CLEIDILENE FREIRE SOUZA[1]
(coautora)
RESUMO: No tocante aos direitos do amante em face do ordenamento jurídico, verifica-se que em que pese estarem sendo reconhecidos gradativamente pelos tribunais, ainda existe certa resistência por parte destes em demandarem o Poder Judiciário. Tal receio possivelmente ocorre, ora porque são ínfimas as decisões dos tribunais reconhecendo tais direitos, ora porque a sociedade com seus bloqueios e desigualdades, acabam gerando medo e insegurança. Destarte, o objetivo dessa pesquisa caracteriza-se pelo fato de que o (a) amante vem sendo inserido no ordenamento jurídico e necessita de apoio financeiro após o falecimento do companheiro (a), justificando o importante objetivo do Direito no caso em testilha. Destaca-se que apesar do reconhecimento de alguns tribunais e parte da doutrina dos direitos, ainda precisar-se-à ocorrer regulamentação legislativa unânime em Tribunais e Instâncias Superiores, de maneira que as pessoas possam estar respaldadas, que cesse o medo e a insegurança deixados no bojo da sociedade. Ressalta-se ainda, a carência de publicações científicas sobre um assunto de tão relevante importância. O estudo foi realizado por meio de pesquisa de revisão documental em obras, periódicos especializados que abordam o tema, sendo utilizados diversos autores. Portanto, o presente estudo contribuirá para que o Poder Judiciário e Legislativo possam se movimentar objetivando complementar o reconhecimento já existente em uma pequena parcela dos tribunais; sendo o judiciário o responsável por aplicar decisões favoráveis.
Palavras-chave: Amante. Concubinato. União estável putativa. Direito sucessório.
RESUME: Regarding the rights of the lover in the face of the legal system, it is verified that despite being gradually recognized by the courts, there is still some resistance on the part of the latter to sue the Judiciary. This fears may occur, sometimes because the decisions of the courts are small, recognizing these rights, or because the society with its blockades and inequalities, end up generating fear and insecurity. Thus, the purpose of this research is characterized by the fact that the lover has been inserted into the legal system and needs financial support after the death of the partner, justifying the important objective of the Law in the case in question. It should be noted that despite the recognition of some courts and part of the doctrine of rights, there will still be need for unanimous legislative regulation in Courts and Superior Instances, so that people can be supported, that the fear and insecurity left behind in the bulge of society. It is also worth noting the lack of scientific publications on a subject of such important importance. The study was carried out by means of documentary review research in works, specialized journals that approach the theme, using several authors, among them STOLZE (2017), DINIZ (2013), DIAS (2017). Therefore, the present study will help the Judiciary and Legislative Branch to move in order to complement the recognition already existing in a small part of the courts; and the judiciary is responsible for applying favorable decisions.
Keywords: Lover. Concubinage. Stable putative union. Inheritance law
1 Introdução
Parafraseando o ilustre doutrinador sobre o tem em tela, Pablo Stolze: ´´Você seria capaz de amar duas pessoas ao mesmo tempo´´? Respirou, pensou, coçou a cabeça? Não sabe a resposta? Essa indagação costuma surpreender os interlocutores que por vezes, esforçam a memória para lembrar-se de algum episodio que vivenciaram ou presenciaram referida duplicidade de afeto.
Conforme cediço, a sociedade apresenta diversas entidades familiares derivadas da legislação e ignoradas pelo judiciário. O objetivo do estudo em questão seria realizar uma análise dos dois novos tipos de família, que há pouco vêm sendo reconhecidas por uma minoria da jurisprudência brasileira.
As uniões mantidas fora do casamento não são tão estranhas ao nosso cotidiano conforme a visão da sociedade e do judiciário; na verdade esse fenômeno vem sendo inserido no nosso meio paulatinamente dentro dos relacionamentos. Para alguns, um fato normal, considerado até mesmo um avanço social, para outros, um retrocesso, caracterizado como algo ilícito ou de menor valia. Entretanto, mesmo após a intervenção do Estado nas famílias para proteção das mesmas, estas sempre se fizeram presentes.
