Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à coordenação do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho, como requisito obrigatório para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador(a): Prof. Dra. MARIA LAURA LOPES NUNES SANTOS[1].
RESUMO: O presente estudo tem como objetivo geral realizar um estudo na doutrina e legislação brasileira sobre lawfare e ativismo judicial no Brasil. Tem como objetivos específicos: investigar na doutrina e legislação brasileira a origem e definição do termo lawfare; descobrir como são praticados o ativismo judicial e o lawfare em solo brasileiro; analisar na doutrina e legislação brasileira se todo ativismo judicial pode ser considerado um tipo de lawfare. Para sua viabilização empregou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica com abordagem de natureza qualitativa. Foi realizada pesquisa bibliográfica em produções científicas como revistas, livros, artigos, dissertações e teses que fizessem referência ao tema em estudo. Conclui-se que não é possível afirmar que todo ativismo judicial é um tipo de lawfare, mas constatou-se na literatura que quando ele é empregado pelo Poder Judiciário, em especial pelos ministros do STF, como ferramenta de guerra política contra líderes dos demais Poderes (Executivo e Legislativo), provavelmente ele está sob influências do lawfare, pois o principal efeito deste é o ativismo judicial. Sugere ao legislador pátrio que institua leis prevendo o ativismo judicial, constrangendo sua abrangência quando essa afrontar os demais poderes e transparecer guerrear contra eles.
PALAVRAS-CHAVE: Prática do Lawfare. Ativismo judicial. Poder Judiciário.
ABSTRACT: The present study has the general objective of conducting a study of Brazilian doctrine and legislation on lawfare and judicial activism in Brazil. Its specific objectives are: to investigate the origin and definition of the term lawfare in Brazilian doctrine and legislation; discover how judicial activism and lawfare are practiced on Brazilian soil; analyze in Brazilian law and doctrine whether all judicial activism can be considered a type of lawfare. For its viability, bibliographic research with a qualitative approach was used as methodology. Bibliographic research was carried out on scientific productions such as magazines, books, articles, dissertations and theses that made reference to the subject under study. We conclude that it is not possible to affirm that all judicial activism is a type of lawfare, but it was found in the literature that when it is used by the Judiciary, especially by the ministers of the Supreme Court, as a tool of political war against leaders of other Powers (Executive and Legislative), he is probably under the influence of lawfare, since the main effect of this is judicial activism. He suggests to the national legislator that he institute laws providing for judicial activism, constraining its scope when it faces the other powers and appears to be at war with them.
KEYWORDS: Practice of Lawfare. Judicial activism. Judicial Power.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 LAWFARE E ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL. 2.1 Origem e Definição de Lawfare. 2.2 Origem e Definição do Termo Ativismo Judicial. 2.3 Ativismo Judicial em Solo Brasileiro. 2.4 A Prática do Lawfare no Brasil. 3 O ATIVISMO JUDICIAL EM SOLO BRASILEIRO E SUA INTERPRETAÇÃO COMO UM TIPO DE LAWFARE. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O Brasil é um país que se constitui como Estado Democrático de Direito, cujos fundamentos, são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como o pluralismo político (Art. 1º CF/88). Para conformar e validar todos os seus fundamentos legais e comandos imperativos, o Estado serve-se da Constituição Federal que ocupa o ápice das estruturas normativas do ordenamento jurídico pátrio. Por isso, deve-se compreender que todas as demais normas e atos dos Poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário) somente serão considerados válidos quando possuírem previsão constitucional.
Nesse contexto, cabe observar que a Carta Constitucional Brasileira traz em sua redação que todo o poder emana do povo, que o exerce mediante representantes eleitos ou diretamente, conforme a própria Constituição. Dito isso, segue-se chamando atenção para o fato de que o Brasil vem sofrendo uma crise política a qual envolve diretamente a representatividade de seus eleitos, gerando efeitos no cenário político, social e jurídico.
Casos de corrupções, flagrantes de crime do colarinho branco investigados pela “Operação Lava Jato”, bem como a cassação de mandatos por meio de impeachment (impedimento), condução coercitiva de ex-presidente da república pela polícia federal, dentre outros casos, tem provocado o Poder Judiciário a se manifestar e a tomar providências, que excedem sua competência, e muitas vezes adentram a seara dos demais poderes, legislativo e executivo.
Para a corrente doutrinária dominante essa expansão da sua competência pelo Judiciário nada mais é que a busca do mesmo pela justiça social, que é clamada pela sociedade, frente à crise de representatividade que passa os poderes constituídos do país. Para essa corrente, o que está acontecendo é que o Judiciário está cometendo ativismo judicial, como forma de buscar justiça social.
Aqui vale destacar que a expressão “ativismo judicial” pode ser definida como uma forma de intervenção recorrente do Poder Judiciário em outros Poderes por meio de interpretações extensivas do texto constitucional e de leis, pautando-se mais em princípios constitucionais que na letra dos textos legais, para dar soluções no âmbito político.
Ocorre que nem todos no cenário político, jurídico e social brasileiro vêem como positivo o ativismo judicial, por acreditar que ele não estabelece o equilíbrio entre os poderes, ao contrário, sobretudo, porque transparece seu viés político ideológico. Assim, por conta dessa correlação política e jurídica feita pelo Poder Judiciário em seu ativismo, emerge um quadro de instabilidade institucional que pode ser interpretado como lawfare, o qual pode ser definido sinteticamente como a instrumentalização da lei com fins meramente políticos.
