O conceito clássico de igualdade experimentado pelo Estado liberal traduzia apenas o seu aspecto negativo, em que o Estado se preocupava, tão somente, em não discriminar, abstendo-se de atitudes que pudessem gerar privilégios e vantagens a membros de determinados grupos sociais, étnicos, religiosos, raciais etc. Nesta época, tinha-se por suficiente na busca da igualdade prometida pelos revolucionários a edição de diplomas legais genéricos onde todos fossem tratados em pé de igualdade, acompanhados de ações repressivas em face de discriminações injustas.
Contudo, mencionada visão do princípio ora em comento já não mais se mostra suficiente para por fim, ou menos atenuar, as profundas desigualdades que se perpetram nas sociedades contemporâneas. As desigualdades historicamente acumuladas, ignoradas pelo conteúdo clássico do princípio da igualdade, obstam o progresso de grupos ao longo do tempo discriminados. Deste modo, surge a necessidade de se buscar mecanismos hábeis a superar os entraves até então invisíveis aos olhos das legislações existentes.
Esclareça-se, ademais, que não só o poder legislativo vacila na efetivação da igualdade em seu mais nobre sentido, mas o próprio judiciário, não raras vezes, nega-se a interpretar o Direito de forma aberta e de modo a adequá-lo à realidade. Mesmo diante da carência de leis expressas reconhecendo os obstáculos mencionados linhas acima, é possível, em muitos casos, que o intérprete o faça, afinal o direito é feito para o homem e não o inverso.
O sistema jurídico do Estado de direito democrático português é um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica, traduzida na disponibilidade e capacidade de aprendizagem das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da verdade e da justiça.
Tratar todos igualmente, sem levar em conta as reais diferenças que estigmatizam determinadas minorias, quer sejam raciais, étnicas, sociais, ou de qualquer outra natureza, nada mais significa senão eternizar as desigualdades então existentes e, em contrapartida, assegurar privilégios historicamente adquiridos por outros grupos.
Dentro deste contexto, o Estado e o Direito não podem fechar os olhos para a realidade construída ao longo da história, havendo a necessidade de portarem-se ativamente na promoção da igualdade, impondo-se um posicionamento enérgico na busca da igualdade de oportunidades, a fim de compensar os entraves socialmente impostos a determinados grupos marginalizados.
Neste sentido, afirma Hédio da Silva Júnior que:
O reconhecimento desse dado da realidade justifica a compreensão de que o catálogo constitucional dos fatores de desigualação, sob nenhum pretexto, pode ser tomado como um plexo caótico de admoestações, destituído de valor jurídico, mas como previsão normativa de que a trajetória dos indivíduos não está determinada tão somente por suas habilidades intelectuais, pela boa sorte, ou pelo acaso, visto que sujeita-se também à influência das circunstâncias sociais e de fatores arbitrários capazes de embaraçar, limitar, quando não pura e simplesmente frustrar suas expectativas, suas chances de êxito pessoal e a possibilidade de realização plena de suas potencialidades.
Assim, como obtempera o mesmo autor:
O conteúdo positivo do direito de igualdade comete ao estado o dever de esforças-se para favorecer a criação de condições que permitam a todos beneficiar-se da igualdade de oportunidades e eliminar qualquer fonte de discriminação direta ou indireta. A isto dá-se o nome de ação afirmativa, compreendida como comportamento ativo do Estado, em contraposição à atitude negativa, passiva, limitada à mera intenção de não-discriminar.
Arivaldo Santos de Souza, em artigo publicado sobre o tema, da mesma forma ensina que:
As iniciativas governamentais adotadas para solucionar problemas sociais (políticas públicas) e as medidas privadas ou governamentais de caráter compulsório, facultativo ou voluntário que visam a eliminação ou a mitigação de desigualdades históricas contra grupos e suas respectivas consequências, notadamente no trabalho e na educação, são estratégias para consecução de fins estatais positivados e ganham o nome de AA.
Neste contexto, as ditas Ações Afirmativas são inspiradas pela necessidade de uma postura proativa de atuação em busca da igualdade material. Assim, emerge o conteúdo positivo do princípio da igualdade, buscando a máxima efetividade do valor igualitário, que dificilmente seria atingida dentro das balizas limitadoras da isonomia em sua acepção tradicional.
REFERÊNCIAS
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.7ª ed. Coimbra: Ed. Edição Almedina, 2000.
CARVALHO, José Murilo de, Ações afirmativas, sim, cotas, não .http://www.ppghis.ifcs.ufrj.br/media/carvalho_acao_afirmativa.pdf. Acessado em 26 de novembro de 2007.
JR, Hélio Silva. Direito de igualdade Racial: Aspectos Constitucionais, Civis e Penais: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2002.
SOUZA, Arival Santos de. A constitucionalidade da política de cotas para negros nas universidades.<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5027> Acessado em: 02 de junho de 2007.
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