Com efeito, aduz Pablo Stolze (2017,p.386) ´´pondo um pouco de lado o aspecto eminentemente moral que permeia o tema, é forçoso convir que a infidelidade e os amores paralelos fazem parte da trajetória da própria humanidade.´
Ademais, será abordado neste trabalho sobre um tema muito polêmico discutido tanto no meio jurídico quanto na sociedade como um todo: o conceito da monogamia, apresentando uma nova teoria psicológica sobre o amor livre, chamada Poliamor. Será pontuado através de um paralelo entre a realidade social e legislativa de forma a refletir-se sobre os valores morais e éticos da sociedade com viés jurídico. Nesse sentido, além de abordar conceitos, teorias e princípios, este trabalho analisará a jurisprudência hodierna trazendo principalmente os efeitos patrimoniais aplicados dos novos casos discutidos, buscando-se a robustez e a completude do referido tema.
Sendo assim, considerando que o direito acompanha a sociedade e a figura do amante vem sendo reconhecida no nosso ordenamento jurídico gradualmente. Logo, indagam-se quais são os direitos patrimoniais do (a) amante após a morte do companheiro (a)?
Infere-se que, em que pese alguns tribunais já reconhecerem a figura do amante na seara patrimonial, o tema não está completamente pacificado, uma vez que, ainda existe um preconceito dos tribunais que refletem o pensamento de parte significativa da sociedade, o que acaba deixando parcela desses jurisdicionados sem o devido amparo legal; quer seja pela falta de norma regulamentadora, quer seja pelo medo dos (as) amantes em enfrentar a sociedade com seus bloqueios de desigualdades.
2 O desdobramento do conceito de família
No tocante ao conceito de família, arremata Maria Berenice Dias:
È necessário ter uma visão pluralista, que abrange os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar o elemento que permite enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que tem origem em um elo de afetividade, independente de sua conformação. Esse referencial só pode ser identificado no vínculo que une seus integrantes.(DIAS, 2017,p.147).
Não é diferente a visão do brilhante Silvio Venosa (2005,p.18), que definindo família, esclarece: “a família é o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar", em conceito restrito, o autor supracitado aduz que família "compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder".
Consoante noção contemporânea, família é o conjunto de pessoas que possuem ou não o mesmo tipo sanguíneo unidas por diversos vínculos: amor, afeto, financeiro, econômico, na qual convivem em sociedade e inclusive tem proteção do Estado. Nessa esteira, o artigo 226 da Constituição Federal de 1988: (BRASIL, 1988). ´´A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.´´ . Ressalta-se que em se tratando de relação de parentesco no âmbito de alimentos, podem os parentes inclusive pedirem alimentos uns aos outros.
Ocorre que essa realidade mudou se é que de fato realmente existiu. A sociedade, distanciando diariamente do perfil tradicional já se acostumou com as novas configurações de famílias que estão sendo inseridas no ordenamento jurídico: monoparentais, homoafetivas, e até mesmo as poliafetivas, que já vem sendo discutidas nos diversos tribunais. Portanto, abnegam-se ás regras e aderem aos desejos dessas pessoas haja vista que preponderam-se os vínculos de afeto sobre a letra fria e rasa da lei.
Não há que se falar mais em família patriarcal, aquela em que o homem representa a figura central, tendo a esposa ao lado, rodeado de filhos, genros, noras e netos. Essa visão hierarquizada sofreu transformações. Explica Rolf Madaleno:
A família matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, biológica, institucional vista como unidade de produção cedeu lugar para uma família pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou socioafetiva, construída com base na afetividade e de caráter instrumental (MADALENO, 2015,p.36).
Diversos são os conceitos de família existentes no ordenamento jurídico brasileiro, todavia, verifica-se que o conceito de família vem recebendo algumas modificações, principalmente na seara dos novos tipos de agrupamentos familiares que vem se inserindo na sociedade, modificando até mesmo o conceito de entidades familiares.