A característica mais marcante do lawfare é a manipulação do sistema legal, onde o candidato ou partido político que pretende prejudicar seu adversário abre inúmeros processos judiciais com acusações frívolas na tentativa de influenciar negativamente a opinião pública e lançá-la contra ele, a fim de gerar o denominado assassinato de reputação.
Diante do exposto pretende-se com essa pesquisa realizar um estudo na doutrina e legislação brasileira sobre ativismo judicial e lawfare no Brasil. O estudo justifica-se em virtude da observação do pesquisador que passou a observar que o tema é bastante polêmico e exige um estudo aprofundado. Sua relevância reside na possibilidade de ampliar os diversos conhecimentos já existentes sobre a temática difundindo-os entre os acadêmicos de Direito da UNIFSA, o mundo científico-jurídico e a sociedade em geral.
Tendo em vista essa observação, o presente estudo tem como objetivo geral realizar um estudo na doutrina e legislação brasileira sobre lawfare e ativismo judicial no Brasil. Tem como objetivos específicos: investigar na doutrina e legislação brasileira a origem e definição do termo lawfare; descobrir como são praticados o ativismo judicial e o lawfare em solo brasileiro; analisar na doutrina e legislação brasileira se todo ativismo judicial pode ser considerado um tipo de lawfare.
Para sua viabilização empregou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica com abordagem de natureza qualitativa. O estudo encontra-se ancorado em doutrinadores como: Constinentino (2012), Cristóvam e Cipriani (2017), Matos (2019), dentre outros não menos importantes. Nessa perspectiva, pretende-se responder ao seguinte questionamento: é possível afirmar que todo ativismo judicial é um tipo de lawfare?
2 LAWFARE E ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL
O ativismo judicial realizado pelo Poder Judiciário vem se tornando uma prática frequente no cenário político brasileiro, por conta de a necessidade desse poder dar respostas que extrapolam sua competência. Contudo, sua prática é justificada com a reiteração que os ministros fazem de que esse ativismo nada mais busca que solucionar conflitos e alcançar a paz social (FREITAS; CABRAL, 2018). Ocorre que uma variante negativa vem surgindo em meio ao ativismo judicial do Poder Judiciário.
Denominada de lawfare essa variável caracteriza-se como uma espécie de estratégia política para manipular as leis e prejudicar opositores políticos, por meio de sucessivos processos judiciais inconsistentes, mas intermitentes com o objetivo de modular negativamente a opinião pública, e deslegitimar o candidato e promover o assassinato de sua reputação (MATOS, 2019).
Como muitas dessas querelas vão terminar no Supremo Tribunal Federal, muitas vezes o STF se dispõe a dar decisões que poderiam ser dadas no âmbito administrativo, excedendo sua competência e adentrando a competência de outros poderes. Nesses termos convém identificar a origem e definição do termo lawfare, como segue.
2.1 Origem e Definição de Lawfare
A prática do lawfare em países da Europa e da América do Sul, sobretudo naqueles com governos democráticos, como o Brasil, tem despertado grandes polêmicas tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Primeiro no que se refere à sua origem, segundo no que respeita a sua abrangência. Nesse contexto, vale destacar, por importante, que:
O primeiro uso do termo “lawfare” a que se tem notícia está em um pequeno artigo escrito por John Carlson e Neville Yeomans em 1975, em que se denunciavam aspectos individualistas e acusatórios do direito nas sociedades ocidentais, chamando tal fenômeno – de substituição de armas por leis – de lawfare. Internacionalmente, o termo ganhou mais popularidade no contexto da segurança nacional. O primeiro uso nesse sentido provavelmente se deu em 1999, em um livro de estratégia militar chinês, “UnrestrictedWarfare” (de QiaoLiang e Wang Xiangsui), referindo-se ao uso de instituições legais internacionais para conseguir fins estratégicos em guerras militares, mas ainda com pouco destaque ao lawfare (MATOS, 2019, 230).
Em vista disso, convém destacar que não se tem certeza da origem do termo lawfare, sendo ele controverso e que admite diferentes interpretações. Contudo pode-se dizer que ele é gramaticalmente formado pela justaposição de duas palavras law (lei) e warfare (guerra), podendo ser interpretada na atualidade, como guerra jurídica, e diz respeito a uma forma de guerra em que a lei é instrumentalizada como uma espécie de arma (GRANJA, 2014).
Aprofundando-se no assunto, convém salientar que a expressão lawfare “[...] foi cunhada para definir estratégias militares, especialmente no âmbito de guerras internacionais. Com o passar do tempo, o termo foi se atualizando para descrever fenômenos distintos – de guerra militar a “guerras” políticas (MATOS, 2019, p. 228). Com sua evolução para o contexto político, o foco passou a ser a persecução legal do opositor no jogo político, muitas vezes empregando meios sórdidos para impetrar ações judiciais. Em certo sentido pode-se dizer que:
Até aí, nada de novo, podendo-se confundir com uma definição grosseira de processo. Usualmente, no entanto, o lawfare possui conotação negativa, referindo-se ao uso abusivo e ilegítimo da lei ou de procedimentos legais como artifício para prejudicar um inimigo. Assim, em um paralelo com guerras tradicionais, o direito funciona como arma, os tribunais como campos de batalha e a mídia como propaganda. A finalidade se mantém: a destruição de um inimigo (MATOS, 2019, p. 228).
