a cláusula do contrato e negligenciando o dever de prestar assistência e dar continuidade ao tratamento do paciente que se encontra com estado emocional abalado, que depende de medicamentos e procedimentos dolorosos e muitas vezes sem perspectiva de vida futura. Mesmo muitas vezes tendo a possibilidade de fazer a transferência deste paciente para outra base geográfica, inviabilizam o feito, e causam a demora e exaustão do procedimento. É importante salientar que a cobertura se trata para área geográfica nacional, não sendo válida para tratamentos no exterior, de acordo como consta no art.10 da Lei nº 9656/98 dos Planos de Saúde. Além disso, como o art.35- C da mesma Lei contempla, existe a obrigatoriedade do atendimento emergencial de risco imediato ou lesões irreparáveis.
É sabido que o cidadão tem o Direito à Vida e à Saúde conforme a Carta Magna desde 1988, mas que se encontra impotente diante da justiça quando se deparam com o curso normal dos processos que se constituem em procedimentos burocráticos e demorados.
[...] a crescente busca dos tribunais por uma sociedade interessada na concretização de direitos individuais e coletivos, também, constitui uma forma de participação no processo político, tanto em virtude dos tribunais estarem mais acessíveis ao cidadão do que os demais poderes constituídos, quando em razão da obrigação de, mediante provocação apresentem alguma resposta às contendas que lhes são demandas legitimando garantias e direitos por meio de sentenças. Essa nova concepção participativa não representa, por conseguinte, qualquer incompatibilidade com um regime político democrático porque estabelece uma relação de compromissos entre o poder judiciário e a soberania popular pouco influenciada por decisões adotadas pelas representações majoritárias que se alternam com relativa frequência. (Figueiredo, 2007)
O que poderia ser amenizado na inicial acaba chegando a instâncias superiores ou até mesmo no esquecimento. Então, a judicialização tem grande responsabilidade no que tange à efetivação dos direitos fundamentais, já que cursa como mediador de processos reivindicados, não podendo o Judiciário se abster de assegurar esses direitos quando pleiteados pelos cidadãos.
A busca por um plano de saúde privado não se trata de uma exclusividade ou sobreposição aos demais serviços, mas sim de uma necessidade por uma alternativa de atendimento mais célere e de qualidade, compreensão essa de muitos que fazem a adesão do mesmo. E quando se trata de doenças crônicas, como o câncer, em que na maioria das vezes o paciente se encontra ansioso sobre a evolução da doença, o plano de saúde se mostra como um escape de acesso a equipes especializadas, procedimentos e tecnologias avançadas, e principalmente de um auxílio menos demorado, que supra de forma geral às necessidades imediatas, diante principalmente da falha em que a gestão pública implica ao funcionamento do SUS.
Em relação ao estudo do CDC e os pacientes oncológicos, foi percebido que não há uma descrição específica sobre os direitos dessa população, sendo cumpridos de forma analógica levando em conta os grupos de riscos e prioridades, sem tipificar o câncer. Dessa forma, entende-se que são postas em análise as limitações decorrentes de procedimentos no curso do tratamento com as demais para que o paciente com câncer venha ter acesso ao atendimento prioritário.
Ainda nas análises dos julgados, observou- se que a procura pela justiça para atendimento ocorre de forma liminar. Entretanto, os planos de saúde acabam contestando a ação, violando assim a lei 9656/98 abordada no artigo que em seu art.1, I, §1º que define como deve se dar a implementação dos planos de saúde privados.
A limitação de informações distancia o consumidor de uma posição segura e facilitada a seus direitos básicos diante de suas necessidades, levando a uma continuidade de infrações que ferem o valor de humanidade do cidadão. Dentro desse mesmo contexto, a burocracia do judiciário, ao sentenciar inúmeras causas, e a morosidade de resposta representam fatores indissociáveis à sentença de esquecimento que muitos pacientes se encontram, corroborando com a diminuição da figura do consumidor que passa a ser aquém diante do Estado, sendo violado o art.196 da Constituição Federal.
É de extrema necessidade, diante das decisões prolatadas na justiça, a elaboração de leis especificas no que se refere ao contrato de prestação de serviço aos pacientes que se encontram em tratamento do câncer, seja uma ampliação do CDC (Código de Defesa do Consumidor) ou Lei de Planos de Saúde nº9656/98, pois otimizaria o tempo, minimizaria as perdas materiais e desgaste emocional de ambas as partes, usuário e plano, evitando a morosidade da justiça para pronunciar as decisões que exigem urgência de execução. Assim, os usuários também passariam a assumir uma posição mais ativa frente às decisões de processos, registrando suas exigências junto a ANS nos canais de comunicação e sendo amparados pela União.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGÊNCIA BRASIL. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-06/pacientes-com-cancer-podem-recorrer-justica-contra-o-sus-e-planos-de-saude-0/ Acesso: 26 setembro 2020.
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___________. Código de Defesa do Consumidor. CDC. LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm/ Disponível em: < URL> Acesso em: 15 maio 2020.
___________. LEI N° 9656/98. https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11332400/artigo-10-da-lei-n-9656-de-03-de-junho-de-1998. Acesso: 19 maio de 2020.
___________. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Relator Desembargador Carlos Rodrigues. Acordão: 21 de fevereiro de 2018. Disponível em <: TJ-DF - 07134544120178070001 DF 0713454-41.2017.8.07.0001 (TJ-DF). Data de publicação:02/03/2018 > Acesso: 20 maio 2020.
FERNANDES NETO, Antônio Joaquim. Plano de Saúde e Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey,2002.
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MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
NUNES, Luiz Antonio Rizzato. O Código de Defesa do Consumidor e os planos de saúde: o que importa saber.Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA – Manaus/ AM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SUED CUNHA DE ARAúJO, . O direito à assistência oncológica: uma reflexão dentro da judicialização da saúde suplementar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 out 2020, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55292/o-direito-assistncia-oncolgica-uma-reflexo-dentro-da-judicializao-da-sade-suplementar. Acesso em: 22 nov 2024.
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