Ademais, assevera Caio Mario da Silva Pereira que existem novos tipos de agrupamentos não de ser considerados como entidades familiares e que aguardam tutela estatal, desvinculando-se da tradicionalidade do fator biológico e motivações religiosas ou ideológicas, objetivando a sobrevivência ou a autossuficiência:
Novos tipos de grupamento humano marcados por interesses comuns e pelos cuidados e compromissos mútuos hão de ser considerados como novas ‘entidades familiares’ a serem tuteladas pelo direito. (...) Essas ‘famílias possíveis’ se somam àquelas consideradas tradicionais, desvinculadas do fator biológico; não mais se pode ignorar a existência de comunidades formadas por pessoas que se propõem a viver em grupo, motivadas muitas vezes por razões religiosas ou ideológicas, agrupamentos na busca da sobrevivência ou autossuficiência (PEREIRA 2000, p. 43-44).
Por entidade familiar, o Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002) disciplina em seu artigo 1723 que: ´´É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família´´
Em contrapartida, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL,1988) não faz distinção entre casais formais e impedidos de casar, uma vez que visa tão somente a formação de um novo e duradouro núcleo familiar, ignorando a situação de eventual concomitância vivida por um dos parceiros.
Por tais razões, é notório o desdobramento do conceito de família na sociedade, seja nas uniões afetivas, seja na união estável e até mesmo nas relações concomitantes, haja vista a existência desses novos grupos. No tocante às relações concomitantes, o amante saiu da caverna na qual estava confinado e alcançou um novo patamar social.
3 Relações paralelas de afeto no ordenamento jurídico brasileiro
Destarte, assevera Pablo Stolze (2017,p.387) ´´seja no Brasil ou no mundo existe um número incalculável de pessoas que compactuam com as relações paralelas de afeto´´. Algumas possuem conhecimento do impedimento de oficiar a relação, outras, desconhecem a situação do companheiro.
Embora o Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002) estabeleça em seu artigo 1566 que a fidelidade recíproca é dever de ambos os cônjuges; a infidelidade e os amores paralelos sempre se fizeram presentes na história da humanidade, desde os tempos bíblicos, não havendo que se falar que a figura do amante se apresente como uma afronta aos valores morais e éticos, haja vista que a infidelidade sempre existiu.
No que concerne a interpretação Cristã Ocidental, a Escritura Bíblica prevê no Livro de Hebreus Capítulo 13 versículo 4: ´´ O casamento deve ser honrado por todos; o leito conjugal, conservado puro; pois Deus julgará os imorais e os adúlteros.´´.
Ora, se a própria Bíblia, escrita há 1.500 anos antes de Cristo previa punição para os adúlteros, afirmar que a figura do amante nunca existiu ou se inseriu como uma afronta a moral e a ética seria no mínimo negar a existência de Deus e a veracidade do Livro mais sagrado da história da humanidade Cristã. Um absurdo, diga-se de passagem!
Portanto, não há que se falar em afetação aos valores e nem ao ferimento do princípio da monogomia, haja vista que, os históricos dos primeiros adultérios aconteceram nos tempos bíblicos e somente na atualidade é que se apedrejam os amantes por vivenciarem com algo que sempre existiu.
Em síntese, nota-se que embora a existência das relações paralelas de afeto nos tempos bíblicos, o ordenamento jurídico brasileiro apenas começou a tutelar tais relações na atualidade. Em que pese à discussão e reconhecimento dessas relações surgirem na atualidade, já existem julgados e posicionamentos dos Tribunais Superiores nesse sentido.
Além disso, no âmbito das relações concomitantes, importante consignar que são diversas as formas de amantes inseridos na sociedade: a)amante que tem conhecimento do impedimento de oficiar a relação do parceiro e contribui ou não contribui para o seu patrimônio; neste aspecto, as relações são de concubinato; b)amante que não tem conhecimento do impedimento de oficiar a relação do parceiro e não contribui ou contribui para o seu patrimônio; neste aspecto, a relação é de união estável putativa, conforme a expõe a Figura 01 seguinte:
Elaborado pelo Autor (2019)
Ademais, se tratando de relações concomitantes, verifica-se uma vez formando o vínculo entre os parceiros, momento em que fica caracterizada a figura do amante, existem aqueles que conhecem a situação de casado (a) do (a) companheiro (a) tanto os que desconhecem tal situação. Conquanto, o fato do conhecimento ou desconhecimento da situação do companheiro não deve ser levado em conta para a configuração do direito patrimonial, mas tão somente analisar se o amante manteve ou contribuiu para a formação do patrimônio (bens).