Feita essa observação, cabe lembrar que essa expressão foi introduzida na década de 1970, e pode ser considerada como uma forma de manobra jurídico-legal, visando promover uma série de processos com acusações frívolas na tentativa de influenciar negativamente a opinião pública e colocá-la contra o candidato opositor (NOVO, 2016). Vale adicionar a título de melhor entendimento que lawfare:
No âmbito propriamente político e das leis, é uma expressão que faz referência ao fenômeno do uso abusivo e superficial do direito, nacional ou internacional, como forma de se atingirem objetivos militares, econômicos e políticos, eliminando, deslegitimando ou incapacitando um inimigo. Lawfare pode ser concebido como o termo que define o uso do Direito para deslegitimar ou incapacitar um inimigo. Tendo então suas características ou táticas já reconhecidas pela comunidade jurídica internacional, quais sejam: a) A manipulação do sistema legal. b) Dar aparência de legalidade para perseguições políticas. c) A utilização de processos judiciais sem qualquer mérito, sem conteúdo, com acusações frívolas. d) Abuso do direito para danificar e para deslegitimar um adversário. e) Promoção de ação judicial para descredibilizar o oponente. f) Tentativa de influenciar a opinião pública. g) Utilização da lei para obter publicidade negativa ou opressiva. h) Judicialização da política: a lei como instrumento para conectar meios e fins políticos. i) A promoção da desilusão popular (BARROS FOLHO; FARIAS; OLIVEIRA, 2017, p. 3).
A prática do lawfare é amplamente conhecida nos países anglo-saxões como acrônimo de ação judicial estratégica contra a participação pública, onde a lei (law) é usada como mecanismo de guerra (war) e destruição (warfare) do oponente político, com aparência de legalidade. Muitas vezes é usado apenas para intranquilizar o adversário. Nesse caso, a prática do lawfare também está associada ao desrespeito nos procedimentos judiciais e do direito de defesa do inimigo político (PEDRO, 2019). Sendo assim, procura-se investigar a origem e definição do termo ativismo judicial, para melhor entendimento da matéria.
2.2 Origem e Definição do Termo Ativismo Judicial
Com relação ao ativismo judicial deve-se dizer que não se sabe ao certo sua origem. Para alguns doutrinadores ele “[...] surgiu com a Suprema Corte americana quando da decisão de segregação racial” (BARROSO, 2009, p. 7). Para outros, sua criação deve ser atribuída ao jornalista norte americano Arthur M. Schlesinger Jr., no ano de 1947, em uma matéria jornalística escrita para a Revista Fortune (VALLE, 2009). Aprofundando-se no assunto, vale destacar o fato de que o referido jornalista:
[...] publicou, na popular Revista Fortune, o artigo “The SupremeCourt: 1947”, em que analisou a atuação dos justices, distinguindo-os entre “ativistas” (activists) e “campeões da restritividade judicial” (championsof judicial restraint), os quais podem ser denominados “passivistas” (self-restrain). Aqueles se caracterizariam por inocularem, em suas decisões, as suas próprias concepções do bem comum. Os passivistas, por sua vez, seriam os juízes que procuravam preservar a margem de conformação do legislador, prezando pela maior deferência judicial (CONSTINENTINO, 2012, p. 142).
Assim, convém salientar que a corrente majoritária de doutrinadores entende que essa foi a origem do termo do ativismo judicial, onde o referido jornalista, em um artigo, incumbiu-se de caracterizar o perfil político e ideológico dos nove membros da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, momento em que ele narrou a postura de alguns juízes da Suprema Corte norte-americana que, mediante um comportamento de jurisdição defensiva se esquivavam de enfrentar casos importantes à sociedade. Sendo assim, verifica-se que o termo ativismo judicial na sua origem não tem muita relação com seu conceito atual (MARTINS, 2019).
Na atualidade o ativismo judicial está relacionado ao número excessivo de demandas que poderiam ser resolvidas administrativamente no âmbito dos outros Poderes, mas que são levadas ao Poder Judiciário (PJ) para que dê uma decisão de mérito, solucionando o conflito. Desse modo, observa-se que esse poder “[...] tem sido provocado a se manifestar, bem como tomar providências a respeito de assuntos que extrapolam a competência judiciária, adentrando na seara dos demais poderes, destacando-se aparentemente, numa espécie de ultima ratio salvadora da pátria” (FREITAS; CABRAL, 2018, p. 2).
Não se perca de vista que o fenômeno do ativismo judicial começou no Brasil com a promulgação da Constituição Federal de 1988, e pode-se considerá-lo como um termo técnico referente à postura proativa do Poder Judiciário ao interferir de maneira proativa e significativa nas decisões de cunho político dos demais poderes.
Em solo brasileiro algumas correntes doutrinárias não apoiam essa prática do Judiciário, vendo-a como perigosa e de grave risco jurisdicional, sendo ativista aquele juiz que “[...] use o seu poder de forma a rever e contestar decisões dos demais poderes do estado; promova, através de suas decisões, políticas públicas; não considere os princípios da coerência do direito e da segurança jurídica como limites à sua atividade” (POGREBINSCHI, 2000, p. 2). Como exemplos de ativismo Judicial do Supremo Tribunal Federal (STF) pode-se citar dois casos emblemáticos:
[...] no primeiro foi decidido se praticar aborto até o terceiro mês seria ou não crime e, no outro, a possibilidade de um réu substituir o presidente da República. Os resultados desses julgamentos chamam a atenção para o fato de o STF estar, cada vez mais fazendo uma interpretação para além do texto constitucional, o que leva a refletir se ele não estaria atuando na esfera do Poder Legislativo (MARTINS, 2019, p. 1).
