Do texto constitucional, art. 5º, caput, (todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade) é possível extrair uma regra jurídica que pode se mostrar nos seguintes termos: toda vez que houver a elaboração de uma Lei (hipótese), o regulamento ali estabelecido deverá tratar todos igualmente (consequência), não sendo assim, o ordenamento trará como sanção a inconstitucionalidade da norma criada.
A Constituição Federal, desta forma, traz em seu bojo uma norma jurídica reveladora de um dever definitivo, vedando ao legislador instituir tratamento desigual para as pessoas, ou seja, tem-se, na verdade, uma regra jurídica que, ainda que se a chame de princípio da igualdade em função de sua fundamentalidade, não irá, em função de sua estrutura normativa, admitir sopesamento.
De todo modo, essa regra jurídica que proíbe ao legislador estabelecer normas desiguais deve ser construída pelo interprete no sentido que o que efetivamente se veda é o estabelecimento de tratamento diferenciado para situações iguais, não devendo, desta forma, o tratamento diferenciado de situações desiguais ser visto como sopesamento ou ponderação.
Tratar os desiguais desigualmente na exata medida da desigualdade é própria essência da concepção moderna de igualdade, devendo, portanto, a regra a ser construída, a partir do texto Constitucional, atentar para esta premissa. O conteúdo jurídico da igualdade permite saber quem são os iguais e quem não são e, assim, alcançar os limites até onde as diferenciações são legítimas. Necessário, então, que a regra veiculada pelo artigo 5º da Lei maior não descuide dessas considerações, a fim de salvaguardar a unidade e coerência do sistema.
Celso Antônio Bandeira de Mello, com maestrina destreza, observa que:
“para o desate do problema é insuficiente recorrer à notória afirmação de Aristóteles, assaz de vezes repetida, segundo cujos termos a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Sem contestar a inteira procedência do que nela se contém e reconhecendo, muito ao de ministro, sua validade como ponto de partida, deve-se negar-lhe o caráter de termo de chegada, pois entre um e outro extremo serpeia um fosso de incertezas cavado sobre a intuitiva pergunta que aflora ao espírito: Quem são iguais e quem são desiguais?” [1]
Isso não significa dizer que a igualdade não exista como princípio na Lei Maior, mas apenas que neste particular houve uma densificação do valor igualdade, contemplado em uma norma jurídica estruturalmente tida como regra e que, por isso, deve se aplicada na exata medida do que prescreve, sem ponderações e sopesamentos que lhe diminuam a prescrição. A igualdade, como valor jurídico arraigado no sistema constitucional brasileiro, como princípio, exercendo suas funções típicas, é incontestável, mas isso, em absoluto, não retira a possibilidade de existência de regras transmissoras deste mesmo valor.
Feitas estas constatações, a questão que passa a inquietar então é: seria possível tratar desigualmente os iguais em prol de um valor constitucionalmente protegido?
Estando a igualdade veiculada em uma regra de Constitucional, como se demonstrou, em tese, é até possível que se o faça, desde que por outra regra de mesma hierarquia, uma vez que, considerando o fato de uma regra jurídica não admitir sopesamento, só outra regra hierarquicamente igual ou superior pode diminuir-lhe o alcance.
A título de exemplo, hoje, na seara do Direito previdenciário, há uma grande discussão acerca da redução do tempo de contribuição e na idade mínima de aposentadoria em favor das mulheres. Questiona-se a persistência das razões justificantes desta diferenciação.
Na época em que foram criadas, o foram tomando em conta o fato da dupla jornada de trabalho das pessoas do sexo feminino, pois as mulheres, quando trabalhavam fora de casa, além das atividades profissionais de seus trabalhos, tinham as obrigações domésticas para responder, como a educação dos filhos e os afazeres rotineiros de um lar.
Hodiernamente, os paradigmas então existentes sobre o papel da mulher não mais são os mesmos. Passa-se, de conseguinte, a atenção para o fato de a mulher contribuir menos tempo que o homem e se aposentar mais cedo, além de sua expectativa de vida, segundo dados estatísticos do IBGE, ser mais elevada, trazendo problemas de ordem econômica e atuariais para previdência pública.
Sem a pretensão de adentrar no mérito questão, o que, de fato, interessa é poder observar que discussão gira em torno da justiça e justificativa da discriminação, e não em torno de sua constitucionalidade, já que este tratamento diferenciado encontra respaldo expresso na própria Carta Política. O que há aí, portanto, é o estabelecimento de uma regra de exceção à regra geral isonômica e que para ser válida precisa ser feita por outra regra ao menos de mesma hierarquia.
Contivesse a Constituição a igualdade apenas como princípio, poderia este, em tese, ser sopesado e ponderado com outro valor fundamental do sistema, tendo o seu alcance limitado em prol da realização do outro princípio, podendo isto, inclusive, ser feito por norma de hierarquia inferior, já que a própria estrutura normativa dos princípios permite que assim se faça. Diferentemente, as regras não comportam esta flexibilidade, como antes já explicado.
Em síntese, apresentando-se a igualdade na Constituição Federal estruturalmente esculpida como uma regra jurídica, não será possível ter a sua abrangência diminuída por uma espécie normativa subalterna.
De conseguinte, o operador do direito, ao pensar em extrapolar os limites do conteúdo jurídico da igualdade, já que aqui não mais se estar a cogitar quem são os desiguais e em que medida o são, na busca da igualdade material em que se almeja um tratamento desigual para os desiguais proporcionalmente às diferenças existentes, deve, a priori, atentar para que só se poderá fazê-lo validamente por norma de igual ou superior hierarquia.
Mesmo se batizando a norma que se extrai do texto constitucional do artigo 5º (todos são iguais perante a lei) de princípio, em razão de sua fundamentalidade ou outro critério que se utilize e a ponha como tal, a sua estrutura está fechada a sopesamentos e ponderações, já que quando se diz que “a lei deverá tratar todos igualmente” não há espaço para gradação na realização deste mandamento, devendo ser cumprido na exata medida do que prescreve, admitindo-se apenas a delimitação de seu conteúdo a fim de alcançar a sua máxima efetividade: a igualdade material.
Assim, com as considerações desenvolvidas e a aceitação da igualdade estruturada como regra jurídica no texto constitucional, nega-se, a priori, a possibilidade da igualdade ser validamente mitigada, ainda que em prol de outro valor com amparo constitucional, ao menos que se o faça com arrimo em norma igualmente veiculada na Lei Maior, ressaltando, todavia, a necessidade de sempre se observar a essência do conteúdo jurídico da igualdade.
REFERÊNCIAS
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.7ª ed. Coimbra: Ed. Edição Almedina, 2000.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 2005.
_______. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004.
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência. 12ª ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2003.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 2004.
[1] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. P. 10
Procurador do Estado de Alagoas, ex-Procurador do Estado de Pernambuco, ex-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Cataria, Pós-Graduado em Direito Administrativo e Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDROSA, Danilo França Falcão. Igualdade: uma regra ou um princípio? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55369/igualdade-uma-regra-ou-um-princpio. Acesso em: 22 nov 2024.
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