4 Concubinato
Consoante o Código Civil Brasileiro (BRASIL,2002) disciplina em seu artigo artigo 1727 que: ´´ As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.´´
Acerca da definição de concubinato, observa-se:
Etimologicamente, o concubinato significa comunhão de leito. O concubinato, assim, diz respeito à união de índole afetiva entre homem e uma mulher, impedidos de casar entre si, lembre-se, porém que, apesar de impedidos de casar, não estão inclusas no conceito de concubinato impuro as pessoas que estão separadas de fato, como ressalta o '§ 1º do artigo 1.723 do CÓDEX. (FARIAS,et al, 2015,p.1.406)
Durante longo período histórico, a união entre homem e a mulher sem casamento era chamada de concubinato. Embora o Código Civil de 1916 ter restringido direitos a esse tipo de relação (como vedação a inclusão da concubina como beneficiária de seguro de vida); com o advento da evolução da legislação, a jurisprudência foi reconhecendo direitos a concubina.
A guisa de exemplo transcrevo a literalidade da súmula 380 do Supremo Tribunal Federal: ´´ Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.´´
A doutrina estabelece dois tipos de concubinato: o adulterino; aquele que o homem vive com a esposa e mantém relação concomitante com a concubina, bem como o impuro, envolvendo pessoa casada em ligação amorosa com terceiro ou os que mantém mais de uma união de fato. Nesse sentido, leciona Carlos Robertos Gonçalves:
As restrições existentes no código civil passaram a ser aplicadas somente aos casos de concubinato adulterino, em que o homem vivia com a esposa, e, concomitantemente, mantinha concubina. Quando, porém, encontrava-se separado de fato da esposa e estabelecia com a concubina um relacionamento more uxório, isto é, de marido e mulher, tais restrições deixavam de ser aplicadas, e a mulher passava a ser chamada de companheira. Também começou a ser utilizada a expressão ´´concubinato impuro´´, para fazer referência ao adulterino envolvendo pessoa casada em ligação amorosa com terceiro, ou para apontar que mantêm mais de uma união de fato (GONÇALVES. 2018, p. 182).
Oportuno mencionar a classificação de concubinato puro e impuro de Maria Helena Diniz:
O concubinato pode ser: puro ou impuro. Será puro se apresentar como uma união duradoura, sem casamento civil, entre homem e mulher livres e desimpedidos, isto é, não comprometidos por deveres matrimoniais ou por outra ligação concubinária. Assim, vivem em concubinato puro: solteiros, viúvos e separados judicialmente (RT 409:352). Ter-se-á concubinato impuro se um dos amantes ou ambos estão comprometidos ou impedidos legalmente de se casar. Apresenta-se como: a) adulterino (RTJ 38:201; RT 458:224), se fundar no estado de cônjuge de um ou de ambos os concubinos, p. ex., se o homem casado mantém, ao lado da família legítima, outra ilegítima; e b) incestuoso, se houver parentesco próximo entre amantes" (DINIZ, 2013, p.434).
No tocante aos direitos do amante concernentes aos casos de concubinatos uma vez que a amante tem ciência do impedimento de oficiar juridicamente a relação, não há que se falar em partilha de bens, salvo se provar que ajudou a manter ou construir o patrimônio do de cujus.