Como se verifica, o próprio STF é apontado praticando ativismo judicial, podendo-se dizer que na atualidade brasileira “[...] o Judiciário tem mostrado em determinadas situações, uma posição puramente ativista” (GRANJA, 2014, p. 1).
Esse fato vem gerando discussões as mais acaloradas no tocante à invasão de competências dos demais Poderes, uma vez que a Constituição Federal não prevê essa pratica, uma vez que ela exorbita do Poder Judiciário ferindo a harmonia e independência que deve vigorar entre este poder e os demais. Nessa perspectiva, pode-se questionar até onde essa prática pode chegar, principalmente quando se presume que na atualidade a Corte suprema apresenta atuações que transparecem determinadas ideologias, o que exige um estudo acerca do ativismo judicial em solo brasileiro.
2.3 Ativismo Judicial em Solo Brasileiro
O Brasil é um país que possui muitas demandas jurídicas, uma vez que os direitos sociais que visam assegurar uma vida digna ao indivíduo nem sempre são respeitados, o que gera muitas vezes batalhas jurídicas contra o Estado, que tem a função constitucional de assegurá-los. Observe-se que a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Democrática prevê do art. 5º ao 11º, em seu Título II, os direitos e garantias fundamentais, abrangendo os direitos e deveres individuais e coletivos (BRASIL, 1988). Mas não apenas isso porque também:
[...] estabelece as competências do Estado, especialmente entre os Poderes Legislativo, Executivo e o Judiciário. Por certo, o que se busca é a separação das funções nucleares (essenciais) de cada poder, mas não do poder em si, vez que todos os poderes estão submetidos à Constituição. O poder estatal é uno, institucional e normativamente distribuído entre os poderes constituídos com vistas a viabilizar a maior efetividade possível da própria ordem constitucional de direitos e garantias fundamentais (CRISTÓVAM; CIPRIANI, 2017, p. 167).
Desse modo, pode-se frisar que na Constituição Federal de 1988 há a previsão legal tanto de direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos quanto a competência de cada um dos Poderes, que devem ser harmônicos a fim de que seja levado ao cabo a concretização de tais garantias de direitos fundamentais.
No entanto, deve-se destacar que embora a Constituição Federal de 1988, estabeleça que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário sejam poderes da União que devem ser harmônicos entre si (Art. 2º), e que cada um possui suas competências originárias, ainda assim, há momentos em que o Judiciário é provocado a solucionar conflitos que desbordam de sua competência invadindo as competências dos outros Poderes. Como já se disse alhures, e isso se chama ativismo judicial, o qual caracteriza-se:
[...] pelas decisões judiciais que impõem obrigações ao administrador, sem, contudo, haver previsão legal expressa. Este fenômeno, por assim dizer, decorre da nova hermenêutica constitucional na interpretação dos princípios e das cláusulas abertas, o que tem despertado pesadas críticas ao Poder Judiciário, notadamente, ao Supremo Tribunal Federal (DOMINGUES, 2018, p. 2).
A justificativa que o Poder judiciário e doutrinadores afins ao ativismo judicial têm dado para a pratica do ativismo judicial é a de que nem sempre os temas que envolvem batalhas contra o Estado-Administrativo podem ser solucionados de uma hora para outra ou na própria seara do Executivo ou do Legislativo. Pois problemas “[...] como o caráter pragmático e diretivo da Constituição demandam dos Poderes Legislativo e Executivo a elaboração de diretrizes que raramente contemplam suficientemente as crescentes e alargadas necessidades sociais” (CRISTÓVAM; CIPRIANI, 2017, p. 164).
Mas não é só isso porque há também questões culturais ou religiosas, como o aborto, que envolve essas duas dimensões. Assim, temas como esse de responsabilidade do Poder Legislativo, nem sempre são logo decididos, momento em que o Poder Judiciário é provocado e faz às vezes do Legislativo decidindo o caso mediante decisão de mérito (GRANJA, 2014).
Some-se a isso, o cenário de corrupção no Poder Público nos últimos anos, sobretudo, em governos de esquerda, que levaram à Operação Lava-jato deflagrada pela Polícia Federal, para detectar mecanismos de corrupção envolvendo empreiteiras brasileiras, ex-presidentes, ex-ministros, senadores, deputados federais e governadores (MARTINS, 2019).
Note-se que tais acontecimentos envolvendo agentes do Legislativo e do Executivo alargam “[...] a crise de representatividade nos poderes eletivamente constituídos, a conformar um caldo de descrença na Política e a inflacionada busca do Judiciário como ‘última esperança’ na concretização de direitos” (CRISTÓVAM; CIPRIANI, 2017, p. 165).
Por outro lado, deve-se chamar a atenção para o fato de que existe um risco muito grande da prática do ativismo judicial, sobretudo, no Brasil, em que seu conceito se reveste de conotações negativas e existem argumentos de agentes políticos da falta de isenção do STF para que realize ativismo judicial, uma vez que observações acerca do perfil dos ministros integrantes do STF denotam a existência de certos laços de natureza diversa (ideológica, axiológica, política etc.) demonstrando inclinações político-partidárias, já que foram nomeados por presidentes de regimes comunistas e socialistas. Por isso, legislaram a favor do aborto, por exemplo, uma pauta antidemocrática (CONSTINENTINO, 2012).