A respeito da partilha, observa-se o seguinte acórdão:
EMENTA: STJ365-Concubinato.Bens adquiridos.Sociedade de fato.O acórdão recorrido, considerando comprovada a colaboração indireta da concubina recorrida na formação do patrimônio, reconheceu a união estável e consequentemente a partilha, devendo observar-se a meação do patrimônio incomum. (...) Precedente citado: REsp 183.718-SP,DJ 18/12/1998. REsp 914.811-SP, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, j.27/08/2008. 2ªS. (FARIAS,et al, 2015,p.1.408)
Em relação ao rateio da pensão por morte, mostra-se perfeitamente cabível, sendo que, em que pese não ser considerada união estável por ser concubinato, a amante sofrerá os mesmos danos que a outra mulher, tanto psicológicos como patrimoniais, justificando o amparo financeiro deixado pelo de cujus.
5 União estável putativa
Por união estável, estabelece o artigo 1723 do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002) ser aquela relação de convivência entre dois cidadãos que é duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição familiar.
A união estável putativa pode ser comparada ao casamento putativo, aquele que embora nulo ou anulável, foi contraído de boa fé por um só ou por ambos os cônjuges, reconhecendo-lhes efeito o ordenamento jurídico. Transcreve-se a literalidade do artigo 1561 do Código Civil (BRASIL,2002) ´´embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.´´
Assim, sendo a união estável putativa uma união estável aparente, por união estável putativa serão entendidas aquelas em que um dos companheiros desconheça a existência de impedimentos legal para sua concretização. Nesse ponto de vista, abrilhanta Rolf Madaleno:
“Desconhecendo a deslealdade do parceiro casado, instaura-se uma nítida situação de união estável putativa, devendo ser reconhecidos os direitos do companheiro inocente, o qual ignorava o estado civil de seu companheiro, e tampouco a coexistência fática e jurídica do precedente matrimônio, fazendo jus, salvo contrato escrito, à meação dos bens amealhados onerosamente na constância da união estável putativa em nome do parceiro infiel, sem prejuízo de outras reivindicações judiciais, como, uma pensão alimentícia, se provar a dependência financeira do companheiro casado e, se porventura o seu parceiro vier a falecer na constância da união estável putativa, poderá se habilitar à herança do de cujus, em relação aos bens comuns, se concorrer com filhos próprios ou à toda a herança, se concorrer com outros parentes” (MADALENO, 2008,p.819).
Para a análise da união estável putativa, deve ser observada se havia o conhecimento do primeiro vínculo; se negativo, instaura-se a união estável putativa; se positivo, fica caracterizado o concubinato. Além do mais, para configurar o companheirismo, não é necessária a coabitação, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal disposto na Súmula 382: ´´A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato´´
Na união estável putativa, imprescindível a figura da boa fé, haja vista o desconhecimento do impedimento do parceiro. Já no concubinato, não há que se falar em boa fé, pois todos têm ciência do impedimento de casar e mantém uma relação não eventual.
No tocante a boa fé, arremata Paulo Lobo:
A boa-fé apresenta-se sob duas modalidades: subjetiva e objetiva. A boa-fé subjetiva diz respeito à ignorância do sujeito acerca da existência do direito do outro, ou, então, à convicção justificada de ter um comportamento conforme o direito. É a boa-fé de crença. Por seu turno, a boa-fé objetiva é regra de conduta das pessoas nas relações jurídicas, principalmente obrigacionais. Interessam as repercussões de certos comportamentos na confiança que as pessoas normalmente neles depositam. Confia-se no significado comum, usual, objetivo da conduta ou comportamento reconhecível no mundo social. A boa-fé objetiva importa conduta honesta, leal, correta. (LOBO,2017,P.95)
Além desses fatores, na seara do direito financeiro, considerando que na união estável putativa a amante desconhece a situação de casado do parceiro, eventualmente, com a morte do parceiro, fará jus a amante ao rateio da pensão por morte juntamente com a esposa, haja vista tal desconhecimento e o peso do sofrimento, que no caso, será de forma igual para ambas, tanto a mulher como amante.
Transcreve-se a notícia do site do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito das Famílias) que versa sobre um caso levado ao judiciário na qual foi determinado que a viúva e a amante deverão dividir a pensão por morte do marido:
"A viúva de um servidor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) deverá dividir a pensão por morte do marido com a amante dele, decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre (RS). À Justiça, a mulher declarou conviver com o homem em união estável, independentemente de ele ser casado. Para o tribunal, ficou comprovado que o servidor era o responsável pelo sustento das duas famílias." (...)"“O estado civil de casado do servidor falecido não impede a concessão do benefício à companheira em conjunto com a esposa, com a qual mantinha convivência, porquanto as provas produzidas nos autos demonstram a existência da união estável e da relação de dependência econômica de ambas em relação ao servidor, devendo, por conseguinte, ser rateada proporcionalmente a pensão entre a esposa e a autora”, afirmou a desembargadora"
Exemplificativamente imagine-se o seguinte dilema: João é casado com Alice e residem na Cidade X, entretanto, enquanto trabalhava na cidade Y conheceu a Janaina, com a qual manteve um vínculo afetivo duradouro. Juntos, João e Janaina compram uma casa registrando-a em nome do seu João para morarem. João de Segunda a Sexta, período em que reside na cidade Y a trabalho e convive com Janaina e aos finais de semana retorna para a cidade onde mora com sua esposa Alice.
Ora, com a morte do seu João, a Janaina comprovando que ajudou a não só comprar o imóvel, como também mantê-lo, realizando benfeitorias, arrolar esse imóvel junto aos demais bens do de cujus na partilha de bens com esposa Alice e os filhos se houverem, seria uma afronta ao direito da Janaina, pois uma coisa é ser amante no que tange o respeito a fidelidade conjugal e outra é ser censurada e injustiçada por um direito que lhe pertence.
Além disso, não assiste a tese de que se a Janaina não tivesse ajudado na compra também não teria direitos sobre o bem, uma vez que, mesmo não tendo disponibilizado de capital para a compra, certamente a mesma teria ajudado a manter o imóvel, seja com benfeitorias seja com cuidado, vigilância, organização, o que também a respalda de direitos sobre o bem.
Sobre as benfeitorias, prevê o artigo 1219 do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002) disciplina in verbis “Art.1219.
´´O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis´´(BRASIL,2002).
Pois bem, se a Janaina não tem conhecimento da situação de casado do seu João, é notório a mesma ser possuidora de boa fé, diferente se a mesma tivesse ciência da existência da esposa do seu João, o que seria nítida a má fé da Janaina. Todavia, assevero que a ma fé deve ser observada somente nos casos de benfeitorias, não se aplicando quando o amante ajuda financeiramente na compra do bem, por se tratar de um negócio jurídico qualquer.
Logo, conforme explanado, na esfera patrimonial, uma vez comprovado o vínculo do (a) amante (a), não há que se falar em desconhecimento ou não do impedimento de oficiar a relação do companheiro (a), porém analisar se houve ou não contribuição para o patrimônio, seja com disponibilização de capital para a compra, seja com melhorias.
Lado outro, no viés do direito financeiro, com a morte do seu João, tanto a Janaina quanto a Alice estariam sofrendo as mesmas conseqüências sentimentais e financeiras, logo, ambas deverão fazer jus a eventual pensão por morte devendo ser rateada, uma vez que a Constituição Federal não faz distinção de casais formais e impedidos de casar, pouco importando a relação concomitante existente e sim a formação do novo núcleo doméstico, que no caso em tela, se desfez com a ausência eterna do seu João.
6 O (a) amante e os tribunais
Longe de ser pacífica a questão do (a) amante seja na doutrina, ou até nos tribunais; ainda o tema carece de estudos mais robustos, logo há escassez de publicações por parte da comunidade científica nesse sentido.