Essa percepção é válida quando se trata de ativismo judicial porque essa prática pode mudar toda uma conjuntura político-social de um país, quando “[...] a lei está se tornando, gradativamente, uma poderosa e prevalente arma de guerra” (BARROS FOLHO; FARIAS; OLIVEIRA, 2017, 365). Nesse diapasão poderia se questionar sobre as posições do STF em diferentes matérias, como direitos fundamentais, liberdade de expressão, direito à vida ou à igualdade, direitos individuais e os sociais, à saúde, à greve ou à moradia, e se são uniformes o tratamento conferido a elas pelo STF (MARTINS, 2019).
Pode parecer intransigência com relação às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), mas o que dizer da marcha da maconha, liberada pelo próprio STF, quando existe a Lei 11 343/2006, cujos art. 2º estabelece que:
Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso (BRASIL, 2006, p. 1).
Como se verifica, há a previsão legal contra a droga, sendo crime plantar, portar, cultivar produzir explorar drogas em solo brasileiro.
No entanto, mesmo assim, o Ministro Barroso em ativismo judicial defende a descriminalização da maconha e critica a lei antidrogas, quando deveria defender a legislação ou então imiscuir-se de tratar de um tema caro ao Legislativo, com reflexos sociais, culturais, políticos, econômicos e de segurança que não podem ser desconsiderados com apenas uma decisão monocrática, sem debates nas casas do Congresso Nacional (CONSTINENTINO, 2012).
Estribando-se na Constituição Federal de 1988, art. 2, o qual diz que os Poderes da União são harmônicos entre si chama-se a atenção para o fato de que é possível discordar da legitimidade do ativismo judicial, pois:
A Constituição não garante autonomia política ao Poder Judiciário de modo discricionário, assim como aos demais Poderes Constituídos. Desta forma, não é cabível uma atuação ativista e isolacionista por parte dos magistrados. Relembremos o que ocorre ao Legislativo, que apesar da necessária discricionariedade para a criação legislativa, necessita tal discricionariedade do(a) agente político(a) estar vinculada aos anseios sociais, garantidos constitucionalmente, dos cidadãos que o(a) elegeram. Igualmente para o Poder Executivo, no planejamento, criação e execução de políticas públicas e uso do dinheiro público. Portanto uma postura arbitrária do Poder Judiciário, conforme os moldes descritos acima, atuando os juízes, dando livre interpretação ao Direito é igualável aos demais regimes autoritários (FREITAS; CABRAL, 2018, p. 23).
Como se infere a Constituição Federal não confere garantia ao Poder Judiciário para que atue de modo ativista. Ao ferir a harmonia entre os poderes o ativismo judicial atuante em solo brasileiro pelo Poder Judiciário, em especial pelos ministros do STF, pode ser interpretado como uma forma de guerra jurídica (Lawfare) e pode gerar insegurança ao decidir demandas de interesse de minorias e alas políticas que deveriam ser debatidas com tempo plausível pelo Congresso Nacional, para que se chegue à instituição de lei infraconstitucional que atenda seus direitos sem ferir os demais direitos protegidos pela Constituição. Nessa perspectiva empreende-se um estudo sobre a prática do lawfare no Brasil, como segue.
2.4 A Prática do Lawfare no Brasil
Já se disse mais de uma vez que o termo lawfare diz respeito à guerra jurídica perpetrada por um político contra outro na seara do Judiciário, com o fim de desacreditá-lo frente ao povo, intranquilizar e desestabilizar seu governo, caso esteja no poder, uma vez que em geral as acusações são meramente de caráter frívolo e visam muito mais destruir a reputação do inimigo político.
Assim, deve-se frisar no tocante a prática do lawfare, que tanto em solo estrangeiro quanto brasileiro, a interpretação mais assente é aquela de que “[...] lawfare é uma arma projetada para destruir o inimigo usando, maltratando e abusando do sistema legal e da mídia, a fim de levantar um clamor público contra aquele inimigo” (MATOS, 2019, p. 232).
No entanto, deve-se compreender que cada país possui formatação jurídica, econômica, social e política, o que leva ao fato de que no Brasil o lawfare, apesar de possui objetivo já especificado, possui matizes brasileiros. Assim, não cabe qualquer dúvida que no caso brasileiro, o fenômeno do lawfare está inteiramente direcionado para fins políticos e econômicos, deixando de lado sua origem de estratégia de guerra. No Brasil o lawfare tem como causas, por exemplo:
As disputas por espaços de poder, antes restritas à arena política, especialmente no âmbito do parlamento, [que] se expandem a cada dia mais para a arena jurídica, com embates no plano judicial, não apenas pelo o acesso dos políticos e partidos ao Judiciário com demandas sobre questões que estão até mesmo no dia a dia da vida parlamentar, como é o caso da discussão sobre a legalidade ou constitucionalidade de tramitações de projetos de lei ainda em discussão no Congresso Nacional, mas também com a incidência da justiça penal sobre agentes políticos, afetando diretamente as questões políticas (SANTORO; TAVARES, 2017, p. 54).
Assim, deve-se estar atento para o fato de que o Direito brasileiro está sendo cada vez mais instrumentalizado por conta do número excepcional de lei no país, que oportunizam aos partidos antagônicos digladiarem-se mediante processos, que no mais das vezes visam apenas sufocar o inimigo em um grande número de processos, mesmo que ao final não dê em nada. A intenção subjacente é desestabilizar o inimigo (MATOS, 2019).