No âmbito do TRF Tribunal Regional Federal, já existe decisão concedendo o rateio da pensão por morte deixada pelo de cujus entre a mulher e a amante. Chegou a ser mencionado pelo Douto Relator que a relação a qual o finado mantinha com a amante caracterizou uma união estável. Segundo o Desembargador Federal Rubens Canuto:
(...) provada a existência de relação extraconjugal duradoura, pública e com a intenção de constituir família, ainda que concomitante ao casamento, deve ser conferida a ela a mesma proteção dada à relação matrimonial e à união estável, mas desde que o cônjuge não faltoso com os deveres do casamento tenha efetiva ciência da existência dessa outra relação fora do casamento. (Tribunal Regional Federal da 5ª Região (Apelação 0802803-23.2016.4.05.8200, PJe: 0802803-23.2016.4.05.8200)
No tocante ao amante na visão do (STF) Supremo Tribunal Federal, embora sejam parcos os casos levados a Suprema Corte, em um litígio envolvendo a partilha de bens a uma concubina, firmou-se a tese de que:
(...) para a comprovação da sociedade de fato necessária a partilha de bens em favor da concubina, é necessária a demonstração da colaboração desta na formação do acréscimo patrimonial do concubino. (RE 91121, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Segunda Turma, julgado em 24/08/1979, DJ 05-11-1979 PP-08270 EMENT VOL-01151-03 PP-00859 RTJ VOL-00095-01 PP-00391).
O caso em testilha, enquadra-se naquelas situações que, não obstante a ciência da viúva da existência da amante, tendo esta última colaborado com o acréscimo patrimonial do concubino, oportuno se torna dizer, repita-se, seja até mesmo com benfeitorias no imóvel; justifica-se o direito da amante a partilha de bens.
Lado outro, temos julgados do (STF) Supremo Tribunal Federal proclamando que o concubinato não gera direitos entre parceiros e dura o tempo que a vontade de cada um quiser. (RE 83155, Relator(a): Min. CORDEIRO GUERRA, Segunda Turma, julgado em 25/05/1976, DJ 16-08-1976 PP-07082 EMENT VOL-01029-01 PP-00214 RTJ VOL-00078-02 PP-00619).
Corroborando com o posicionamento acima, chegou a ser mencionado pelo Ministro do (STF) Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio em determinado julgado que por ser o direito uma ciência, acaba sendo impossível confundir os institutos, vocábulos e expressões, sob pena de prevalecer a babel.(STF, RE nº 590779,2009).
De outra banda, embora também sejam parcos os parcos os casos levados ao (STJ) Superior Tribunal de Justiça, em um dos casos levados a Corte em que o de cujus manteve uma relação de 30 anos com a concubina, mencionou o brilhante Ministro José Arnaldo da Fonseca que:
(...) o magistrado não pode se manter inerte considerando o princípio de que, na aplicação da lei, deve se atender os fins sociais, uma vez que o caso se tratava de benefício meramente assistencial, embora o Ministro entendesse que não constituiu entidade familiar. (RECURSO ESPECIAL Nº 742.685 - RJ (2005/0062201-1).
Em relação aos requisitos da pensão por morte elencados na Previdência Social, com efeito, dispõe o artigo 16 da Lei da Previdência Social (BRASIL,1991) que são beneficiários do regime geral de Previdência Social na condição de dependentes do segurado o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave .
Ademais, assevera o artigo 217 da Lei (Regime Ùnico dos Servidores Públicos Cíveis da União) que são beneficiários de pensão por morte o cônjuge, o companheiro ou companheira que comprove união estável como entidade familiar.
Assim, em que pese não haver a expressa nomenclatura do amante nos citados artigos, por analogia, verifica-se que uma vez que o amante hoje vem sendo equiparado a companheiro e configurando até mesmo união estável (putativa), razão assiste aos amantes em serem considerados dependentes do de cujus fazendo jus a eventual pensão por morte. Transcreve-se o artigo 4º da Lei de Introdução ás Normas do Direito Brasileiro (BRASIL, 1942): ´´ Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.´´
È imprescindível avançar nas indagações sobre os demais direitos por vindouros que decorram do reconhecimento da figura do (a) amante, para além dos já reconhecidos (rateio de pensão por morte e parcela do patrimônio se contribuiu com a formação deste), isto é, a (o) amante terá direito por exemplo: a tornar-se dependente para fins de imposto de renda? Será inclusa no plano de saúde? Fará jus ao direito de utilizar o sobrenome e os direitos de imagem recorrentes deste?