Frente ao atual cenário nacional político do Brasil, o qual tem no Executivo um Governo de direita, é possível dizer que a prática do lawfare realizada com insistência pelos partidos de esquerdas, visando a desestabilização da gestão do governo atual, denotam que de fato trata-se uma poderosa arma de guerra, contra os poderes democraticamente constituídos, e serve para aqueles que pretendem empreender guerra judicial no âmbito político com seus desafetos (BARROS FILHO; FARIAS; OLIVEIRA, 2017).
Observe-se como um caso de emprego de lawfare no Brasil, a atitude do Governador Sérgio Cabral, contra direitos políticos de manifestantes, onde:
[...] o então governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, para conter as grandes manifestações populares de junho de 2013, se utilizou do sistema penal para afastar garantias ao arrepio das regras constitucionais. Após protestos realizados no Leblon, bairro onde morava o então governador, Sérgio Cabral convocou uma reunião de emergência com a “cúpula da segurança” do Estado e no dia seguinte editou o Decreto nº 44.302 de 19 de julho de 2013. O Decreto evidencia claramente o desejo de manusear o sistema penal contra as vozes de protesto político que ecoavam das ruas ao utilizar no preâmbulo que o ato se dirigia aos “grupos organizados” que perpetraram “atos de vandalismo” (SANTORO; TAVARES, 2017, p. 61).
Como se contata acima, o inimigo político pode ser o povo. De outra banda, em que pese opiniões político-partidárias, vale destacar aqui, como exemplo emblemático de prática de lawfare no Brasil, o caso da Operação Lava-Jato. Muito embora se trate de crime de colarinho branco, verificou-se que os inimigos do presidente envolvido à época, não descansaram de impetrações jurídicas contra ele até colocá-lo na cadeia.
A prática do lawfare chegou ao ponto do exibicionismo e execração da “presa” da Operação Lava-Jato, diante do povo brasileiro. A condução coercitiva de Lula já denuncia uma prática de lawfare. Sobre o assunto pode-se dizer que:
É fundamental destacar que Sérgio Moro defende a máxima publicidade midiática das ações da operação Lava Jato, como método para angariar apoio da opinião pública. Os argumentos usados por Sérgio Moro para justificar a coercitividade da condução de Lula visariam evitar um tumulto causado pela mídia, quando mais parece que a mídia estava preparada para acompanhar e cobrir a cena. Tal fato aponta para uma cumplicidade entre setores da mídia e do judiciário, em processos que afrontariam princípios elementares do Direito (CARVALHO; FONSECA, 2019, p. 107).
O exemplo supra mencionado, não tem interesse de defender ou acusar o ex-presidente, mas demonstrar que houve lawfare com interesse em destruí-lo politicamente. Em vista disso, chama-se atenção para o fato de que o Direito brasileiro vem, cada vez, mais sendo usado como poderosa arma de guerra contra inimigos políticos. A título de exemplo do emprego de lawfare no Brasil para perseguição e desestabilização do inimigo político, menciona-se, também, o caso do Ministério Público Federal que:
[...] em agressiva campanha de marketing que envolvia órgãos de comunicação poderosos como o jornal “O Globo” e a “Rádio CBN”, ambos das organizações Globo, angariou mais de dois milhões de assinaturas para proposta de lei de iniciativa popular que chamou de “10 medidas contra a corrupção”. Todavia, o essencial embate de natureza política que subjazia à iniciativa do Ministério Público ficou evidente com a discussão das medidas na Câmara dos Deputados. O pacote de muito mais do que dez medidas não se prestavam necessariamente a combater a corrupção, pois presumiam a desonestidade do investigado e afastavam suas garantias individuais (SANTORO; TAVARES, 2017, p. 56).
Pelo que se nota da citação acima, não existe inimigo político determinado para o uso do lawfare, tanto pode ser um presidente da república, governador, deputado ou mesmo alguém das ruas em atos de manifestação. Isso demonstra o quanto da beligerância que esse mecanismo jurídico possui e que pode ser usado pelo Poder Judiciário como arma política.
Diante de observações como essas é que sentiu-se a necessidade de realizar um estudo na doutrina e legislação brasileira sobre lawfare e ativismo judicial no Brasil, com vistas analisar se todo ativismo judicial pode ser considerado um tipo de lawfare, como segue
3 O ATIVISMO JUDICIAL EM SOLO BRASILEIRO E SUA INTERPRETAÇÃO COMO UM TIPO DE LAWFARE
A Constituição Federal brasileira de 1988 consagra no seu art. 2 a separação dos Poderes, onde se lê claramente que os poderes constituídos se dividem em Executivo, Legislativo e Judiciário. Por sua vez, o art. 102 também da Carta Maior traz a inteligência de que a guarda da Constituição compete precipuamente ao Supremo Tribuna Federal (STF) (BRASIL, 1988)
Assim, merece atenção o fato de que, embora os Poderes estejam divididos, cada um possuindo suas atribuições, o STF tem se arrogado a fazer às vezes tanto de Poder Legislativo quanto de Poder Executivo, denotando extremo ativismo judicial e descumprimento do seu mandamento essencial que é defender a Constituição Federal brasileira de 1988. Claro está que:
[...] a Constituição não instituiu este poder como soberano sobre os demais. E por isso não se encontra na Carta Magna aporte ao ativismo judicial, nem a excessiva Judicialização. Ou seja, não há o aval, no texto constitucional, para que o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal aja em soberania, pois não há uma soberania natural ao Judiciário, mas uma construção ideológica, alicerçada na omissão e conveniência da esfera política, criando uma soberania judicial consentida (FREITAS; CABRAL, 2018, p. 22).
Foi pensando em situações como essa que agiu o constituinte originário quando dividiu os poderes em três (Legislativo Executivo, Judiciário), impondo no art. 2º que: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (BRASIL, 1988, p. 1). Tudo isso visando justamente gerar freios e contrapesos (checks and balances) para manter o equilíbrio entre eles e não a supremacia de um sobre o outro. Sendo que tempos depois se adicionou, por meio do Poder Constituinte outros dispositivos de controle de constitucionalidade, via emendas constitucionais, como
As Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), previstas no art. 102, inciso I, alínea a, c/c art. 103, da Constituição Federal (CF); as Ações de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), art. 102, inciso I, alínea a, c/c art. 103, caput e § 2º, da CF; as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC), art. 102, inciso I, alínea a, c/c art. 103, da CF; os mandados de injunção (MI), art. 5º, inciso LXXI, da CF, as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), art. 102, § 1º, da CF. A Constituição dispõe ainda da Ação Popular, Art. 5º, LXXIII, CF; Ação Civil Pública, art. 5º, inc XXXV, CF; e Plebiscito e Referendo, previstos no artigo 14 da Constituição, como formas do povo participar de maneira mais direta das decisões do Estado ((FREITAS; CABRAL, 2018, p. 12).
Observe-se que mediante essas ações é que o Judiciário poderá entrar na seara dos demais poderes. Nesse passo segue-se apontando outro exemplo emblemático a ser citado como ativismo judicial é o caso da “[...] construção jurisprudencial do STF que rege o cerne dos conflitos a respeito da união homoafetiva. Não há ainda regulamentação legislativa, apesar de dezenas de projetos de lei sobre o tema tramitarem nas casas legislativas a lentos passos” (FREITAS; CABRAL, 2018, p. 13). Note-se que o Supremo Tribunal Federal (STF) assumiu o papel de legislador legalizando a união homoafetiva usurpando, desse modo, atribuição do Poder legislativo. Pois entende-se que o certo é que as discussões fossem feitas nas duas casas do Congresso Nacional: Câmara dos Deputados e Senado Federal.
Tenha-se presente que o fato de os congressistas não tratarem de determinado assunto, não significa que eles são omissos, pode ser que seja uma escolha política para o momento daquela conjuntura. No entanto, quando partidos menores ou mal intencionados não aceitam a postergação de alguns projetos recorrem ao Supremo Tribunal Federal que em decisão, muitas vezes, monocrática decide realizando verdadeiro ativismo judicial. Assim, não há qualquer dúvida que o ativismo judicial em solo brasileiro apresenta-se como um tema preocupante para a sociedade brasileira:
Juízes e cortes ativistas não se sentem restringidos à literalidade das Constituições e da legislação infraconstitucional. Há certa deliberação em utilizar da equivocada abstrativização de princípios, tendo como norte o cumprimento dos preceitos constitucionais e estruturantes do ordenamento jurídico frente às transformações sociais. Adeptos do ativismo judicial enxergam nas normas constitucionais certa plasticidade e, dado seu dinamismo, afastam o sentido literal do texto se necessário, a fim de aproximar a norma aos casos concretos e ao momento histórico presente. Além disso, é importante ressaltar a ocorrência da omissão legislativa inconstitucional, situação em que o Legislativo ou o Executivo são inertes em suas funções típicas, podendo resultar em quadros graves como o Estado de Coisas Inconstitucional (PIERONI; MASCARENHAS, 2020, p. 1).
Com efeito, observa-se pela citação acima que Cortes ativistas como a brasileira enxergam na Constituição uma plasticidade que lhe permite afastar o sentido literal do texto e aplicar o ativismo judicial, o que pode ser interpretado como uma forma de deslegitimar os demais poderes, ou representantes diretos destes.
É nesse sentido que estudiosos como Joana Souza Machado, Sérgio Cristovam, Manoella Cipriani, Davi Guimaraes e Azevedo Campos que defendem o entendimento de que o ativismo judicial pode ser interpretado como uma espécie de lawfare contra o poder político caso não seja usado com a devida cautela e excepcionalidade, pois o:
[...] fato de os juízes e desembargadores - agentes públicos não eleitos - exercerem fatalmente poder político que por vezes contraria as disposições oriundas do Poder Executivo ou Legislativo cujos membros representam a vontade popular, faz surgir controvérsias e questionamentos sobre a possibilidade de o Poder Judiciário, principalmente na figura do Supremo Tribunal Federal, ter ou não legitimidade para inovar o ordenamento jurídico ou invalidar decisões daqueles que foram escolhidos pelo povo (CAMARGO, 2016, p. 234).
Essa concepção se calca no entendimento de que a partir do ativismo judicial os ministros passam a decidir em questões que desbordam das competências do STF e adentram na esfera do Poder Legislativo ou Executivo deixando de seguir a Constituição Federal promovendo desequilíbrio entre os poderes, atingindo inclusive os chefes daqueles poderes, maculando-os politicamente (PAULINO FILHO, 2018).
Para teóricos acima mencionados devem ser consideradas preocupantes as decisões de ministros do STF ou demais magistrados que empregam do ativismo judicial em casos que não são de sua competência, mas do legislativo por meio da consulta popular. A imposição da crença pessoal, do livre convencimento, seja esse motivado ou imotivado, além da persuasão racional do jurista pode criar verdadeiro choque entre os poderes e gerar insegurança jurídica no país. Desse modo, o ativismo judicial deve ser considerado um lado negativo, verdadeira ditadura do Poder Judiciário, que atropela os demais poderes, guerreando contra todos eles e se impondo como ultima ratio (GUIMARAES, 2020).