Por fim, é cediço que não tem sido fácil a vida dos amantes nos tribunais, primeiro porque ainda existe um preconceito da sociedade; segundo porque há carência de publicações sobre o assunto acaba interferindo nas decisões dos julgadores; terceiro porque são ínfimas as demandas no judiciário considerando o medo dos amantes de demandá-los.
7 O princípio da monogomia x poliamorismo
Pela teoria psicológica do amor, o famoso poliamorismo, entende Pablo Stolze, (2017,p.388) ´´a possibilidade da existência de duas ou mais relações afetivas paralelas em que os envolvidos se conheçam e se aceitem, formando uma relação múltipla e aberta´´. Para alguns, um retrocesso, para outros, um avanço, considerando as estatísticas inseridas no ordenamento jurídico.
Rodrigo Pereira da Cunha (2015,p.705), definindo o poliamor, aduziu que este: ´´é a união afetiva estabelecida entre mais de duas pessoas em uma intenção recíproca, constituindo família ou não´´.
Já existem julgados reconhecendo e aplicando o poliamorismo, inclusive, determinando a partilha de bens entre a esposa e a companheira.
Por óbvio, percebe-se que com o advento da nova teoria psicológica do amor, é possível a fidelidade sem exclusividade com uma única pessoa,uma vez que o princípio da monogomia pode ser desdobrado quando há mútuo conhecimento e aceitação.
A respeito da união poliafetiva, tal tema foi julgado no dia 26/06/2018 no plenário do CNJ:
No dia 26 de Junho de 2018, o plenário do Conselho Nacional de Justiça decidiu julgar procedente o pedido de providências interposto pela Associação de Direito de Família e Sucessões ADFAS, que tinha por objeto declarar a inconstitucionalidade e proibir a lavratura de escritura pública de ´´união poliafetiva´´, bem como regulamentar tal questão no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça.
No tocante ao tema do poliamor, observa-se que a votação no CNJ por fim, proibiu a lavratura de escrituras públicas declaratórias de união poliafetiva. Nesse sentido, acrescenta Moreira Filho (2018,p.11): ´´portanto esse é o cenátio atual do poliamor no Brasil, e em face dessa decisçao e seus desdobramentos desconsiderou a pluralidade familiar.´´
Oportuno mencionar que a decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) sobre o tema acima citado, desrespeitou o princípio do pluralismo.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Refletir sobre os direitos do amante não é uma tarefa fácil, considerando não haver regulamentação jurídica suficiente, bem como o medo associado à insegurança dos amantes em demandarem o judiciário para solicitar seus direitos.
Outrossim, embora a ausência de previsão legal, percebe-se que alguns tribunais tem proferido decisões positivas respaldando os amantes com rateios de pensão por morte, parcela na partilha de bens, dentre outros.
Portanto, para que o amante possa sair completamente da caverna em que estava confinado, é necessário que o Poder Judiciário reconheça os direitos do (a) amante nos escassos casos que foram levados aos tribunais para movimentar o legislativo, com o fito de editar não só uma legislação correlata ao tema para que ocorra a proteção deste, como também fazer cumprir o ordenamento jurídico brasileiro que eleva a proteção da família compreendida em toda a sua amplitude.
REFERÊNCIAS
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[1] Advogada, Professora de Processo Civil e Processo do Trabalho. Especialista em Direito Processual do Trabalho, Direito do Trabalho e Direito Previdenciário .
Possui graduação em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (2019), Graduando em Letras pela faculdade FAEL e Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Faveni. Realizou diversos cursos como Libras, Conciliação, Adoção, Excelência no atendimento, Rotinas Administrativas, dentre outros. Foi estagiário do Tribunal de Justiça na 1ª Vara Cível da Comarca de Teófilo Otoni. Atualmente é Advogado, professor de Sociologia da Escola Estadual de Mucuri bem como foi Professor de Filosofia (2019) da Escola Estadual José Expedito Souza Campos.Tem experiência na área da Educação, Contabilidade, Bancária, Direito, com ênfase em Direito
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Warley Alves. Direitos do (a) amante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 out 2020, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55352/direitos-do-a-amante. Acesso em: 22 nov 2024.
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