Reforça esse entendimento interpretações sobre o ativismo judicial perpetrado pela Corte do STF onde se chega ao entendimento de que:
As recentes decisões ativistas da Corte Constitucional do Brasil falam mais sobre a democracia exercida em terrae brasilis do que sobre a própria atuação do Supremo Tribunal Federal. Ora, as aberrações hermenêuticas vistas são frutos do casamento entre uma tripartição falida dos Poderes e um oportunismo judicial. São tempos de revisão de conceitos a fim de que não se radique nesta Terra de Vera Cruz um velho terror com novas feições: o Leviatã (agora) judicial (STRECK, 2007, p. 47).
Em que pese todas essas considerações a doutrina majoritária não interpreta o ativismo judicial como um tipo de lawfare. Pois como já se disse alhures esse termo designa guerra jurídica perpetrada por um político contra outro na seara do Judiciário, o que não é o caso do Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que a corrente doutrinária majoritária encabeçada por doutrinadores como Daniel Sarmento, Gisele Citadino, Carlso Navarro Perez, Néviton Guedes, Jackson Medeiros, e Rocco Nelson entendem que o ativismo judicial é apenas:
[...] uma ideia que tem ganhado terreno e aceitação por parte da dogmática jurídica nacional: a necessidade de se recorrer a “bons ativismos judiciais” para resolver questões que a sociedade em constante evolução acarreta e que os meios políticos de decisão (mormente o legislativo) não conseguem acompanhar (STRECK, BARRETTO; OLIVEIRA, 2009, p. 77).
Essa concepção denota que o ativismo judicial longe de ser um tipo de lawfare tem em vista decidir questões que envolvem “[...] a redemocratização e assimilação cultural-jurídica da supremacia dos princípios e valores consagrados na Constituição Federal que tratam das diversas formas de relacionamento” (PAULA, 2014, p. 3).
Além disso, que ele se reveste de uma nova lógica e forma de se interpretar a jurisdição que está sendo realizada no novo cenário em que se constitui o Estado Constitucional Democrático de Direito, cujos bastiões do texto constitucional necessitam ser interpretados satisfazendo as situações fáticas que se apresentam. Por isso cabe ao Poder Judiciário se investir dessa missão (MEDEIROS; NELSON, 2012, p. 215).
Diante dessas observações constata-se que o lawfare no Brasil não deve ser confundido ou interpretado como ativismo judicial, mas que ele possui como principal efeito esse ativismo. E que ao inovar no cenário jurídico servindo-se do ativismo judicial ele corre o risco de ser interpretado como um tipo de lawfare quando se dirigir diretamente ao cenário político e confrontar o Poder executivo ou legislativo por meio de decisões que afetem suas atribuições.
4 CONCLUSÃO
O estudo revelou na literatura investigada que o ativismo judicial é na atualidade uma pratica realizada pelo Poder Judiciário em solo brasileiro, tendo como justificativa dos magistrados solucionar conflitos e alcançar a paz social. Constou-se na literatura passada em revista que a prática do lawfare, espécie de estratégia política para manipular as leis e prejudicar opositores políticos, se disseminou em países europeus e latino americanos, especialmente naqueles com governos democráticos, como o Brasil, e que ela tem encontrado lugar comum em cortes ditas ativistas.
Verificou-se no estudo que o ativismo judicial pode contrariar a harmonia que deve vigorar entre os três poderes, sobretudo se o Poder Judiciário, na figura dos ministros do STF, e que pode ser confundido como uma espécie de lawfare.
Percebeu-se na investigação realizada na literatura que há uma acirrada controvérsia entre estudiosos e doutrinadores sobre o ativismo judicial e se ele pode ser interpretado como uma espécie de lawfare contra o poder político. Observou-se que a corrente doutrinária majoritária elencada por doutrinadores como Daniel Sarmento, Gisele Citadino, Carlos Navarro Perez, Néviton Guedes, Jackson Medeiros, e Rocco Nelson entendem que longe de ser um tipo lawfare o ativismo judicial visa, na verdade, decidir questões de ordem da redemocratização e assimilação da cultura jurídica e dos valores consagrados na Constituição Federal brasileira de 1988.
Verificou-se que
Dado o exposto, convém dizer que o estudo atingiu seus objetivos, uma vez que foi possível concluir através do levantamento bibliográfico que não é possível afirmar que todo ativismo judicial é um tipo de lawfare, mas constatou-se na literatura que quando ele é empregado pelo Poder Judiciário, em especial pelos ministros do STF, como ferramenta de guerra política contra líderes dos demais Poderes (Executivo e Legislativo), provavelmente eles ele está sob influências do lawfare, pois principal efeito deste é o ativismo judicial.
Diante dos resultados encontrados sugere-se ao legislador pátrio que institua leis prevendo o ativismo judicial, constrangendo sua abrangência quando essa afrontar os demais poderes e transparecer guerrear contra eles. Nessa linha de intelecção adverte-se os estudiosos da matéria para o fato de que ainda é cedo para dizer se o ativismo judicial é bom ou mau.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Diego Rodrigues do. A prática do lawfare e ativismo judicial em solo brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 nov 2020, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55410/a-prtica-do-lawfare-e-ativismo-judicial-em-solo-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
Por: Elisa Maria Ferreira da Silva
Por: Hannah Sayuri Kamogari Baldan
Por: Arlan Marcos Lima Sousa
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